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TEATRO AVENIDA
SANGARE OKAPI
entrevista
A POESIA
ME ACONTECE
SEM SEXO
A seis de Abril de 2014 morreu o músico moca Richard
Suleimane vitima de acidente de viação na província da Zambézia
onde tinha concertos…
E é preciso que os foi há dois mil e catorze tinham ido a seis e oito
tenhamos vivendo anos quando os Homens de Abril. Chama-se
Armados e rígidos mataram Jesus Cristo. Richard Suleimane e
dentro de nós Eloi Vasco, autores de
Tais mortos, nossos
E que um a um os artistas, fazedores de ―Vou Cuidar de Ti‖ e
tenhamos vingados almas, autênticos passa- ―Txova Nholo‖, respec-
DIRECTOR Ai, os nossos mortos eles cantaram: vou-me Esses mortos não
Eduardo Quive são muitos, embora para pasárgata. E vão descansar. Esses
Edição Mensal n.º 06 Nem se os pode con- os nossos mortos foram lá, mortos estarão sempre
Matola — Abril 2014 tar, onde também Craveirinha connosco. Porque a
Distribuição electrónica foi, onde Mário Coluna foi morte de um artista é a
São muitos os nossos
ENDEREÇO mortos… ainda neste mortífero morte da alma – o
Av. Mártires da Machava, 904 2014, lá onde só neste colectivo. E ainda bem
(WHITE, Homoíne,
Bairro Patrice Lumumba - Matola 2014, as vítimas de TM470 que os poetas escreve-
E-mail: nosmocam- 1989)
estarão em Glória e na sua ram sobre a morte,
bique@gmail.com
Celular: +258 82 27 17 645 terra. porque nós não o sabe-
PROJECTO GRÁFICO
Bantus Imagem
E Abril 2014
feméride
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20 ANOS DE
GENOCÍDIO
EM RUANDA
E
m apenas cem dias em 1994, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas no Ruan-
da (um pais que conta actualmente com cerca de 11 milhões de habitantes, quase a
metade da população moçambicana) por extremistas étnicos hutus. Os hutus vitima-
ram membros da comunidade minoritária, tutsi, assim como seus adversários políti-
cos, independentemente da sua origem étnica.
milícias montaram bloqueios nas mortos na Somália, os Estados massacre – uma acusação negada época chamado Zaire, temendo ata-
estradas onde abateram os Tut- Unidos estavam determinados a por Paris. ques de vingança.
sis, muitas vezes com catanas que não se envolver em outro conflito
A bem organizada RPF, O líder da RPF e presidente
a maioria dos ruandeses tem em africano. Os belgas e a maioria da
apoiada pelo exército de Uganda, de Ruanda, Paul Kagame, foi sauda-
casa. Milhares de mulheres tutsi força da paz da ONU se retiraram
gradualmente conquistou mais do pelo rápido crescimento econó-
foram levadas e mantidas como depois de 10 soldados belgas serem
territórios, até 4 de Julho, quando mico do pequeno país. Ele também
escravas sexuais. mortos. Os franceses que eram
as suas forças marcharam para a tentou transformar Ruanda em um
aliados ao governo hutu, enviaram
A ONU e Bélgica tinham capital, Kigali. centro tecnológico. Mas seus críticos
militares para criar uma zona
forças de segurança em Ruanda, dizem que ele não tolera dissidência
supostamente segura, mas foram Cerca de dois milhões de
mas não foi dado à missão da e que vários adversários foram
acusados de não fazer o suficiente hutus – civis e alguns dos envolvi-
ONU um mandato para parar a encontrados inexplicavelmente mor-
para parar a chacina nessa área. O dos no genocídio – fugiram em
matança. Um ano depois que tos. Quase dois milhões de pessoas
actual governo de Ruanda acusa a seguida pela fronteira com a Repú-
soldados norte-americanos foram foram julgados em tribunais locais
França de ligações directas com o blica Democrática do Congo, na
por seu papel no genocídio
e os líderes do massacre,
em um tribunal da ONU na
vizinha Tanzânia. Agora é
ilegal falar sobre etnia em
Ruanda – o governo diz
que isso mais derrama-
mento de sangue, mas
alguns dizem que impede
uma verdadeira reconcilia-
ção e apenas coloca uma
tampa sobre as tensões,
que vão acabar fervendo de
novo no futuro.
Entretanto passam 20
anos. As cerimónias em
memória das centenas de
milhares de vítimas do
genocídio em Ruanda
começaram no dia 07 de
Abril na capital Kigali,
marcadas pela controvér-
sia sobre o papel da França
na tragédia que completa
20 anos.
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revidades
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N
a sua primeira viagem para a terra do poeta
F
Craveirinha, Filinto Elísio levava na bagagem
uma das mais recentes obras da sua autoria, oi lançado em Maputo o mais recente trabalho dis-
―Me_xendo no Baú. Vasculhando o U‖, um cográfico de Simba, um dos dos artistas de estilo hip
livro ―pós-livro‖ como ele mesmo o define. Os hop mais importantes do País, resultado de uma par-
poemas não fogem da sua linhagem, lírica e filosófica, aliás, as ilhas de ceria com Milton Gulli (produtor, vocalista e multi-
Cabo Verde podem ser vistas em cada palavra, enquanto se desenha o instrumentista).
feminino ―dedico o livro à minha esposa‖, confessou o poeta. Num concerto único que teve lugar no Centro Cultural Franco –
Moçambicano, os dois artistas apresentaram o álbum ―The Heroes‖ que é um
Depois de lançamento na capital moçambicana que decorreu na
tributo aos artistas que mais influenciaram a carreira de Simba e Milton
AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos, seguida de uma
Gulli em particular o grupo Norte America Tribe Call Quest. Este é um álbum
conversa com o público que afluiu em massa. A lusofonia, a língua por-
de género Hip Hop, gravado ao vivo em estúdio. Oferece onze faixas com
tuguesa e o Crioulo, entre outras metamorfoses que bem cabem na retó-
participações de Moçambique, África de Sul e Portugal. ―The Heroes‖ pre-
rica de Filinto Elísio fizeram um debate com os jovens.
tende enaltecer o patriotismo e a harmonia entre os povos. Contem cinco
E não foi só, no dia em que o mundo assinalava a apoteose da idiomas diferentes, nomeadamente: Português, Inglês, Suaty, Shangana e
poesia, 21 de Março, o poeta esteve com jovens na galeria do Centro Macua.
