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Leitura em Sala de Aula: Um Caso

Envolvendo o Funcionamento da Ciência

Wilmo Ernesto Francisco Junior e Oswaldo Garcia Júnior

Este estudo apresenta uma atividade de leitura em sala de aula desenvolvida com estudantes de nível médio
de um curso pré-vestibular na cidade de Araraquara (SP). Essa atividade buscou o desenvolvimento de aspectos
relacionados ao funcionamento da Ciência, sobretudo a importância dos modelos. Após a leitura do texto, reali­
zada individualmente e em silêncio, os estudantes responderam a um questionário contendo questões fechadas
e abertas que serviu como fonte de dados. Os resultados indicaram que essa leitura auxiliou a construção de
importantes ideias acerca dos modelos científicos, as quais não faziam parte do imaginário dos leitores. Além
disso, a estratégia de produção escrita a partir do questionário mostrou-se importante para o estabelecimento
de inferências acerca da leitura realizada pelos estudantes.

leitura, escrita, modelos científicos


191
Recebido em 23/10/09, aceito em 12/03/10

A
escrita é reconhecidamente Em consonância com o exposto, de sempre a leitura da palavra
um importante instrumento segundo Silva (1998), o professor e a leitura desta implica a conti-
de aprendizagem, uma vez de Ciências é também um professor nuidade da leitura daquele. [...]
que requer um pensamento refle- de leitura, de tal forma, cabe a este este movimento do mundo à
xivo que estimula a reorganização também prover oportunidades para palavra e da palavra ao mundo
de ideias e, por consequência, que os alunos exerçam a escrita e a está sempre presente. Movi-
aumenta o entendimento do tema leitura em sala de aula. Isso porque mento em que a palavra dita
estudado (Rivard e Straw, 2001; todas as disciplinas escolares são flui do mundo mesmo através
Carvalho e Oliveira, 2005). A própria suportadas na linguagem escrita. Ri- da leitura que dele fazemos. De
atividade científica é indissolúvel con e Almeida (1991) apontam que tal alguma maneira, porém, pode-
da escrita. Toda atividade de pes- prática possibilita concatenar a vida mos ir mais longe e dizer que a
quisa abarca uma etapa na qual os do aluno com a Ciência, de modo leitura da palavra não é apenas
resultados são comunicados por que essa relação se intensifique na precedida da leitura do mundo
meio da escrita, sejam relatórios, interação pedagógica. mas por uma certa forma de
monografias, dissertações, teses, No presente trabalho, será as- escrevê-lo ou de reescrevê-lo,
artigos ou livros. Segundo Rivard e sumida uma perspectiva crítica em quer dizer, de transformá-lo
Straw (2001), uma estratégia peda- relação à leitura e à escrita. Ambas numa prática consciente. (Frei-
gógica permeada pela discussão de podem ser empregadas como veí- re, 2006, p. 20)
ideias e pela escrita deve aumentar culo de aprendizagem e, sobretudo,
a aprendizagem mais do que as como forma de auxiliar os estudantes
usando separadamente. Os resul- a pensar criticamente sobre qualquer Não há como desvencilhar a
tados desses autores apontam que tema. Nessa acepção, o ato de ler leitura da palavra da leitura dos fe-
o uso da escrita auxilia a retenção não se restringe à leitura da palavra, nômenos científicos, bem como da
de conhecimentos com o passar do mas também deve ser uma leitura de própria construção da Ciência e dos
tempo. Conforme aponta revisão de mundo (Freire, 2006; 2008). Leitura aspectos sociais, políticos, econômi-
Queiroz (2001), muitos trabalhos da palavra e leitura de mundo são cos e éticos inerentes a ela. Antes
assinalam resultados positivos me- indicotomizáveis. mesmo de aprender Ciências, os
diante diferentes formas de se utili- seres já estão no mundo e usufruem
[...] a leitura do mundo prece-
zar a escrita nas aulas de Química. em sua cotidianidade dos avanços

