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ENSAIOS DE PHILOSOPHIA DO DIREITO

POR
JOSÉ MENDES

SÃO PAULO
DUPRAT & C.
1903

Advertências:

1. Texto original de Domínio Público. Excertos extraídos e adaptados para a disciplina História do Direito, por
Hélcio Maciel França Madeira.
2. Este texto foi originalmente redigido sob a ótica do método positivista e evolucionista, freqüente
entre os juristas pátrios no início do século passado. O aluno deverá procurar identificar estas
características no texto, para depurá-lo à luz de uma leitura crítica.

I. ESCOLA DE ARISTÓTELES
a) Caráter dominante da escola de Aristóteles

Um dos traços característicos da filosofia grega é ser uma ciência universal,


compreensiva da física, da metafísica, da moral, da política, da fisiologia, da psicologia. Esta
a ciência de tudo o quanto existe. O filósofo estudava o homem, a natureza e Deus
conjuntamente, sem distinção de ciências particulares.

Platão encarava este tríplice objeto da filosofia (homem, natureza e Deus), sob o
ponto de vista subjetivista, e baseava a ciência nos conceitos ideais, inatos no espírito
humano, constitutivos de sua essência e substância. Partia do universal para o particular.
Declarou não haver ciência do que passa. Para ele, só ha ciência do absoluto, do necessário,
do imutável.

Aristóteles, seu discípulo, separou-se do mestre, e seguiu caminho oposto. Baseou a


ciência na observação dos fatos. Partiu do particular para o geral. Partiu dos fatos, dos
fenômenos da natureza, do homem e da sociedade, para conhecer as leis e os princípios que
os regem.

Para Platão só as idéias é que são reais, porque só elas existem por si mesmas. Mas
Aristóteles sustenta que só o individual é que existe substancialmente. Sustenta que o
conhecimento das coisas não pode ser adquirido fora do mundo sensível, no domínio
exclusivo dos conceitos racionais.

“Não se deve partir dos conceitos para os fatos, mas dos fatos para o conceito",
porque a verdade está nos fatos que observamos, que se passam diante de nós. Devemos
inferir o inteligível do sensível, e não o sensível do inteligível. Nihil est in intellectu quod non
prius fuerit in sensu (isto é, "algo não estaria no intelecto se antes não tivesse passado pelo sentido",
ou, "para que um conceito chegue ao intelecto é preciso, antes, que ele seja percebido pelos sentidos").

Platão menosprezou a observação e a experiência, Aristóteles fez desta a base


fundamental de seu método. Os dois gênios universais traçaram para sempre os caminhos
seguidos pelas duas tendências opostas do pensamento, pelos dois pólos, entre os quais se
realiza constantemente o ritmo do movimento intelectual: o idealismo e o naturalismo.

A filosofia do incomparável discípulo e adversário de Platão dominou toda a Idade


Média. Famosa é a divisa por ele estabelecida, quando se separou de seu mestre Platão:
Amicus Plato, magis amica veritas ("Platão é amigo; mas a verdade é mais amiga").

b) Método da escola de Aristóteles

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O método do Aristóteles é indutivo por excelência, porque este parte da experiência,
da observação dos fenômenos, que se operam na natureza, no homem e na sociedade, e
chega, pela comparação e generalização, ao conhecimento das leis que os regem,
respectivamente.

c) Concepção jurídica da escola de Aristóteles

Aristóteles foi o filósofo grego que mais se aproximou da noção moderna da justiça
ou do direito.

Sua doutrina considerava a justiça como um aspecto da virtude, como princípio


coordenador, princípio de proporção e princípio de medida. Como os demais filósofos gregos,
confunde a moral com o direito, ou o justo com o honesto.

Enquanto para Platão o conceito da justiça deduzia-se da idéia suprema do Bem,


para Aristóteles o conceito de justiça deve ser retirado da observação dos fatos, deve ser
deduzido dos fenômenos da vida real da sociedade. Por caminhos diversos, Platão e
Aristóteles chegaram ao mesmo conceito de justiça.

