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JUSTIÇA DE
DE
TRANSIÇÃO
DIREITO À MEMÓRIA E À
VERDADE: BOAS PRÁTICAS
COLETÂNEA DE ARTIGOS
Volume.4
Brasília - MPF
2018
© 2018 - MPF
Todos os direitos reservados ao Ministério Público Federal
Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes>
Rogério José Bento Soares do Nasci- Eliana Peres Torelly de Carvalho Patrícia Campanatti
mento Procuradora Regional da República Secretária Executiva
Procurador Regional da República
Marco Paulo Froes Schettino
Tulio Borges de Carvalho Secretário Executivo
Secretário Executivo
Coordenação e Organização
2ª Câmara de Coordenação e Revisão
6ª Câmara de Coordenação e Revisão
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SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................... 9
25 Sem transição, sem justiça: entre a tutela civil e o marco temporal, a permanência
da colonialidade na relação com os povos indígenas.......................................... 534
Marco Antonio Delfino de Almeida
JUSTIÇA DE
TRANSIÇÃO
17 OS CRIMES DE LESA-
HUMANIDADE E A JUSTIÇA DE
TRANSIÇÃO “A PASSOS LENTOS”:
UMA BREVE ANÁLISE SOBRE AS
DENÚNCIAS DA “GUERRILHA DO
ARAGUAIA” E DA EXTRADIÇÃO
Nº 1.362/DF
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OS CRIMES DE LESA-HUMANIDADE E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO “A PASSOS LENTOS”: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE AS DENÚNCIAS DA
“GUERRILHA DO ARAGUAIA” E DA EXTRADIÇÃO Nº 1.362/DF
Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal traçar uma análise sobre os
processos de responsabilização penal no Brasil envolvendo os denominados crimes de
lesa-humanidade ocorridos durante a ditadura civil-militar (1964-1985) e as barreiras
que impedem seus avanços no Judiciário. Nesse sentido, proceder-se-á à análise das
denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) envolvendo a repressão
militar sobre um grupo de opositores ao regime pertencentes ao Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) na região do Araguaia que ficou conhecida como “Guerrilha do Araguaia”,
bem como o processo de Extradição nº 1.362/DF, julgado definitivamente pelo Supremo
Tribunal Federal em 9 de novembro de 2016, no qual o STF negou a extradição de um
argentino acusado de cometer crimes de lesa-humanidade naquele país sob o funda-
mento de que o crime já estaria prescrito perante a Lei Penal brasileira.
Abstract: The main objective of this paper is to analyse the criminal lawsuits in Brazil
involving crimes against humanity during the civil-military dictatorship (1964-1985) and
the barriers that impede their progress in the judiciary. In this sense, we will analyse
the criminal proceedings by the Federal Prosecution Office (Ministério Público Federal
– MPF) related to the military repression of a group of opponents of the authoritarian
regime belonging to the Brazilian Communist Party in the region of Araguaia, known as
the "Guerrilla of Araguaia", as well as the Extradition n. 1.362/DF, which was definitively
adjudicated by the Federal Supreme Court on November 9, 2016, in which the Court de-
nied the extradition of an Argentine accused of committing crimes against humanity in
that country on the grounds of the alleged committed crime would already be prescribed
under brazilian criminal law.
Professor associado da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
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Professor assistente da Universidade Federal de Pernambuco. Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL · JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE: BOAS PRÁTICAS
1 Introdução
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“GUERRILHA DO ARAGUAIA” E DA EXTRADIÇÃO Nº 1.362/DF
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barbárie, mas por meio da própria limitação do agir punitivo, no intuito de não regredir ao
passado excepcional, que seria degradante para as próprias vítimas e para a sociedade.
A justiça de transição também não pode ser resumida apenas à perspectiva criminal,
sob pena de perder toda a eficácia das outras dimensões aqui apontadas. A responsa-
bilização penal deve ser encarada como mais um elemento dentro do vasto ramo de
medidas que o Estado deve adotar para romper com o passado autoritário, bem como
não pode ser vista como o fim do processo transicional, como se as outras perspectivas
não fossem tão ou mais importantes do que a esfera criminal.