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proporcionados pelo conhecimento relações com os outros e com o a leitura em sala de aula, associada
científico. Daí que a leitura desse mundo para a apropriação de signi- às produções escritas, influenciou a
mundo já está ocorrendo, mas a edu- ficados. Tal diálogo depende quase apreensão e a produção de algumas
cação científica não deve perder de que estritamente da leitura, da escrita ideias, tanto do texto lido como de
vista que o seu papel é proporcionar e da fala. Separar esses processos aspectos preponderantes para o
formas pelas quais o indivíduo possa é um grave equívoco que se comete desenvolvimento da Ciência. Trata-se
inter-agir com esse mundo, isto é, desde quando as crianças ensaiam de uma investigação preliminar pau-
ter a capacidade crítica de agir e os primeiros momentos da prática de tada em duas questões principais:
transformá-lo. É nesse sentido que leitura. Não bastasse isso, essa sepa- 1) A organização da leitura em sala
o sujeito “escreve” ou “reescreve” ração se alastra por todo o período de aula pode fomentar uma visão de
seu mundo numa prática consciente. escolar, inclusive nas universidades. Ciência mais próxima aos estudan-
Alguns autores (Mortimer, 1998; No âmbito da Educação em Ciên- tes? 2) Qual a relação entre a leitura
Chassot, 2003) vêm apontando pre- cias, isso não é diferente e torna-se, e as atividades escritas propostas na
ocupação com a linguagem em sala de certa maneira, mais prejudicial, apropriação de ideias do texto?
de aula, atribuindo a esta um papel caso aqueles que fazem a Educa-
preponderante nos problemas de ção Científica não se atentarem para Procedimentos metodológicos
aprendizagem. Caso não se consiga essa delicada questão. Não é inco-
apreender os significados das pa- mum se deparar com estudantes de Em se tratando da leitura, Almei-
lavras, não se conseguirá aprender pós-graduação, das mais diferentes da e cols. (2006) argumentam que,
os significados científicos que elas áreas, reclamando pela dificuldade para que as mediações escolares
carreiam. Ler e escrever, portanto, são em escrever a tese ou a dissertação. sejam culturalmente mais abran-
habilidades a serem trabalhadas nas Apesar de este trabalho focar uma gentes, a organização do ensino
aulas de Ciências, visto que, muitas atividade de leitura restrita à compre- que inclua leitura deve refletir sobre
vezes, os estudantes são incapazes ensão de aspectos sobre a Ciência, as condições desta, isto é, o que
de interpretar questões de física, é assumido, em consonância ao ler e como ler. Partindo do pressu-
192 química, matemática etc., devido às pensamento freiriano, de que é uma posto de que os modelos encerram
deficiências na capacidade de leitu- profunda injustiça haver homens e papel imprescindível no conheci-
ra, o que implica, por conseguinte, mulheres que não sabem ler e escre- mento científico, como apresentam
nas dificuldades de aprendizagem ver. Isso porque os analfabetos (cien- Johnstone (1993), Justi e Gilbert
científica da maioria da população. tíficos) se veem anulados por sua (2000), entre outros, é fundamental
Contudo, os processos de leitura e incapacidade de tomar decisões e de que os estudantes saibam como
escrita não são simples ou automáti- compreender a realidade do mundo. ocorre a construção e a utilização
cos. Ao mesmo tempo em que leitura Isso acontece de tal forma que a leitu- dos modelos científicos. Segundo
da palavra e leitura de mundo são ra, assim como a educação, é um ato Chassot (2003), no início do texto
indicotomizáveis, leitura-escrita-fala político, uma tomada de consciência selecionado para a leitura em sala:
também são. da posição do indivíduo membro de
Espero que a continuada ne-
uma sociedade, compreendendo as
Em primeiro lugar, a oralidade cessidade de se fazer imagens
relações políticas que existem nela
precede a grafia mas a traz em deste mundo quase imaginário,
e seu papel diante dessas relações.
si desde o primeiro momento recurso maior para entender a
Tomando consciência da sua expe-
em que os seres humanos se natureza, seja cada vez mais
riência e da sua leitura de mundo, o
tornaram socialmente capazes aguçada com este texto. Aque-
indivíduo compreende seus limites e
de ir exprimindo-se através les que precisam buscar o en-
seu potencial dentro da sociedade.
de símbolos que diziam algo tendimento de um microcosmo
Como aponta Kleiman (2008), entre
de seus sonhos [...] de suas para explicar as realidades des-
outros autores, bom leitor é aquele
práticas. Quando aprendemos te mundo maravilhoso que nos
que lê e compreende diferentes gê-
a ler, o fazemos sobre a escrita cerca o fazem com modelos.
neros textuais. Pressupondo que um
de alguém que antes aprendeu (p. 249)
desses gêneros é o texto científico,
a ler e a escrever. Ao aprender
trazer a leitura de textos dessa na-
a ler nos preparamos para
tureza para a sala de aula contribui De tal maneira, foi selecionado o
imediatamente escrever a fala
para a formação do cidadão, por capítulo Procurar fazer imagens de um
que socialmente construímos.
permitir a interação dos alunos com mundo quase imaginário, presente
(Freire, 2008, p. 36)
mais um tipo de produção humana, em Chassot (2003), no qual o autor
a Ciência, também entendida como discorre sobre os modelos e o papel
Na perspectiva crítica freiriana, o um bem cultural cujo acesso deve ser da imaginação na aprendizagem
diálogo é o fio condutor da apren- universalizado. e no fazer científico. Esse capítulo
dizagem. O ser humano, como ser Imbuído por esses pensamentos, trata de questões relacionadas à
social e comunicativo, depende das o presente trabalho analisou como importância dos modelos e à capa-