Para Platão, o direito é anterior à sociedade, preexiste a esta. É um conceito inato no


espírito, é um modelo a que o homem e a sociedade se adaptaram. Para Aristóteles, ao
contrário, o direito é um produto das necessidades do organismo social, e o seu conceito
resulta da observação e generalização. O direito não existe fora da sociedade, como
acreditava Platão, mas o direito nasce da sociedade, como uma necessidade orgânica desta.

É admirável a análise que faz Aristóteles da justiça, que foi por ele estudada em suas
várias manifestações no seio da sociedade. Com suas profundas observações, conseguiu ele
perceber e formular diversas divisões de justiça, muitas delas até hoje aceitas pelo direito.

Distinguia primeiro uma justiça universal ou justiça lato sensu, e uma justiça
particular ou justiça stricto sensu.

A primeira é uma virtude que resume, que abrange todas as outras virtudes; é a
virtude inteira, pois que se refere ao bem e a vantagem dos outros homens. Para Platão, esta
justiça era uma virtude interior do indivíduo e do Estado. Para Aristóteles era um virtude
eminentemente social, era o bem social, nela incluindo tudo quanto concorre para a
prosperidade da vida social.

A segunda, a justiça particular, é uma parte da virtude inteira. Sua observância é


exigida por lei porque é indispensável à manutenção da ordem social, que dela depende
necessariamente. A justiça particular foi dividida por Aristóteles em várias espécies: justiça
comutativa e justiça distributiva; justiça positiva e justiça natural; justiça comum e justiça
singular, justiça escrita e justiça não escrita, etc. Estas divisões até hoje são adotadas pelo
direito.

Como virtude, só é possível compreender a justiça pelo exercício, pelo hábito da


justiça. Como virtude, a justiça é mais uma vontade, uma disposição permanente de fazer o
que é justo.

A justiça natural é aquela fundada na natureza e que, portanto, não depende da


opinião dos indivíduos, nem dos atos legislativos. É universal e imutável.

Há também a justiça legal. Ser justo é respeitar a lei, porque o que é conforme à
lei, é conforme ao bem comum que cada povo, do seu modo, estabelece. Ser justo, em
primeiro lugar, é seguir as leis da pólis. Todos os povos têm seu direito. Mas esta justiça
legal (ou positiva), embora deva ser respeitada, às vezes deve ser corrigida pela equidade.
Como as leis dos povos são gerais, pode ocorrer situações específicas em que a aplicação da
lei não traga o bem. Neste caso o justo legal pode ser corrigido pela equidade. Decidir por
equidade é decidir por meio do equilíbrio próprio de quem tem a virtude, de quem tem a
prática habitual de fazer o bem.
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Para Aristóteles a equidade consiste em invocar o direito natural contra os rigores e
as injustiças da lei positiva. Pois a lei positiva (justiça legal) é elaborada genericamente e
não considera as particularidades de cada caso concreto. A equidade é que supre a
insuficiência da lei positiva.

Conforme a situação das pessoas envolvidas, há duas formas de justiça, de atribuir a


cada um o seu. A justiça pode ser comutativa (corretiva) ou distributiva (justiça social).

A justiça comutativa consiste na igualdade pura e simples. Ela deve estar presente
nas trocas, nas compras e vendas e nos contratos em geral, em que não se deve levar em
conta a qualidade das pessoas, mas tão somente o valor das coisas trocadas ou negociadas.
A justiça comutativa consiste no tratamento igualitário das partes, que devem ser julgadas
sem a apreciação de suas qualidades ou méritos. É, portanto, uma justiça que preserva a
proporção aritmética. Deve prevalecer nas relações entre particulares (por exemplo,
contratuais), ou no direito penal. Não importa se comprador é rei e se o vendedor é pobre:
ambos devem ser tratados como iguais, apesar de serem diferentes. Não importa se um
criminoso é rico ou pobre: deve ser punido com igualdade se pratica um mesmo crime. Um
particular, nestes casos, sempre é igual a outro particular.

