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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO

INFANTIL: ANALISANDO PRÁTICAS NA PRÉ-ESCOLA

LITERACY AND LITERACY IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION:


ANALYZING PRATICES IN PRESCHOOL
Daniela Cardoso Espinosa1
Thaise da Silva2

RESUMO: O presente artigo faz uma events of literacy conduct by the tea-
análise das práticas e eventos de letra- cher and children in the classroom. The
mento no ambiente escolar. Diante dis- conclusion is there is few practices and
so este trabalho propõe-se a investigar those presented aims to literate chil-
quais são as práticas e os eventos de le- dren and don’t get them experience the
tramento vivenciados pelos pequenos practice of reading and writing.
na Educação Infantil analisando como
Keywords: Literacy. Childhood litera-
se constitui a alfabetização e o letra-
cy. Childhood education.
mento nesta etapa de ensino. Para tanto
foi realizada uma pesquisa qualitativa,
onde foram feitas observações em uma INTRODUÇÃO
turma de crianças de Educação Infantil
Desde que nasce a criança está
com o intuito de analisar as práticas e
imersa em um ambiente letrado. Vi-
os eventos de alfabetização/letramento
vencia práticas de letramento no seu
proposto pela professora e pelas pró-
cotidiano através do convívio com os
prias crianças dentro deste espaço.
seus familiares e dos eventos sociais aos
Palavras-chave: Alfabetização. Letra- quais participa. Ao entrar na escola, já
mento Infantil. Educação Infantil. trilhou um longo caminho que a tor-
ABSTRACT: The referent article make na muitas vezes um sujeito letrado sem
a analysis of the practice and events of ao menos ter iniciado formalmente seu
the literacy in school; the objective is processo de alfabetização. As práticas e
to examine and investigate the practi- os eventos de letramentos vivenciados
ce and events experienced by kids on nas instituições de Educação Infantil
Childhood Education, analyzing how dão uma grande contribuição para o
is constituted the literacy at this stage. desenvolvimento de suas concepções a
Also a qualitative research was conduct respeito do que é ler e do que é escrever
on a class of childhood to practice and e para que serve este sistema de escri-
ta. Diante disso este trabalho propõe-
1 Acadêmica graduanda do curso de Pedagogia pela -se a investigar quais são as práticas e
Faculdade de Educação da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD).
os eventos de letramento vivenciados
2 Professora Doutora da Faculdade de Educação da
pelos pequenos na Educação Infantil,
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). uma vez que o convívio com os mate-

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riais de leitura e de escrita iniciados em O artigo está organizado em três