Na verdade, quando se trata de acesso à justiça e direitos humanos, a responsabili-
zação penal permite maior aproximação das instituições públicas com as violações sis-
temáticas de direitos humanos ocorridas no passado, bem como permite que as vítimas
possam expressar e dar suas versões sobre os fatos que aconteceram, mas esse não
é nem deve ser o único meio jurídico para tal intento. A realidade mostra que processos
muito centrados apenas na questão criminal reduzem consideravelmente toda a riqueza
de detalhes do esclarecimento da verdade, bem como de outras formas de expressão da
memória, sobretudo à coletiva, já que reduz consideravelmente esses elementos a um
meio de prova processual em busca da condenação de alguém.
Olsen, Payne e Reither (2013, p. 233) apontam que países que passaram por proces-
sos iniciais de anistia, mas que depois evoluíram para criação de comissões da verdade
e julgamentos das graves violações ocorridas no passado conseguem ter índices melho-
res de direitos humanos e democracia, como é o caso da Argentina e do Chile.
Assim:
[...] a maioria dos países transicionais da América latina que buscaram
equilíbrio de justiça (por julgamento e anistias) nos primeiros dez anos que
se seguiram à transição experienciaram melhorias tanto em direitos huma-
nos como na democracia.
[...]
Nossos resultados, então, sugerem que a América Latina representa as
tendências mais amplas que nós identificamos em termos de impacto da
justiça de transição: aqueles países que combinaram anistias, julgamentos
e comissões da verdade mostraram as melhorias mais consistentes em di-
reitos humanos e democracia. (OLSEN; PAYNE; REITHER; 2013, p. 233)
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Como é sabido, o Brasil ainda não puniu efetivamente os agentes que atuaram no úl-
timo período ditatorial e que foram responsáveis por graves violações de direitos huma-
nos. A persistência da Lei da Anistia (1979), com o aval do Supremo Tribunal Federal em
2010, que a considerou recepcionada pela Constituição, bem como a resistência interna
de cumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para rever o
caso da Guerrilha do Araguaia (CIDH, 2010), demonstram que o país atravessa ainda um
processo transicional inacabado e com muitas falhas. Payne, Olsen e Leigh denominam
esse contexto brasileiro como uma “anistia obstinada” (2013, p. 235).
Como se observa, além da persistência dos efeitos da Lei da Anistia, mesmo após
uma condenação em âmbito internacional, outra questão sensível deve ser analisada
para entender a resistência do Judiciário brasileiro em analisar e julgar os crimes de le-
sa-humanidade ocorridos na ditadura: a prescritibilidade dos crimes.
Nesse caso, tanto a anistia como a prescrição são causas extintivas de punibilidade
que autorizam a absolvição do denunciado sem que haja o julgamento do mérito da cau-
sa. Esses dois óbices são muito debatidos não somente no cenário nacional, mas se per-
cebe também em países que passaram por processos ditatoriais semelhantes, como o
caso da Argentina e do Chile. Em ambos os casos, o processo de transição contou com a
criação de anistias para os envolvidos nos delitos de lesa-humanidade que foram poste-
riormente rechaçadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Após a virada do
século, esses países começaram a investigar as denúncias efetuadas por organismos
internos, como as comissões da verdade e mesmo organizações da sociedade civil, e,
a partir daí, julgar e condenar os agentes responsáveis por crimes de lesa-humanidade.
Note-se que na Argentina a situação avançou-se ao ponto de, nos últimos dez anos,
desde que as Leis Punto Final e Obediencia Debida, que concediam anistias aos agen-
tes ditatoriais, foram definitivamente revogadas da legislação, já se somam mais de 600
condenações, sem contar ainda o grande número de investigações e processos em cur-
so (INFOJUS, 2015).
