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Aqui a crítica passará ter como centro à filosofia do Direito, sob a visão
marxiana e lukácsiana. Ambas as visões foram partilhadas do pressuposto que não
podemos desconectar, a rigor, as relações jurídicas das relações materiais de produção
(isso não pode ser confundido apenas à economia vulgar). Esse ajuste do grau de
regulação social do sistema judiciário, consonante com o nível de complexidade das
interações humanas, dentro da sociedade capitalista, pois dividida em classes sociais
antagônicas, engendra um mecanismo de “consciência social”. Isso é ponto chave na
percepção que o Direito – ou a chamada “esfera jurídica” – é extensão dessa consciência
social, ou ainda mais: ideológica (no sentido “negativo” que Marx coloca a questão –
mas é assunto para ser abordado especificamente em outro momento oportuno); pela
qual é o nosso objeto de crítica presente.
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Sob os escritos de Marx e Lukács no interior da filosofia do Direito temos o
instrumental analítico sofisticado e radical em sua gênese crítica. Contraposta perante
outras perspectivas, acerca da temática que se passa desde os cânones do liberalismo até
a socialdemocracia. Se no liberalismo clássico o Estado existe a partir um pacto
coletivo, sua função seria, na visão dos contratualistas, o Estado surgir de um acordo
coletivo, isto é, um contrato social. Sua função seria atender as necessidades vitais,
como a liberdade, segurança e à propriedade.
Podemos inferir que o Direito é, aqui, o resultado pelo qual a classe dominante
apresenta como melhor, no seu ordenamento, mais “adequado”. Isso seria porque o
direito é sempre vinculado à ideologia, pois é aparato legal da repressão social e de
“punição” individual. Este arcabouço normativo estatal corresponde a cada época
especifica. Na prática, o ordenamento jurídico está submetido ao ordenamento da
sociedade para garantias legais de privilégios, coerção e violência.
Marx escreveu em seu livro A ideologia alemã, juntamente com Engels que os
interesses das classes dominantes por meio de seus instrumentos de regulação e
dominação social, como “as relações materiais dominantes apreendidas como ideias;
portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são
as ideias de sua dominação” (MARX; ENGELS 2007, p. 47); o sistema jurídico e o
aparado militar e policial. Se de um lado os contratualistas liberais viam a
funcionalidade estatal como defensora da propriedade como garantia das liberdades
civis (ver Hobbes, Locke, Montesquieu e, de certa forma, em Rousseau). Seria o
“contrato social” fundador da soberania. A passagem do assim chamando estado de
natureza à sociedade civil se daria por meio deste contrato firmado pelos sujeitos
integrantes dessa sociedade fundada. Por outro lado, o filósofo alemão confronta essa
tese ao afirmar:
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Adiante Marx e Engels assinalaram que o direito não pode estar num nível
superior tanto econômico tanto politicamente no desenvolvimento da sociedade que é
condicionado por ele. A lei, contudo, é a formalização desse desenvolvimento particular
que engloba estratos sociais distintos (ou seja, antagônicos). Dessa maneira eles
escreveram:
Dessa forma, chegamos à crítica de Lukács. Por sua vez, constatou o pensador
que partes importantes da superestrutura, bastando pensar no direito ou na política,
estão intimamente ligadas a esse metabolismo da reprodução capitalista, no seu caráter
repressivo, encontrando-se numa inter-relação direta e intrínseca com ele. A
conscientização de relações sociais determinadas e agem no sentido do fornecimento da
inteligibilidade que expressa uma norma coletiva que corresponda às necessidades
sociais imediatas:
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formas mais mediadas dos antagonismos sociais, reduzir a regulação
da ação social ao puro uso da força bruta forçosamente levaria a uma
desagregação da sociedade. Nesse nível, deve estar em primeiro plano
aquela unidade complexa de força indisfarçada e latentemente velada,
revestida da forma da lei, que adquire seu feitio na esfera jurídica
(LUKÁCS, 2013, p. 231-2).
O Direito, como apontou o filosofo húngaro, tem sua base alienante, ou seja,
sua base real é manipuladora mesmo que seus agentes por mais bem-intencionados que
fossem a forma em si desta expressão jurídica desempenharia seu metabolismo
repressivo e excludente:
O campo jurídico serve para que o “gelo” seja “enxugado”; [...] Neste
sentido, diria que o papel do Direito na luta da supressão do Estado
burguês é, na melhor das hipóteses, circunstancial; o essencial está em
outros campos. Seria “esquerdismo” (Lenin) relegar qualquer luta por
direitos à nulidade; no entanto, o caminho de uma esquerda socialista
passa pela necessária crítica ao Direito.” (SARTORI, 2017 –
entrevista).
Os agentes dentro dessa esfera, conscientes disso ou não, ainda mesmo que “a
argumentação jurídica conseguisse se colocar como uma argumentação moral
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‘humanista’ [...] a situação não mudaria substancialmente” (SARTORI, 2017, p. 225). O
metabolismo do ordenamento jurídico deixa inviável e, até de maneira “obsoleta”, a
supressão das mazelas que intrinsicamente tomaram formas dentro da estratificação
social engendradas. Isso acontece pela necessidade do respaldo jurídico-político no seu
reconhecimento manipulatório que o jurista tem em sua práxis. Como forma de
ideologia, advertida pelo autor húngaro, o sistema jurídico exerce papel preponderante
na manutenção do status quo.
A ilusão que poderia ser eficaz, a “tentativa de ser “mais burguês que a
burguesia”, buscando do aparato burguês [...] traz um grande perigo: o fortalecimento
do próprio aparato burguês que precisa, do ponto de vista de esquerda, ser derrubado”
(SARTORI, 2017, p. 135-136). Na argumentação de Lukács, vale frisar, há a primazia
ontológica da visão que o sistema jurídico é a expressão das relações humanas
concretas, no seu ínterim, de forma ideológica para a repressão e injustiça. Nessa linha
de análise, convém usar das palavras do mesmo. E assim ele escreveu em sua obra
intitulada Para uma ontologia do ser social:
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Porém, no sistema jurídico, esses princípios de regulação constituem
resultados de um pôr consciente, que enquanto pôr deve determinar as
factualidades. Por isso, as reações sociais a ele também acabam sendo
necessariamente de outra qualidade. Por essa razão, é facilmente
compreensível que a crítica popular e também a literária à injustiça no
direito aplicado de modo consequente se concentre nessa discrepância
na subsunção do caso singular (LUKÁCS; 2013, p. 242).
O raciocínio de Lukács é bem claro para nós: o direito nunca poderá ser apenas
técnico ou “neutro” por si; ele pode ter esse verniz embutido no seu tratamento, se a
expressão jurídica tem como pano de fundo essencial à manutenção da ordem
estabelecida. Em outras palavras, Marx concebeu a “consciência social” dos sujeitos
dentro da ordem burguesa de mundo. Nessa dinâmica, a práxis jurídica, “em grande
parte dos casos, o jurista nada mais faria que “dourar a pílula”, deixando intocadas
justamente as raízes daquilo que, por vezes, sinceramente, critica” (SARTORI, 2017, p.
225).
Referências bibliográficas
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. v. II. Tradução Nélio Schneider. São
Paulo: Boitempo, 2013.
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MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Tradução: José Carlos Bruni e Marco
Aurélio Nogueira. Editora Hucitec. 4° ed. São Paulo, 1984.