A justiça distributiva consiste na igualdade proporcional ao mérito das pessoas, e


que preserva, assim, a proporção geométrica.entre os homens. Importa verificar o mérito de
cada um. Bens iguais somente devem ser dados a iguais. Ao general deve ser dado mais do
que ao soldado, pois o trabalho e a responsabilidade social de um são maiores do que a do
outro. Mas como saber quem tem mais mérito? Esta decisão depende de cada povo. Em
uma democracia, o maior valor é a liberdade. Por isso os livres têm mais méritos do que os
escravos (os primeiros votam, os outros não), mas todos os livres têm o mesmo mérito e são
tratados como iguais (isonomia). Em uma oligarquia a distribuição dos bens valoriza os
mais ricos e os mais nobres. Em uma aristocracia recebem mais bens os mais virtuosos.
Cada povo, enfim, define seus valores sociais e estabelecem uma justiça social (ou
distributiva) própria. É por esse conceito de justiça que quem tem mais paga mais imposto
e quem tem menos paga menos. O rico e o pobre não podem ser vistos em proporção
aritmética ao serem cobrados de imposto. O rico tem mais, recebe mais serviços da pólis,
logo deve pagar mais imposto. Também por aplicação de um conceito de justiça distributiva,
alguns povos adotam a timocracia, isto é, os que têm mais bens, porque contribuem mais
para a pólis (com impostos e com soldados), têm maior peso na eleição; seus votos valem
proporcionalmente mais do que os votos de quem tem menos fortuna.

Fazer justiça distributiva, enfim, é tratar os iguais como iguais e os diferentes com
proporcionalidade. É a justiça da distribuição das honras, dos bens entre aqueles que
participam do sistema político.

Em ambos os casos fazer justiça é "dar a cada um o que é seu", mas a justiça
distributiva (ou social) consiste no "dar a cada um o que é seu na medida do seu
merecimento".

d) Quadro-resumo:

• Só existe o indivíduo, o particular (o geral decorre da generalização).


• Método indutivo: da observação dos casos particulares se chega às regras gerais.
• O conhecimento vem da experiência, dos sentidos, não da razão.
• A justiça é um aspecto das virtudes: só se adquire a justiça pelo hábito, pelo costume.
• O direito é um produto das necessidades de cada sociedade: seu conceito resulta da observação
e da generalização.
• Justiça comutativa x justiça distributiva. Finalidade do direito: dar a cada um o que é seu. Nas
relações entre particulares (direito privado) as partes devem ser tratadas sempre como iguais
(ainda que não sejam), como nos contratos. Nas relações de direito público (e.g., direitos
políticos, tributos, salários), a justiça deve ser proporcional ao mérito de cada um, isto é, as
partes devem ser tratadas como iguais se realmente são iguais, e, com proporcionalidade, se
são diferentes.
• Seguir a lei é ser justo, pois a lei espelha o bem comum desejado pela pólis

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• Mas a lei é sempre genérica e corre o risco de, ao ser aplicada, ferir o justo natural. O julgamento
por equidade é o meio mais adequado para corrigir os rigores da lei positiva.

II. ESCOLA DE EPICURO


a) Caráter dominante da escola de Epicuro

Com Platão e Aristóteles a filosofia grega atingiu seu apogeu. Depois deles, começou
a decadência. Epicuro e Zenon são os dois nomes mais notáveis da filosofia helênica
posterior, e a eles prendem-se os dois mais importantes sistemas filosóficos que se
seguiram: o epicurismo e o estoicismo.