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cidade de formar imagens mentais leitores, à medida que, ao realizar dades de significação nas respostas,
para se aprender Ciências. Todavia, as tarefas, deveriam retornar ao sendo dispostas em categorias, que
além de ser extenso para leitura em texto com um olhar mais aguçado. representam o agrupamento de uni-
sala, o texto selecionado apresenta A leitura aconteceu na sala de aula dades de significação em comum.
uma linguagem científica que em- de forma individual e em silêncio. Após essa primeira categorização,
bora seja conceitualmente rigorosa Foram gastos aproximadamente 25 procedeu-se a nova leitura, no intui-
e de fácil compreensão, ainda não é minutos para tal atividade. Após a to de identificar novas unidades de
adequada para os alunos aos quais leitura, o professor apenas discutiu significado e/ou reagrupamento das
foi destinado. Tratando-se de um algumas dúvidas de vocabulário, respostas em novas categorias ou
texto cujo público-alvo é basicamente entregando, em seguida, um ques- subcategorias. Tais passos seguem
professores de Ciências e sendo os tionário (Quadro 1) que serviu como o princípio da análise textual discur-
participantes da pesquisa estudantes fonte de dados. Neste, os estudantes siva (Moraes, 2003).
de nível médio, optou-se por uma responderam a algumas questões Os sujeitos da pesquisa foram
adaptação do texto no sentido de de opinião sobre o texto (itens 1, 2 e 24 estudantes de um curso pré-ves-
viabilizar sua utilização em sala de 3) e realizaram atividades de produ- tibular da cidade de Araraquara-SP,
aula, pois, como alerta Freire (2008), ção escrita (itens 4, 5 e 6), as quais mantido e coordenado pela Orga-
visaram a um retorno ao texto lido. nização Não Governamental Frente
[...] há uma relação necessá-
Ao solicitar as atividades escritas, Organizada pela Temática Étnica
ria entre o nível do conteúdo do
mas deixando a leitura em aberto no (ONG-FONTE). O aspecto diferen-
livro e o nível da atual formação
primeiro momento, não se restringe ciador desse curso pré-vestibular é
do leitor. Estes níveis envolvem
à busca por compreensões únicas, o seu caráter social. Não obstante
a experiência intelectual do
ou seja, por respostas a perguntas de se configurar como curso pré-
autor e do leitor. A compreen-
formuladas previamente. No entanto, vestibular, o seu objetivo principal é
são do que se lê tem que ver
ao escrever sobre o lido, o sujeito fornecer elementos de cidadania e
com essa relação. Quando a
engendra novas compreensões. conscientizá-los da importância da
distância entre aqueles níveis
As questões fechadas tiveram por educação no atual cenário social. 193
é demasiado grande [...] todo
objetivo um levantamento quantitati- Outra questão relevante desse cur-
esforço em busca da compre-
vo da opinião dos leitores em relação so pré-vestibular é a preocupação
ensão é inútil. (p. 35)
ao texto. Já as questões abertas com o desenvolvimento da escrita
visaram a uma análise qualitativa da e da leitura, independente da área
Tal adaptação seguiu dois critérios interação leitor-texto e dos principais de ensino.
principais: i) diminuição do texto; e ii) aspectos captados. No que se refere
acréscimo de explicações. A lingua- à análise das questões quantitativas, Resultados e discussão
gem não foi alterada, mantendo-se estas foram contadas, sendo os
a original do autor. No que tange à resultados apresentados de forma Como já apresentado, inicial-
diminuição do texto, o mesmo foi descritiva. Com isso, obteve-se um mente foi realizado um levantamen-
cortado aproximadamente do meio quadro geral, em termos de quanti- to da opinião sobre o texto lido,
até o fim, resumindo-se o trecho em dade, sobre a opinião dos leitores como pode ser visto nas questões
que o autor discorre sobre os mode- em relação ao texto. Já para as ques- apresentadas pelo Quadro 1. Em
los atômicos e retirando-se as partes tões abertas, após a leitura inicial das relação à opinião sobre o texto, onze
nas quais são abordados o modelo justificativas, foram identificadas uni- alunos assinalaram que o texto é
cinético dos gases e a polaridade de
Quadro 1: Questionário aplicado após a leitura do texto.
algumas moléculas. A parte inicial
foi utilizada praticamente na íntegra.
Nesta, o conceito de modelos é 1) Qual sua opinião sobre o texto? ( ) nada interessante ( ) pouco interessante
apresentado acompanhado de vá- ( ) razoavelmente interessante ( ) interessante ( ) muito interessante. Justifique
apontando aspectos positivos e negativos.
rios exemplos, tanto do cotidiano do
leitor (como modelos de relógio e TV) 2) Em sua opinião, a leitura do texto foi: ( ) muito difícil ( ) difícil ( ) razoavelmen-
quanto o modelo de uma célula. No te fácil ( ) fácil ( ) muito fácil. O que facilitou ou dificultou a leitura (vocabulário,
termos científicos, extensão do texto, conceitos novos etc.)?
que concerne à explicação de itens
do texto, foram incluídas explicações 3) Em sua opinião, sua compreensão do texto foi:
sobre o ábaco e sobre os conceitos ( ) muito ruim ( ) ruim ( ) razoável ( ) boa ( ) ótima. Justifique.
de transformações da matéria e es- 4) Comente algum(uns) trecho(s) do texto que você tenha achado interessante.
trutura atômica. Transcreva-o(s) ou aponte a página, parágrafo e linhas.
Em relação ao modo de ler, as 5) Elabore e responda uma questão sobre o texto lido.
atividades escritas que seguiram à
leitura visaram fomentar a produção 6) Elabore uma questão sobre o texto lido, a qual você gostaria de ver respondida e
debatida.
de compreensões por parte dos