Cultural Brasil-Moçambique onde participou de um sarau e discussão Simba é provavelmente o artista de hip hop mais versátil de todos os
sobre ―a nova poesia‖ moçambicana, junto de nomes importantes da tempos em Moçambique. Este liricista de 34 anos de idade, conseguiu ao
literatura nacional, como Calane da Silva e Fernanda Angius. longo da sua trajectória firmar parcerias com grandes nomes de hip hop,
Os dois eventos do poeta cabo-verdiano em Maputo foram via- Jazz, Blues e New Soul. Assinou, ao lado de Manu Dibangu e Najee no se-
bilizados pelo Movimento Literário Kuphaluxa, uma agremiação artísti- gundo álbum do saxofonista e etnomusicólogo Moreira Chonguiça. Co-
co-literária, criada para promover o diálogo intercultural entre países de laborou com um dos maiores bateristas norte americanos da actualidade,
língua portuguesa e a promoção da leitura e da literatura moçambicana. Chris Dave no espectáculo do Mos Def, que teve lugar na vizinha África de
Sul. Esta prestação ampliou o nível de projecção e oportunidades para Simba
Poeta, romancista e ensaísta, Filinto Elísio tem oito livros publi- não só naquele país, assim como, noutros cantos do mundo, caso dos Esta-
cados. Actualmente, exercendo a função de Conselheiro do Primeiro- dos Unidos da América e Inglaterra. Aliás, é nessa sequência que lança sob
Ministro de Cabo Verde, Filinto Elísio já foi assessor do Ministro da chancela da editora britânica BBE, o seu mais recente disco de originais
Cultura de Cabo Verde e professor de matemática em Boston e Somer- intitulado ―The Heroes‖.
ville, nos Estados Unidos da América. Membro da Associação dos Escri- ―The Heroes‖ é o seu último trabalho descográfico que exalta ao mais
tores Cabo-verdianos, ele é também membro-correspondente da Acade- nível a sua maturidade como produtor, compositor, interprete e director
mia Cearense de Letras, da Academia Imperatrizense de Letras e mem- artístico.
bro-fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras.
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A POESIA ME ACONTECE SEM SEXO
Eduardo Quive
eduardoquive@gmail.com
E
stá no seu
terceiro
livro. É um
poeta em
c o n s ta n te
êxtase. Um poentor pri-
meiro, como se define.
Cardoso Lindo Lhongo
talvez seja o que repro-
vou quatro vezes na déci-
ma classe e quis imigrar para a terra do Rand, África do Sul, e nasce o Sangare Okapi, o poeta
que nunca reprovou. É tido como um dos marcos da actual poesia moçambicana, um poeta des-
contente com os seus sujeitos de criação, constantemente criador da linguagem e estética poética,
desde “Inventário de Angústias ou Apoteose do Nada” (Poesia, 2005). A sua mais recente
viagem foi pelo título “Mafonematográfico também Ciclo Abstracto” (Poesia, 2012), uma
espécie de compromisso de honra com a poesia “desconhecida”. Mesmo em “Mesmos Barcos ou
Poemas de Revisitação do Corpo” (Poesia, 2007), Sangare não vacilou, foi provocado pelos
dilemas do seu tempo, mas como nos habitua, não deixou de dizer-nos quem é por dentro. Filho de
um grande mestre de teatro moçambicano, Lindo Lhongo, cresceu ao lado de um outro mestre,
Malangatana Valente Ngwenha, quem chamou de tio Malangate. Talvez aí se encontre a sua ver-
satilidade. Ainda é pouco compreendido, mas quem compreende os poetas? Entamos em apoteose
poética com Sangare Okapi…
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esquecendo do ronga, changana,
também Ciclo Abstracto” e preendo, reconheço, mas nós é
mas também aprendi muito do meu
me surgiram questões como: que devemos fazer com que a
professor e amigo, Dr. Macalangue,
és poeta ou pintor? poesia também sirva como um
e ele dizia uma coisa bonita que a
- Sou um poentor. Uma contributo e, aliás, atributo ou
língua deve se elevar e nós confun-
das coisas que desaprendi foi da condimento para estar bem.
díamos, na altura eu tinha esse
realidade da palavra poética. Não
problema, que são problemas que
estou convicto que a poesia não Quando analiso o títu-
acontecem convosco hoje, discuto
… Na história
das relações
eu cobiçava a
sexual. Mas o
que aconteceu
comigo é uma
coisa bonita, a
beleza tem
sirva como um leite mutive para lo deste livro
compreendermos as sociedades, “Mafonematográfico”
língua, dialecto, estrangeirismo e a
professora Perpétua Gonçalves e a
asas, eu não
as comunidades, as famílias. encontro três elementos,
Julieta também volta a colocar isso
Hoje me torno mais inteligente primeiro, o “Ma” que é prefi-
na própria inteligência. Há uma xo ronga, depois o
e Nataniel sublinha. Dói ainda mui-
to, mas nós estamos preocupados,
sou poeta – e
coisa muito alegre que sempre “Fonema”, língua, depois
afinal de contas quem somos?
gostava de dizer, eu não sou poe- “Grafia”. De onde te vem
ta, tive uma oportunidade que essa viagem?
