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Universidade de Brasília

Programa de Pós-Graduação - Artes Cênicas


Seleção para o Doutorado

CANDIDATA: BELISTER ROCHA PAULINO

Projeto de Pesquisa

TERRITÓRIOS DE INFÂNCIA - INTERAÇÃO CORPO/ESPAÇO NA ANÁLISE DO


MOVIMENTO EXPRESSIVO

Linha de pesquisa: Processos Composicionais para a Cena

Abril/2019
TERRITÓRIOS DE INFÂNCIA -
INTERAÇÃO CORPO/ESPAÇO NA ANÁLISE DO MOVIMENTO EXPRESSIVO

INTRODUÇÃO
Os espaços institucionalmente aceitos e reconhecidos como os lugares da infância
são a escola e a família. Apartadas da movimentação urbana, esses espaços de visibilidade
infantil servem de confinamento ao se pensar a cidade como local de violência, abandono
e perigos. Fora da escola e de casa, os shoppings apresentam-se como espaços de lazer
nos quais as famílias contribuem, em grande parte, para uma cultura de consumo, muito
mais que experimentações artísticas e culturais. Muitos espaços públicos disponíveis não
o são de fato, uma vez que depende do que o adulto compra e pode, assim, oferecer à
criança.
Os espaços de ocupação infantil serão mote para refletir e problematizar o
movimento e a expressão artística da criança, com foco nas relações estabelecidas com o
outro e na percepção do mundo que a cerca. Dessa forma, perceber esses espaços
enquanto lugares de encontro e reconhecimento das experiências vividas, recairá na
análise dos aspectos da corporeidade e das implicações do movimento expressivo
percebido e sentido nos espaços cotidianos de convívio.
O movimento faz parte da apropriação artística do homem desde os primórdios da
humanidade, pinturas rupestres já destacavam ou faziam referências à relação com o
movimento corporal nas práticas de subsistência e nas celebrações. Na evolução histórica
e social a relação do corpo na construção da sua identidade cultural encontra significados
a partir de conceitos e pré-conceitos difundidos a respeito do próprio significado de corpo.
Perceber as implicações da interação corpo, espaço e movimento vai exigir uma
análise liminar da evolução e difusão dos modos como o corpo é percebido e representado
nos seus elementos essenciais. A partir desse ponto será possível construir uma análise
dos processos de um corpo cênico compreendido em sua corporeidade e nas interlocuções
com os sujeitos.
Apoiando-se em conceitos como o de dança educativa da abordagem de Rudolf
Laban, que percebe a aprendizagem e o desenvolvimento infantil a partir do movimento
do corpo e sua interação com o espaço e ainda, considerando métodos artísticos como o
art in situ e site specific, concebidos e ou dedicados ao local em que uma obra artística se
realiza, a investigação vai buscar um fazer artístico nos espaços urbanos onde as crianças
interagem pela expressividade da dança.
O movimento e a dança no espaço escolar, que comumente é dissociado do fazer
artístico, pode ganhar novos contornos pela análise da diversidade de manifestações
culturais nesse contexto e ampliar as perspectivas estéticas e espaciais do movimento,
enquanto canal para a expressividade criativa. Ao interagir artisticamente, dentro e fora
da escola, a criança poderá se desenvolver e ampliar aspectos significativos da sua
corporeidade.

JUSTIFICATIVA
A criança, em seus territórios e espaços de convívio tem sido cada vez mais, objeto
de interesse em pesquisas, estudos acadêmicos e na criação de políticas sociais que
promovam qualidade de vida. As cidades crescem e com elas o número de habitantes. A
quantidade de crianças e adolescentes no Distrito Federal passa de 700 mil.1 A relação
desses sujeitos nos espaços urbanos expandidos e em constante transformação é tema de
estudos cada vez mais frequentes. Mobilidade, educação e desenvolvimento de ações para
uma vida saudável são preocupações que merecem destaque.
Na educação, encontram-se inúmeros estudos concentrados na compreensão das
fases da infância para desenvolvimento de práticas inovadoras de aprendizagem. No
campo da arte, os territórios da infância também estão atraindo atenção e olhares de
professores e pesquisadores.
Se a arte tem papel fundamental na aprendizagem, o desafio é encontrar caminhos,
para além das metodologias, que favoreçam um encontro com a arte e com a
expressividade criadora em todas as etapas de ensino. Analisar os espaços da infância
dessa forma, pode abarcar percepções e práticas focadas no corpo em desenvolvimento,
para compreensão da corporeidade e do movimento criativo que a criança pode
desenvolver.
A escola e a família são os territórios institucionalizados para abrigo e cuidado,
nos quais as crianças, em tese, deveriam estar protegidas. Os espaços urbanos, para além
dos espaços de aprendizagem, preconizam a não visibilidade dos corpos infantis nas