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muito interessante, nove marcaram “Ele me fez pensar em coi- tudo, nota-se, além do interesse pelo
a opção interessante e dois optaram sas que nunca me chamou a texto e pelo tema em questão, o início
por razoavelmente interessante. atenção, talvez, nunca parei da apreensão e da articulação dos
Um único estudante marcou pouco para pensar em quantas pos- modos de se fazer Ciência. Aulas
interessante e também apenas um sibilidades poderiam ter tudo de Ciências – seja Química, Física,
assinalou nada interessante. que se encontra ao meu redor.” Biologia ou outra – devem sempre
Conforme apontam os resultados, compreender uma discussão de
a maior parte dos sujeitos acenou “[...] nos leva a reflexão de cunho filosófico que reflita sobre por
que o texto foi interessante ou muito algo que fazemos constante- que e o que é feito na Ciência. Apa-
interessante, sendo esse um aspecto mente e na maior parte das rentemente, esses estudantes não
essencial para que as atividades di- vezes involuntariamente (in- reconheciam o papel que a imagina-
dáticas apoiadas na leitura alcancem conscientemente). Aplicação ção e os modelos exercem na apren-
os resultados desejados. Lendo por do modelo como referência.” dizagem. A forma como a Ciência é
prazer, há uma diminuição na proba- feita e como são comunicados seus
bilidade de as atividades relaciona- achados faz parte da aprendizagem
das ao texto tornarem-se enfadonhas. Na categoria 3, as seis justificativas científica. A não compreensão des-
Por isso, a escolha do material a ser destacaram elementos que escla- sas questões pode implicar, além na
lido deve ser cuidadosa, haja vista recem a Ciência de um modo geral. deficiência de aprendizagem, em um
a influência que possui na leitura e Também aparece a importância da entendimento incompleto e distorcido
nas atividades seguintes. De acordo imaginação, porém os termos mode- da Ciência como atividade humana.
com os dados, a aceitação do texto los e hipóteses, em geral, estão asso- Aprender Ciências exige a criação
por parte dos alunos foi muito boa. ciados, fato que evidencia o início da de modelos dos fenômenos e, caso
Em parte, isso pode ser atribuído incorporação de termos concernentes os estudantes não compreendam
aos exemplos empregados pelo au- ao funcionamento da Ciência. como e por que tais modelos são
tor, geralmente muito presentes no necessários, o ensino de Ciências
194 cotidiano de qualquer cidadão. Além perde significado e se distancia de
“Muito interessante, pois o tex-
disso, o modo envolvente com que o seu propósito. A habilidade de for-
to tenta nos fazer explicações de
texto apresenta tais exemplos faz com mular esses modelos passa então a
coisas quase imaginárias através
que os leitores realmente imaginem, ser vista como um dom de pessoas
de hipóteses e modelos.”
com o autor, as situações em que os dotadas de maior capacidade. Um
exemplos são trazidos. dos maiores objetivos em apresentar
“Interessante, porque neste
Isso pôde ser verificado em boa o texto foi justamente suscitar a ima-
texto muitas coisas são ima-
parte das justificativas para a ques- ginação dos leitores e despertá-los
ginárias como as moléculas
tão 1. Tais justificativas puderam ser para a necessidade da imaginação
[...], o tique tac de um relógio
classificadas basicamente em três na aprendizagem científica.
fechado. Como não vemos os
categorias. Na categoria 1, foram É evidente que a produção dessa
átomos imaginamos e criamos
enquadradas as respostas (quatro compreensão de Ciência, além de
modelos. Podemos ver o estu-
incidências) mais simples e que não ser mediada pela leitura do texto,
do de várias ciências como a
puderam ser agrupadas em uma ca- é ao mesmo tempo marcada por
química e a física.”
tegoria específica por apareceram em condições que vão além do próprio
apenas uma ocasião. Tais respostas texto objeto de estudo. Na perspec-
“Eu achei o texto interes-
foram: “não tive tempo de ler”, “Não tiva crítica, os aspectos históricos
sante, porque fala sobre as
gosto de Química”, “me esclareceu são fundamentais para interpretar as
construções da Ciência, fala
alguns conceitos”, “deu pra com- compreensões. Nesse caso, esses
sobre os modelos que são
preender”. Quatro estudantes não aspectos influenciam tanto o modo
criados para entender uma
apresentaram justificativas. de produção da compreensão,
realidade com a qual é difícil
As justificativas compreendidas quanto o modo de leitura, que é a
se interagir. Cita também a
(dez incidências) na categoria 2 forma com a qual o leitor relaciona-
importância da Química e da
destacam a capacidade do texto em se com o texto durante o processo
Física. Uma estuda as transfor-
despertar a imaginação, uma vez de leitura. Essa forma está imbricada
mações da matéria e a outra, as
que os leitores foram estimulados a ao hábito de leitura e determina a
transformações na natureza as
pensar em coisas que provavelmente conexão entre a compreensão pro-
quais não modificam a matéria.
nunca haviam pensado antes. duzida durante o ato de ler.
Nessas matérias falamos de
Na resposta à questão 2, a maior
átomos, mas não podemos vê-
parte assinalou que o texto foi de fácil
“Gostei [...] fala sobre o lo. Então, criamos os modelos.”
(nove estudantes) ou de razoavel-
anão1 foi engraçado imaginar, é
mente fácil leitura (nove estudantes).
muito interessante e objetivo.”
Nessa última justificativa, sobre- Dois estudantes apontaram que o