muitos lares é incentivado por estas ins- seções. A primeira apresenta o campo
tituições, onde ocorre o primeiro con- teórico que serviu para a análise dos
tato com o ambiente escolar e com uma dados. A segunda seção apresenta e
nova esfera do letramento, diferente das analisa a observação feita na Educação
que as crianças conviviam até então 3. Infantil e, por fim, na última seção são
tecidas algumas conclusões a respeito
Ao discutir sobre letramento, vale
desta investigação.
lembrar que a Educação Infantil é a base
para o desenvolvimento escolar da crian-
ça. Desde cedo o contato e o manuseio CONCEITUANDO
de materiais que contém a escrita e a LETRAMENTO
leitura pelo professor proporciona aos Segundo Soares (2009), é na Educa-
pequenos uma maior interação com o ção Infantil que tem início um trabalho
mundo letrado (SOARES, 2009). de introdução as atividades que envol-
Para a realização da investigação vem a alfabetização e as práticas sociais
optamos por uma pesquisa qualitati- de escrita e de leitura, conceituadas de
va do tipo pesquisa de campo por ser letramento. Segundo a autora o contato
esta a que nos permite conviver mais com a língua escrita não fica restrito ao
de perto com o objeto a ser pesquisa- processo de grafar palavras, mas é parte
do, facilitando a análise e a coleta dos integrante do processo de utilização das
dados (GIL, 2008). Neste estudo, rea- práticas de uso da leitura e da escrita.
lizamos uma semana de observação em De acordo com estudos desenvolvi-
uma turma da Educação Infantil com o dos por Kleiman (1995) existe um gran-
intuito de averiguar quais as práticas e de números de pessoas que aprendem a
os eventos de letramento presentes em ler e a escrever, mas não necessariamente
sua rotina diária. Diante disso os obje- aprendem a fazer o uso da leitura e da
tivos deste estudo são os de analisar as escrita, estes são denominados de “anal-
práticas de letramento desenvolvidas fabetos funcionais”. O letramento vai
pelas crianças e pelo professor dentro além das habilidades de codificar ou de
do espaço escolar; relatar as caracterís- decodificar, abrange o exercício dessas
ticas das atividades desenvolvidas pelo práticas, mas vai além buscando sanar
docente que caracterizam uma preocu- possíveis dificuldades de uso da leitura e
pação em trabalhar com estas práticas da escrita no cotidiano.
de letramento e investigar as vivências
da criança em um ambiente escolar de Segundo Kleiman (1995, p.19)
leitura e escrita. [...] podemos definir hoje o letramento
como um conjunto de práticas sociais
O referencial teórico baseia-se no
que usam a escrita, enquanto sistema
campo de estudos sobre Letramento, simbólico e enquanto tecnologia, em
dando ênfase as suas práticas. contextos específicos, para objetivos
específicos. [...] como as práticas e
3 Segundo Kleiman (1995) as esferas de letramento
podem ser divididas em: religiosa, da educação, do lazer, eventos relacionados com uso, função
do trabalho, da participação cidadã e a doméstica. e impacto da escrita.

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Nesse contexto, letramento são as fabetizada e letrada como alguém que


práticas sociais de leitura e de escrita vi- constrói conceitos e interpretações, ca-
venciadas no cotidiano, bem como as paz de construir seu próprio pensamen-
consequências dessas práticas para a so- to e conhecimento, tendo uma base na
ciedade. A autora pondera que a partir Educação Infantil. Nesse sentido, é ne-
do momento que analisamos as práticas cessária uma formação que busque não
sociais e culturais ocorre um vasto alar- só a transmissão de conceitos de leitura
gamento no conceito de letramento. e de escrita, mas que os alunos possam
fazer uso dessas práticas.
Soares (2006) afirma que alfabe-
tização é um conceito mais específico, Assim podemos falar em práticas
que diz respeito à aprendizagem da lín- e eventos de letramento, sendo a pri-
gua escrita como uma nova linguagem, meira, conceituados por Street (2003)
diferente da linguagem oral, mas a ela como os usos globais que as pessoas
associada. É a aprendizagem da escrita fazem da linguagem e a segunda como
como uma nova forma de discurso. os momentos circunstanciais de uso da
leitura, da escrita e da oralidade.
Na Educação Infantil, confundem-
-se os rabiscos, as gravuras, os desenhos Deste modo:
como sendo características de alfabeti- O conceito de práticas de letramen-
zação, sendo assim como uma introdu- to nesses e noutros contextos não é
ção da aprendizagem da língua escrita. apenas uma tentativa de lidar com os
eventos e os padrões de atividade con-
Desse modo Luizato (2003, p. 72.) cernentes aos eventos de letramento,
afirma: mas de os ligar a algo mais amplo de
natureza sociocultural. [...] Observei
O letramento representa os diversos
que enquanto parte integrante dessa
meios da prática social em que a es-
ampliação, por exemplo, trazemos ao
crita se faz presente, e, se pensarmos
evento de letramento conceitos e mo-
sobre essa perspectiva, de que as crian-
delos sociais concernentes ao que é,
ças vivem em uma sociedade letrada,
faz funcionar e dá sentido à natureza
percebemos que é quase impossível
do evento. As práticas de letramento
imaginar que durante muito tempo
referem-se então a uma concepção
aprenderam decorando e formando
cultural mais ampla de determinadas
palavras desconexas do contexto em
formas de pensar, fazer leituras e es-
que vivem.
crever em contextos culturais. Uma
questão chave, no nível tanto metodo-
Logo percebemos que a criança lógico quanto empírico, é então como
não precisa necessariamente saber ler podemos caracterizar a mudança do
e escrever para ser considerada letra- observar os eventos de letramento ao
da, o Referencial Curricular Nacional conceituar as práticas de letramento
(STREET, 2003 p. 2).
da Educação Infantil (RCNEI, 1998),
considera que é necessário um traba-
Devemos considerar os vários as-
lho com experiências significativas que
pectos nos quais a criança está inseri-
envolvam a linguagem oral e escrita do
da, adequando-a aos conteúdos a serem
mundo letrado. A criança deve ser al-
trabalhados, aos gêneros textuais, a sua