Afinal de contas o poeta
eu continuo a
vocês colocaram em mim, e digo - Nunca viajei. Mas Mafo-
é um criador! Onde é que se
isso humildemente, devolvo as nematográfico é um livro em que
mesmas palavras, os meus afec- acredito ter feito um exercício,
enquadra a palavra Mafonema-
tográfico, assumindo desde já
insistir –
tos, tenho medo dos desafectos. com todos os requisitos possíveis
que ela existe porque tu a
Eu não sou poeta, sou apenas e supera todos aqueles que eu
alguém que serve como canal. A penso que os produzi. Estava em
inventaste? Estamos portanto
a falar desta lusofonia e das
porque eu não
poesia me acontece sem sexo. contacto, havia um dialogismo,
nossas línguas?
porque queria aprender a fazer o
Que canal é esse? dialogismo. E eu gostava de
- Não sei. Mas acredito nessa
palavra. Volto ao fonema que para
sou poeta...
- O meu canal poético alguns autores na altura. Não vou
mim é muito importante, é o som
sempre faz uma leitura que não me esquecer disso. Tenho uma
que alguém dizia-me que é a unida-
satura. E a grande dificuldade é relação muito grande com meu
de mínima do som. Mas olhando
não construir alguma coisa que livro que não é um livro que sur-
para o ―Ma‖ que também se enqua-
se deva construir. A arte não deve ge como referência, mas tenho
dra muito bem é que ele é um pré-
servir como um chavão. Deve uma relação muito bonita com o
fixo, e também somos pré-
servir como um canal, recuperan- ―Mafonematográfico‖ por causa
históricos, porém não quero entrar
do a sua questão, para dizer que do bantu. Havia debate entre a
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ilha cercado de gente por todos Estará a defender que a - Cabem. Só não acabam.
os lados”. O que queres dizer com poesia é um acto inconscien- Imagine na tua ideia de acordo
- Eu não sei. Falei do mar de isso? te? ortográfico, tirar uma ou outra
verdade? Não sei como é que me - Quero dizer que Moçam- - Não. A poesia não é isso. coisa é um debate porque não
entra, para mim é complicado. É que bique mudou. Temos que admitir A poesia é igual ao pão que não sabemos que a língua transcende.
o mar é bonito. que devem aparecer os novos tenho todos os dias. E há dimensões que convocam
escritores. outras disciplinas. Não é só lín-
Mas não é prisão? Mas o que o poeta quer gua. A língua tem que concorrer
- Às vezes é prisão. Mas eu “Aqui não há cais que exactamente ao afirmar que com o espaço que tu vives. Eu não
vivo lá, embora aqui. E dói muito, eu aporte este caos de viver de vivemos de nostalgia? sei, Sapir, gosto de Sapir, aí já dói
gostava de conhecer a ilha de nostalgia” dizes num dos teus - Eu estou feliz, nunca porque tudo destrói-se. A língua
Moçambique. E digo, moçambicano textos em “Mesmos barcos”. conheci esse texto. Eu próprio não não tem nada a ver com isso. Nós
que não conhece a ilha está mal. Mas Isso tem algo ver com as sei, porque sou o próprio caos. … só queremos viver. É fome que
não é isso que me move, o que me mudanças que te referes? Não tenho amigos, como é que vou nós temos. É fome. E nós temos
move é estar aqui, ver meu pai, a - Eu escrevi isso? Já não viver? também que aprender. Tu estás a
morrer, eu sei que ele está a morrer. me lembro. Não sei. me perguntar agora e fico louco,
porque também estou cheio de
A morte de Lindo te perguntas para ti. Tu amas a tua
assusta? namorada, não é isso, não respon-
- Para mim a morte de Lindo da. Mas eu tenho problemas,
é uma homenagem. Ele morreu, também quero namorar. E a poe-
viveu o que tinha que viver e temos sia está aí. Nunca alguém te enga-
que elevá-lo em casa. ne que sabe mais.
da foi quando lancei meu primeiro faziam batiques, eu via tudo e eu tu vais compreender. Porque a
No texto que o dedicas livro, que tenho vergonha como desenvolvi a minha cabeça, enquan- literatura transcende caminhos.
falas de um silêncio de Maio autor. Eu gostava de acordar e ter to nào soubesse o que fazer. Eles É um texto que não me esqueço,
mesmo lendo de baixo para cima,
te dá sentido. É um livro-
Acredita… Daqui, onde contigo sangro, frui o poema, brincadeira, queria mostrar tru-
ques. Estou farto, não vou fazer
a melancolia! mais isso. Cagada. Não amo
―Mafonematográfico‖ eu amo
―Inventário‖.
não compreendo a história, mas “Há um pequeno país país que tem muitos países? biblioteca na Av. 24 de Julho.
vejo a estátua de Camões, aliás no meu País, chama-se angús- - Sempre tive a dificuldade
no meu Bilhete de Identidade tia”. Quer comentar? em responder essas perguntas na Mas as nossas bibliote-
vem que morro na Rua de - É provocação, eu sei. Esse escola primária. Eu não sabia o que cas andam vazias de literatura
Camões. Quem sou eu? Mas ain- texto não é tão bonito, não tem é fazer a raiz quadrada. Mas sempre moçambicana.
da há algo a ser discutido, não se nada de especial. Eu sinto uma dor tive a raiz que é de casa. Lá onde eu - É que não há autores para
promove a Ilha de Moçambique porque na verdade temos que sentava e chorava por não saber lá estarem.
como país, são as margens da desenvolver ideias. Eu chumbei responder o que o professor pergun-
nação. muito na décima classe. Quatro tava. Fui crescendo e aprendi que Como não há autores,
vezes. Daí que nunca sonhei como tenho uma raiz e a raiz não era tu por exemplo, não és autor?