1 Dados de uma pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal - Codeplan - e do Educasenso,


realizada em 2015 para analisar aspectos referentes à saúde, educação e desenvolvimento social de crianças
e adolescentes.
perspectivas da criação e desenvolvimento cultural. Mas as conexões que o corpo
constrói, desde a infância, revelam aspectos da corporeidade que são explicitados na
dinâmica de todos os espaços em que ela se desenvolve.
A problematização dos territórios de infância e as perspectivas artísticas voltadas
à essa faze da vida, que foi sendo analisada e construída historicamente a partir da cultura
e dos saberes sociais difundidos e estabelecidos, é o ponto de partida para um estudo
preocupado em analisar os aspectos imbricados nas concepções de corpo e sua relação
com o espaço.
Os territórios de infância precisam ser pensados e refletidos na dinâmica
contemporânea para o próprio entendimento do conceito de infância, que se modifica
historicamente, e para que se promovam, nesses espaços, ações nas quais a criança se
desenvolva nos seus aspectos cognitivos e emocionais, tendo na corporeidade e na
expressividade um caminho que aponte significados e significações nos espaços e nas
relações.
Depois de anos de pesquisa e de uma prática relacionada com dança e educação,
ainda me instigam novas formas de perceber o corpo e suas formas de relacionar-se no
espaço, seja ele social, físico ou cultural. Acredito que estabelecer vínculos afetivos com
os espaços de interação com o outro pode ressignificar os lugares de encontro nos quais
o corpo constrói uma identidade cultural e artística.
Acreditando também que as possibilidades investigativas no contexto da arte
contemporânea não se esgotam dentro de um campo fechado, mas reverberam em novas
formas de ver e conviver, apresenta-se uma proposta de estudo ampliada às possibilidades
do corpo cênico infantil que se expressa nos territórios de interação com o outro.
Conhecer o processo que leva à construção de um corpo cênico, ainda na infância,
pode contribuir para o desenvolvimento de espaços e tempos nos quais a criança tenha
oportunidades de ser criadora e participante da sua aprendizagem pelo movimento e
através de uma prática de dança que não esteja ligada a estilos e modismos midiáticos.
Nessa perspectiva, delineiam-se nesse projeto, caminhos possíveis de um estudo
para compreensão da corporeidade e do processo de construção do corpo expressivo
através da dança em questionamentos como: Que espaços públicos fomentam a dança e
a expressão do corpo para crianças? (Onde e como?) De que maneira o adulto articula
vivências e percursos estéticos em dança nos espaços de interação da criança? Como pode
ser percebida a relação corpo, espaço e movimento na infância, a partir de experiências
corporais e artísticas e de seus processos e criativos de dança?
OBJETIVOS
A partir da problematização e das questões iniciais apresentadas, esse projeto de
pesquisa pretende analisar as implicações estéticas na interação corpo, espaço e
movimento da criança através da dança; compreender o percurso criativo e os processos
decorrentes de intervenções com o movimento em espaços cotidianos e urbanos; mapear
ações, espaços e projetos nos quais se desenvolvam práticas cujo foco seja a corporeidade
e a expressividade infantil; perceber o papel do adulto na articulação de experimentações
com o movimento na infância.

