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Aula 4 PDF
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POR
JOSÉ MENDES
SÃO PAULO
DUPRAT & C.
1903
Advertências:
1. Texto original de Domínio Público. Excertos extraídos e adaptados para a disciplina História do Direito, por
Hélcio Maciel França Madeira.
2. Este texto foi originalmente redigido sob a ótica do método positivista e evolucionista, freqüente
entre os juristas pátrios no início do século passado. O aluno deverá procurar identificar estas
características no texto, para depurá-lo à luz de uma leitura crítica.
I. ESCOLA DE ARISTÓTELES
a) Caráter dominante da escola de Aristóteles
Platão encarava este tríplice objeto da filosofia (homem, natureza e Deus), sob o
ponto de vista subjetivista, e baseava a ciência nos conceitos ideais, inatos no espírito
humano, constitutivos de sua essência e substância. Partia do universal para o particular.
Declarou não haver ciência do que passa. Para ele, só ha ciência do absoluto, do necessário,
do imutável.
Para Platão só as idéias é que são reais, porque só elas existem por si mesmas. Mas
Aristóteles sustenta que só o individual é que existe substancialmente. Sustenta que o
conhecimento das coisas não pode ser adquirido fora do mundo sensível, no domínio
exclusivo dos conceitos racionais.
“Não se deve partir dos conceitos para os fatos, mas dos fatos para o conceito",
porque a verdade está nos fatos que observamos, que se passam diante de nós. Devemos
inferir o inteligível do sensível, e não o sensível do inteligível. Nihil est in intellectu quod non
prius fuerit in sensu (isto é, "algo não estaria no intelecto se antes não tivesse passado pelo sentido",
ou, "para que um conceito chegue ao intelecto é preciso, antes, que ele seja percebido pelos sentidos").
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O método do Aristóteles é indutivo por excelência, porque este parte da experiência,
da observação dos fenômenos, que se operam na natureza, no homem e na sociedade, e
chega, pela comparação e generalização, ao conhecimento das leis que os regem,
respectivamente.
Aristóteles foi o filósofo grego que mais se aproximou da noção moderna da justiça
ou do direito.
É admirável a análise que faz Aristóteles da justiça, que foi por ele estudada em suas
várias manifestações no seio da sociedade. Com suas profundas observações, conseguiu ele
perceber e formular diversas divisões de justiça, muitas delas até hoje aceitas pelo direito.
Distinguia primeiro uma justiça universal ou justiça lato sensu, e uma justiça
particular ou justiça stricto sensu.
A primeira é uma virtude que resume, que abrange todas as outras virtudes; é a
virtude inteira, pois que se refere ao bem e a vantagem dos outros homens. Para Platão, esta
justiça era uma virtude interior do indivíduo e do Estado. Para Aristóteles era um virtude
eminentemente social, era o bem social, nela incluindo tudo quanto concorre para a
prosperidade da vida social.
Há também a justiça legal. Ser justo é respeitar a lei, porque o que é conforme à
lei, é conforme ao bem comum que cada povo, do seu modo, estabelece. Ser justo, em
primeiro lugar, é seguir as leis da pólis. Todos os povos têm seu direito. Mas esta justiça
legal (ou positiva), embora deva ser respeitada, às vezes deve ser corrigida pela equidade.
Como as leis dos povos são gerais, pode ocorrer situações específicas em que a aplicação da
lei não traga o bem. Neste caso o justo legal pode ser corrigido pela equidade. Decidir por
equidade é decidir por meio do equilíbrio próprio de quem tem a virtude, de quem tem a
prática habitual de fazer o bem.
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Para Aristóteles a equidade consiste em invocar o direito natural contra os rigores e
as injustiças da lei positiva. Pois a lei positiva (justiça legal) é elaborada genericamente e
não considera as particularidades de cada caso concreto. A equidade é que supre a
insuficiência da lei positiva.
A justiça comutativa consiste na igualdade pura e simples. Ela deve estar presente
nas trocas, nas compras e vendas e nos contratos em geral, em que não se deve levar em
conta a qualidade das pessoas, mas tão somente o valor das coisas trocadas ou negociadas.