A Grécia passará por esse tempo em uma fase de provações. Primeiro a Macedônia,
depois Roma, haviam-na dominado e aniquilado suas instituições civis. E, como as
doutrinas sempre se adaptam às condições sociais e às necessidades da existência
referentes ao tempo e lugar, a filosofia helênica tomou então uma orientação diversa da
precedente, e consentânea com o novo estado social: o ideal do justo, do belo, da cidade ou
do Estado, cedeu o lugar ao ideal do homem sábio, que busca em si mesmo forças que o
tornem superior aos acontecimentos que o infelicitam. A tendência da especulação filosófica
até então era satisfazer, de preferência, à inteligência.

A tendência agora toma outra diretriz e é no sentido de fortalecer a vontade e dar-lhe


alento para que ela possa suportar os golpes da adversidade. A filosofia torna-se, de
especulativa que era, eminentemente prática: subordina a ciência à vida. Esta nova
tendência é representada por Epicuro e Zenon.

Nihil novi sub sole (“nada de novo sob o sol”). Epicuro (nascido em 341 e morto em
270 a.C.) reproduz em seus ensinamentos teorias já anteriormente expostas por Demócrito e
outros pensadores gregos. Mas não se lhe pode negar o mérito de ter-lhes dado mais
coerência e clareza, de par com o cunho apropriado às novas condições e necessidades da
vida social helênica.

Seu sistema contém três partes: lógica, física e moral, desempenhando esta última
parte o papel proeminente entre as três.

A lógica e a física servem de introdução à moral.

Um só conceito domina e dá cunho às três partes de sua doutrina: é o princípio da


coesão. Este princípio domina na lógica, ou, para empregar o termo de Epicuro, na
canônica, fazendo que a reunião e combinação das sensações formem o conhecimento.
Também domina na física, fazendo que a reunião e combinação dos átomos formem o
universo. Domina, finalmente, na moral, fazendo que a reunião e combinação dos homens
formem o corpo de normas reguladoras da conduta humana, no intuito de uma vida mais
agradável.

É graças ao princípio da coesão, ensina Epicuro, que se realiza a aproximação


recíproca dos indivíduos, a qual tem por escopo aumentar-lhes o prazer e diminuir-lhes a
dor.

A parte que mais nos interessa é a moral, com a qual se achava ainda confundido o
direito.

A moral, para Epicuro, é a procura da felicidade.

Pelos antigos, a felicidade fora definida por vários modos. Para Platão, consistia na
imitação de Deus. Para Aristóteles, estava no desenvolvimento ponderado das faculdades
humanas, nas relações mais úteis estabelecidas entre o homem e o meio em que ele vive.

Para Epicuro, a felicidade consiste na ausência da dor, consiste em não sofrer. É na


sanidade do corpo e do espírito que está a felicidade. Sua moral é um hedonismo, isto é,

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uma moral que faz do prazer o princípio e o fim de uma vida feliz.

Mas, posto sua moral seja a moral do prazer, este filósofo tem sido mal
compreendido por alguns escritores. Epicuro distinguia os prazeres em prazeres em
movimento e prazeres de repouso. Os prazeres de movimento são os prazeres do corpo, os
prazeres materiais. Os segundos são os do espírito, prazeres intelectuais e morais.

Epicuro recomendava os prazeres desta última categoria, fazendo assim do


hedonismo um ascetismo.

Ter o corpo são e o espírito tranqüilo, eis o prazer da moral epicuréia, expresso na
máxima de Juvenal: Mens sana in corpore sano. Por isso, ele considerava como a primeira
das virtudes a prudência, da qual procedem todas as outras. É sua a seguinte máxima: "Não
se pode viver com prazer, se não se vive prudente, honesta e justamente. Nem se pode viver
prudente, honesta e justamente, sem o prazer. Porque do prazer é que nascem as virtudes, e
a vida de prazeres é inseparável destas".

É escudado na prudência que o sábio de Epicuro busca a sua felicidade. E busca-a


em si próprio, refugiando-se e concentrando-se na tranqüilidade inalterável de seu espírito,
na apatia, na indiferença, na indolência (in + dolentia, isto é: negação da dor).