REVISÃO DE LITERATURA

A Arte na Formação da Criança


A arte tem um papel fundamental nos processos de aprendizagem e isso não se
constitui um aspecto que induz seu poder redentor aos problemas e dúvidas da existência
humana, mas aponta para implicações que vão além das concepções que a definem como
algo de menor valor na escala do conhecimento.
A contribuição da arte para o desenvolvimento da criança vai além dos estímulos
criativos, permitindo que ela pense e aja com sensibilidade frente às vivências e as
interações cotidianas. (COLETO, 2003)
Para Duarte Júnior (1981), a arte se apresenta como um elemento libertador que
prioriza o sentimento e a sensibilidade nos processos criativos que atuam na articulação
do novo com aquilo que já faz parte das experiências infantis. Kastrup (2001) analisa essa
articulação destacando a arte como uma experiência de estranhamento, na qual a criança
é confrontada em áreas que não está habituada e como uma problematização diante do
novo que a permita viver experiências presentes e aprender a construir um caminho para
realizar as atividades propostas.
De libertadora à forma de reencantamento, a arte é quase uma unanimidade. O
desafio é descobrir como esse reencantamento intervém na transformação social. O
pensamento de Nietzsche sobre o poder da arte na produção de representações da
existência humana a coloca como um dispositivo que possibilita a criação artística e a
própria reinvenção do mundo. Resgatar sua dimensão fundadora é criar e comunicar, sem
perder o foco na expressividade. (FARIA e GARCIA, 2003)
Essa dimensão expressiva permeia aspectos culturais na arquitetura do porvir e
permite múltiplas invenções, pois:

“A arte nos proporciona poder vivenciar a diversidade cultural e possibilita que


nos conheçamos nesse processo criativo. Extirpando o etnocentrismo que nos
conduz a visões estereotipadas do outro, incorporamos, pela arte, a nossa
pluralidade, com suas diversas formas de construir e reconstruir o mundo. Vale
dizer que, nesse processo, as identidades estão em constante mutação”.
(FARIA E GARCIA, 2003. p. 49)

Se, desde os primeiros instantes de vida a criança é inserida numa cultura e numa
história cujo “mundo mediado pelas relações sociais é um grande universo de
aprendizagem” (WIGGERS, 2005. p. 60), colocá-la como protagonista é uma forma de
valorização dos registros de sua existência para que seu corpo seja percebido no
movimento e na expressividade.

Educação pelo Movimento do Corpo


O movimento corporal e a expressividade serão analisados com base na
abordagem teórica de Rudolf Laban, cuja proposta aponta para o desenvolvimento e a
aprendizagem a partir da integração do corpo e da mente na percepção de si, do outro e
do mundo. A interação decorrente desses elementos possibilitará a ampliação das
possibilidades de movimento individual e coletivo. Para Laban (1989), a criança
apresenta movimentos naturais espontâneos que precisam ser valorizados nos espaços de
convivência da criança, para que não sejam esquecidos ao longo dos anos.
A criança “... repete ações do movimento sem nenhuma outra razão aparente de
caráter externo.” ... pode se dizer que a única finalidade é o desejo instintivo da criança
desenvolver seus esforços. (LABAN, 1989. p. 27). Aos movimentos naturais da criança,
juntam-se elementos da corporalidade que se desenvolverão com ela. Nessa trajetória, o
corpo, em suas diversas formas de manifestar-se, vai revelando aspectos da subjetividade
e despertando a criança para o aprender.
O movimento corporal pode se apresentar como uma possibilidade de expressão
estética e como uma experiência que, subjetivamente, vai trabalhar a sensibilização e a
ressignificação a partir de sua prática consciente em espaços de interação cotidiana nos
quais se favorecerá o processo de comunicação interpessoal. (DUARTE, ALMEIDA E
BAECKER, 2001). O corpo, nessa vertente, precisará ser compreendido na sua totalidade
e constituição cognitiva, afetiva e emocional.
Corporeidade: Conexões Expressivas do Corpo
Na reflexão sobre o movimento expressivo há que se considerar os aspectos
relacionados às apreensões sensoriais vivenciadas que determinam a forma como o
indivíduo aprende e se relaciona no espaço.
Grando (2009) reflete sobre o corpo a partir dos padrões culturais ou significados
construídos historicamente que moldam o homem como espécie única e como indivíduo.
Nesse contexto, os conceitos de cultura, que não é um fenômeno estático, e de homem,
se relacionam em interação com os conflitos sociais que caracterizam as identidades
individuais e coletivas.
O corpo, para essa autora, se apropria de técnicas para construção de sua
identidade, cujo processo é consciente ou não. Essas técnicas corporais estão no centro
da vida, aproximando e favorecendo as relações sociais, pois é na corporalidade que se
expressa a cognição da pessoa. Ao corpo e sua visibilidade se atribuem um papel de
relevância na fabricação da pessoa e da sua identidade como expressão de significados
sociais constituídos culturalmente e socialmente.
Na construção dessa identidade, a corporeidade abarca tudo que os sujeitos
desenvolvem sobre seu corpo num processamento de experiências acumuladas que são
arquivadas no corpo a partir das experiências nele impressas. O que é apreendido pelo
corpo é construído subjetivamente na interação com outras pessoas, com os objetos e o
com o espaço. (NASCIMENTO, 2013). Esse espaço, que é o local da interação subjetiva,
funciona como lugar de significações das experiências nele vivenciadas.
Corporeidade para esse autor é, portanto, tudo que os sujeitos desenvolvem sobre
aspectos do seu corpo num processamento de experiências acumuladas que são
arquivadas nele a partir das experiências com o movimento. Na subjetividade do
movimento é que se constrói o que o autor chamou de biografia corporal, na qual os
sujeitos alicerçam seu vínculo com o mundo.
Esse vínculo vai permitir a construção de conhecimentos e vai ser condição de
existência no mundo e do entendimento de corpo como linguagem do indivíduo. O corpo
será percebido na relação com o espaço e na expansão dos territórios físicos e tangíveis.
(PARAGUAI, 2008)
O ser humano é, portanto, corpo e sua presença no mundo é marcada pelo
movimento e pela expressividade. A corporeidade assim, explicita esse viver
corporalmente, o ser-estar-no-mundo e nos faz evoluir como sujeitos sociais. “Ao mesmo
tempo em que a criança é produto, ela também é produtora de cultura e nessa interação
com o meio ela constrói, desconstrói e reconstrói seus pensamentos e atitudes, sua
identidade pessoal”. (PROSCÊNCIO, 2010. p. 33)

