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Caso Julho/2016
Resumo
Devido à Construção Civil no Brasil ainda ser demasiadamente artesanal, e, em diversas
vezes, ao fato de que as construtoras não dão a devida importância ao controle de qualidade
das obras, muitas construções são entregues com anomalias dos mais diversos graus de
impacto. A Vistoria de Recebimento de Obra analisa, pelo ponto de vista do cliente, os vícios
aparentes e indícios de vícios ocultos em diversos sistemas da edificação, buscando concluir
se é ou não possível recebê-la de forma satisfatória. O presente artigo objetiva descrever um
estudo de caso de Vistoria de Recebimento de Obra realizada num condomínio residencial na
cidade de Manaus/AM. Foram analisadas as normas técnicas do Instituto Brasileiro de
Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo – IBAPE-SP e da Associação Brasileira
de Normas Técnicas – ABNT. Os resultados obtidos através do estudo de caso indicam que,
caso não haja o correto cuidado de se inspecionar detalhadamente a edificação,
possivelmente ela será recebida com problemas construtivos que futuramente irão demandar
reparos trabalhosos e que fatalmente acarretarão em diversos transtornos aos proprietários.
Desta forma, conclui-se que a Vistoria de Recebimento de Obra é um serviço técnico de suma
importância para o correto recebimento do empreendimento.
1. Introdução
A lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe, entre outras providências, sobre a proteção
do consumidor. Comumente conhecido simplesmente como Código de Defesa do
Consumidor ou CDC, esta lei abrange a relação de consumo entre fornecedores de serviços ou
vendedores de produtos, sendo pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou
estrangeiras, com consumidores, que também podem ser pessoas físicas ou jurídicas, desde
que utilizem o produto ou o serviço como destinatários finais.
Deste ponto de vista, esta lei estabelece que o consumidor deve receber seu produto ou
serviço isento de falhas ou vícios e que deve ser corretamente instruído da forma de como
deve utilizá-lo e dos riscos à saúde e/ou à vida que porventura possam decorrer do seu uso,
considerando que o consumidor é vulnerável no mercado de consumo. Sob esta ótica,
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 11 Vol. 01/ 2016 julho/2016
Vistoria de Recebimento de Obra: como garantir os direitos do consumidor – Um Estudo de
Caso Julho/2016
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Vistoria de Recebimento de Obra: como garantir os direitos do consumidor – Um Estudo de
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está recebendo.
O Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo – IBAPE-SP foi
pioneiro na delimitação das diretrizes deste serviço, elaborando a “Norma para Procedimentos
Técnicos de Entrega e Recebimento de Obras de Construção Civil”. Antes disto, até o ano de
2008 estava em vigor a NBR 5675:1980 – Recebimento de serviços de obras de engenharia e
arquitetura. Entretanto, conforme consta no site da ABNT, esta norma foi cancelada porque o
setor da construção não mais utiliza.
A norma elaborada pelo IBAPE-SP descreve de forma geral, mas bastante clara, o escopo
genérico do serviço, o que deve ser verificado, as aplicações da vistoria e a estruturação
básica do Laudo Técnico resultante da vistoria. Além disto, determina que este serviço deve
ser realizado por Engenheiro Civil ou Arquiteto e Urbanista devidamente credenciado em seu
conselho de classe (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA ou Conselho de
Arquitetura e Urbanismo – CAU, respectivamente).
Com o intuito de promover uma visão mais clara do desenvolvimento da vistoria, do Laudo
Técnico resultante e dos benefícios obtidos pelo consumidor em decorrência da análise geral
no momento do recebimento, será descrito a seguir um estudo de caso realizado em um
condomínio residencial. Por motivos éticos e de sigilo profissional, o nome do
empreendimento e das pessoas envolvidas será omitido, sendo adotados nomes fictícios.
O empreendimento possui característica de edificação vertical multifamiliar, ou seja, um
condomínio vertical residencial, doravante chamado de Condomínio ABC. Nele há 02 (duas)
torres com 18 (dezoito) pavimentos cada, contendo 04 (quatro) apartamentos por andar, todos
com a mesma tipologia. Entre as torres há pequenas diferenças no leiaute dos apartamentos,
porém nada que represente mudanças significativas nos sistemas construtivos.