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própria produção e as estratégias que to imergem no cotidiano dos Centros
não devem ser repetitivas e sim criati- de Educação Infantis (CEIs). A criança
vas. Ao utilizar as práticas sociais de lei- vive em um ambiente onde a convivên-
tura e escrita, a mesma vivencia diferen- cia com livros, com adultos alfabetiza-
tes contextos, aprendendo a relacionar dos e com as letras é constante. Coelho
diferentes situações. (2010) salienta que a aprendizagem da
linguagem oral e escrita é de suma im-
Considerando que não é só no am- portância para as crianças ampliarem
biente escolar que a criança tem acesso suas participações nas práticas sociais.
a cultura escrita e observando as várias
esferas de letramento com as quais os pe- O conhecimento que a criança
quenos convivem podemos perceber que traz e suas hipóteses sobre o que é e
para que serve saber ler e escrever é es-
[...] mesmo que se criem categorias
para agrupar os materiais, sua circula-
sencial para a aquisição da escrita e da
ção se dá em uma pluralidade de espa- leitura. Mesmo que a escola tenha to-
ços. Entre a maioria dos materiais de mado para si a função de alfabetizar as
leitura utilizados, os livros de histórias crianças (TRINDADE, 2004), embora
e os gibis têm sua presença marcan- esta prática tenha ocorrido em outros
te, tanto no espaço escolar quanto no
espaços até o século XIX, o processo de
doméstico, ficando difícil definir seu
local de origem, mas, independente alfabetização e letramento não ocorre
disso, fica evidente que a escola se uti- somente neste espaço. Quando na esco-
liza desse conhecimento nos primeiros la ampliamos os conhecimentos sobre
anos escolares, e as crianças que têm escrita percebemos que:
contato com esses materiais em suas
casas têm uma tendência a ter maior As atividades de alfabetização e letra-
intimidade e ‘sucesso’ ao ingressar na mento devem desenvolver-se de forma
escola. (SILVA, 2007, p. 57). integrada. Caso sejam desenvolvidas
de forma dissociada, a criança certa-
mente terá uma visão parcial e, portan-
O ensino da leitura e da escrita to, distorcida do mundo da escrita. A
deve ser entendido como prática de base será sempre o letramento, já que
um sujeito agindo sobre o mundo para leitura e escrita são, fundamentalmen-
transformá-lo, afirmando, desta forma, te, meios de comunicação e interação,
sua liberdade. enquanto a alfabetização deve ser vista
pela criança como instrumento, para
que possa envolver-se nas práticas e
usos da língua escrita. Assim, a história
PRÁTICAS E EVENTOS DE
lida pode gerar várias atividades de es-
LETRAMENTO: ANALISANDO crita, como pode provocar uma curio-
O AMBIENTE ESCOLAR sidade que leve à busca de informações
em outras fontes; frases ou palavras
Como já apontamos acima a crian- da história podem vir a ser objeto de
ça nasce em um ambiente letrado e a atividades de alfabetização; poemas
podem levar à consciência de rimas e
Educação Infantil não pode ficar a mar-
aliterações. O essencial é que as crian-
gem destas práticas em seu cotidiano. ças estejam imersas em um contexto
Mesmo não tendo a intenção de alfa- letrado - o que é uma outra designa-
betizar, práticas e eventos de letramen- ção, que também se costuma chamar
de ambiente alfabetizador - e que nesse esses eventos de letramento, bem como
contexto sejam aproveitadas, de ma- as crianças interagem diante disso.
neira planejada e sistemática, todas as
oportunidades para dar continuidade Durante as observações foi possí-
aos processos de alfabetização e letra- vel apropriarmos das várias práticas de
mento que elas já vinham vivenciando
letramento e alfabetização que marcam
antes de chegar à instituição de educa-
ção infantil. (SOARES, 2009, online). as rotinas diárias destas crianças. Nes-
te texto pontuamos momentos desta
Os dois processos, de alfabetização rotina em que estas atividades ganham
e de letramento, a princípio são indis- destaque.
sociáveis, pois devemos levar em con- Geralmente a aula inicia com uma
sideração a inserção da no mundo da rotina fixa que envolve oração, músicas
língua escrita por meio de suas habili- que trabalham com o nome das crian-
dades. Como enfatiza Coelho: ças, uma vez que a instituição estava
A Educação Infantil é uma etapa funda- desenvolvendo o projeto “Identidade”,
mental do desenvolvimento escolar das e roda de conversa onde as crianças fa-
crianças. Nessa fase, as crianças rece- zem a “leitura” do alfabeto, das vogais,
bem informações sobre a escrita, quan-
do brincam com os sons das palavras,
das formas geométricas e dos numerais.
reconhecendo semelhanças e diferenças A atividade de “leitura do alfabeto” con-
entre os termos, manuseiam todo tipo siste na identificação de qual objeto cada
