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Resumo: Este trabalho apresenta uma pesquisa em andamento que vem sendo realizada na
cidade de João Pessoa – Paraíba. A pesquisa tem como objetivo compreender o processo de
transmissão do saber musical no grupo Capoeira Angola Comunidade, no Bairro dos Novais, em
relação aos processos e situações em que o ensino/aprendizagem acontece. A metodologia da
pesquisa é composta de abordagem qualitativa. Os instrumentos de coleta de dados são pesquisa
bibliográfica, observação participante, entrevista semi-estruturada, fotografias e gravação em
áudio. A pesquisa tem como alicerce estudo bibliográfico das áreas de Educação Musical,
Etnomusicologia e Capoeira. A partir dos resultados obtidos pode-se perceber que os processos
pelos quais uma cultura transmite seus conhecimentos são fundamentais para a caracterização de
sua música.
Palavras chave: Transmissão musical; Capoeira na Paraíba, Grupo Angola Comunidade.
Introdução
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Aluna do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPB na área de Etnomusicologia, Bacharel em Percussão,
Pedagoga, Psicóloga Hospitalar, Especialista em Psicologia Educacional e Especialista em Educadora Ambiental,
aluna do Curso de Licenciatura em Música (todos pela UFPB). Coordenadora da área e Professora de Percussão da
Escola de Música Anthenor Navarro (EMAN) e membro do Grupo de Pesquisa Práticas do Ensino e Aprendizagem
da Música em Múltiplos Contextos (PENSAMus) ligado ao PPGM/UFPB.
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Coordenador da Associação Cultural de Capoeira Angola Comunidade, mais conhecido como Mestre Naldinho.
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Comunidade na cidade de João Pessoa (PB), no Bairro dos Novais, coordenado por Inaldo
Ferreira de Lima, o Mestre Naldinho, em relação aos processos e situações em que o
ensino/aprendizagem acontece. A capoeira é uma arte performática tradicional e popular, assim
como o congado, o jongo, o maracatu, o tambor-de-crioula e o cacuriá, existentes em vários
estados brasileiros (CARVALHO, 2004, p. 14) que se desenvolveu principalmente nos estados da
Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro desde o fim do século XVIII. (SILVA, 2005, p. 20). Em
João Pessoa, os grupos de capoeira são representativos em termos da diversidade musical
existente no estado, presentes entre as manifestações musicais com características da cultura
popular nordestina como ciranda, bumba-meu-boi, boi de reis, coco de roda, quadrilhas, nau
catarineta e cavalo marinho (QUEIROZ; FIGUEIREDO, 2006, p. 77).
A Capoeira na Paraíba
Em João Pessoa, a capoeira já existia, antes de sua oficialização em 1978, não em forma
de grupos, mas de praticantes (LIMA, 2009). Foi o soteropolitano Adalberto Conceição da Silva,
conhecido como Mestre Zumbi Bahia, trazido pela primeira vez à João Pessoa pelo Tenente
Lucena4 para a realização de oficinas de Capoeira, que trouxe os ensinamentos da capoeira,
naquela época incluída no repertório das apresentações de grupos parafolclóricos da cidade. O
Mestre Zumbi Bahia ministrou as oficinas de capoeira em João Pessoa até 1979, paralelamente
às suas atividades profissionais pelo Brasil, partindo fixando residência posteriormente em
Pernambuco onde desenvolveu trabalhos de danças afro.
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Esta é a versão aceita pela maioria dos capoeiristas e parte integrante da tradição oral, segundo Nestor Capoeira..
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Tenente Lucena foi um pesquisador da Cultura Popular, criador de vários grupos folclóricos e para-folclóricos na
cidade de João Pessoa. Entre os grupos fundados por ele destaca-se o Grupo de Danças Folclóricas do SESC
Tenente Lucena passando a esta denominação por resolução da Presidência do SESC nº 016/82 datada de 20 de
agosto de 1982. O grupo parafolclórico, pioneiro e mais antigo nessa categoria no estado, apresentou-se pela
primeira vez em 13 de setembro de 1970 e era chamado Grupo de Estudos, Danças e Pesquisas Folclóricas.
