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Plantão agitado, paciente em insuficiência ventilatória, intubar ou não intubar?

Vamos tentar
ventilação não invasiva (VNI)? Que plantonista nunca viveu essa situação? O European
Respiratory Journal lançou recentemente um guideline com o objetivo de fornecer informações
baseadas em evidências para o uso desta opção de ventilação, que pode ser um recurso salvador em
momentos críticos.
O documento foi estruturado em forma de perguntas e traremos para vocês os principais pontos que
precisamos saber para a prática clínica.

1) VNI deve ser usada na exacerbação do DPOC?


A VNI (bilevel) pode ser considerada em pacientes com DPOC com uma exacerbação aguda em
três contextos clínicos:
• Para prevenir a acidose respiratória aguda.
• Para prevenir intubação endotraqueal e ventilação mecânica invasiva em pacientes com
acidose leve a moderada e dificuldade respiratória.
• Como alternativa à ventilação invasiva em pacientes com acidose grave e dificuldade
respiratória mais grave.
1.1) A VNI deve ser utilizada na Insuficiência respiratória aguda (IRA) devido a uma exacerbação
da DPOC para prevenir o desenvolvimento de acidose respiratória?
A diretriz sugere que a VNI não seja utilizada em pacientes com hipercapnia que não estejam
acidóticos no cenário de uma exacerbação da DPOC (Recomendação condicional, pouca
certeza de provas).
1.2) A VNI deve ser usada na insuficiência respiratória aguda hipercápnica estabelecida devido a
uma exacerbação da DPOC?
Pacientes com pH entre 7,25 e 7,35, na ausência de uma causa metabólica para a acidose,
normalmente não seriam considerados como necessitando de intubação e ventilação mecânica. É
nesse grupo que existe a base de evidências mais forte para apoiar o uso de VNI (bilevel). Uma
melhoria no pH ou na frequência respiratória, ou idealmente ambos, é um bom preditor de um
resultado bem sucedido com a VNI; naqueles que responderão, a resposta é quase universalmente
vista nas primeiras 1 a 4 horas após o início da VNI.
É recomendada VNI bilevel para pacientes com IRA levando a acidose respiratória aguda ou
aguda-crônica (pH ≤ 7,35) devido à exacerbação da DPOC (Forte recomendação, alta certeza
de evidência).
Indica-se uma tentativa de VNI bilevel em pacientes considerados como necessitando de
intubação endotraqueal e ventilação mecânica, a menos que o paciente esteja imediatamente
se deteriorando (Recomendação forte, certeza moderada de evidência).

2) VNI deve ser utilizada na IRA devido ao edema pulmonar


cardiogênico?
A fisiopatologia da insuficiência respiratória durante o edema pulmonar cardiogênico inclui
diminuição da complacência do sistema respiratório e inundação alveolar devido à alta pressão
capilar associada ou não à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (VE). A VNI (incluindo tanto
o nível bilevel quanto o CPAP) nesse contexto tem a capacidade de melhorar a mecânica
respiratória e facilitar o trabalho do ventrículo esquerdo diminuindo a pós-carga do VE. Isso é
facilitado pela diminuição das oscilações de pressão negativa geradas pelos músculos respiratórios.
Recomenda-se VNI bilevel ou CPAP para pacientes com IRA devido a edema pulmonar
cardiogênico (Recomendação forte, certeza moderada de evidência).

3) VNI deve ser usada em crise de asma aguda?


A principal característica da asma aguda é um episódio súbito e reversível de broncoconstrição,
levando a um aumento da resistência das vias aéreas que varia em gravidade. A alteração aguda na
carga mecânica gera hiperinsuflação, aumento do esforço muscular respiratório e dispneia. A
hiperinsuflação também reduz a eficiência da musculatura respiratória e, assim, a bomba muscular
respiratória pode se esgotar, levando à hipercapnia. A VNI é usada, juntamente com o tratamento
farmacológico convencional, com o objetivo de diminuir o trabalho muscular respiratório que é
muito aumentado durante os episódios de bronco-constrição aguda, para melhorar a ventilação,
diminuir a sensação de dispneia e, finalmente, evitar entubação e ventilação mecânica
invasiva. Possivelmente porque a magnitude do problema é pequena (isto é, episódios de asma
aguda que requerem internação em UTI são incomuns), não há muita pesquisa publicada nesse
campo. Um estudo fisiológico dá algum suporte ao uso de CPAP.
Dada a incerteza das evidências, não foi oferecida recomendação sobre o uso de VNI para IRA
devido à asma.