A justiça comutativa consiste no tratamento igualitário das partes, que devem ser julgadas
sem a apreciação de suas qualidades ou méritos. É, portanto, uma justiça que preserva a
proporção aritmética. Deve prevalecer nas relações entre particulares (por exemplo,
contratuais), ou no direito penal. Não importa se comprador é rei e se o vendedor é pobre:
ambos devem ser tratados como iguais, apesar de serem diferentes. Não importa se um
criminoso é rico ou pobre: deve ser punido com igualdade se pratica um mesmo crime. Um
particular, nestes casos, sempre é igual a outro particular.
Fazer justiça distributiva, enfim, é tratar os iguais como iguais e os diferentes com
proporcionalidade. É a justiça da distribuição das honras, dos bens entre aqueles que
participam do sistema político.
Em ambos os casos fazer justiça é "dar a cada um o que é seu", mas a justiça
distributiva (ou social) consiste no "dar a cada um o que é seu na medida do seu
merecimento".
d) Quadro-resumo:
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• Mas a lei é sempre genérica e corre o risco de, ao ser aplicada, ferir o justo natural. O julgamento
por equidade é o meio mais adequado para corrigir os rigores da lei positiva.
Com Platão e Aristóteles a filosofia grega atingiu seu apogeu. Depois deles, começou
a decadência. Epicuro e Zenon são os dois nomes mais notáveis da filosofia helênica
posterior, e a eles prendem-se os dois mais importantes sistemas filosóficos que se
seguiram: o epicurismo e o estoicismo.
A Grécia passará por esse tempo em uma fase de provações. Primeiro a Macedônia,
depois Roma, haviam-na dominado e aniquilado suas instituições civis. E, como as
doutrinas sempre se adaptam às condições sociais e às necessidades da existência
referentes ao tempo e lugar, a filosofia helênica tomou então uma orientação diversa da
precedente, e consentânea com o novo estado social: o ideal do justo, do belo, da cidade ou
do Estado, cedeu o lugar ao ideal do homem sábio, que busca em si mesmo forças que o
tornem superior aos acontecimentos que o infelicitam. A tendência da especulação filosófica
até então era satisfazer, de preferência, à inteligência.
Nihil novi sub sole (“nada de novo sob o sol”). Epicuro (nascido em 341 e morto em
270 a.C.) reproduz em seus ensinamentos teorias já anteriormente expostas por Demócrito e
outros pensadores gregos. Mas não se lhe pode negar o mérito de ter-lhes dado mais
coerência e clareza, de par com o cunho apropriado às novas condições e necessidades da
vida social helênica.
Seu sistema contém três partes: lógica, física e moral, desempenhando esta última
parte o papel proeminente entre as três.
A parte que mais nos interessa é a moral, com a qual se achava ainda confundido o
direito.
Pelos antigos, a felicidade fora definida por vários modos. Para Platão, consistia na
imitação de Deus. Para Aristóteles, estava no desenvolvimento ponderado das faculdades
humanas, nas relações mais úteis estabelecidas entre o homem e o meio em que ele vive.
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uma moral que faz do prazer o princípio e o fim de uma vida feliz.
Mas, posto sua moral seja a moral do prazer, este filósofo tem sido mal
compreendido por alguns escritores. Epicuro distinguia os prazeres em prazeres em
movimento e prazeres de repouso. Os prazeres de movimento são os prazeres do corpo, os
prazeres materiais. Os segundos são os do espírito, prazeres intelectuais e morais.
Ter o corpo são e o espírito tranqüilo, eis o prazer da moral epicuréia, expresso na
máxima de Juvenal: Mens sana in corpore sano. Por isso, ele considerava como a primeira
das virtudes a prudência, da qual procedem todas as outras. É sua a seguinte máxima: "Não
se pode viver com prazer, se não se vive prudente, honesta e justamente. Nem se pode viver
prudente, honesta e justamente, sem o prazer. Porque do prazer é que nascem as virtudes, e
a vida de prazeres é inseparável destas".