O amor ao prazer e a conseqüente aversão à dor, eis a força, a razão de ser da


coesão, que congrega os homens, que os aproxima reciprocamente, em busca de aumento
para o prazer e diminuição para a dor.

b) Método da escola de Epicuro

Para Epicuro, o princípio de toda a ciência é a sensação.

Todas as idéias vêm do mundo externo. Seu método, portanto, é indutivo,


experimental; assenta na observação dos fenômenos do mundo físico, do mundo orgânico e
do mundo superorgânico.

c) Concepção jurídica da escola de Epicuro

A concepção jurídica desta escola filosófica é acorde com os seus ensinamentos em


geral. Por amor ao prazer e aversão à dor, os homens aproximam-se reciprocamente e
formam um pacto ou compromisso de não ofenderem nem serem ofendidos. O respeito a
esse pacto é o que se chama o direito, o qual traz serenidade ao espírito, porque garante a
sua sanidade e a do corpo. Fora desse pacto de utilidade, desse compromisso tendente a
conseguir o bem-estar comum dos pactuantes, não há direito.

Este, conseguintemente, emana da convenção dos indivíduos. Funda-se na utilidade


individual e social. O homem não lesa outrem para não ser por outrem lesado.

Destarte, segundo as idéias deste filósofo com relação à justiça, todas as normas
jurídicas, isto é, todas as normas que são ou devem ser coativamente asseguradas pelo
poder público resumem-se neste princípio: "Não ofender para não ser ofendido". Donde o
neminem laedere (o mesmo que alterum non laedere, isto é, "não lesar a outrem"), um dos três
preceitos fundamentais do direito, segundo o direito romano.

Sem observar este princípio, que veda a ofensa pelo temor da ofensa, não pode o
homem viver feliz, isto é, ter o corpo são e o espírito tranqüilo. Como se vê, há um ponto de
contato entre esta teoria e a dos sofistas. Na sofística e no epicurismo hauriu Jean Jacques
Russeau a sua célebre teoria sobre o "Contrato Social".

A teoria jurídica de Epicuro reduz o direito à mera convenção, a um produto da


opinião e do arbítrio dos homens.

Convém notar, todavia, que ela contém uma parte da verdade, porquanto, de fato, o
medo das represálias conta-se entre os fatores que concorreram para formação da idéia
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correta de justiça.

d) Quadro-resumo:

• Surge no período de decadência da filosofia, quando a Grécia é dominada pelos macedônios e,


depois, pelos romanos.
• A filosofia volta-se para o indivíduo, para moral, para a prática. A moral é superior à lógica e à
física.
• Princípio da coesão:
- A reunião e combinação das sensações formam o conhecimento;
- A reunião e combinação dos átomos formam a física;
- A reunião e combinação dos homens formam as normas (morais, jurídicas);
• A felicidade é a ausência de dor. Mente sadia em corpo são.
• Valores epicuristas: hedonismo, apatia, indolência, tranqüilidade do espírito
• Finalidade do direito: a utilidade (não lesar a outrem, par a não ser lesado). Os homens devem
estabelecer pactos para o aumento do prazer e a diminuição da dor.

III. ESCOLA DE ZENON


a) Caráter dominante da escola de Zenon

Zenon (n. em 362, m. em 264 a.C.) é o fundador do estoicismo ou escola estóica. A


princípio ele dedicara-se ao comércio de exportação de púrpura. Um naufrágio reduziu-o a
miséria, e deu ensejo que ele se entregasse ao estudo da filosofia.

Este acidente domina toda a sua doutrina. Para Zenon e seus adeptos, a filosofia
constitui um todo, cujas partes, a lógica, a física e a moral, são estreitamente ligadas entre
si.

