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Semana de Arte Moderna de 1922

Arte Moderna no Brasil


O Modernismo no Brasil foi um movimento cultural amplo, que se desenvolveu no início do século XX,
principalmente como desdobramento dos eventos das vanguardas europeias. Os artistas dessa corrente, em geral,
utilizavam os modelos europeus para a criação de uma arte legitimamente brasileira e atualizada com o que estava
acontecendo no mundo. Para que essa arte fosse reconhecida como “do Brasil”, o artista deveria ter a sapiência de
entender as referências externas e reutilizá-las no ambiente interno, criando, assim, algo que ao mesmo tempo é
local e mundial. Essa disposição acabou levando uma série de artistas brasileiros ao encontro do sucesso
internacional, enquanto, algumas vezes, eram praticamente ignorados em território nacional, pois, apesar de o
movimento brasileiro ter tido como base a estética europeia que se desenvolveu antes da Primeira Guerra Mundial
– Cubismo, Fauvismo, Expressionismo e Futurismo –, no Brasil o Modernismo encontrou forte resistência do público
acostumado com a arte acadêmica (produzida nas escolas de belas artes e que seguiam os padrões neoclássicos
de pintura, mesmo com as objeções de parte do público, a Arte Moderna ganhou espaço no Brasil e acabou
alcançando seu apogeu na década de 1920, com a Semana de Arte Moderna de 1922.
As ideias-modelo dos europeus chegavam de diversas maneiras ao país, como a precursora exposição
expressionista de Lasar Segall, em 1913, ou o debate sobre o manifesto futurista por Oswald de Andrade, em 1912.
Logo, essas ideias ganhavam novos usos e nova vida na mão dos artistas brasileiros, como as variantes do
Expressionismo com toques fauvistas no trabalho de Anita Malfatti e os fortes e expressivos trabalhos de Victor
Brecheret. No seu desenvolvimento, a Arte Moderna brasileira converge em direção à estruturação ordenada da
composição cubista – com visível influência de Picasso e Fernand Léger. Esses elementos se evidenciam nas obras
de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Posteriormente à emergência do Surrealismo, adicionam-se novas
possibilidades criativas e abrem-se caminhos experimentativos a artistas como Cícero Dias e a essa vanguarda
“antropofágica”.
São Paulo se consagrou como centro das atividades modernistas, dispondo de muitos artistas e intelectuais
ligados às tendências europeias. A cidade ainda contava com um grande progresso e com o afluxo de imigrantes
italianos. Diferentemente do Rio de Janeiro, que havia se tornado um reduto da burguesia tradicionalista e
conservadora, São Paulo, aliada a esses elementos, funcionava como ambiente perfeito para o desenvolvimento da
vanguarda brasileira.