Relacionamento do Corpo com o Espaço


O espaço remete a um contato com o mundo que nos rodeia e pode ser percebido
de forma difusa, quando a atenção está voltada ao ambiente e de forma focalizada, pessoal
ou individual, com a atenção ao próprio corpo. (PREGNOLATTO, 2004)
Nele a arte é reproduzida e se estabelece de diferentes maneiras, sendo construída
para além dos lugares que convencionalmente são estabelecidos para esse fim. O trabalho
artístico corporal em diferentes espaços possibilitará novas formas de interação e
qualidade de movimento. Dessa relação surgirá uma ressignificação dos espaços que
serão transfigurados pela arte, pois:

“...é nos lugares que se forma a experiência humana, que ela se acumula, é
compartilhada, e que seu sentido é elaborado, assimilado, negociado. É nos
lugares, e graças aos lugares, que os desejos se desenvolvem, ganham forma,
alimentados pela esperança de realizarem-se”. (FALKEMBACH, 2012. p.
103).

Nesse contexto, a subjetividade é ferramenta fundamental para perceber o espaço,


no qual cada pessoa assume uma percepção, dependendo da posição e da perspectiva que
tem do ambiente. Nessa relação com o espaço, a corporeidade vai se referendar pela
temporalidade na qual o sujeito se organiza internamente pela percepção do
ontem/hoje/amanhã. Os sujeitos podem, assim, construir sua autoimagem ou autoconceito
para estabelecerem sua identidade. (NASCIMENTO, 2013)
O corpo, para Almeida (2016), é rodeado pelo espaço que se desloca com a
realização do movimento. Esse espaço é o elemento que corporifica o gesto e orienta
quem o realiza. Essa autora sublinha aspectos do espaço importantes para sua
compreensão como a amplitude, relacionada com o espaço físico, a distância ou
localização do corpo, em relação a alguém ou a objetos e o espaço social, no qual as
relações interpessoais e encontros se estabelecem nos grupos.
Laban (1989), aprofunda o relacionamento do corpo com o espaço pela
compreensão do espaço pessoal, que ele chamou de kinesfera. Essa esfera está ao redor
do corpo e sua circunferência é alcançada pela extensão das suas extremidades pelo
movimento. É uma espécie de parede interna imaginária e fora dela está o espaço geral.
Esse espaço, que é o local da interação subjetiva, funciona como lugar de significações
das experiências nele vivenciadas. O que Laban destaca é a interação do corpo com o
espaço e os desenhos possíveis dessa interação nas diferentes direções e níveis espaciais.
Os desenhos e formas concebidas na mente poderão ser sentidos no corpo e refletidos
com a consciência e percepção do espaço mais amplo, que é alcançado ao se pisar fora da
esfera pessoal, que na verdade, não pode ser deixada, mas carregada durante o
movimento.
Problematizar os espaços e os territórios da infância pode contribuir para um
processo contextualizado na interação e análise do movimento expressivo.