Cada andar possui hall social e de serviço, escada de emergência e shafts de elétrica,
hidrossanitário, de gás e de incêndio. No topo das torres há as casas de máquinas dos
elevadores sociais e de serviço, barrilete e acesso à cobertura e ao reservatório superior.
No pavimento térreo encontram-se diversas áreas de lazer, como salões de festa adulto e
infantil, piscina, lounge, pátio descoberto, brinquedoteca etc. Nos 02 (dois) subsolos
encontram-se as vagas de estacionamento, centro de medidores elétricos, subestação, gerador,
salas administrativas, casas de bombas de recalque e reservatórios inferiores.
A Vistoria de Recebimento de Obra foi contratada diretamente entre o Condomínio ABC e a
empresa XYZ Engenharia. O escopo do serviço abrangia a vistoria em todos os ambientes de
uso comum, desde a cobertura até o último subsolo, abrangendo todos os ambientes
supracitados, excluindo-se apenas as áreas privativas. Ademais, a análise da documentação
entregue (Manual de Uso, Operação e Manutenção, projetos executivos “como construído” ou
“as built”, manuais de equipamentos, documentação do empreendimento, como cadastro em
concessionárias, memorial descritivo etc.) também estava inclusa no serviço.
A vistoria ocorreu no mês de fevereiro de 2015, sendo acompanhada pelo engenheiro
residente da obra e a equipe técnica da construtora.
2. Regimento Normativo
Pela ausência de normas da ABNT que regem este tipo de vistoria, foi utilizado como
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Em relação à tabela de garantias, fora utilizado um modelo genérico elaborado pelo Sindicato
da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) e o Sindicato da
Habitação de São Paulo (Secovi-SP). A utilização desta tabela é bastante válida, pois norteia
os itens necessários a serem incluídos, porém é indiscutível a necessidade de adequação à
realidade do empreendimento, de forma que sejam retirados itens que não se foram
executados ou instalados e incluídos aqueles que não estão descritos na tabela.
Após esta análise, partiu-se para a vistoria em campo dos sistemas construtivos. O escopo das
análises e os sistemas propriamente ditos são os seguintes:
Estrutura: partes visíveis, formações de fissuras, vínculos, juntas estruturais, interfaces com
vedações e outros elementos, localização de elementos estruturais etc.;
Paredes e divisórias: formações de fissuras, interface com estrutura, juntas, adequações em
vãos;
Impermeabilização (áreas internas e externas): infiltrações, eflorescências, empoçamento,
destacamento de camadas, pulverulência da proteção mecânica, etc.;
Revestimentos de paredes e pisos externos e internos: formação de fissuras, juntas de
movimentação de revestimentos cerâmicos, eflorescências, empolamentos, destacamentos,
etc.;
Esquadrias: estanqueidade, frestas, fechamentos, acionamentos, integridade de vidros etc.
Guarda-corpos e corrimões: altura, distância de barras, continuidade, fixações e tipo de
ponta (adequação ao Corpo de Bombeiros);
Sistema elétrico: identificação de circuitos e disjuntores, padrão das tomadas, existência de
sistema de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA – para-raios);
Sistema hidrossanitário: condições dos reservatórios (infiltrações, adequação do tipo de
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Após pontuar a inconformidade conforme cada critério, os valores são multiplicados, sendo o
resultado algum valor entre 01 (um) e 1.000 (mil). Como se pode ver, quanto maior o valor,
maior o risco aos usuários da edificação. Foi então elaborada uma tabela listando as
inconformidades. Para facilitar esta análise, não conformidades similares foram aglutinadas
em um único tópico. Por exemplo, em diversos pontos da edificação a pintura estava
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projeto. Desta forma, conforme sinalizado pela construtora, o reparo deveria ser analisado
pelo setor de incorporação, demandando mais tempo. Caso o condomínio se recusasse a
receber, não poderia ter acesso ao ambiente, o que iria prejudicá-lo mais que a
inconformidade em si.
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saúde ou a segurança de seu usuário. Ainda que a construção civil no Brasil seja praticamente
artesanal, já existem atualmente metodologias e equipamentos de construção que garantem os
níveis mínimos, aceitáveis e, inclusive, superiores de qualidade.