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texto foi de leitura muito fácil, outros quais há os que apontam facilidade dados de opinião dos estudantes são
três optaram por difícil leitura e nin- quanto ao vocabulário, enquanto corroborados pela análise de outras
guém assinalou que o texto era de outros descrevem dificuldades, atividades escritas, apresentadas
leitura muito difícil. Um estudante não quanto pelos comentários e pelas posteriormente. Todas as justificati-
assinalou opção alguma. perguntas e respostas elaboradas, vas referem-se aos aspectos léxicos,
analisadas posteriormente. Almeida como vocabulário e presença de
“O texto veio com bastante
e cols. (2001) e Michinel (2006), exemplos, muito similares às justifica-
exemplificações.”
analisando episódios de leitura no tivas da questão 2. Parece ser comum
ensino superior, observaram que os os leitores calcarem suas justificativas
“Foi muito bem explicado
estudantes tendem a buscar defi- de compreensão em aspectos léxicos
com frases simples.”
nições claras sobre o assunto em (Maturano e cols., 2002). Todavia,
estudo durante a leitura. Essa forma quanto maior a evolução da habili-
“Eu tive facilidade em ler o
de relacionar-se com o texto é ob- dade de leitura, outras estratégias
texto. É um texto com um voca-
viamente marcada pela constituição aparecem como próprio indicativo
bulário de fácil entendimento e
histórica dos sujeitos-leitores, fruto, dessa evolução.
um tema muito interessante.”
sobretudo, do período escolar como A questão 4 teve por objetivo
apontam também os mesmos traba- analisar a compreensão do texto
A interpretação das justificativas lhos. Sendo assim, o hábito de leitura pelos estudantes e a capacidade
para esse item denota que os exem- parece ser um fator determinante na de interagir com o lido. Na medida
plos trazidos durante o texto, bem dificuldade que alguns assinalaram em que são destacados trechos
como a sua linguagem, contribuem ao ler o texto proposto. do texto por eles, é porque tais tre-
para o entendimento. Realmente os Assumindo que o professor de chos são relevantes e despertaram
exemplos e sua discussão durante o Ciências também tem a função de alguma reflexão/atitude de ordem
texto o tornam intrigante e estimulam trabalhar a leitura em sala de aula, tal pessoal. Ao mesmo tempo, a partir
a curiosidade do leitor. Ademais, além questão torna-se ainda mais delica- dos comentários efetuados para os
da linguagem do texto ser realmente da, caso for levado em consideração itens destacados, é possível incorrer 195
acessível, a adaptação que foi realiza- o hábito de leitura de futuros profes- acerca da capacidade interpretati-
da, sobretudo no tocante à explicação sores e o discurso que professores de va dos aprendizes. Isso possibilita
de alguns termos científicos, pode ter Ciências manifestam sobre a leitura. depreender ideias pessoais produ-
auxiliado os estudantes. Ainda assim, Andrade e Martins (2006) destacam zidas pela leitura e expressas por
houve relatos de estudantes que en- que durante a formação inicial dos meio da escrita. Os itens destaca-
contraram dificuldades em relação professores pesquisados não houve dos por eles puderam ser divididos
ao vocabulário e à estrutura do texto. espaço para reflexões acerca do basicamente em duas categorias.
papel da leitura na aprendizagem e Na primeira, estão contidos ele-
no ensino de Ciências. Por sua vez, mentos que destacam os objetos de
“Difícil. Por ter palavras que
Teixeira Júnior e Silva (2007), em estudo da Química e da Física. Tais
não conheço, e se tratar de
levantamento realizado com estu- características foram reportadas por
ciência.”
dantes de Química, e Freitas Júnior quatro deles, sendo um dos comen-
(2009), com licenciandos de Biologia, tários transcrito a seguir.
“Existem muitas palavras que
Química e Física, apresentam um
não conheço e que juntas,
hábito de leitura pouco sólido durante
formam frases difíceis. Fora “Achei importante a parte do
a formação inicial. Como bem apre-
essas frases difíceis, deu pra texto que fala de Química e de
senta Rizzatti (2008), de que forma os
entender o texto através de Física porque são matérias que
professores podem trabalhar a leitura
exemplos como fazer o modelo sempre foram difíceis de en-
e a escrita em sala de aula se essas
de um lápis e o da lapiseira e tender na escola assim como
são habilidades que nem mesmo eles
falar suas características.” a matemática, então quanto
desenvolveram satisfatoriamente a
mais matéria sobre química ou
ponto de ensinar alguém?
física vou tentar prestar bem
Novamente, os exemplos trazidos No item três, foi solicitado aos es-
atenção.”
pelo texto aparecem com destaque tudantes que opinassem sobre a pró-
para a compreensão, o que parece pria compreensão do texto. A maior
ser um aspecto importante quando parte deles assinalou que a com- O registro acima acena para a
os estudantes lidam com temas ao preensão foi boa (oito estudantes) e dificuldade em se estudar Química
mesmo tempo desconhecidos e in- razoável (seis estudantes). Apenas e Física, disciplinas compreendidas
tangíveis. Todavia, percebe-se uma três reportaram ótima compreensão como de difícil assimilação. Ao mes-
heterogeneidade na habilidade de e quatro optaram por ruim. Nenhum mo tempo, revela o interesse pelos
leitura e interpretação do lido. Isso estudante assinalou a opção muito conhecimentos trazidos por essas
foi acusado tanto pelos relatos, nos ruim e três não responderam. Esses duas áreas, o que é um ponto po-