Forma um organismo, do qual a lógica é os ossos e os nervos, a física os músculos, e


a moral a alma. O estoicismo procurou conciliar Platão e Aristóteles, isto é, o idealismo ou
conceitualismo e o naturalismo. Assim, na lógica, fazendo Platão derivar o conhecimento
dos conceitos ideais da razão, e Aristóteles da observação da natureza, o estoicismo concilia-
os sustentando que o critério da verdade é a evidência com que uma imagem ou uma
representação impõem-se ao espírito. Esta evidência, que obriga o espírito a reconhecer uma
coisa como verdadeira, revela o acordo existente entre a impressão sensível (naturalismo) e
a reta razão (racionalismo).

Na física, os sectários da escola estóica procuram realizar a conciliação desses dois


filósofos, formando o Bem ou Deus de Platão, e da Natureza de Aristóteles, um todo único,
um grande ser, cujo corpo é o Universo, e cuja alma é Deus, princípio e força organizadora e
diretora do todo.

Na moral, objeto principal dos ensinamentos estóicos, e onde está sua maior glória -
pois foi pela moral que essa escola imortalizou-se - o estoicismo procedeu de modo análogo,
para conciliar aqueles dois filósofos.

O princípio fundamental da moral estóica é o seguinte: Viver segundo a natureza


(Naturam sequi). Este princípio é o seu ponto de partida. Nele descança toda essa rígida e
famosa moral. Mas, como a Natureza, para esta escola, está impregnada de uma alma ou
razão universal, que rege tudo e que está em toda a parte, em tudo, inclusive o homem, que
também participa dessa mesma razão universal, que é Deus, o Deus-Natureza dos estóicos,
segue-se que, viver segundo a natureza, vem a ser viver segundo a razão, isto é, viver de
modo que a razão domine tudo. E, como a razão ensina que a coisa mais preciosa, a única
coisa durável, é a virtude, a honestidade, da qual depende o bom andamento da vida social,
os estóicos resumem toda a moral na prática da virtude, no viver honestamente - honeste
vivere, de que o direito romano fez um princípio fundamental do direito, ao lado do alterum
non laedere e do suum cuique tribuere.

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No estoicismo está o gérmen do panteísmo. O Sábio do estoicismo tem como
atributos o desprendimento, a resignação, a supressão das paixões, a resistência às
necessidades, a condenação do desejo e do próprio gozo intelectual, o desdém pelas
convenções sociais.

E convém notar que o estóico ama a virtude pela virtude: virtutis praemium est ipsa
virtutis. Philosophia studium virtutis est, sed per ipsam virtutem (o prêmio da virtude é a própria
virtude. A filosofia é o estudo da virtude, mas por meio da prática da própria virtude").

O ideal da felicidade é a impassibilidade, a ataraxia, isto é a tranqüilidade, a


imperturbabilidade do sábio que atingiu a virtude perfeita e para quem a dor e a morte não
são males.

Os estóicos são os precursores mais puros e diretos do cristianismo. O estóico sofre


a tirania, recolhendo-se em si mesmo, resignando-se auxiliado pela fortaleza de seu próprio
espírito. Foi o estoicismo que, pela primeira vez, usou da palavra consciência.. De acordo
com os princípios que adota, o estóico considera-se membro da humanidade, cidadão do
mundo inteiro, e não deste ou daquele Estado particular: é cosmopolita. Universus civitas
est communis. Civis sum totius mundi ("O universo é uma cidade comum. Eu sou cidadão de todo o
mundo"), dizia o grande imperador estóico, Marco Aurélio .

Zenon chegou a conceber a idéia de uma república universal, civitas omnium


maxima " (a cidade máxima, de todos"). O mundo substitui a cidade.