Tens alguma relação vocês dizem, são doutores, estou minha era do meu amigo, meu vizi- - Demito-me. Prefiro fazer
inflamada com a pátria? marimbando. Mas penso na minha nho, que tinha bicicleta, e ele me blocos, empreendedorismo. Não
- Eu amo Moçambique. vida. Dói muito. avançou com um raio e pensei no confunda o autor com o poeta. O
diâmetro. Por isso que chamo meu Cardoso que é meu nome chora
Eduardo White enca- Quantos países existem livro de também ―Círculo Abstracto‖ muito. Choro muito. Eu gostava de
ra a mulher como o país, e dentro do país? que é o diâmetro. Não estou muito ter um sítio onde as pessoas vies-
tu? - Compare o país dentro de satisfeito por compreender que sem. Sofrimento. Por isso que eu
- Também encaro. Sabes ti. Tens irmãos? Eu estava a falar ―compreendo‖ muitas coisas, de gosto de Valdemar Bastos. Ele
qual é o sexo do país? Algumas com o meu pai e meu irmão. E forma errada. pode nào me compreender como
pessoas se enganam, acham que aquela é que é angústia. Valdemar, mas em música estare-
o sexo do país é a capital, mas Como homem tu vives mos juntos.
não. O que suporta o país são os O que te fez escrever despreocupado. Tudo a tua
bancos (para sentar). esse poema? volta parece não ser nada? O que é que tu sabes do
- Não sei. Nem sei se escre- - Amo o meu pai. O que me Júlio Navarro?
O que é a poesia? vi bem isso. Converso contigo preocupa é não ter exactamente - A primeira relação que
- É um banco. A poesia é a como amigo e digo, isto para nós nada. tive com Júlio Navarro não foi
almofada. não é nada. Gostava de casar, nin- sexual. É uma pessoa que tem
guém me quer! O que importa para ti? barba, e ele quando chegou a
Volto a insistir na Tudo é o fim ou nada é o fim? Moçambique era amigo das pes-
questão da nostalgia. O que Como extrair de - Não sou filosófico. Não soas. Tínhamos problemas de pig-
se refere o poeta quando diz Homem um provável poeta, gosto de estratégias que adoptam mentação. Júlio Navarro era amigo
que vivemos de nostalgia. se assumirmos que ele nasce alguns jornalistas. Para mim devem do papá, era amigo do Lindo Lhon-
- A fome. Tu comes bem? poeta? perguntar o que querem eu sou go, o dramaturgo. Ele é que produ-
Tu como minha visita te dei o quê - Cada um nasce e apanha o pobre e não tenho o conceito da ziu o livro do Lindo e tudo mais,
se não cerveja? E há muita coisa voo. Mas não gosto muito de poe- pobreza fora ao nível de sua excelên- mas eu não olho o Júlio, na dimen-
que podemos desenvolver que tas como vocês que são avestruzes, cia o Presidente da República. são deles, eu gosto do Júlio porque
dói. Dei o quê a ti próprio? Sabes são grandes, mas num voo só tem Temos que combater a pobreza, não ele sabia falar português na dimen-
o que é o sofrimento? É pena que velocidade. pode ficar na cabeça, que é a litera- são dos pretos.
na palavra não vai acontecer, só tura. E ele sabe que vai abrir biblio-
vai acontecer na escrita. Dói Sentes-te num barco tecas, sabemos que ele tem esse
muito. sem remos, como poeta num projecto e não é mau. Temos uma
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m 2013 de Custódio Duma, Estrada sem mau para a poesia, afinal, para a percepção paradoxal da palavra
chegou- Asfalto, Poesia total, de Léo Cote e o literatura a teoria da quantidade que dá o título ao seu livro.
nos o livro recém-saído das gráficas Bagagem não conta.
A procura de respostas
Ditame, não Reclamada de António Cabrita.
Sobre Ditame de Leonel concretas e imediatas para a
chancela- Foi um ano nem tanto bem quanto
Arão, embora conheça o significa- humanidade que se deu sentido a
do pela Associação dos Escritores
do da palavra recorri, por questões 2013 anos desde o nascimento de
Moçambicanos, AEMO, da auto-
burocráticas, ao dicionário e eis o um ser chamado Jesus Cristo, e
ria de Leonel Arão. Num ano em
que encontrei – ditame: o que se pela ironia, coincidência (ou facto
que saíram poucos poetas e mais
dita. Preceito ditado pela razão, lei propositado) a imagem de Cristo
prosadores, com o regresso de
ou consciência. está na capa do livro do poeta. Não
Ungulani Ba Ka Khosa com o
é necessariamente um interrogató-
romance Entre Memórias Silen- Significado encontrado,
rio ao Criador, mas o diálogo com
ciadas, Pedro Chissano com veio-me a preocupação de encon-
a natureza das coisas, nomeada-
Estórias e Brincadeiras com B trar o sentido do termo, ciente do
mente, a existência e as peripécias
Grande, Adelino Timóteo com perigo de entrar em labirintos da
do quotidiano, entre amores e
dois romances de peso, Nós, os poesia que por vezes, não se guiam
desamores.