Destarte, segundo as idéias deste filósofo com relação à justiça, todas as normas
jurídicas, isto é, todas as normas que são ou devem ser coativamente asseguradas pelo
poder público resumem-se neste princípio: "Não ofender para não ser ofendido". Donde o
neminem laedere (o mesmo que alterum non laedere, isto é, "não lesar a outrem"), um dos três
preceitos fundamentais do direito, segundo o direito romano.
Sem observar este princípio, que veda a ofensa pelo temor da ofensa, não pode o
homem viver feliz, isto é, ter o corpo são e o espírito tranqüilo. Como se vê, há um ponto de
contato entre esta teoria e a dos sofistas. Na sofística e no epicurismo hauriu Jean Jacques
Russeau a sua célebre teoria sobre o "Contrato Social".
Convém notar, todavia, que ela contém uma parte da verdade, porquanto, de fato, o
medo das represálias conta-se entre os fatores que concorreram para formação da idéia
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correta de justiça.
d) Quadro-resumo:
Este acidente domina toda a sua doutrina. Para Zenon e seus adeptos, a filosofia
constitui um todo, cujas partes, a lógica, a física e a moral, são estreitamente ligadas entre
si.
Na moral, objeto principal dos ensinamentos estóicos, e onde está sua maior glória -
pois foi pela moral que essa escola imortalizou-se - o estoicismo procedeu de modo análogo,
para conciliar aqueles dois filósofos.
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No estoicismo está o gérmen do panteísmo. O Sábio do estoicismo tem como
atributos o desprendimento, a resignação, a supressão das paixões, a resistência às
necessidades, a condenação do desejo e do próprio gozo intelectual, o desdém pelas
convenções sociais.
E convém notar que o estóico ama a virtude pela virtude: virtutis praemium est ipsa
virtutis. Philosophia studium virtutis est, sed per ipsam virtutem (o prêmio da virtude é a própria
virtude. A filosofia é o estudo da virtude, mas por meio da prática da própria virtude").
A concepção jurídica dos estóicos está de acordo com a sua doutrina filosófica. O
direito para eles é uma manifestação da razão universal, que tudo governa. E, sendo uma
manifestação da razão universal, da razão divina, de que emana, preexiste à sociedade e ã
lei positiva, que é, como diz Cícero, um pálido e defeituoso reflexo dele. Ubi non est iustitia,
ibi non potest esse ius ("Onde não há a justiça, aí não pode haver o direito"), repetiu Cícero.
d) Quadro-resumo:
• A verdade é uma evidência que resulta do acordo entre a impressão sensível (naturalismo) e a
razão (racionalismo)
• Moral: parte mais importante da filosofia
• Princípio: viver segundo a natureza, conforme a razão
• A virtude (a honestidade) é o bem mais precioso
• Panteísmo, Cosmopolitismo
• Valores estóicos: desprendimento, resignação, resistência às necessidades, supressão das
paixões, desdém pelas convenções sociais.
• Impassibilidade, ataraxia, tranqüilidade.
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• Universalismo, República Universal.
• Finalidade do direito: a honestidade (honeste vivere)
Quer o leitor uma prova concreta da influência exercida pela filosofia grega sobre a
jurisprudência romana? Tem-na nos três preceitos fundamentais assinalados ao direito pelo
jurisconsulto Ulpiano, os quais são calcados sobre concepções filosóficas dos helenos acerca
da justiça. Quais são estes preceitos? O honeste vivere, o alterum non laedere, o suum
cuique tribuere:
Digesto, 1.1.10.1 (Ulpiano): "Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere,
suum cuique tribuere". Tradução:"Os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não
lesar a outrem , dar a cada um o que é seu". O aluno deve recordar-se de que somente em
meados da República é que Roma conquista a Grécia (ca.153 a.C.). A cultura do período
denominado "helenismo" é absorvida rapidamente pelos romanos, especialmente nos ramos da
retórica, didática, filosofia, oratória e literatura. Entre as filosofias helenistas as que mais se
destacaram foram o epicurismo e o estoicismo que, por muitos séculos dominaram a alta cultura
romana, incluindo muitos juristas do período clássico.