de material escrito, como revistas, gi- letra representa. A seguir podemos ter
bis, fascículos, etc., momento em que ideia de como esta atividade acontece:
o professor lê textos para os alunos e/ou
escreve os textos que os alunos produ- A professora pergunta com qual le-
zem oralmente. Essa familiaridade com tra começa o nome da criança e a figura
o mundo dos textos proporciona maior
que a mesma representa:
interação na sociedade letrada. (COE-
LHO, 2010, p. 83). P:4 Com qual letra começa o nome
M.C?
M.C: A letra da maçã e do coelho.
A autora ressalta que a criança uti-
liza as práticas sociais como instrumen- Podemos perceber nesta breve des-
to da aquisição da leitura e da escrita, crição da atividade que a professora busca
relacionando os diferentes contextos
que a rodeia. Tais atividades farão com identificar as letras iniciais do nome
que o gosto pela leitura e pela escrita da criança relacionando-as com outros
seja despertado, tornando-se assim algo objetos que iniciam com a mesma letra,
motivante e prazeroso. buscando ampliar os conhecimentos da
criança com relação à letra inicial par-
Com o intuito de vivenciar as prá- tindo, mas indo além, do seu nome.
ticas de letramento no ambiente escolar, Para Grossi (1990) a escrita do nome
na Educação Infantil, realizamos obser- é uma das primeiras formas estáveis de
vações em uma turma de pré-escola I, escrita da criança. Segundo a autora ela
na faixa etária de 4 e 5 anos. Analisamos é fundamental para que o professor a
as práticas da professora em sala de aula 4 Para este texto utilizarei a letra P me referindo a Professora
para averiguar como acontecem de fato e a inicial do nome de cada criança para identificá-la.
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utilize como modelo para que possa cepção teve início na década de 80 e
questionar sobre suas hipóteses de es- teve como um de seus maiores autores
crita desestabilizando-as e fazendo com Geraldi (1984) que trabalha sobre a
que se aproxime cada vez mais de uma importância de despertar o gosto pela
hipótese alfabética de escrita. A pro- leitura, pois só assim teríamos uma ge-
fessora percebe a importância de seus ração de bons leitores. Silveira (1998)
alunos saberem grafar corretamente seu discute esta relação que se estabelece
nome e para isso busca fixar sua forma com a leitura denominando-a de dis-
através de comparações significativas. curso renovador da leitura. Segundo ela,
junto com este conceito surgiu uma
Percebemos que neste caso há uma
série de mitos atribuindo à leitura um
preocupação com o processo de alfa-
poder de transformação social e indi-
betização e esta prática desconsidera a
vidual questionável, segundo a autora.
natureza lúdica da criança desta faixa
Com o ingresso no cenário nacional
etária. Monteiro (2010) destaca que
dos estudos sobre letramento, década
muitos educadores acreditam que se
de 80, pensa-se que era e continua sen-
trabalhamos desta forma já na Educa-
do importante apresentar as crianças
ção Infantil acontecerá à perda do lúdi-
uma série de textos, preparando-os para
co, já que as crianças deixam de brincar,
a alfabetização. Outra cena bastante in-
o que poderia acarretar problemas em
teressante que observamos foi quando
séries posteriores.
a professora distribui aleatoriamente re-
Como era semana da Páscoa, a vistas, jornais, catálogo de lojas e de su-
professora trouxe para as crianças um permercado. As crianças olhavam aten-
conto chamado “A velha, a galinha e os tamente, alguns nem tanto. A docente
ovos de Páscoa”. O conto narrava a his- pede para que todos observem as letras,
tória de uma velhinha que morava em diz que os jornais contem notícias, que
uma aldeia pequenina, ela tinha uma passam na TV, venda de objetos, etc.
galinha e um coelho. A história traba-
Uma cena chama a atenção, a crian-
lhava com a identificação de cores e as
ça me chama até sua mesa e argumenta:
crianças prestavam muita atenção.
C: Tia minha mãe comprou brinquedo
Após a contação da história perce- (apontando para o panfleto de lojas).
bo uma fala de uma criança:
A: Eu peguei um desses lá no mercado.
C: Professora minha mãe comprou um
ovo grandão e colorido lá no shopping
(se referindo aos da história). Nesta atividade a professora parece
ter como objetivo trazer diversos mate-
P: Que bom traz um pedaço para a riais do cotidiano das crianças para den-
professora então. tro da sala de aula. Inicia falando sobre
a função do jornal, mas sua fala não é
A ideia de trabalhar com a leitu- levada em consideração pelos pequenos
ra de textos em sala de aula tem como que estão envolvidos em observar as
intenção transformar a leitura em algo imagens presentes nos materiais. Tal-
prazeroso para os estudantes. Esta con- vez fosse necessária a utilização de um