do Macurungo e Não Chora pelo conteúdo do poemário para
Carmen, respectivamente e Lucí- trazer o título. A partida encontro Como que tranquilo com a
lio Manjate com A Legítima Dor Leonel Arão sufocado pelos fantas- natureza infama, Arão limita-se a
da Dona Sebastião, para citar mas da criação. Uma relação infla- dizer qual é a natureza das coisas:
alguns exemplos. Da poesia, mada com o tempo e o silêncio (…) Ah, natureza mórbida,/ Aco-
recorre-me agora o segundo livro celestial, abrindo as portas para a lhedora de imundície;/ Talvez o
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mundo afunde-se/ Neste ciclo de mas reconhece-se a si mesmo como Gente que não sente fome não é Se para o leitor parecer
cenários!/ Natureza cega e sur- esse culpado porque observou, res- humana;/ Gente que não sente dor contraditória essa mistura de
da,/ Quem a ira te impõe ao pei- sentiu. Foi necessário que Leonel não é gente; (p.49). sentimentos, não estará desnor-
to?!/ Indefesa, hospedeira dos/ Arão publicasse este livro. Os fantas- teado. Mas já adianto uma outra
A partir das entrelinhas de
Males do progresso regressivo./ mas da constatação, mas do que ima- versão dos factos. É que ao poeta
cada poema, o poeta constrói seu
Humanidade, aos séculos ventu- ginação, fizeram-no compreender a a culpa não é motivo de prisão, é
próprio cosmo abusando do poder
ros,/ Talvez o mundo extenue! existência e a essência da mesma. um lugar para a libertação dos
sagrado da poesia, como se pode
(Natureza, p. 14). seus fantasmas, alívio, é como já
Se lembrarmos que poetas ler no poema intitulado O Tempo:
disseram os outros, o processo de
Com alguma atenção o como José Craveirinha e Noémia de Aproveite as divícias circunstan-
criação é doloroso, portanto,
poeta também não finge o seu Sousa são de grande olhar crítico tes,/ Pois, quando o sol dissolver-
lembremos de Fernando Pessoa
desagrado às suas atitudes sociais quanto ao estado das coisas, ao ler o se estarão a morrer. (p.15).
na sua Autopsicografia: O
perante esse projecto de mundo poema Identidade assassinada, a Outrossim, dos poetas existencia-
poeta é um fingidor./ Finge tão
que se apropria. Se Deus criou o reacção crítica ao discurso do dia listas, dos quais Fernando Pessoa é
completamente/ Que chega a
mundo e todas as coisas, enviou está clara no cruzamento poético um dos mais destacados, pode-se
fingir que é dor/ A dor que deve-
seu filho unigénito para purificá- que o autor faz: (…) Auto-estima, entender que Leonel Arão bebeu de
ras sente (...). E vou mais longe,
lo, conforme dizem as escrituras, e máscara ilusória do absurdo,/ muitos clássicos.
os problemas que o poeta enfren-
este mesmo mundo voltou a firmar Moçambicanidade, gravidade do
Mesmo quando é de amor ta, são o espaço que ele precisa
a aliança ao pecado ao matar seu engano,/ Identidade assassina!
que o poeta aparenta falar, como para a sua própria ternura.
filho, o homem não estará ciente (p.37). Entre esses versos estão
no poema Xikwembo de Rui
dos ditames e outras tarefas do todas as versões da palavra Ditame. Eu não me espanto com
Nogar, Arão tem lágrimas e frustra-
Criador e por isso padecerá. todo este sofrimento criativo de
Aliás, em um dos poemas ções. O poeta no meio do que faz a
Arão na sua primeira versão do
Parece-me que a própria do livro o autor faz um diálogo com sua natureza, não se isenta da
que é poesia. Afinal, a indifinibi-
existência é motivo de todo tédio Craveirinha referindo-o como aquele natureza dos outros e como uma
lidade deste género joga a seu
que manifesta-se no poeta. A sua ―que aos homens impôs a ira‖. O coisa no meio dos tormentos não
favor (a favor de todos os poetas).
linguagem sarcástica, mais do que poema intitula-se Sons craveiri- deixa de ser frio. Para todos os
E para todos os efeitos não é um
para o exame de consciência da nhais do absurdo: (…) Já viu efeitos ainda fala da liberdade:
começo frustrante, a língua e a
humanidade, chama à culpabilida- como é bom falar?!/ Como é bom Abri os olhos à luz exterior,/
linguagem poética levaram até
de. Na verdade quem escreve esta falar, baixar o servilismo; Contra- Depois retornei à interioridade,/
nós um poeta. E eis entre nós o
poesia conhece os culpados e por-se aos vivas da desgraça; (…)/ Aí vi o ar próprio de liberdade,
poeta Leonel Arão.
aponta-os com o dedo acusador, Gente que não fala não é gente;/ (…). (p.15).
M
rtes
“OS MENINOS DE
NINGUÉM” utumbela Gogo volta a
apresentar, cerca de 20
anos depois, Os meninos de
21 ANOS ninguém. Dirigida por
Graça Silva e com Manuela
Soeiro na produção, por
DEPOIS sinal, esta que encenou a
peça em 1993, os Meninos
de Ninguém vem de qual-
quer parte. Mas na memó-
ria dos moçambicanos
nunca saem, afinal, mexem
com várias sensibilidades
com a sua abordagem
Eduardo Quive cómica do lado mau da
condição humana…
eduardoquive@gmail.com
O que passam os meni- Graça Silva quem está a podem murchar. São o futuro do bela Gogo de se manter constante-
nos da rua? Quem são eles para dirigir a peça destaca a atemporali- país. Portanto se deixam essas crian- mente uma escola de teatro – de
nós? São respostas desnecessá- dade da temática ―são mesmo meni- ças na rua, também o país será uma colocar o sangue novo.
rias para uma sociedade que nos de ninguém. Eles estão na rua, miséria.‖
Tal é o caso da actriz Arle-
não aprende com o tempo. então não tem ninguém. E neste país
Volvidos cerca de 21 anos te Mabombo para quem represen-
Antes fora a guerra que deslo- que estamos são ninguém. Trata-se
em que a peça foi apresentada, o tar a personagem Xidjana, como
cara milhares de crianças pelo
são tratados discriminadamente os
país a fora, depois foi a própria
albinos, constitui um grande desa-
sociedade que criou focos estra-
fio. ―Pode não ser muito visível,
nhos no meio dela própria, com
mas existe a descriminação.
pais que abandonam ou maltra-
tam filhos e até aqueles meni- Há cerca de 20 anos
nos que por razões subjectivas a alguém representou este papel e
rua lis apetece. não era eu, então é um grande
desafio.‖ Afirmou.