Territórios de Infância
O cotidiano da infância em relações espaciais estabelecidas é tema de investigação
para a compreensão da realidade das fronteiras sociais e culturais percebidas em contextos
diversos. A construção da identidade da criança é percebida na lógica dessa organização
social na qual se pode dialogar em torno dos espaços e territórios em que a construção da
identidade da criança se define. (LOPES e VASCONCELLOS, 2006)
A busca pela compreensão dos territórios da infância dos autores acima, destaca
uma preocupação social na relação dos sujeitos em espaços diferenciados e nos quais se
apoia a subjetividade infantil na interação com a coletividade, que se apresenta como uma
necessidade psicológica e até mesmo, biológica. O objetivo é compreender a infância
como um artefato social.

“Existe, portanto, uma estreita ligação entre a vivência da infância e o local


onde ela será vivida, pois cada grupo social não só elabora dimensões culturais
que tornam possível a emergência de uma subjetividade infantil relativa ao
lugar, mas também designa existência de locais no espaço físico que
materializa essa condição”. (LOPES e VASCONCELLOS, 2006. p. 112)

Num estudo realizado em Brasília, Müller, Nunes e Ferreira (2014) observam a


interação da criança no espaço urbano como um potencial de uso e apropriação castrado
pelo adulto. Sugerem mesmo que a temática dos territórios de infância seja transformada
em linha de pesquisa, pelo grande número de crianças, até os onze anos, que vive e transita
nos centros urbanos do país. Infância e cidade são pensadas, mais uma vez na perspectiva
social de investigação, pois aborda aspectos da mobilidade de crianças que têm que se
deslocar da periferia para áreas centrais de Brasília em busca de escolas ditas melhores.
No estudo realizado, destacou-se a concepção difundida de que a criança é um ser
incapaz e dependente nos espaços da vida pública, mas propõe entender a vida na cidade
a partir do ponto de vista da criança e sua interação com os espaços para promover o
engajamento das crianças nos processos de transformação dos lugares onde interage. Não
se nega, por outro lado, a falta de segurança existente nos espaços públicos, que se tornam
terrenos de incertezas e hostilidades, destacando que as:

“Cidades foram criadas e planejadas pelos adultos, de modo que suas


necessidades fossem supridas. É igualmente evidente que adultos possuem
uma circulação mais livre e autônoma do que crianças na cidade. Entretanto,
de acordo com Ward (1978, p. 204), cidades poderiam ser transformadas em
lugares onde crianças e adultos vivem - e poderíamos agregar, interagem -
juntos. (MÜLLER, NUNES e FERREIRA, 2014. p. 668)

Nos espaços e territórios da infância, a arte aponta caminhos para uma reflexão
dos processos de criação do corpo cênico que se desenvolve na relação espacial com o
outro e por que não, na movimentação expressiva de dançar, seja em espaços
institucionalizados ou até mesmo nos espaços urbanos não convencionais para essa
prática.