No Chile, apesar de a Lei da Anistia continuar formalmente válida, a jurisprudência
nacional conseguiu ultrapassá-la por meio da discussão sobre a imprescritibilidade dos
crimes permanentes, como sequestros e ocultações de cadáveres, e dos crimes de le-
sa-humanidade (NEIRA, 2010). Sendo assim, mais de 90 oficiais membros das forças
armadas responsáveis pela repressão à opositores na ditadura chilena já foram con-
denados nos últimos anos também pelos graves delitos cometidos durante o período de
exceção (CHILE, 2016).
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Não deixa dúvidas a CIDH quanto à necessidade de se rever a Lei da Anistia brasilei-
ra, sobretudo porque impossibilita a investigação dos crimes de lesa-humanidade. Cabe
destacar que, mesmo considerando a citada Lei como válida, tal situação não obstaculi-
zaria a apuração e responsabilização dos crimes considerados permanentes, tendo em
vista que sua execução ainda se protrai no tempo até os dias de hoje, como é o caso dos
sequestros em que não se sabe o paradeiro da vítima ou das ocultações de cadáver sem
que haja a descoberta dos restos mortais dos desaparecidos. Como se observa nas de-
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núncia. Porém, em 30 de outubro do mesmo ano, a defesa do réu entrou com habeas
corpus pedindo o trancamento da ação penal, sendo liminarmente aceita pelo Tribunal
Regional Federal da 1ª região em 19 de novembro do mesmo ano, suspendeu o processo
até o julgamento do mérito da ação mandamental.
Em 18 de novembro de 2013, a 4ª Turma do TRF julgou procedente o HC impetrado
pela defesa, tendo por base a validez da Lei da Anistia, mesmo com o julgamento da
CIDH. Nas palavras do órgão:
Houve a troca de juízes na Vara de Marabá. Antes, o julgamento tinha sido proferido pelo Juiz João Cesar Otoni de Matos, agora,
3
a Juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro passou a julgar o caso. Para a Juíza, as questões relativas à aplicação ou não da
anistia e da prescrição deveriam ser analisadas no mérito da causa e não preliminarmente, como fora feito (MPF, 2017, p. 136-138).
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Após o julgamento do TRF da 4ª Região, o MPF ainda recorreu ao STJ e ao STF visan-
do à modificação do julgado e, desde abril de 2016, o processo aguarda julgamento.
A segunda denúncia também tem como foco o sequestro de uma das vítimas da
guerrilha e também foi ajuizada em 2012, tendo como denunciado Lício Augusto Ribeiro
Maciel. A denúncia fora recebida pelo mesmo juízo da primeira, em 29 de agosto de2012,
tendo por base os mesmos argumentos. A defesa também interpôs HC e também con-
seguiu a suspensão e posteriormente o trancamento da Ação Penal pela 4ª Turma do
TRF da 1ª Região sob os mesmos argumentos. O MPF também recorreu para os Tribunais
Superiores e, desde novembro de 2016, aguarda julgamento (MPF, 2017, p. 143-144).
A última denúncia ajuizada em Marabá ocorreu já em 2015, sob fundamento de ho-
micídio qualificado e ocultação de cadáver perpetrados por Lício Augusto e Sebastião
Curió, os dois já denunciados anteriormente. Consta na denúncia que Lício Augusto fora
responsável por matar as vítimas acima elencadas e Sebastião Curió por ocultar o ca-
dáver destas, deixando os restos mortais em local incerto até o presente momento (MPF,
2017, p. 147-149). A denúncia fora rejeitada pela 1ª Vara de Marabá sob o fundamento da
aplicação da Lei da Anistia sobre o caso, mesmo com a permanência do delito de ocul-
tação de cadáver. O MPF recorreu da decisão e até o momento se espera a decisão da 3ª
Turma do TRF da 1ª Região.
Todos os três casos analisados direcionam à dificuldade do Judiciário em observar a
decisão da Corte IDH, bem como sua jurisprudência pacífica, sobretudo quando se trata
da Lei da Anistia. A decisão proferida pelo STF em 2010 continua a gerar graves efeitos
na jurisprudência local, sobretudo porque se torna um impeditivo prévio ao recebimen-
to das denúncias. Ou seja, até o processamento da ação, fica obstaculizado enquanto
essa grave situação não for resolvida.