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sitivo e um passo importante para a sentado, compreender Ciências exi- leitura, de modo tal que consigam
aprendizagem. ge que se compreenda o que é um organizar e questionar as próprias
Na segunda categoria, são subli- modelo. No entanto, os resultados ideias iniciais. Isso possibilita uma
nhados aspectos atinentes à impor- apresentados anteriormente suge- melhor estruturação cognitiva e, num
tância dos modelos e ao papel da rem que a maior parte dos estudan- segundo momento, um avanço em
imaginação na comparação entre o tes não se detinha a esse aspecto. relação às concepções originais.
real e o mental (20 estudantes). A ideia – quase sempre incutida na Ao encontro dessas ideias, Freire
maior parte da população de que a (2008) alerta:
Ciência é uma verdade e distante da
“Sobre a necessidade de
realidade –, é em parte engendrada
usar modelos. 1) Que os mode- É preciso não esquecer que
pela não compreensão de aspec-
los se destinam a descrições e há um movimento dinâmico
tos que envolvem a produção e o
situações com as quais difícil/e entre pensamento, linguagem
funcionamento da Ciência. Embora
interagimos, e das quais ape- e realidade do qual, se bem
não tenha sido feito um mapeamento
nas conhecemos os efeitos; 2) assumido, resulta uma cres-
inicial sobre as concepções de Ciên-
os modelos são simplificações cente capacidade criadora
cia dos estudantes participantes do
de situações muito diversas, de tal modo que, quanto mais
estudo, a leitura do texto parece ter
para as quais haveriam milha- vivemos integralmente esse
influenciado tais concepções, visto
res de descrições diferentes.” movimento mais nos tornamos
que a grande parte dos comentários
sujeitos críticos do processo
e trechos destacados refere-se à
“Quando o texto mostra que de conhecer, de ensinar, de
necessidade de se criar modelos
nós humanos nos esforçamos aprender, de ler, de escrever,
e como isso não era percebido por
para compreender o mundo de estudar. (p. 8)
eles anteriormente.
assemelhamo-nos um pouco
A leitura por si não garante a ca-
ao homem que tenta entender
pacidade de pensar, falar e escrever Diante disso, a solicitação de
o mecanismo de um relógio
196 melhor. Escrita e leitura funcionam que os estudantes comentem
fechado.”
tanto como meio estruturado para a trechos que para eles foram im-
formulação do conhecimento, quan- portantes no texto lido pode en-
“Achei a ideia do Albert Eins-
to como meio de construir um pensa- gendrar resultados relevantes na
tein interessante, como ele
mento lógico. Ao mesmo tempo em compreensão da leitura mesmo
mesmo fala no esforço que
que modifica as práticas de leitura, após o seu fim. Uma vez que o
fazemos para entender o me-
a produção escrita concretiza-se retorno àquela situação de leitura,
canismo de um relógio fecha-
na busca pela compreensão do agora tendo que comentá-la, exige
do. Que vemos o mostrador e
texto e dos temas a ele associados. a reorganização do pensamento
os ponteiros em movimento,
Tais produções, por sua vez, po- inicial e o pensar sobre o lido, os
ouve o tique-taque, mas não
dem remontar a outras vivências e comentários propiciam um melhor
tem como abrir o estojo. For-
aprendizagens. A leitura, a escrita e entendimento do momento ante-
ma imagem do mecanismo
a produção de significados e com- rior. Rivard e Straw (2000), embora
que ele observa, mas não tem
preensões são resultados de fatores utilizando a escrita associada à
condições de comparar a sua
sociais e históricos que se infundem experimentação, afirmam que o
imagem com o mecanismo
no momento de exteriorizar a palavra ato de escrever, cuja tarefa é or-
real.”
lida e que configuram a leitura de ganizar ideias em uma resposta
mundo que o sujeito leitor possui e coerente que possibilite expressar
“Funcionamento do aparelho
já estão constituídos no momento da o entendimento individual do tema
de CD, aparelho de T.V., celular,
leitura da palavra. É nesse sentido em questão, demanda maior es-
o lápis, e caneta até mesmo a
que a leitura de mundo precede a forço cognitivo. Carvalho e Oliveira
máquina de refrigerante, pois
leitura da palavra, mas essa última (2005) alegam que o registro escri-
usamos diariamente, sem ima-
permite um retorno mais crítico à to é um importante instrumento de
ginar a forma ou como foram
primeira. Como afirma Giroux (1997), aprendizagem para a construção
fabricados.”
para a escrita, ideia que pode ser pessoal do conhecimento, sendo
Os relatos apresentados des- transposta à leitura, escrever e ler importante para a retenção de co-
tacam o interesse dos estudantes são processos ou formas específicas nhecimentos científicos desde que
em compreender o funcionamento de aprendizagem que, ao mesmo haja a discussão prévia entre os
da Ciência de um modo geral, bem tempo, estruturam a consciência alunos. No entanto, pode-se dizer
como a importância da imaginação e correspondem às estratégias de que o momento da discussão entre
para o estudo de fenômenos e ins- aprendizagem. Logo, é desejável os alunos e, também de fundamen-
trumentos com os quais não se pode que os leitores coloquem no papel tal importância, com o professor
ter um contato direto. Como já apre- as reflexões suscitadas durante a pode vir após um registro escrito

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inicial, devido à dinâmica desse respostas podem ser encontradas apreensão do mundo microscópico.
processo. no texto, porém utilizaram suas pró- Entretanto, nessa ocasião, o estudan-
Ao encontro dessas hipóteses, prias palavras para discorrer acerca te reflete que a imaginação, além de
foi solicitado aos estudantes que do tema. Isso foi verificado em três ser importante para compreender o
elaborassem e respondessem uma casos, um deles transcrito a seguir. mundo microscópico, conduz o ser
questão relacionada ao texto. Essa humano “longe” e desperta a curio-
solicitação também visou analisar o sidade para entender “mais sobre
“O que é matéria?
nível de compreensão do lido pelos as coisas”. Esse pensamento revela
É formada por substancias,
estudantes, bem como a capacidade uma boa compreensão do texto, a
estas formadas por moléculas,
de organização de ideias e de se qual abarca novos pontos de vista
que são formadas basicamente
propor questionamentos. Elaborar sobre a busca pelo conhecimento.
por átomos.”
questões e propor reflexões sobre A própria imaginação, e até mesmo
um texto lido pode ser tão ou mais a intuição, fomenta a busca pelo
difícil do que lê-lo e compreendê-lo. Essa já é uma característica re- conhecimento. Tal ideia é coerente
Caso as respostas sejam facilmente levante, uma vez que os estudantes com uma concepção de Ciência mais
encontradas no texto, o questiona- envolvem-se num exercício mental contemporânea, na qual hipóteses e
mento do estudante é de apenas não mais mecânico como na catego- experimentos de pensamento podem
compreensão do lido, sem proble- ria anterior. Já esboçam um esforço auxiliar a construção do conhecimen-
matização das ideias trazidas ou cognitivo, um diálogo com o texto no to sem que haja a necessidade de se
suscitadas pela leitura. Por outro lado, qual captam ideias e as organizam efetuar experimentos.
caso os estudantes se proponham a para expressá-las por meio da escrita. Obviamente não se espera que
elaborar e responder a indagações Nesses casos, a escrita já exerce um no primeiro momento os estudantes
cujas respostas não estejam pronta- papel mais proeminente na interação sejam hábeis a elaborar e responder
mente no texto, tem-se uma situação com o texto e, posteriormente, na questões ou proporem reflexões não
importante sob ponto de vista não só aprendizagem, diferentemente das presentes no texto. Isso exigiria no
da aprendizagem, mas da evolução situações nas quais o texto é ape- mínimo dois fatos: (i) o sujeito estar 197
de um pensar crítico, da leitura de nas compilado. Talvez se a atividade habituado a esse tipo de tarefa; e
mundo e do despertar de outras fosse modificada, solicitando que (ii) o sujeito ter domínio razoável do
competências. os estudantes utilizassem suas pró- tema tratado no texto. Especifica-
Como pode ser vista em seguida, prias palavras, seria uma alternativa mente nesse caso, nem o primeiro
a elaboração de perguntas e respos- para evitar o uso da escrita de forma nem o segundo fato parecem ser
tas pelos alunos pôde ser dividida em mecânica. Outra situação importante atendidos. Isso é ainda corroborado
três níveis. Um primeiro no qual sig- seria debater as perguntas e res- pelo número de estudantes que não
nificados e reflexões suscitados são postas com todo o grupo, de forma elaboraram questão alguma (nove
mínimos, o que foi caracterizado por a conscientizá-los da necessidade estudantes), muito possivelmente
perguntas demasiadamente simples, em abranger pontos mais amplos na pelas dificuldades deflagradas por
nas quais os estudantes escolheram elaboração dos questionamentos. nunca terem realizado tal atividade.
um trecho do texto e elaboraram uma Em um terceiro nível, a problema- Assumindo que existem múltiplos e
questão cujo trecho já é a resposta, tização ocorreu com maior ênfase, variados modos de leitura, os sujeitos
transcrevendo-a na íntegra e de forma engendrando reflexões além do texto leitores e as compreensões por eles
mecânica. A maior parte das pergun- lido, embora as perguntas fossem de produzidas encerram especificidades
tas e respostas (dez) enquadra-se certa forma simples nesses casos. determinadas social, histórica, pesso-
nesse nível. Esse nível foi percebido em apenas al e ideologicamente. Além disso, a
dois casos, sendo um deles trans- vida intelectual está intricada aos mo-
crito a seguir. dos e aos efeitos da leitura em cada
“Há um interessante apólogo
segmento social e época histórica.
apresentado por Albert Einstein?
Daí que a leitura e a escrita devem
Sim. Onde o genial cientista, “Do que se trata o texto?
ser pensadas como possíveis de
em texto datado de 1948, tenta O texto fala bastante da ciência
serem trabalhadas em sala de aula e
mostrar a evolução (ou melhor e como nosso pensamento
em sala de aula de Ciências, visto a
a construção) dos conceitos nos leva longe e que nos deixa
capacidade de fomentar a significa-
em Física.” curiosos para saber mais sobre
ção não só dos conceitos científicos,
as coisas.”
mas do próprio papel e da relação da
“Que cientista tentou mos-
A reflexão apresentada na respos- Ciência com a vida do estudante. O
trar a evolução da Física?
ta é de caráter pessoal e faz alusão diálogo é o meio-chave para a proble-
R: Albert Einstein.”
a elementos que não se encontram matização (Freire, 2006) e posterior
Em um segundo nível, os estu- no texto que trata basicamente da compreensão do conhecimento,
dantes elaboraram questões cujas importância da imaginação para a sendo o diálogo composto pelos atos