Antecedentes da Arte Moderna no Brasil


O início do século XX foi um período de grande progresso técnico no Brasil. Diversas fábricas estavam
surgindo pelo país, impulsionadas pelo avanço e sucesso do cultivo do café. O Brasil passou a crescer de maneira
acelerada, não apenas economicamente, mas também populacionalmente, com a chegada de imigrantes vindos de
todas as partes do mundo, que em oito anos totalizaram o número de um milhão de novos habitantes.
Era uma mudança drástica para os padrões da época, e tais modificações alteraram o panorama social do
país. As consequências do processo de industrialização passaram a se mostrar mais complexas, ocasionando o
surgimento de um proletariado e de um subproletariado, formado principalmente de mão de obra imigrante.
Socialmente, os antigos escravos estavam marginalizados, enquanto uma pequena e nova classe média estava em
ascensão. As forças sociais se tornaram tão complexas que, em 1917, em São Paulo, uma greve geral organizada
pelo movimento anarquista2 mobilizou 70.000 operários, em sua maioria imigrante, com o intuito de questionar o
capitalismo paulista.
Nesse contexto, os artistas e escritores ainda se apresentavam muito presos ao academicismo e às
influências francesas da belle époque. Alguns jovens de São Paulo, intelectuais e artistas, viviam à espera de uma
nova arte adequada a esses novos tempos e aos próximos que ainda estariam por vir. Eles sentiam a necessidade
de uma arte atualizada e que ao mesmo tempo pudesse exprimir a identidade nacional, honrando as raízes culturais
do Brasil. Esses desejos nacionais modernos são desencadeados pela Primeira Guerra Mundial e pela aproximação
das festas de comemoração do primeiro centenário da Independência.
O embrião dessa nova arte se destaca no trabalho crítico e literário de Oswald de Andrade, Menotti Del
Picchia e Mário de Andrade. Oswald, em 1912, se mostrou fortemente influenciado pelo manifesto futurista,
enquanto debatia sobre o papel da literatura nessa sociedade nova que estava surgindo, porém, contrariando o
texto de Marinetti, ele não deixou de valorizar suas raízes nacionais, muito pelo contrário, encorajou que elas fossem
o ponto de partida para os artistas brasileiros.
Assim como o texto futurista chegou ao Brasil, diversas informações, mesmo que fragmentadas, chegaram
para impulsionar a renovação da arte nacional. A exposição dos trabalhos de Lasar Segall foi um dos
acontecimentos precursores da Arte Moderna no país e, apesar de não causar muita repercussão, tornou-se
extremamente relevante por ser o primeiro contato do público brasileiro com o Expressionismo, em pauta
principalmente na Alemanha. Anos mais tarde, em 1917, a exposição de Anita Malfatti, que apresentou diversos
trabalhos carregados de influência fauvista, provocou uma série de discussões e polêmicas entre os adeptos das
artes conservadoras, ao mesmo tempo que instigou jovens artistas e intelectuais a produzir e promover uma arte
moderna e nacional.
Do lado dos conservadores, Monteiro Lobato publicou o artigo “Paranoia ou mistificação? – A propósito da
Exposição Malfatti”, no jornal O Estado de São Paulo, no qual ele criticou duramente o trabalho da artista e dos
modernistas em geral (se referindo também aos europeus). Para Lobato, o artista deve se ater à realidade, ao
naturalismo, e qualquer intenção de produzir uma arte com base em outros preceitos é ilusória, já que, para ele, “um
artista diante de um gato não poderá ‘sentir’ senão um gato”, apenas um cérebro em “pane” seria capaz de sentir
ou observar um objeto de maneira diferente da qual ele é apresentado na natureza.
Ignorando as críticas negativas dos conservadores e encorajado pelos trabalhos de Anita, um grupo de
artistas começou a se organizar em São Paulo. O grupo era embalado pelo progresso da industrialização acelerada
e contava com a presença maciça de imigrantes italianos, em contraponto à burguesia conservadora do Rio de
Janeiro. Em 1920, o grupo já se denominava futurista e, ao conhecer o escultor Victor Brecheret, um rapaz de origem
humilde e dono de uma estilização moderna e vigorosa, sentiu-se impactado por suas imagens e passou a se
polarizar em torno dele.
A arte brasileira estava tomando novas direções e precisava de um evento que traduzisse a magnitude
dessa mudança, e marcasse definitivamente essa nova tendência. Esse evento foi a Semana de Arte Moderna de
1922.

Artistas de destaque
Lasar Segall, um expressionista (1891-1957)
Segall nasceu na Lituânia em 1891 e estudou pintura em
Berlim, na rigorosa Academia Imperial de Artes de Berlim. Foi
afastado da academia em 1909 por expor na Secessão Livre, em
que recebeu o prêmio Max Liebermann em um período no qual sua
obra esteve fortemente influenciada pelo impressionismo. Depois da
expulsão, ele se mudou para Desdém, onde frequentou a Academia
de Belas-Artes de lá como aluno-mestre, antes de vir para o Brasil
em 1913.
No Brasil, Segall expôs seus trabalhos em São Paulo e
Campinas. As suas telas do período mostravam claramente a
influência do Expressionismo, em especial do grupo Die Brücke (A
Ponte). Após as exposições, Segall voltou para a Alemanha. Seu
trabalho nesse período apresentava formas angulosas e cores
intensas e procurava expressar os sofrimentos do ser humano.