Arte Propagada no Espaço Urbano


A disposição para a dança nos espaços urbanos não é uma característica recente,
mas uma prática que sempre esteve presente em rituais, celebrações e outras formas de
socialização. Os sujeitos modificam os lugares para que sejam espaços de ação do corpo
popular em cena e para que a dança se estabeleça. (GUARATO, 2015)
O movimento, dessa forma, exterioriza-se no corpo gestual, brota do invisível e
mostra uma realidade criativa e transformadora. O corpo, nessa perspectiva, não
representa apenas a sua constituição física, mas desvela suas memórias e saberes através
da dança. (MARTINS, 2015)
Essa análise do movimento e da dança no espaço urbano, tão comum no cotidiano
adulto, pode ser pensada também para as crianças, cujas histórias e memórias serão
construídas pelo o corpo e sua expressividade. O espaço das cidades como lugar da arte
abre caminho para conceitos como site specific e o art in situ, nos quais a dança se
apropria e se relaciona em experimentações e percepções artísticas transitórias e voláteis.
Nesse sentido, a dança enquanto uma obra criada para existir num determinado
espaço, pode ser explorada por quem passa e aprecia. Quando isso acontece, não só com
a dança, mas com toda obra de arte num determinado espaço, há uma experiência
perceptiva e ativa cujo trabalho só vai existir nesse espaço e nessa ação de explorá-lo.
Esse espaço torna-se então uma propriedade de acontecimentos na qual o corpo se ajusta
ao espaço e aos objetos inseridos nesse site specific, demonstrando uma atividade de
encontro de experiência sensível frente aos estímulos do entorno. (PARAGUAI, 2008)
Essa autora destaca que a experiência sensível do ser local, em oposição ao ser
global, é algo que pode se fortalecer nesses espaços e nessas experiências territoriais
específicas, como uma espécie de reivindicação do seu lugar no mundo e da sua
identidade cultural. O ser local entra em conflito com as visões de mundo e de valores
socioculturais e globais, mas as práticas cotidianas podem desencadear processos de
reconfiguração das territorialidades e pontos de fuga dentro da homogeneidade
estabelecida. Para Paraguai (2008), essas experiências centradas no cotidiano
possibilitam a compreensão de diferentes realidades e perspectivas culturais.
Como pensar os espaços cotidianos na perspectiva da arte? A autora sublinha esse
pensamento a partir da construção de conhecimentos no presente, numa cultura que se
transmuta em tramas e conexões para o futuro.
“As pessoas são livres para inventar como querem viver a arte”, (MARTINS e
TOURINHO, 2015) e o que se vê no cotidiano das cidades são maneiras de conectar
corpos e tempos na ampliação do que se produz culturalmente. Assim, a relação do corpo
com o espaço muda a cultura e é transformada por ela em atos cotidianos e em conexão
com a arte.
Para Kwon (2008), o espaço da arte não é percebido como uma lacuna, mas como
espaço real no qual um objeto ou evento pode ser experimentado no aqui-agora pela
presença do espectador. Essa autora pesquisou a evolução do site specific, que
inicialmente, focava a relação entre trabalho artístico e sua localização. Esse método
aspirava exceder as limitações das linguagens artísticas tradicionais, como a pintura e a
escultura, com o desafio de realocar o significado do objeto artístico. O sujeito dessa
experiência passa de cartesiano a fenomenológico pela experiência corporal vivida.
O espaço, nesse contexto, é concebido como uma estrutura cultural definida pela
arte para além das galerias, museus e palcos (que podem ser vistos como espaços de arte
dissociados do mundo externo). O site specific inclui uma gama de espaços diferentes,
recodificando e moldando o significado de arte. Incluir espaços não especializados afasta
do confinamento cultural da arte e do artista e revitaliza as manifestações estéticas. Em
espaços específicos, os artistas transformam o entorno ao produzir um novo ambiente.
(PARAGUAI, 2008)
Caballeros (2011) também destacou o site specific ao analisar as manifestações
artísticas que caracterizam os protestos políticos nas ruas dos países na América Latina.
“A arte que hoje acontece em algumas cidades do mundo significa um desafio para os
olhares ortodoxos que seguem pensando na produção artística de forma segmentada”.
(CABALLEROS, 2011. p. 18).
Para ela, as manifestações que aconteciam nos centros urbanos representavam a
materialidade de vida, limitada ao instante em que ocorre e se inseriam nas relações que
as modificam, como intervenções urbanas que interferem na fronteira entre espaço e
realidade. Caballeros analisa o conceito de liminar, associado à contaminação e
fronteiriço pela transdisciplinaridade em que se entrecruzam os movimentos artísticos em
territórios mutáveis e transitórios e que direciona a relação entre o fenômeno artístico e
seu entorno social. Propõe pensar a arte em situação de diálogo com o espaço, com a vida
e com a ética.
Por fim, o espaço urbano observado na complexidade social e contemporânea, não
é pensado para a criança. As cidades crescem e se desenvolvem à luz de um progresso
que prima pelo trabalho e movimentação do adulto na dinâmica do seu cotidiano.
A pesquisa sobre os territórios de infância poder ajudar a configurar os espaços
de experiências cotidianas em lugares significativos ao considerar os aspectos da
corporeidade e da manifestação artística infantil através dos quais as crianças interagem
e constroem sua identidade cultural.

