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Estudos clássicos e românticos da literatura brasileira

POESIA LÍRICA

Chamamos de poesia lírica aquela de tom confessional, na qual o poeta


revela seus sentimentos. Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Silva
Alvarenga e Alvarenga Peixoto, entre outros, são os principais representantes da
poesia lírica árcade no Brasil. Vamos conhecer um pouco melhor alguns desses
poetas.

CONHEÇA MAIS

Cláudio Manuel da Costa nasceu em 1729, em Mariana (Minas


Gerais). No Rio de Janeiro, frequenta o Colégio dos Jesuítas.
Em 1749 segue para Coimbra, a estudar Direito. (...) De
regresso à Pátria, radica-se em Vila Rica e entrega-se aos
afazeres de advogado. (...) Em 1768, publica em Coimbra suas
Obras, ponto alto de sua carreira poética, e preconiza a
fundação de uma “academia” em Vila Rica, a “Colônia
Ultramarina”, à semelhança da Arcádia Romana. Envolvido na
Inconfidência Mineira, é preso. Imerso em profunda
depressão, suicida-se, a 4 de julho de 1789 (MOISÉS, M. A
Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo: Cultrix,
2000, p. 88).

Como já dissemos anteriormente, os poetas árcades usavam pseudônimos


pastoris. O de Cláudio Manuel da Costa era Glauceste Satúrnio. Escreveu muitos
sonetos, como o que transcrevemos a seguir:

“Quem deixa o trato pastoril amado


Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é verdade nos campos transladado


No gênio do Pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor, sinceridade;


Aqui sempre a traição seu rosto encobre;

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Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;


Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!”

Nota-se que, neste soneto (poema de forma fixa, composto por dois quartetos
e dois tercetos), o poeta contrapõe a vida no campo e a vida na cidade. Observe que,
ao falar da vida no campo, utiliza palavras com valor positivo como “paz”, “sinceridade”,
“verdade”. Em contrapartida, relaciona a vida na cidade a palavras e termos negativos
como “violência”, “aparência”, “cortesão dissimulado”, “traição”, “mentira”. Você
certamente já reconheceu, neste soneto, algumas características bastante recorrentes
na poesia árcade, não é mesmo? Pois bem: é clara a presença da natureza bucólica, da
natureza como lugar aprazível (locus amoenus), como o refúgio buscado por aqueles
que, vivendo na turbulência da cidade, almejam encontrar a pureza e a felicidade
(fugere urbem).

Tomás Antônio Gonzaga foi outro grande representante do Arcadismo no


Brasil. Vamos conhecer mais sobre esse poeta e sua obra.

CONHEÇA MAIS

Gonzaga, mais conhecido pelo cognome pastoril Dirceu, foi o


“mais árcade” dos poetas do grupo mineiro do século XVIII.
Cultivou o ideal da áurea mediocridade, louvou a vida
campestre e a simplicidade, elevou a mulher à categoria de
musa inspiradora constante e defendeu, ao longo de sua obra
poética, a utópica superioridade do homem natural (ABDALLA
Jr., B; CAMPEDELLI, S. Tempos da Literatura Brasileira. São
Paulo: Ática, 2001, p. 53).

Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Portugal, vindo ainda criança para o


Brasil. Depois de estudar Direito, em Coimbra, como Cláudio Manuel da Costa,
retorna mais uma vez ao Brasil, estabelecendo-se em Vila Rica (Minas Gerais).
Como afirma Moisés (2000, p. 75), Gonzaga “apaixona-se por Maria Dorotéia
Joaquina de Seixas, que imortalizaria com o pseudônimo de Marília. Implicado na
conjuração mineira (1789), é preso e levado para a Ilha das Cobras.” É na prisão
que o poeta escreve a segunda parte de sua obra mais conhecida, “Marília de
Dirceu”. Mais tarde, seria condenado ao exílio em Moçambique.

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Essa obra, portanto, tem duas partes: a primeira trata da felicidade, do


namoro, dos sonhos de constituir família e propriedade. A segunda reflete sobre a
justiça dos homens e os sofrimentos da prisão. Veja, agora, um trecho de “Marília
de Dirceu” que corresponde à lira de número 77, da segunda parte dessa obra.

“Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro,


fui honrado pastor da tua aldeia;
vestia finas lãs e tinha sempre
a minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal1 e o manso gado,
nem tenho a que me encoste um só cajado.

Para ter que te dar, é que eu queria


de mor rebanho ainda ser o dono;
prezava o teu semblante, os teus cabelos
ainda muito mais que um grande trono.
Agora que te oferte já não vejo,
além de um puro amor, de um são desejo.

Se o rio levantado me causava,


levando a sementeira, prejuízo,
eu alegre ficava, apenas via
na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
de ver-te ao menos compassivo o rosto.

Propunha-me dormir no teu regaço


as quentes horas da comprida sesta,
escrever teus louvores nos olmeiros,
toucar-te de papoilas na floresta.
Julgou o justo céu que não convinha
que a tanto grau subisse a glória minha.

Ah! Minha bela, se a fortuna volta,


se o bem, que já perdi, alcanço e provo,
por essas brancas mãos, por essas faces
te juro renascer um homem novo,
romper a nuvem que os meus olhos cerra,


1
Propriedade rural pequena; sítio.

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amar no céu a Jove e a ti na terra!

Fiadas comprarei as ovelhinhas,


que pagarei dos poucos do meu ganho;
e dentro em pouco tempo nos veremos
senhores outra vez de um bom rebanho.
Para o contágio lhe não dar, sobeja
que as afague Marília, ou só que as veja.

Se não tivermos lãs e peles finas,


podem mui bem cobrir as carnes nossas
as peles dos cordeiros mal curtidas,
e os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
por mãos de amor, por minhas mãos cosido.
(...)”

Como esclarece o crítico Antonio Candido numa análise que faz desse
trecho de Marília de Dirceu (“Uma aldeia falsa” In Na sala de aula. São Paulo: Ática,
2002), essa lira foi escrita por Tomás Antônio Gonzaga na prisão. “Ele está longe da
amada, sente a sua falta, pensa na perda da posição social e procura consolo
imaginando que, ao sair absolvido ou perdoado, recomeçará a vida (...)”. Nota-se,
no trecho, o tema da aurea mediocritas: o eu lírico do poema revela que se
contentará com a pobreza e lutará com empenho para recuperar a felicidade,
desde que a amada esteja ao seu lado. Notamos, ainda, a presença do espaço
rústico e pastoral tão característico do Arcadismo e representado por elementos
como lãs tecidas artesanalmente, ovelhas, contato com a natureza, rebanhos e
pastores.

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