4) VNI deve ser usada para IRA em pacientes


imunocomprometidos?
A IRA é a principal indicação para admissão em UTI em pacientes imunocomprometidos. A
literatura atualmente disponível apoia o uso da VNI como uma abordagem de primeira linha para o
manejo da IRA leve a moderada em pacientes selecionados com imunossupressão de várias
etiologias. Vários estudos relataram benefícios clínicos da VNI, embora o monitoramento rigoroso
na UTI e a pronta disponibilidade de ventilação mecânica invasiva sejam obrigatórios.
Recomenda-se a VNI precoce para pacientes imunocomprometidos com IRA (Recomendação
condicional, certeza moderada de evidência).

5) A VNI deve ser usada na IRA no contexto pós-operatório?


Cirurgias, particularmente aquelas que se aproximam do diafragma, com anestesia e dor pós-
operatória, podem ter efeitos deletérios no sistema respiratório, causando hipoxemia, diminuição do
volume pulmonar e atelectasia. Essas modificações da função respiratória ocorrem precocemente
após a cirurgia e a disfunção do diafragma pode durar até sete dias, levando a uma importante
deterioração da oxigenação arterial.
A manutenção da oxigenação adequada e a prevenção de sintomas de desconforto respiratório no
período pós-operatório são de grande importância, especialmente quando ocorrem complicações
pulmonares, como a IRA. Tanto o VNI (bilevel) quanto o CPAP são freqüentemente usados nessas
situações clínicas. Estudos de imagem mostraram que o uso de VNI pode aumentar a aeração
pulmonar e diminuir a quantidade de atelectasia durante o período pós-operatório de pacientes
submetidos a cirurgia abdominal de grande porte.
Recomenda-se a VNI para pacientes com IRA pós-operatória (Recomendação condicional,
certeza moderada de evidência).

6) VNI deve ser usada em pacientes com IRA recebendo


cuidados paliativos?
Nos cuidados paliativos, a intensidade da falta de ar frequentemente piora à medida que a morte se
aproxima. A terapia com opioides é um tratamento altamente eficaz para esse sintoma, mas com
vários efeitos colaterais potencialmente indesejáveis, incluindo sedação excessiva. Neste contexto,
a VNI seria considerada eficaz se melhora a falta de ar e o desconforto respiratório sem causar
outras consequências preocupantes, como desconforto na máscara ou prolongamento indevido da
vida. Dois ensaios clínicos randomizados em pacientes com câncer avançado avaliaram a eficácia
da VNI na redução da dispneia. Curiosamente, um estudo mostrou que a VNI pode reduzir a dose
de morfina necessária para aliviar a dispneia, mantendo uma melhor função cognitiva. No geral, a
VNI teve uma taxa similar de aceitação pelos pacientes em comparação com a oxigenoterapia
(∼60%).
Recomenda-se oferecer a VNI a pacientes dispneicos para paliação no contexto de câncer
terminal ou outras condições terminais (Recomendação condicional, certeza moderada de
evidência).

7) VNI deve ser usada na IRA devido a trauma torácico?


A escassez de estudos, heterogeneidade no desenho do estudo, diferentes comparadores (ou seja,
oxigênio ou ventilação invasiva), diferentes gravidades dos pacientes no recrutamento e diferentes
causas de IRA (isto é, fratura de costela ou tórax instável) dificulta que seja feita uma
recomendação definitiva. No entanto, dados os resultados gerais positivos, sugere-se um teste
cauteloso de VNI nesses pacientes quando a dor é controlada e a hipoxemia não é grave.
Recomenda-se a VNI para pacientes com trauma torácico com IRA (Recomendação
condicional, certeza moderada de evidência).