Weber considera o estoicismo como uma apoteose da vontade.

b) Método da escola de Zenon

Como a escola estóica preocupa-se em conciliar Platão com Aristóteles, o


racionalismo e o naturalismo, vindo a ser, portanto, um ecletismo, é de concluir-se que seu
método participa da natureza dos métodos de um e de outro desses dois filósofos, isto é, não
é bem o dedutivo, nem bem o indutivo.

c) Concepção jurídica da escola de Zenon

A concepção jurídica dos estóicos está de acordo com a sua doutrina filosófica. O
direito para eles é uma manifestação da razão universal, que tudo governa. E, sendo uma
manifestação da razão universal, da razão divina, de que emana, preexiste à sociedade e ã
lei positiva, que é, como diz Cícero, um pálido e defeituoso reflexo dele. Ubi non est iustitia,
ibi non potest esse ius ("Onde não há a justiça, aí não pode haver o direito"), repetiu Cícero.

Para os estóicos, o fim supremo do direito não é a utilidade, como para os


epicuristas, mas a honestidade. Consequentemente o princípio fundamental do direito, para
eles, não é o neminem laedere, mas o honeste vivere. Para o estóico, ser justo é viver
segundo a natureza: vivere convenienter naturae (viver convenientemente à natureza), isto é,
honeste vivere.

d) Quadro-resumo:

• A verdade é uma evidência que resulta do acordo entre a impressão sensível (naturalismo) e a
razão (racionalismo)
• Moral: parte mais importante da filosofia
• Princípio: viver segundo a natureza, conforme a razão
• A virtude (a honestidade) é o bem mais precioso
• Panteísmo, Cosmopolitismo
• Valores estóicos: desprendimento, resignação, resistência às necessidades, supressão das
paixões, desdém pelas convenções sociais.
• Impassibilidade, ataraxia, tranqüilidade.

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• Universalismo, República Universal.
• Finalidade do direito: a honestidade (honeste vivere)

IV. OS TRÊS PRECEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO


ROMANO

Quer o leitor uma prova concreta da influência exercida pela filosofia grega sobre a
jurisprudência romana? Tem-na nos três preceitos fundamentais assinalados ao direito pelo
jurisconsulto Ulpiano, os quais são calcados sobre concepções filosóficas dos helenos acerca
da justiça. Quais são estes preceitos? O honeste vivere, o alterum non laedere, o suum
cuique tribuere:

Digesto, 1.1.10.1 (Ulpiano): "Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere,
suum cuique tribuere". Tradução:"Os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não
lesar a outrem , dar a cada um o que é seu". O aluno deve recordar-se de que somente em
meados da República é que Roma conquista a Grécia (ca.153 a.C.). A cultura do período
denominado "helenismo" é absorvida rapidamente pelos romanos, especialmente nos ramos da
retórica, didática, filosofia, oratória e literatura. Entre as filosofias helenistas as que mais se
destacaram foram o epicurismo e o estoicismo que, por muitos séculos dominaram a alta cultura
romana, incluindo muitos juristas do período clássico.

O primeiro destes preceitos, honeste vivere, consubstancia a moral estóica, que


considera a honestidade como o bem supremo e único. Para o estoicismo, a virtude está
acima de tudo e é imposta por todo o Universo.

O segundo preceito, neminem laedere, consubstancia a filosofia epicuréia, que


considera o direito como o produto ou o resultado de um pacto ou compromisso de
utilidade, levado a efeito pelos homens, no intuito de não se ofenderem uns aos outros.

O terceiro preceito, suum cuique tribuere, consubstancia as idéias de Pitágoras,


Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles, acerca do justo e do injusto. Este preceito é
que indica a função própria da justiça, que Ulpiano caracteriza como a constans ac perpetua
voluntas ius suum cuique tribuendi (vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu
direito), servindo os outros dois preceitos, que ficam em segundo plano, apenas para indicar
o elemento negativo da justiça (neminem laedere) e o elemento moral (honeste vivere).

Do exposto, infere-se, pois, que os três preceitos fundamentais do direito romano


têm suas raízes na Grécia: o primeiro (honeste vivere) no estoicismo, o segundo (neminem
laedere) no epicurismo, e o terceiro (suum cuique tribuere) nos ensinamentos de Pitágoras,
Sócrates, Platão e Aristóteles.

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