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comunicativos da leitura-escrita-fala. e validação daquilo que foi compreen- tura, imprescindíveis a leitores de
É imprescindível não desvencilhar a dido. Para o último caso, no entanto, qualquer tipo de texto, assim como
leitura do texto das produções escri- é necessário retomar a discussão dos a qualquer cidadão, uma vez que a
tas. Tal estratégia parece contribuir pontos falhos que se apresentarem. maior parte do conhecimento huma-
para o envolvimento com a leitura e no é veiculada por textos.
possibilita que os estudantes explici- Considerações finais Além disso, a interação leitor-
tem dúvidas, argumentos e curiosida- texto estabelecida e a formulação de
des impossíveis de serem percebidas Os resultados apresentados con- importantes ideias a partir da leitura
apenas com a leitura. tribuem para a hipótese deste e de e as atividades realizadas sem inter-
No último item do questionário, foi outros trabalhos (Rivard e Straw, venção do professor dão indícios das
solicitada a elaboração de perguntas 2000; Carvalho e Oliveira, 2005) de ricas possibilidades que podem ser
que os estudantes gostariam que que a escrita é um importante instru- engendradas com o mesmo texto.
fossem respondidas e debatidas. mento de aprendizagem, na medida Muitos conhecimentos científicos
Aqui, ficam mais evidentes as dúvidas em que possibilita um pensamento podem ser trabalhados de uma forma
geradas durante a leitura e os proble- reflexivo bem como um retorno, sob mais dinâmica e palatável, devido à
mas conceituais que eles carreiam da uma nova perspectiva, às ideias rica expressão linguística e científica
Educação Escolar. apreendidas inicialmente. Outro do texto em questão. Novos estudos
estudo, que também reporta a ela- que abarquem a leitura e a escrita em
“Qual a diferença do átomo
boração de perguntas e comentários sala de aula, no entanto, necessitam
e do elétron da Química, com
(Almeida e cols., 2006), aponta para ser conduzidos no sentido de se ava-
o átomo e o elétron da Física?”
a contribuição dessa estratégia na liar como tais estratégias contribuem
produção de sentidos. A elaboração para a transposição das ideias pro-
“Como surgiu o primeiro
de perguntas, perguntas e respostas, duzidas a outros contextos e como
modelo de átomo?”
bem como de comentários sobre o professor pode aproveitar melhor
trechos do texto mostraram-se im- essa interação estabelecida com o
“O que é um átomo espe-
198 portantes para a compreensão do texto, de forma a tornar a aprendiza-
cificamente e como é visto
texto pelos leitores. Tal estratégia gem mais efetiva.
cientificamente?”
parece contribuir para o envolvimen-
to com a leitura e possibilita que os Nota
“O que são elétrons e átomos
estudantes explicitem dúvidas, argu- 1. O anão referido é uma das
e suas funções?”
mentos e curiosidades impossíveis hipóteses levantadas no texto Procu-
de serem percebidas apenas com a rar fazer imagens de um mundo quase
“Porque a célula da botâ-
leitura. Pode-se depreender que os imaginário por Chassot (2003) para
nica é diferente da célula da
estudantes foram capazes de captar explicar o funcionamento de uma
zoologia?”
importantes ideias sobre o papel dos máquina de refrigerantes.
Ainda que o texto trouxesse uma modelos na Ciência durante a leitura,
breve síntese de conceitos como o que foi exteriorizado com a escrita. Agradecimentos
átomo, elétron e células, é evidente Ademais, surgiram questionamentos
que apenas a leitura não foi capaz importantes sobre temas que relacio- Aos estudantes da Organização
de produzir uma formulação desses nam a Ciência e as suas aplicações Não Governamental Frente Organi-
conceitos pelos estudantes. E mais, no dia a dia. Logo, é imprescindível zada Pela Temática Étnica - ONG-
o fato de esses estudantes cursarem não desvencilhar a leitura do texto FONTE (2008) por participarem das
um pré-vestibular indica que, teorica- das produções escritas. Vale subli- atividades de pesquisa e aos seus
mente, todos já tiveram contato, em nhar que todos os resultados foram professores pela rica convivência em
algum momento, com essas ideias. obtidos apenas a partir da leitura do termos formativos e por acreditarem
No entanto, pode-se incorrer também texto. O professor não interveio duran- na Educação.
que a forma com a qual tais conteúdos te a leitura ou durante as atividades
foram estudados por eles não proveu escritas.
Wilmo Ernesto Francisco Junior (wilmojr@bol.com.
uma aprendizagem efetiva. Contudo, O presente estudo mostra ser
br), bacharel e licenciado em Química pelo Instituto
debater tais apontamentos vai além possível, outrossim, trazer para a
de Química da UNESP de Araraquara, mestre em
do escopo do presente texto. O mais sala de aula textos que não foram Biotecnologia pelo IQ-UNESP e em Educação,
substancial aqui é destacar que a ela- inicialmente produzidos para esse área de Metodologia de Ensino, pela UFSCar, é
boração de perguntas após a leitura público-alvo. Textos de cunho cien- doutorando em Química pelo IQ-UNESP e profes-
mostrou-se importante para verificar o tífico podem, dessa maneira, fo- sor do Departamento de Química da Universidade
nível de compreensão do texto e para mentar não somente a apropriação Federal de Rondônia (UNIR). Oswaldo Garcia Júnior,
detectar dúvidas presentes. Sendo de conhecimentos sobre Ciência, licenciado em Biologia pela PUC-Campinas, mestre
assim, tal estratégia parece ser um como também o refinamento de em Biologia Vegetal, doutor em Genética e Biologia
importante instrumento de avaliação estratégias metacognitivas de lei- Molecular pela UNICAMP, é professor do IQ-UNESP.