Deve-se analisar também não apenas o momento em que a construção é recebida, mas a
capacidade de dar-lhe a necessária manutenção, de forma a maximizar, o máximo possível, a
vida útil da edificação. Esta premissa é tão importante que chega a ser tratada na NBR
15575:2013 – Edificações habitacionais - Desempenho - Parte 1: Requisitos gerais.
Dois dos principais fatores que afetam diretamente a vida útil da edificação é a facilidade de
fazer a manutenção propriamente dita, fator também chamado de manutenabilidade da
edificação, e a clareza com que as informações são descritas no Manual do Síndico ou do
Proprietário.
Obviamente não se espera que este documento possua o passo-a-passo de atividades mais
complexas de manutenção, porém é sua função, conforme determina a NBR 14037:2011,
instruir o proprietário ou responsável pela manutenção a periodicidade (“quando”) da
manutenção e dar as características necessárias do sistema, inclusive do tipo de material que
foi utilizado, de forma que não sejam utilizados materiais que possam causar algum tipo de
incompatibilidade.
Quando os manuais falham com este objetivo, ocorre o chamado “vício de informação”, que
pode ser tão ou mais danoso que o vício construtivo. Por exemplo, se não houver
explicitamente a informação de que a garagem, por não ser impermeabilizada, deve ser limpa
apenas com panos úmidos e, por causa disto, a equipe de limpeza resolver lavá-la ou utilizar
produtos agressivos, como a água sanitária (que contém quantidade significativa de cloro,
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5. Conclusão
Tendo em vista todos os pontos previamente discutidos, é possível chegar à importância do
serviço de Vistoria de Recebimento de Obra tanto na garantia dos direitos do consumidor
como no sentido prático de mostrar ao proprietário e/ou futuro responsável a realidade da
edificação, tanto do ponto de vista físico como do documental, já que a vistoria propriamente
dita dos sistemas construtivos identifica vícios de construção evidentes e indícios de vícios
futuros, ao passo que a análise da documentação do imóvel, com bastante ênfase no Manual
de Uso, Operação e Manutenção, lhe mostra os “pontos fracos” da informação que ele
necessitará para garantir o máximo possível de vida útil à construção. Desta forma, acredita-
se que o objetivo de garantir o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor, pelo
menos no que tange a explicitar os possíveis problemas existentes. Foi possível verificar
também que a ausência de normas técnicas da ABNT pode ser interpretada como possível
obstruções à condução do serviço, haja vista existir apenas a norma do IBAPE-SP, ainda que
dê todas as diretrizes para a vistoria, análise e elaboração do Laudo Técnico. Soma-se a isto a
ausência de bibliografia que instrua sobre a importância da Vistoria de Recebimento de Obra
em si. Por fim, a resistência de alguns condomínios, principalmente residenciais, em relação
ao gasto com o serviço por ser considerado “caro”, ainda que não pondere a relação “custo x
benefício”, e os procedimentos adotados por construtoras mal intencionadas, que buscam tão
somente entregar o empreendimento ao cliente e “se livrar de mais uma obra”, maquiando
defeitos para que não sejam encontrados na vistoria preliminar e ludibriando as pessoas leigas
que porventura estejam responsáveis pela vistoria de recebimento do imóvel. Ressalta-se que
esta prática não se estende a todas as construtoras.
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Referências
ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5674: Manutenção
de edificações – Requisitos para o sistema de gestão da manutenção. Rio de Janeiro, 2012.
ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13752: Perícias de
engenharia na construção civil. Rio de Janeiro, 1996.
ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14037: Diretrizes
para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações – Requisitos para
elaboração e apresentação dos conteúdos. Rio de Janeiro, 2011.
ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Edificações
habitacionais – Desempenho. Parte 1: Requisitos gerais. Rio de Janeiro, 2013.
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e
dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 11 set.
1990. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 18
ago. 2015.
GOMIDE, T. L. F.; FAGUNDES NETO, J. C. P.; GULLO, M. A. Inspeção Predial Total:
diretrizes e laudos no enfoque da qualidade total e da engenharia diagnóstica. 1. ed. São
Paulo: Pini, 2011.
IBAPE-SP, INSTITUTO BRASILEIRO DE AVALIAÇÕES E PERÍCIAS DE
ENGENHARIA DE SÃO PAULO. Norma para Procedimentos Técnicos de Entrega e
Recebimento de Obras de Construção Civil. São Paulo, 2014.
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