METODOLOGIA

Tipo de Pesquisa
A natureza da pesquisa sobre corpo e movimento no espaço será qualitativa, pois
considerará, assim Menezes e Silva (2005), a relação entre a realidade objetiva e a
subjetividade do sujeito pelo vínculo indissociável existente na sua interação com o
mundo. Nessa perspectiva, os resultados obtidos serão traduzidos e interpretados pela
atribuição de significados percebidos no processo de investigação e descritos pelo ponto
de vista do pesquisador.
Local e Sujeitos da Pesquisa
A pesquisa será realizada com um grupo de crianças (até 12 anos) de uma escola
da periferia do distrito federal. Os espaços para além da escola, com os quais as crianças
poderão ter contato, serão definidos entre aqueles que oferecem atividades voltadas à
dança para crianças, como o Centro de Dança de Brasília dentre outros.
A cidade à qual pertence o grupo de crianças e outros espaços urbanos, serão
percebidos como lugares de interação para o movimento expressivo e serão definidos de
acordo com o desenvolvimento da pesquisa, que pretende mapear ações e espaços da
cidade nos quais a dança é percebida na perspectiva do movimento criativo e expressivo
da criança.

Instrumentos Metodológicos
Para análise dos dados serão realizadas oficinas de dança educativa, entrevistas,
questionários, visitas a espaços públicos (artísticos e culturais), técnicas, como a de
grupos focais, para que dados e insights sejam mais acessíveis pela interação grupal em
tempos e espaços delimitados e para que a pluralidade de ideias possa ser captada da
melhor forma.
Outro instrumento a ser utilizado é o diário de bordo, cujas anotações nele
registradas destacarão as percepções, anseios, memórias e ações compartilhadas nos
espaços da pesquisa. Os critérios para o registro surgirão a partir dos saberes e ideias
pontuados ao longo da pesquisa. Para Machado (2002), esse tipo de organização do diário
de bordo facilita o envolvimento do pesquisador, que vai se deter mais atentamente aos
detalhes e vai refletir sobre os desdobramentos da investigação. Essa autora destaca ainda
que o registro da experiência vivida, se relacionará com as escolhas metodológicas por
meio do fazer. As imagens e vídeos vão completar as anotações e percepções da
investigação.

PLANO DE TRABALHO
O plano de trabalho para desenvolvimento da pesquisa prevê as etapas abaixo, que
serão alinhadas com as orientações e a organização estabelecida no Programa de Pós-
Graduação de Artes Cênicas:

• Levantamento e revisão da bibliografia.


• Aprofundamento e discussão teórica para delimitação dos objetivos e levantamento
de fontes para a coleta de dados.
• Levantamento das fontes de coleta de dados.
• Coleta e análise dos dados.
• Redação; revisão; entrega e defesa do resultado da pesquisa

CRONOGRAMA
ANO 1
Período Atividades
Mar/Mai Levantamento e revisão da bibliografia
Jun/Ago Levantamento e revisão da bibliografia
Set/Dez Aprofundamento teórico para delimitação dos objetivos
ANO 2
Período Atividades
Mar/Mai Discussão teórica para levantamento das fontes de coleta de dados
Jun/Ago Levantamento das fontes de coleta de dados
Set/Dez Determinação das categorias de análise dos dados
ANO 3
Mar/Mai Coleta de dados
Jun/Ago Coleta de dados
Set/Dez Análise da coleta de dados
ANO 4
Período Atividades
Mar/Mai Análise da coleta de dados
Jun/Ago Redação do trabalho
Set/Dez Revisão/Entrega/Defesa

REFERÊNCIAS

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