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único material, o jornal, por exemplo, mação com a cultura escrita:


para que a professora pudesse explo- A fase inicial da aprendizagem da lín-
rar o que as crianças pensam sobre sua gua escrita, constituindo, segundo
funcionalidade, uso, pessoas que veem Vygotsky, a pré-história da linguagem
lendo, para que serve... A forma como a escrita: quando atribui a rabiscos e de-
professora explorou estes materiais em senhos ou a objetos a função de signos,
a criança está descobrindo sistemas de
nada favoreceu para que se desenvolves-
representação, precursores e facilita-
sem práticas de alfabetização ou de le- dores da compreensão do sistema de
tramento. O fato de levar para a sala de representação que é a língua escrita.
aula gêneros do cotidiano não garante (SOARES, 2009, p.1).
que estejamos desenvolvendo práticas
de letramento no espaço escolar. A criança utiliza os desenhos como
sistemas de representação, que facilita-
Todo o gênero textual que aden- rão a compreensão de sons e de signos
tra o espaço escolar passa por um pro- da língua escrita.
cesso de pedagogização. Na busca por
alfabetizar letrando adotamos esta polí- Normalmente as crianças cantam
tica, mas devemos estar cientes de que variadas músicas durante o período que
não basta que jornais e revistas estejam passam em sala, isso faz parte da rotina
entre nossos alunos para que estejamos diária da turma. Chiarelli (2005) res-
trabalhando com este conceito, utilizar salta que a música é importante para o
jornais, panfletos e outros gêneros do desenvolvimento da inteligência, para
cotidiano como materiais de recorte e a interação social e a harmonia pesso-
colagem pouco favorece explorar suas al, facilitando a integração e a inclusão
funções sociais. dos pequenos. Nesta semana cantavam e
dançavam músicas com seu nome e uma
Depois da atividade de recorte e música do projeto “Corpo Maneiro”.
colagem de letras a professora oferece Vale ressaltar que a Lei nº 11.769/2008;
livros de histórias infantis para manu- alterou a Lei de Diretrizes e Bases da
searem. A prática de leitura de histórias Educação Nacional (LDB), tornando a
para as crianças, segundo Soares (2009), Música componente curricular da edu-
é de suma importância na Educação cação. Sendo assim, a Musicalidade faz
Infantil, pois desenvolve habilidades de parte do cotidiano de nossas crianças das
inserção ao mundo escrito. mais variadas formas, sempre pautada
A professora relembra a história em objetivos pedagógicos e prazerosos,
dos Três Porquinhos contada na aula desenvolvendo sensibilidades.
anterior e pede para a turma desenhar Brincar no solário também faz par-
quem faz parte da sua família (a família te da rotina semanal das crianças. Algu-
da criança), logo vários desenhos vão mas trouxeram brinquedos de casa para
surgindo em suas folhas. brincarem neste espaço; é possível pre-
Essas atividades são comuns na senciar também brincadeiras como pe-
Educação Infantil e segundo Soares ga-pega. Observamos que três crianças
(2009) fazem parte do início da aproxi- saem com um caderno e canetas, nos