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ria dos ministros entendeu que o fato estava prescrito e, portanto, faltaria a necessária
dupla tipicidade (STF, 2016, p. 24). O que mais chama atenção neste caso de extradição
Aderiram ao entendimento favorável à extradição os ministros Edson Fachin (Relator) Ricardo Lewandoswki, Rosa Weber (que
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durante a votação mudou de entendimento), Luiz Roberto Barroso e Carmen Lúcia. Contrários ao entendimento os ministros Celso
de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Marco Aurélio.
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Como eu, na linha do voto do Ministro Fachin, considero que uma norma de
jus cogens internacional prevalece sobre a norma doméstica, eu não acho
que esteja prescrito, porque eu acho que a norma brasileira de prescrição
tem a sua eficácia paralisada pela prevalência da norma internacional.
Portanto, não é uma superação da prescrição. Eu acho que, neste caso es-
pecífico, a se admitir que tenha sido crime de lesahumanidade, aplica-se a
norma de jus cogens internacional.
Assim, eu acho que a questão se transforma menos em dupla punibilida-
de e mais na eterna discussão "monismo-dualismo". A posição do Ministro
Teori é que a não internalização dessas normas internacionais no Direito
brasileiro faria com que prevalecesse a norma interna da prescrição. O
meu entendimento, alinhado com o do Ministro Luiz Edson Fachin, é de que,
numa situação como esta, por ser jus cogens internacional, independe de
internalização. Quer dizer, eu acho que todos os países que compartilham
determinados valores civilizatórios se obrigam a entender que certos cri-
mes de lesa-humanidade não estão sujeitos à regra interna e, sim, a esse
princípio internacional (STF, 2016, p. 38).
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5 Conclusão
Sobre o tema, ver o julgamento Prosecutor vs. Tadic, que foi julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.
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Apesar do efetivo aumento do número de denúncias nos últimos dois anos, a Justiça
brasileira ainda é significativamente resistente a ajustar sua conduta ao estabelecido na
jurisprudência internacional.
Observa-se que a maior parte das denúncias foi rejeitada ainda em primeiro ou se-
gundo grau de jurisdição tendo basicamente os mesmos fundamentos: a aplicação da
Lei da Anistia e a prescrição dos crimes. Nota-se que até nos casos em que há crimes
permanentes, como os casos denunciados tendo por base a Guerrilha do Araguaia, as
ações foram declaradas extintas por esses fundamentos estarem presentes.
Também se demonstra a resistência por parte do Poder Judiciário brasileiro em cum-
prir a normativa internacional sobre os crimes de lesa-humanidade, inclusive a própria
decisão da CIDH em 2010, por meio do processo de Extradição nº 1.362/DF.
Nesse caso, os ministros do STF, por maioria de votos, negaram a extradição de um
argentino acusado de cometer crimes de lesa-humanidade durante a ditadura argentina
entre 1973-1975 sob a alegação de que os crimes os quais foram imputados ao argentino
estariam prescritos no Brasil e, portanto, baseando-se na ideia da dupla punibilidade,
não haveria possibilidade de extradição.
Ocorre que, apesar do entendimento indiretamente desfavorável à possibilidade de
punição dos agentes que cometeram graves violações de direitos humanos aqui no Bra-
sil, nota-se que houve um placar muito apertado (6 a 5) pela não aplicação da imprescri-
tibilidade nos crimes de lesa-humanidade. Sendo assim, afigura-se possível que a Corte
Suprema possa ter adiante uma maioria favorável à responsabilização dos perpetrado-
res desses crimes, seja pelo afastamento completo da Lei da Anistia em virtude da con-
denação pela Corte IDH, seja por meio do reconhecimento de sua inaplicabilidade aos
crimes de lesa-humanidade, que seriam imprescritíveis.
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