A companhia Teatral
Mutumbela Gogo que soma Xidjana é uma criança
agora 27 anos de existência, como qualquer outra, viveu com os
recorda uma das suas criações pais, mas a mãe é uma mulher
mais destacadas. Os meninos sempre doente. Por outro lado o
de ninguém, muitos deles até pai rejeita-a afirmando que não é
tem uma história, mas parte sua filha – por se tratar de uma
dela apaga-se na memória que albina ―e as crianças não precisam
se resguarda aos bocados de muitos motivos para sair de
sonhos do futuro. casa, as vezes elas sentem-se livres
na rua porque lá não há fronteiras.
Eles podem até ter tido
Arlete Guilhermino e Graça Silva, em palco E na rua a vida é bastante compli-
família, mas agora tudo isso
cada para uma rapariga. Ela fica
pouco importa, afinal, na rua, a
sujeita a várias coisas e tem que
barriga não pode escolher, o
elenco até converge em alguns acto- buscar forças dentro dela mesma
relento é o único teto. Eles são de meninos de rua que alguém tem
res como, Adelino Branquinho, Jor- para sobreviver. Essa é a vida da
meninos de ninguém, podem que tomar conta deles. Elas são
ge Vaz e a própria Graça Silva. Mas Xidjana‖ acrescentou Arlente
ser encontrados em qualquer crianças, as flores que nunca mur-
havia uma necessidade – pela pró- Gulhermino.
esquina da avenida. cham, são não cuidarmos delas,
pria política adoptada pelo Mutum-
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A miséria e abandono de tudo livre e feliz, apesar das ninguém‖. Aqui tem a face de Man- que tem sido feito pelo Mutum-
são os males porque passam vicissitudes. Onde há muitas caras, dioca: ―ele foge de casa vive na rua, bela Gogo nos últimos tempos, o
muitas crianças neste país o polícia, o velho catador de lixo, até mas depois ganha consciência e volta de que fortificar o convívio entre
(problema que não foi ultrapas- como o que não tem o braço e a ao convívio familiar‖, tal sorte que célebres nomes do teatro moçam-
sado desde 1993 altura que foi criança albina. não é de muitas crianças. bicano, com o sangue novo. Con-
estreada a peça). A ideia dos tracenar ao lado de nomes como
Tal como Arlete, Horácio Esta forma com que se apre-
actores em representação é criar Adelino Branquinho é um
Mazuze é outro sangue novo cha- senta Os meninos de ninguém é
uma república autónoma e acima momento Homo. Ele próprio o
mado para ser um dos ―meninos de também a continuação do exercício
decano do teatro moçam-
bicano, quem conhece os
cantos e os cenários do
Teatro Avenida, fala das
competências de um mes-
tre ao lado dos mais
novos.
―É uma responsabilida-
de, afinal temos que mos-
trar o melhor de modo
que eles retenham o
melhor. Passados 20
anos, tenho a mesma
responsabilidade no palco
e a mesma energia, é isso
que quero passar aos
‗mais velhos‘‖.
MBINO MBIE:
QUANDO A MÚSICA
É UMA QUESTÃO DE
VIDA OU MORTE
N
o seu álbum de estreia Albino Jor-
ge Mbie deu tudo. Tocou nas
almas e nos corpos. Cantou a sua
terra e seus deuses. Firmou a
aliança fraterna com a terra que
o honra agora no chão dos outros onde se encon-
tra. Em Mozambique Dance, Mbino Mbie, manda
uma mensagem para seu país, talvez uma mensa-
gem de alegria, mas também as notícias de muitas
saudades. Ele é a melhor voz masculina do Ngoma
2013. Ele é mesmo bom… Porquê?
São doze faixas. O ritmo De pouco que identificamos é que e a música não diz, chora. desapegada a um colectivo, pre-
é complexo para um país que Albino está com cerca de 16 anos nos fere pegar-nos ―um-por-um‖. E
Sente-se essa distância,
ainda se abre ao mundo. Mas ele caminhos da música e teve essa para falar a verdade é bom que
essa saudade que não deixa chorar
não hesitou, deu o melhor de si. influência do Sr. Mbie, seu pai. seja assim. Em Mozambique
nem rir, não deixa respirar, porém
Uma mistura de Maputo, Texas e Dance, um título que privilegia a
Certamente que é melhor obriga a viver. Na música não há
os montes do centro de África. vastidão da arte de cantar, temos
ouvi-lo a cantar e tocar – é um gentil palavras, há combinação de vozes e
Blues, Jazz são mais autênticos. uma guitarra e voz musicalizada.
guitarrista -, mas acontece que chega de percussão, claro, com a impedi-
Talvez não se identifique na
a hora em que queremos traduzir os da ausência da guitarra que é o Mbino Mbie é um grande
pureza o ritmo dos tsongas, mas
tons, os sons, os detalhes, atalhos, forte de Mbino Mbie. A mensagem movedor e combinador de cor-
as origens não são falsos, preste-
melodias, ritmos, e na música de para a terra deste músico parece-se das: cordas vocais e guitarras.
se atenção no vício pelo coro. Em
Mbino Mbie, é preciso compreender subjectiva, mas não deixa muitas Muitas vezes tentaremos ouvir
África e em Moçambique em
o enredo e o espírito. Um músico de incertezas sobre o estado de espíri- entre os atalhos dos seus toques,
particular, o coro dignifica o
criatividade surpreendente e única to do artista, o afecto é maior com o tocar forte da bateria e do pia-
canto. E Albino Jorge Mbie em
no enredo musical moçambicano. as suas origens e todas as palavras no, pelo contrário oiço sons mais
Mozambique Dance, faz coros de
Um músico nato. Pode-se ouvir repe- são o pretexto para esse silêncio. estranhos. Interessante essa
cortas respiração.
tidas vezes a música, Massage for miscigenação, todo o instrumen-
Então chegamos à tortuosa
O álbum é de 2012 e my villege, (mensagem para minha to é motivo de oração. Uma
conclusão de que Mbie faz música
ainda não foi explorado até a vila), e se surpreender a compreen- música mulata.
espiritual e espirituosa. Causa
exaustão pelos seus co-patriotas, der essa mensagem bastante melan-
sempre a magnífica sensação de Entremos mesmo pela
mas é o trabalho de inquestioná- cólica, a abordagem lacrimante que
ternura em contraste com o confli- própria música que dá nome ao
vel qualidade. Moçambique está faz de um lugar que hoje está mais
to instrumental das suas músicas. álbum: Mozambique Dance, sons
a aprender a lidar com sons distante. A sua provável vila, Mapu-
Uma azáfama estranha entre as diversificados fazem a onda, no
iguais. to, lugar a extensos quilómetros dos
tripas e o peito, é imperioso ouvi-lo pouco texto, em poucas palavras
Estados Unidos, onde se encontra.