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A partir daí, Marconildo e Rogério iniciaram um trabalho de capoeira na Associação de
Moradores do Bairro do Castelo Branco, que além de capoeira e maculelê, ensinavam Cultura
Afro. (SANTOS, 2006). Outro trabalho importante foi desenvolvido por Cláudio Paulista,
formado em Educação Física, preparando, na época, grandes capoeiristas em atividade até hoje.
Nesse período aconteciam grandes rodas de capoeira no Parque Solon de Lucena (Lagoa), com a
participação dos capoeiristas: Paulista, Pé de Ferro, Nêgo Cão, Bujão, Coca, Saci, Nêgo Vando,
Rogério, Marconildo, Pássaro Preto, Sabiá, Naldinho, entre outros (LIMA, 2009).
Em 1980 foi criado na capital paraibana o Grupo Senzala de Capoeira. Nessa mesma
década, foram criados os Grupos Afro Nagô e Mãe África em João Pessoa e o Grupo Badauê em
Campina Grande (SILVA, 2009).
De 1990 para cá, foram criados diversos grupos de capoeira em João Pessoa podendo-se
destacar o ABADÁ, Axé, Quilombo, Terra Firme, Angola Comunidade, Badauê, Afro-Nagô e
Mandinga. Esta pesquisa é um estudo de caso com o Grupo Capoeira Angola Comunidade do
Mestre Naldinho. Social e Historicamente é um dos principais trabalhos em atividade na difusão
da arte Capoeira e no ensino/aprendizagem da Capoeira Angola em João Pessoa.
Em 1997 sob orientação do Mestre Nô, Mestre Naldinho muda o nome do grupo para
“Capoeira Palmares”6. Em 1996 o grupo, realizou o 1º Festival de Capoeira 7 e em 1997, durante
o 2º Festival de Capoeira, inseriram o nome “Angola” no símbolo, passando a chamar-se
“Capoeira Angola Palmares”, nome utilizado até 2004, época de desligamento do Mestre
Naldinho do Angola Palmares. Desde 2004, o grupo é denominado Capoeira Angola
Comunidade do Mestre Naldinho. O Angola Comunidade realiza anualmente o Festival de
Capoeira, abolindo o sistema de batizado utilizado pela maioria dos grupos. Durante os festivais
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Mestre Nô foi trazido por seu aluno, o professor Aluisio Guerra, que ministrava aulas em João Pessoa
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Outros filiados se recusaram e continuaram com seus antigos nomes
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Os eventos de Capoeira acontecem desde o ano de 1990 até hoje, embora só tenham sido denominados “Festivais”
em 1996.
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são convidados mestres residentes no Brasil e exterior que realizam cursos e oficinas de
capacitação e proferem palestras, além das rodas tradicionais.
A metodologia de ensino adotada por Zumbi Bahia, segundo seus alunos, não
era muito diferente do que é hoje. Por ter saído da Bahia num momento onde já
existia uma divisão da capoeira entre Angola e Regional, ou seja, a capoeira
como representação folclórica de uma nação e o esporte nacional,
respectivamente, ele aplicava em suas aulas um pouco do que conhecemos hoje,
como as seções de aquecimento e alongamento antes do treino, seguidas de uma
sequência repetitiva de ginga e, posteriormente, uma sequência de movimentos
de ataques e defesa (...). (SILVA, 2005, p. 89).
Zumbi Bahia aprendeu a tocar berimbau aos 8 anos de idade e ganhou o concurso de
melhor tocador de berimbau em festivais de capoeira em Salvador. Segundos seus alunos, ele
prezava pela musicalidade, não admitindo capoeirista que não soubesse tocar e cantar na roda. O
capoeirista deveria saber tocar pandeiro, executar e diferenciar os toques do berimbau, se era São
Bento Grande, São Bento Pequeno, Angola, ou seja, fazer a “parte musical” na roda (SILVA,
2005, 87).