O artista retornou para o Brasil apenas em 1924 e passou


a residir definitivamente em São Paulo. Segall se naturalizou após
o casamento com Jenny Klabin, em 1925, e a partir daí se
consolidou como uma das principais figuras do Modernismo
brasileiro. Seus temas mudaram de figuras angustiadas para
negros, mulatas, marinheiros e prostitutas, que habitam um mundo
de favelas e bananeiras. Mário de Andrade chamou esse período
de “fase da contemplação.”
Depois de cinco anos morando no Brasil, sua obra parece
ganhar sensualidade e alegria, a partir das curvas e das cores
tropicais. O uso de um fundo decorativo em contraposição à
imagem é notável, e esse recurso também foi amplamente explorado
na obra A Negra de Tarsila.
A tranquilidade do trabalho de Segall foi abalada pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Suas
obras voltaram a aparentar uma inquietação, e seus temas voltam a ser trágicos. Um exemplo de seu trabalho nesse
período é O navio de emigrantes. Lasar Segall dizia que a obra devia ser despida de requintes estilísticos se
quisesse expressar o sofrimento humano de maneira profunda. Na obra Duas figuras, esse retorno da angústia e
da solidão expressionistas é marcado. Apesar das tonalidades claras e tropicais, a composição é despojada de
outros elementos, dando ao casal uma expressão solitária e melancólica.
No final de sua vida, o artista retomou os temas brasileiros, iniciando um ciclo de pinturas chamado de As
Erradias, Favelas e Florestas. Essa última série foi interrompida por sua morte, em 1957.
Anita Malfatti, uma artista com influências expressionista, fauvista e cubista (1889-1964)

A pintura dessa paulista, nascida em 1889, certamente foi o estopim para o Modernismo brasileiro e para
os acontecimentos da Semana de 1922. Em 1917, uma exposição de seus trabalhos causou polêmica na sociedade
paulista provinciana, que atacou com veemência o trabalho vanguardista da pintora. Um cruel artigo de Monteiro
Lobato comparava o trabalho de Anita “aos desenhos dos internos dos manicômios”. Isso provocou risos,
devoluções de obras e bilhetinhos ofensivos à artista.
A publicação no jornal O Estado de São Paulo criticava as extravagâncias de Picasso e seus companheiros.
O escritor ofendia Anita, mas esperava também atingir os modernistas, companheiros da pintora. Foi uma reação
inesperada, que espantou até os que conheciam o destempero do escritor, e inexplicável, pois sua editora, havia
pouco tempo, publicara um livro do modernista Oswald de Andrade, cuja capa fora desenhada justamente por Anita
Malfatti.
Anita era filha de pai italiano e mãe americana, nasceu com um defeito congênito na mão direita, o que a
tornou uma falsa canhota (ela costumava cobrir a mão deformada com um lenço colorido). Porém, sua limitação
física nunca a afugentou, pelo contrário, sempre a desafiou a superar seus medos e alcançar ideais. Ainda era
menina quando decidiu tornar-se pintora e, em 1912, mudou-se para Berlim, a fim de estudar cores com o artista
Lovis Corinth. Em 1915, a pintora mudou-se novamente, dessa vez para Nova York, onde ingressou na escola que
mais desejava, a Independent School of Art.
Na escola Independent, Anita desenvolveu sua linha de trabalho característica, que apresenta influências
do Fauvismo, do Expressionismo e do Cubismo. Nesse ambiente de liberdade e inspiração, a artista explorou as
influências expressionistas adquiridas durante seu aprendizado
anterior na Alemanha.
Tanto nas paisagens quanto nos retratos, a cor é o principal
instrumento da jovem Anita Malfatti. A obra O homem de sete cores
revela essa preocupação intensa, e tal técnica também produziu
grandes telas, como A boba. Em obras como A estudante russa, A
ventania e A onda, a paisagem local é representada como uma força
selvagem, agressiva e dinâmica, e o uso da deformação expressa
certa inquietação do olhar humano diante da natureza. Nessas
obras, assim como em Uma estudante, Anita revelou o seu interesse
em retratar o estado psicológico dos seus modelos. Fez uso de certa
deformação moderada, fugindo dos modelos clássicos.
Voltou ao Brasil, em 1917, para a desastrosa estreia da Arte
Moderna brasileira. Após a exposição, Anita viveu um clima de
sofrimento. Até mesmo o seu tio, que financiou seus estudos no
exterior, voltou-se contra ela e tentou destruir seus quadros com golpes de bengala. A artista resistiu às críticas
desfavoráveis de Monteiro Lobato, e essa resistência representou um marco na briga entre os artistas inovadores
contra o academicismo vigente. Muitos artistas passaram a se unir à pintora e a declarar apoio a seu estilo e suas
obras.
Anita apresentou seus trabalhos novamente na Semana de 1922 e, um ano depois, viajou para Paris. A
partir desse marco, sua obra começou a mudar, utilizava cores menos vibrantes, e suas formas se tornaram mais
simplificadas. Em 1928, retornou a São Paulo, onde participou de alguns eventos com os demais modernistas. Já
na década seguinte, sua participação nos meios artísticos se mostrava muito mais discreta, com retratos que não
demonstravam mais as deformações vanguardistas de anteriormente.
Conforme foi envelhecendo, a pintora foi se afastando cada vez mais das brigas envolvendo os movimentos
modernistas e acadêmicos. Apesar de ter sido cobrada pela falta de envolvimento, Anita preferiu adotar uma arte
que fosse simples e de fácil acesso a todos, o que não agradava aos seus antigos colegas de Modernismo. Nos
anos de 1950, isolou-se em seu sítio e tomou a liberdade de pintar ao seu modo até a sua morte, em 1964.