8) VNI deve ser usada na IRA devido a doença viral


pandêmica?
O uso de VNI para síndrome respiratória aguda grave e outras doenças transmitidas pelo ar foi
avaliado em vários estudos observacionais e permanece controverso. Esses estudos relataram taxas
de falha de VNI de 30% e 33%, sem evidência de disseminação viral para cuidadores que tomaram
as devidas precauções. Mais recentemente, a VNI também foi usada em pacientes com IRA devido
à infecção pelo vírus influenza A H1N1, com taxas de falha variando entre 13% e 77%. No entanto,
nenhum ensaio clínico randomizado avaliou a eficácia da VNI em tais pandemias.
Dada a incerteza das evidências, não foi oferecida uma recomendação para essa questão
9) A VNI deve ser usada para prevenir a insuficiência
respiratória pós-extubação?
Os benefícios da aplicação precoce de VNI logo após a extubação foram avaliados em pacientes não
selecionados (ou seja, quaisquer pacientes após a extubação planejada) e em pacientes de risco. Para
a maioria dos estudos incluídos, o risco incluiu pacientes com idade> 65 anos ou aqueles com
doença cardíaca ou respiratória subjacente. A análise agrupada realizada na metanálise demonstrou
que o uso de VNI levou a uma diminuição na mortalidade (RR 0,41, IC 95% 0,21-0,82; certeza
moderada) e da necessidade de intubação (RR 0,75, IC 95% 0,49-1,15; baixa certeza). O início da
VNI após a extubação planejada diminui tanto a taxa de intubação quanto a mortalidade em
pacientes com alto risco de falha na extubação. Pacientes com extubação não planejada são um
grupo de maior risco e estudos adicionais devem abordar especificamente o uso de VNI nesse
grupo. No geral, em pacientes não selecionados pós-extubação, a VNI não ofereceu benefícios em
comparação com a oxigenoterapia padrão.
Recomenda-se que a VNI seja usada para prevenir a insuficiência respiratória pós-extubação
em pacientes de alto risco pós-extubação (Recomendação condicional, baixa certeza de
evidência). Por outro lado, não é recomendada a VNI para prevenir IRA em paciente que não
sejam de alto risco.

10) VNI deve ser usada no tratamento da insuficiência


respiratória que se desenvolve após a extubação?
O uso de VNI para evitar a reintubação em pacientes com desconforto respiratório evidente e / ou
insuficiência respiratória consequente à falha na extubação planejada não é aconselhável. No
entanto, devido a algumas limitações nos ensaios, esta afirmação não é definitiva. Mais estudos são
necessários.
Sugere-se que a VNI não deve ser usada no tratamento de pacientes com insuficiência
respiratória pós-extubação estabelecida (Recomendação condicional, baixa certeza de
evidência).

11) VNI deve ser usada para facilitar o desmame de pacientes


com ventilação mecânica invasiva?
A VNI tem se mostrado tão eficaz quanto a ventilação mecânica invasiva na melhora do padrão
respiratório, reduzindo o esforço inspiratório e mantendo a troca gasosa adequada durante a fase de
desmame em pacientes selecionados intubados e ventilados para IRA hipercápnica. Com base nesse
raciocínio fisiológico, a VNI tem sido utilizada nesses pacientes como meio de acelerar o processo
de desmame, evitando os efeitos colaterais e as complicações da ventilação invasiva.
Recomenda-se que a VNI seja usada para facilitar o desmame da ventilação mecânica em
pacientes com insuficiência respiratória hipercápnica (Recomendação condicional, certeza
moderada de evidência). Por outro lado, não foi feita nenhuma recomendação para pacientes
hipoxêmicos.
Conclusões
A diretriz baseou-se em revisão sistemática da literatura e diretrizes anteriores e trouxe
recomendações objetivas com questionamentos vividos na prática clínica. A princípio, as sugestões
dadas estão amplamente de acordo com as diretrizes publicadas nos últimos 15 anos, mas foram
apresentadas alterações incrementais à medida que novos estudos e informações se tornaram
disponíveis. No futuro, algumas recomendações podem mudar, à medida que novos estudos forem
concluídos, especialmente em relação ao uso de VNI, em oposição a outras tecnologias emergentes,
como a terapia com cânulas nasais de alto fluxo e a remoção extracorpórea de CO2.

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