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Durante a observação participante do Grupo Capoeira Angola Comunidade, pôde-se
perceber que as situações de transmissão musical ocorrem em momentos diversos. Estas
situações podem dar-se de maneira informal ou formal. De maneira formal, acontece durante as
aulas, ministrada pelo mestre, contra-mestre ou professor, onde passo a passo, o facilitador
explica as técnicas dos instrumentos utilizados (berimbau, pandeiro, atabaque, agogô e reco-
reco), de forma oral (ou “aural”). Não há sistematicidade quanto ao dia de aula de instrumento. O
mestre o determina de acordo com a dinâmica do grupo. De modo mais sistematizado,
acontecem as oficinas de percussão que podem ser de acordo com a demanda da comunidade ou
convite para algum evento e anualmente durante o Festival de Capoeira Angola organizado pelo
grupo. ”As aulas de uma formal geral, incluem, além dos fundamentos da própria capoeira (e a
música), estudos sobre o desenvolvimento dessa arte e seus precursores, através de leitura e
interpretação de textos, para todos os envolvidos8, inclusive as crianças.
De modo informal, a transmissão musical acontece tanto durantes as aulas, como nos
treinos e apresentações. Estas apresentações podem ser na Casa da Capoeira Angola ou em rodas
públicas. As improvisações ao berimbau ficam a cargo dos mais experientes. Nas apresentações,
simultaneamente com os jogadores, estão presentes os músicos 9 com a bateria completa, ou seja,
três berimbaus (gunga, médio e viola), dois pandeiros, um reco-reco, um agogô e um atabaque.
Os integrantes que tocam o berimbau geralmente são os adultos mais antigos e para os demais
instrumentos, é permitido que qualquer um toque desde que demonstre habilidade para a
execução. Essa confiança é adquirida durante o processo nas aulas e treinos, onde se realiza um
“ensaio” para a apresentação. O grupo possui ainda uma Orquestra de Berimbaus, que faz
apresentações públicas e diferentemente das rodas não apresenta o jogo da capoeira. Nestas
apresentações, o mestre apresenta os ritmos nos berimbaus e conta sobre os usos e funções dos
“toques” de capoeira. Durante as aulas e treinos pode haver ou não a presença da bateria.
Quando a bateria não está presente, é substituída pelo áudio de músicas de capoeira já gravadas
por outros grupos10. O repertório da bateria é composto de músicas próprias e inéditas divididas
em cantos de ladainha, louvação e corridos e outras mais tradicionais de domínio público. É no
decorrer do processo que são aprendidas as dezenas de músicas e letras que o grupo executa.
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desejado, fazem com que os aprendizes adquiram bases e referências para incorporarem
determinados elementos em suas práticas. Assim, são fundamentais a percepção visual, auditiva
e tátil, imitando gestos, movimentos e posturas, onde cada um busca seu jeito particular se fazer
parte do coletivo. O mestre é o principal mediador desse processo de transmissão tendo além dos
conhecimentos necessários que deve ser passado dos mais experientes para os mais novos, a
autoridade para corrigir os erros e a forma de se organizar a performance. Os mais antigos
podem corrigir e opinar, mas é sem dúvida, do mestre a palavra final.
Conclusão
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Referências
LIMA, Inaldo Ferreira de. João Pessoa, setembro/2009. 1 fita cassete (60 minutos). Entrevista
concedida a Wênia Xavier.
MERRIAN, Alan P. The Antropology of Music. USA: Northwestern University Press, 1964..
QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva & FIGUEIRÊDO, Anne Raelly Pereira de. Práticas musicais
urbanas: dimensões do contexto sociocultural de João Pessoa. ICTUS - Periódico do Programa
de Pós Graduação em Música da UFBA, 2006, p. 75-86.
QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva; SOARES, Marciano da Silva; GARCIA, Uirá de Carvalho.
Transmissão Musical no Cavalo Marinho Infantil. Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual
da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007
SILVA, Patrícia Morais da. O processo de embranquecimento da capoeira em João Pessoa. João
Pessoa: Dissertação (mestrado), 2005.