Os dados sobre o artista várias vezes. Calada, sua música Mbie diz interessantemente a
Pode ser qualquer lugar, a verdade é
são escassos, mas o que mais tem outros barulhos. Não procura frase: Ntumbuluku, ku laveka hi
que a saudade cresce, cresce e cresce
saber? Os dados estão lançados. satisfazer em nada, é bastante u bekisa/thlakuxa, o que traduzi-
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do – infelizmente a ter que tradu- Como que vaticinando o esta qualidade nos seus anos de for- Mas com músicos como
zir – diz: temos que preservar/ destino da sua música, logo a seguir mação e no primeiro álbum, dá medo Mbino Mbie, trabalhos puros
valorizar/elevar/viver a tradição. ao Mozambique Dance toca-nos e terror (no sentido mais curioso do como Mozambique Dance onde
É sempre complexo traduzir, com profundeza a forma como termo) imaginar os seus próximos os sabores da terra são afinados
então o músico faz com ritmo expressa a saudade ―aguda‖ da casa: trabalhos discográficos. Dá para em cada detalhe, uma música
bastante subjectivo da viola e da Mbilo ya xuva kaya. Como nos esperá-lo com uma fé sacrificada de complexa que convida ao silên-
flauta e aquela percussão que ele referimos Mbino Mbie está a viciar- ter que aguentar mais tempo. cio, a dor e a grande saudade que
nos vem habituar. nos a um afro-jazz com todo o espí- o artista canta, para além dos
E finalmente não dá para
rito moçambicano. A sua música é grandes males da África e do
Repetidamente Mbino calar-se a um debate instituído, se
orquestrada com mestria, como se mundo, em títulos como
Mbie faz um interessante com- calhar para o ressuscitar porque
tivesse ouvido para cada instrumen- ―Usiwana‖ (com o qual venceu o
passo e ponte com José Mucavel, parece-me que a euforia se foi quan-
to executado. É a teoria do detalhe: prémio de melhor voz masculina
quanto à mensagem, mais meta- do Dj Ardiles e Ziqo provaram a
ele parece pouco mas faz a excelên- no Ngoma 2013) temos a música
fórica em si, mais poética e nos- sobrevivência do Pandza e a sua
cia. Apegamo-nos ao detalhe. E só moçambicana definitivamente a
tálgica em Mucavel em Baladas pujança musical. Para então dizer
faço o que o músico me direcciona. simbolizar-se pelo infinito e
para minhas filhas ao referir que que o termo jovem músico ou jovem
Parece-me que Mbino tem uma constante experimentação. E não
muta longoloka hi lirandzo la música moçambicana já mais deve
banda que conhece a sua linguagem precisa ser marrabenta, precisa
ntumbuluku e a interessante ser para jogar injúrias a bons criado-
e entende os seus problemas que se ser música feita com carne e
tradução em português ―para res que interessantemente são os
podem interpretar, para este contex- sangue, pode até não notar-se no
caminhardes em harmonia com a jovens. Nem aquela nem esta geração
to, como ―espirituais‖. Esta música produto final o sofrimento de um
natureza‖. Neste caso de José estão minadas. Em todos os tempos
Mbilo & Kaya não dá outra alterna- bom artista, mas ali sua-se e
Mucavel é esplêndido o poder os maus e os bons partilharam o
tiva se não a recorrer ao factor terra chora-se. É uma questão de vida
poético da língua Changana, faz mesmo espaço e com a tal economia
nas abordagens musicais deste artis- ou morte.
não hesitar em chamar este de mercado, a tal indústria cultural,
ta.
músico de um dos melhores com- igualmente, tem como parte a valori-
positores da música ligeira O jovem músico é lúcido nas zação do mais vendível e mais fácil
moçambicana. suas escolhas e é determinado. Com ao ouvido.
IX Reunião de Ministros da
Cultura
DECLARAÇÃO FINAL
Aos poetas
O poema
Nelson Lineu “cada um em Mim”
Mauro Brito
Adelto Gonçalves
M’saho ABRIL 2014 PROSA
02
Adelto Gonçalves
marilizadelto@uol.com.br
D
epois de seguintes. 1749, estava no Pará quando decidiu auréola o fez se aproximar de D.