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Abstract: Reading in Classroom: A Case About Science Functioning. This study presents a classroom activity of reading developed with medium level students from a pre-vestibular course in
Araraquara-SP. The aim of this activity was to develop aspects concerned to science function, mainly about the models’ role in science. After reading, conducted individually and in silence, the
students answered a questionnaire that contained open and closed questions which was the data source. The results indicated that the activity helped the construction of important ideas about
science functioning which were not common to readers. Besides, the writing activities from questionnaires allowed establishing inferences about the reading realized by students.
Keywords: reading, writing, scientific models.

Resenha
Os cenários futuros para a educação: o partir de uma reflexão do passado e do e suas aplicações na educação. Defende
exemplo do ensino médio presente. Quer dizer, há a necessidade o papel da criação de cenários como
de traçar um panorama, um cenário, para estratégia de planejamento e antecipa-
O desenvolvimen- que as políticas públicas possam ter uma ção de decisões para uma gestão mais
to da educação bá- atuação mais contundente. É nessa dire- adequada e eficaz. Nessa perspectiva,
sica no Brasil vem, ção que caminha Álvaro Chrispino em seu o autor discute duas metodologias para
nos últimos anos, livro Os cenários futuros para a educação: formulação, apresentando os aspectos
passando por gran- o exemplo do ensino médio. favoráveis e as limitações de cada uma.
des mudanças. Nes- O autor defende que é possível a cons- Ao considerar que as políticas públicas
te momento o país trução de cenários futuros plausíveis a podem ser norteadas pelos cenários, o
vivencia diferentes partir de uma metodologia própria e de autor apoia-se em documentos legais
ações que intencio- sua experiência acumulada no campo orientadores e ações do governo fede-
nam a melhoria da educacional. Para tanto, apresenta em ral, fazendo uma análise pessoal para a
educação básica, tais como a avaliação seu livro, à luz de um bom levantamento escola pública, a qual converge ou não
nacional do livro didático, a criação do teórico, os conceitos de cenário e des- com outras posições, e que não pode ser
Conselho Técnico-Científico da Educação creve uma metodologia de construção a desconsiderada como análise.
Básica vinculada à Capes, o Programa de partir da realidade do ensino médio.
Iniciação a Docência (PIBID), entre outros A proposta do autor constitui uma fer- Profa. Dra. Márcia Gorette
e, mais recentemente, o Plano Nacional ramenta relevante como possibilidade de Lima da Silva (UFRN)
de Educação que definirá as metas e as contribuição para as políticas públicas.
estratégias a serem alcançadas nos dife- Alvaro Chrispino apresenta uma discus- CHRISPINO, Alvaro. Os cenários futuros
rentes níveis de ensino até 2020. são fundamentando-se em Popper, Kuhn para a educação: o exemplo do ensino
São ações com expectativas futuras que e Morin para olhar o futuro como objeto médio. Rio de Janeiro: FGV, 2009. 172p.
revelam a necessidade de olhar adiante a de estudo, relatando diferentes exemplos ISBN 978-85-225-0758-0

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