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aproximamos delas e sem perceberem O professor deve despertar o inte-


prestamos atenção na conversa. resse da criança pela aprendizagem, su-
L: Essa letra é da S, começa com S de
gerir atividades que coincidam com o
sapo. cotidiano, buscando a ideia de formar
A: Professora vou copiar tudo. um sujeito que sinta prazer em ler. Uti-
M: Dê-me uma folha L. Eu também lizando de vários meios para que essas
vou copiar. práticas realmente aconteçam.
Questiono o que elas estão fazendo,
Assim como enfatiza Kishimoto
me respondem que a L é a professora
e que estão escrevendo. Ficam alguns As crianças adquirem a linguagem fala-
minutos ali. da, ouvindo e interagindo com outros
na linguagem da família ou comunida-
Com esse exemplo é possível per- de, brincando de faz de conta em casa
ceber que aprender a ler e escrever é ou na escola. A aprendizagem da lin-
guagem escrita pode ocorrer em casa ou
um desejo das crianças, uma vez que na escola, por meio de escrita e leitura
utilizam cenas de sala de aula em suas de cartas e cartões, internet, catálogos,
brincadeiras. Cabe ao professor tornar a cartas, receitas, guias de TV, lista de su-
aquisição do sistema de escrita alfabéti- permercado, jornais, jogos eletrônicos,
co objeto do interesse infantil, algo que de tabuleiro, livros, revistas, jornais ou
até fazendo um trabalho doméstico.
tenham desejo de dominar.
(KISHIMOTO, 2010, p. 25).
Mesmo não sendo o foco da pes-
quisa, percebemos observando o am- A autora vem reforçar o que dize-
biente da sala de aula, que este espaço mos anteriormente, desde o nascimento
é bem agradável e aconchegante; possui a criança já está imersa ao ambiente de
uma sala limpa e arejada, alfabeto ilus- leitura e de escrita, porém não faz uso
trado e bem visível, cantinho da leitura, social da mesma, cabendo a nós fazer
numerais também ilustrados. Coelho a mediação no processo de letramento.
afirma que:
O ambiente na educação infantil deve CONSIDERAÇÕES FINAIS
estimular na criança o desejo de querer
aprender a ler e a escrever. A sala deve Ao longo destas análises foi possí-
ser bem colorida, provida de materiais vel perceber que a professora trabalha
diversos como: alfabeto fixado nas pa- tanto com conceitos referentes à alfabe-
redes, cartazes, livros, revistas, expo-
tização, quanto com os conceitos que
sição dos trabalhos das crianças etc.
Tal ambiente deve ser preparado com envolvem o letramento. Há uma preo-
atividades permanentes, construção de cupação em criar um ambiente alfabeti-
projetos com assuntos variados do in- zador nesta turma de Educação Infantil,
teresse das crianças e uma sequência de uma vez que a construção deste espaço
atividades pensada de maneira que su- é fundamental para que seja apresenta-
pra os diferentes níveis de dificuldade.
(COELHO, 2010, p. 84).
do à criança o mundo da escrita.
Nas atividades observadas durante
a semana percebe-se uma preocupação