publicar retornar a Portugal, onde desfrutava João V, a quem teria assistido
E que, justiça seja feita,
Padre de grande fama, a ponto de ter sido em seus últimos dias ao final de
apesar das críticas dos iluministas,
Malagrida: recebido pela rainha Maria Ana da julho de 1750, e de muitas
produziu talentos como o padre
o último condenado ao fogo da Áustria. mulheres da nobreza, o que o
Antônio Vieira (1608-1697), filósofo,
Inquisição (Setúbal, Centro de permitia circular com
escritor e orador de renome, Fernão Místico, costumava atrair
Estudos Bocageanos, 2012), o desenvoltura na Corte. Em
Mendes Pinto (1509-1583), multidões com suas orações. A ele
pesquisador Daniel Pires ainda 1751, à época de D. José I, foi
explorador e aventureiro, autor de não raro atribuíam-se curas
dispunha de tantos documentos nomeado conselheiro real nas
Peregrinação (1614), uma das mais
sobre o assunto que resolveu milagrosas. Tamanha possessões do ultramar, tendo
extraordinárias narrativas de viagem
escrever O Marquês de Pombal,
escritas em língua portuguesa, e o
o Terramoto de 1755 em Setúbal
diplomata Alexandre de Gusmão
e o Padre Malagrida (Setúbal,
(1695-1753), nascido na vila de
Centro de Estudos Bocagenos,
Santos, na América portuguesa, que
2013), que traz maiores detalhes
representou Portugal em vários
sobre o confronto entre Sebastião
países, inclusive em Roma, e
José de Carvalho e Melo (1699-
notabilizou-se pelo seu papel
1782), conde de Oeiras e, depois,
fundamental nas negociações do
marquês de Pombal, secretário
Tratado de Madri, assinado em
de Estado dos Negócios do Reino,
1750, que definiu os limites entre os
com os jesuítas que teve o seu
domínios portugueses e espanhóis
epílogo com a condenação do
na América do Sul, criando assim as
padre Gabriel Malagrida (1689-
bases do Brasil de hoje.
1761), já demente, ao fogo da
Inquisição. II
IV
04
navio em que seguia Francisco Lisboa) – contribuiu para que o Real Mesa Censória mandou Daniel Pires (1951), doutor
Xavier de Mendonça Furtado, seu temperamento exaltado queimar na Praça do Comércio a em Cultura Portuguesa pela
irmão do futuro marquês de chegasse rapidamente à obra de Malagrida, Juízo da Universidade de Lisboa, é mais
Pombal, que viria a insanidade. Foi condenado ao fogo Verdadeira Causa do Terramoto conhecido por suas pesquisas sobre
incompatibilizar-se com a em fogueira armada na Praça do que Padeceu a Corte de Lisboa Bocage, sua paixão literária, o que o
Companhia de Jesus. Rossio e suas cinzas disseminadas no Primeiro de Novembro de levou a fundar o Centro de Estudos
pelo mar. 1755, que teria sido “concebida Bocageanos, em Setúbal, além de
Em 1753, fundou no Pará
com um espírito infame, fanático, defender tese de doutoramento
outro asilo e, em janeiro de 1754, a
malicioso, temerário e herático‖. sobre a obra do poeta. Foi
pedido da rainha, retornou a
III Para o pesquisador, a biografia responsável pela edição da Obra
Lisboa, com o objetivo de fundar
de Malagrida reflete a Completa de Bocage, publicada por
mais um recolhimento. Voltou a Depois de devassar as
precariedade da natureza Edições Caixotim, do Porto, entre
ter presença constante ao lado da entranhas do confronto entre
humana: ―Idolatrado, senhor de 2004 e 2007.
rainha Maria Ana de Áustria, que Carvalho e Melo e Malagrida, Pires
lembra ainda que a animosidade amplos poderes numa
veio a falecer em agosto de 1754. Licenciado em Filologia
do ministro contra os jesuítas não determinada fase; acossado, a
Com o terremoto de 1º de Germânica, já deu aulas de inglês no
diminuiu depois da condenação do ferros, humilhado, demente,
novembro de 1755, escreveu um ensino secundário e foi professor em
missionário ao fogo. Contra a condenado ao garrote e
livro que, a princípio, foi elogiado Setúbal. Sua paixão pela pesquisa e
ordem religiosa e seus seguidores, queimado, na velhice; ideais
pela censura, mas que interpretava seu gosto pelo conhecimento já o
o ministro mandou escrever humanitários e sobriedade
o cataclismo como uma vingança levaram a trabalhar em São Tomé,
de Deus contra as iniquidades da Angola, Moçambique, Macau, China,
Corte. Essa interpretação, Goa e Escócia. Em Macau viveu por
obviamente, contrariou o ministro três anos, entre 1987 e 1990, onde
Carvalho e Melo, que começava a atuou na Universidade local, e, mais
consolidar seu poder depois de sua tarde, ensinou na Universidade de
atuação decidida para recuperar o Cantão, a cerca de 120 quilômetros
país da hecatombe de 1755. de Hong Kong.
O POETA
CANÇÃO PARA MUHIPITE
à professora Fernanda
VIAGEM SOMBRA
Ao Óscar Janeiro e Octávio Retxua uma vela acesa
diz que sou eu
quem copia a sombra
viajo de solidão a solidão ignoro a luz
e me levo na mala vivo os sentimentos de uma palavra
para um destino percebo que coração dela
que me conhece está na sombra
ao acaso
para pensar em mim
como ninguém pensou
O ENSAIO
Nelson Lineu nasceu no dia 26 de Janeiro de 1988, na cidade de
Quelimane.
Ao Charles, René e Alcídio É estudante de filosofia na Faculdade de Filosofia da Universidade
Eduardo Mondlane.
É membro fundador e Secretário-Geral do Movimento Literário
Kuphaluxa, e chefe da redacção da revista Literatas, onde foi, igual-
mente, Director-Geral e assinante da coluna: ―O passo certo no cami-
nho errado.‖
ensaio todos os dias Tem contos e poemas em revistas e blogues de teor literário e; poe-
para viver o meu último poema mas publicados em antologias nacionais e internacionais; conta com
na verdade desejo que crónicas e textos de opinião na imprensa moçambicana. Estreou como
quando eu me retirar da vida autor com o livro de poesia ―cada um em Mim‖ (Literatas, 2014).
seja como o retirar-me de um poema
a distância
passados seis anos que separa as minhas palavras
me vi nos braços da minha avó das tuas
em cada sentir vivia os seus anos de vida carece de nome
a enxada, as rugas, a caneta e os meus sonhos como a terra em relação a lua
faziam-se nossos parentes contento-me em saber
nem o Licungo na sua fúria que além é o percurso
apagará as marcas daquele momento chão em que o meus olhos
nem os meus pés na fome da descoberta perseguem o teu olhar
se esquecerão daquela areia em Mocuba