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Filosofia 2016.1
Teoria do Conhecimento 1
Professor Marcos André Gleizer
Robson Soares Cabral de Oliveira
R. O método da dúvida tem por objetivo um empreendimento de revisão sistemática e critica de todas
as opiniões que residem no espírito humano, isto é, todas as noções que foram aprendidas com base na
tradição, com o intuito de, ao revisá-las, libertar-se de todos os preconceitos e dos erros e, pelo método junto
a um critério que sirva para discernir o verdadeiro do falso, dirigir-se a um fundamento sólido que permita
erigir um conhecimento seguro. A revisão às noções que residem no espírito refere-se somente ao plano
teórico epistemológico, afastando-se de quaisquer questões de âmbito prático, e tal revisão tem sua origem
em um ato da vontade, que é essencialmente livre.
Para que se liberte de todos os preconceitos, Descartes submete suas noções a um exame que toma
como regra e critério de discernimento a dúvida, ou seja, duvida voluntariamente de suas noções, e tudo
aquilo que for passível de ser duvidado, que puder ser considerado enganoso, deve ser, por regra metódica,
considerado radicalmente como se fosse falso. Deve-se salientar que a dúvida cartesiana é fruto de um ato
livre da vontade, isto é, não é um estado passivo o qual se chega mediante uma aporia, mas sim serve-se dela
para que se afaste as ideias confusas e obscuras. Além disso, nada se afirma sobre aquilo que é posto em
dúvida, tomar como se fosse falso não é afirmar a falsidade do que se examina. Tal decisão de tomar como
falso o que às vezes o engana é arbitrária e provisória até que se haja uma certeza clara e distinta sobre a
matéria. A dúvida tem ainda por característica a radicalidade, a qual pode ser tomada em sentido duplo, uma
vez que se refere tanto às raízes do que se tinha da tradição, isto é, é uma dúvida que atinge os princípios
daquilo que se tinha por verdadeiro; como, noutro sentido, referindo-se a seu caráter excessivo, posto que,
em determinado momento, se torna hiperbólica e universal. A dúvida, portanto, é arbitrária, principial,
hiperbólica e provisória.
É importante informar, também, antes de expor as etapas da dúvida, que o método cartesiano é um
método analítico, ou seja, que caminha dos efeitos às causas, decompondo as dificuldades em tantas parcelas
quantas forem possíveis e necessárias para resolvê-las 1, seguindo uma ordem das razões a qual delimita que
as coisas que são propostas em primeiro lugar devem ser conhecidas sem as seguintes, e as seguintes devem
ser demonstradas apenas por aquilo que a precede.
As etapas da dúvida ocorrem progressivamente em relação aos princípios do conhecimento, isto é,
aos elementos primeiros que fundamentam todas as nossas opiniões. A investida aos princípios é feita para
que não haja análises demasiadas e desnecessárias, posto que uma vez o princípio atingido tudo que dele se
segue desmorona em sequência. Nossas opiniões provém de nossas faculdades – sentidos, imaginação, razão
–, e, sendo assim, os princípios que serão atacados serão os elementos primeiros delas. As etapas da dúvida,
então, se dirigem a tais fundamentos, sendo os argumentos quatro, cada um tendo seu início no limite do
2. Explique como Descartes descobre e qual o significado das seguintes proposições formuladas:
2.1 “Cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é
necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.”
2.2 “Nada sou pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, um
entendimento ou uma razão…”
R. Após a descoberta da existência do Eu no cógito, Descartes se pergunta a sua natureza, posto que
duvidara de todas as coisas, e até então não pode afirmar-se como um algo corpóreo ou com quaisquer
características que acreditava possuir por suas antigas opiniões, já que foram todas postas em xeque pela
dúvida e a ela só resistira o “ponto de Arquimedes” cartesiano, o Eu, solitário junto ao pensamento que o
torna existente. Então, se nada de corpóreo lhe pode ser atribuído, e o único atributo que resiste a dúvida é o
pensamento, visto que o duvidar nada é senão um modo de pensar, o Eu deve ser, pois, uma coisa, uma
substância cujo atributo é o pensamento, uma coisa/substância pensante. Um espírito, entendimento ou razão,
à medida que não é algo de corpóreo, mas algo que, prescindindo de quaisquer características físicas, é
(existe) enquanto consciente do ato de pensar. Uma coisa pensante, um espírito, entendimento ou razão, é
algo cujo atributo essencial é o pensamento, e essencial é o atributo básico, invariável, de uma substância,
aquilo que define uma coisa por aquilo que ela é invariavelmente.
2 cf. “…posto que a luz natural nos ensina que o nada não pode ter nenhum atributo real.” in Descartes, René.
Objeções e Respostas, trad. J. Guinsburg e Bento P. Júnior, 3° ed, São Paulo: Abril Cultural, 1983, pg. 170.
2.3 “Que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa, uma coisa que duvida, que afirma, que nega, que
quer, que não quer, que imagina e também que sente.”
R. Após definir o atributo essencial do sujeito, Descartes expõe os seus atributos acidentais, os modos
da substância pensante. Atributos acidentais são os atributos variáveis da substância que não alteram aquilo
que ela é em essência, e a certeza e a evidência do “que sou” (um sujeito/substância pensante), se manifesta
inclusive nos modos, ou acidentes, da essência dessa substância.
O duvidar, o afirmar, o querer, o imaginar e o sentir, são modos do pensamento enquanto
consciência, e assim manifestam o cógito, a existência do sujeito pensante, no ato de pensamento. Mas
imaginar é conceber uma imagem mental de corpos, que até então permanecem em suspenso, tomados como
se fossem falsos pela dúvida; e o sentir pode ser corporal e apetitivo, mas, como anteriormente dito, qualquer
coisa que pressuponha um corpo foi posta em xeque pela dúvida. O imaginar e o sentir, deste modo, apenas
evidenciam a existência do sujeito pensante enquanto consciência de imaginar e sentir, e os conteúdos dos
mesmos são, até então, inteiramente duvidosos, e, como dita a regra, são tomados como se fossem falsos.