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da professora em ensinar o alfabeto, REFERÊNCIAS


as vogais, as primeiras palavras... Ao
BRASIL. Ministério de Educação e do
mesmo tempo em que se percebe uma
Desporto. Referencial curricular nacio-
intenção em trabalhar com os usos so-
nal para educação infantil. Brasília, DF:
ciais da leitura e da escrita. Para estas
MEC, 1998.
atividades a docente se utiliza de mú-
sicas, contação de histórias e trabalho _______. Lei n. 11.769 de 18 de agos-
com jornais, encartes... Pensamos que to de 2008. Altera a Lei 9.394 de 20
estas atividades que evidenciam o uso de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes
da leitura e escrita no cotidiano pode- e Bases da Educação, para dispor sobre
riam ganhar mais destaque na rotina da a obrigatoriedade do ensino da música
turma, mesclando com as atividades de na educação básica.
apropriação do sistema de escrita, uma COELHO, Silmara. O processo de
vez que trata-se da Educação Infantil. letramento na educação infantil. Pe-
Tanto o ambiente da sala de aula, dagogia em ação, v. 2, n. 2, p. 1-117,
quanto as atividades de rotina, traba- nov. 2010.
lham com eventos de letramento e prá- CHIARELLI, Lígia Karina Meneghet-
ticas de alfabetização. Ao que parece a ti. A música como meio de desenvolver
professora incorpora em suas atividades a inteligência e a integração do ser. Re-
as práticas do letramento social dos pe- vista Recre@rte, n.3, Junho/2005: Insti-
quenos, dando-se conta de que quando tuto Catarinense de Pós-Graduação.
a criança adentra no ambiente escolar
GERALDI, João Wanderley. Práti-
já está imersa e em contato com o am-
ca da leitura de textos na escola. In:
biente letrado e traz consigo algumas ______. O texto na sala de aula: leitu-
habilidades que podem ser desenvolvi- ra & produção. Cascavel: ASSOEST,
das por meio do uso adequado dessas 1984. p. 77-92.
atividades. Pontuamos que as práticas e
os eventos de letramento embora pre- GIL, Antonio Carlos Métodos e técni-
sentes pudessem ser mais evidenciados, cas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo:
uma vez que alfabetizar ou letrar não Atlas, 2008.
se restringe, longe disto, a decodificar GROSSI, Esther Pillar. Didática do
códigos ou grafar letras, mas a ter o le- nível pré-silábico. Rio de Janeiro: Paz e
tramento como uma base para fazer o Terra, 1990.
uso dessa leitura e escrita.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Al-
O ambiente da Educação Infantil fabetização e letramento/literacia no
deve proporcionar à criança atividades contexto da educação infantil: desafios
exploratórias para desenvolver as suas po- para o ensino, para a pesquisa e para a
tencialidades, proporcionando um apren- formação. Revista Múltiplas Leituras, v.
dizado mais prazeroso e satisfatório. 3, n. 1, p. 18-36, jan. jun. 2010.
KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os signi-
ficados do letramento. Campinas: Mer-
cado de Letras, 1995.

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KLEIMAN, Angela B. Concepções não- SOARES, Magda. Alfabetização e letra-


-valorizadas de escrita: a escrita como mento. São Paulo: Contexto, 2009.
“um outro modo de falar”. In: KLEI-
MAN, Angela (org.). Os significados do SOARES, Magda. Alfabetização e Le-
letramento: uma nova perspectiva sobre a tramento. São Paulo: Contexto. 2006.
prática da escrita. Campinas, SP: Merca- SOARES, Magda Letramento e alfabe-
do das Letras, 1995, p. 65-90. tização: as muitas facetas. Revista Brasi-
LUIZATO, Carla. Contexto de letra- leira de Educação, n. 25 Jan /Fev /Mar /
mento: é possível trabalhar com pro- Abr. 2004.
dução de texto na Educação Infantil. STREET, Brian. What’s “new” in new
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-Graduação em Educação, Faculdade
de Educação, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFR-
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