Victor Brecheret (1894-1955)


Brecheret teve uma origem humilde, nasceu em 1984, na Itália, e, ainda criança, mudou-se com a família
para o Brasil. Trabalhava de dia em uma loja de calçados e, à noite, frequentava as aulas do Liceu de Artes e Ofícios
de São Paulo.
Em 1913, com muito esforço, seus tios o mandaram para Roma, com a esperança de que entrasse na
Academia de Belas-Artes. Devido a sua formação, o jovem Brecheret não foi aceito. Em contrapartida, foi recebido
como discípulo do escultor Arturo Dazzi. Entre 1916 e 1919, seus trabalhos ganharam destaque em mostras
coletivas em Roma.
Nessa fase inicial, apresentou uma relativa atualização, com ênfase no heroico, no expressivo, com postura
dramatizada das figuras, das quais ressalta a musculatura tensa. Desenvolveu temas alegóricos – Ídolo, Vitória,
Fonte –, religiosos – Pietá, Cabeça de Cristo –, nudistas – Eva – e retratos – Daysy. Nessas peças, já não temia
transgredir às regras acadêmicas usuais, permitindo-se estilizar fisionomias e corpos, acentuar posturas e
proporções para atingir efeitos dramáticos.

Em 1920, o artista retornou a São Paulo, e logo seu trabalho foi descoberto
por um grupo de modernistas, que ficou maravilhado com as suas esculturas. Em
pouquíssimo tempo, Victor Brecheret foi celebrado como um gênio de espírito
nativista. No mesmo ano, ganhou um concurso internacional de maquetes para a
construção de uma grande escultura. O projeto inscrito foi o Monumento às
Bandeiras, que foi iniciado em 1923 e concluído apenas em 1953.
Foi nessa fase que alguns
colecionadores norte-americanos
“descobriram” sua escultura e lhe
encomendaram algumas obras. Dentre
eles, está Madame Blair, que foi procurá-lo
em seu ateliê, quando esteve no Brasil,
para retratar sua filha e arrematou várias de
suas obras. Ela conheceu seus trabalhos
em Paris, comprou muitos deles e os doou a
diversas cidades norte-americanas, contribuindo para sua dispersão na
região. Madame Blair também adquiriu obras dos artistas da vanguarda
europeia ainda em Paris, como Picasso, Braque, Matisse, Léger e todo o
primeiro time dos vanguardistas. Anos depois, precisou voltar aos Estados
Unidos e perdeu toda a sua fortuna, mas uma exposição bem-sucedida de suas obras adquiridas permitiu que
mantivesse sua classe social. Madame Blair era marquesa e chamada de rainha do açúcar em Honolulu,
devido às suas grandes propriedades.
Ainda nessa mesma época, Brecheret criou Fauno, uma escultura simplificada, comparada a
outras já confeccionadas por outros artistas, que representaram tal figura de forma mais realista. O
personagem da mitologia romana está sentado em uma rocha, com o corpo inclinado e as pernas
dobradas. Essa temática não era comum aos modernistas, mas Brecheret parece apresentar um exemplo
da maneira como observava o meio e como sofria sua influência, pois era um pesquisador no Velho
Mundo. Parecia examinar, de um lado, modos de trabalhar e conceber a escultura e, de outro, a temática
desenvolvida no período.
Em 1921, o artista ganhou uma bolsa de estudos de cinco anos em Paris. O benefício é estendido
por quase quinze anos, com vindas esporádicas para o Brasil para realizar exposições. Na Europa,
Brecheret se destacou intensamente, participando de diversas exposições importantes e convivendo com
grandes nomes da época, como Fernand Léger e Picasso. Em 1932, tornou-se cavaleiro da Escola de Paris, por
sua obra O Grupo.
Nos anos de 1930, dedicou-se intensamente à vida artística do Brasil e, quando retornou definitivamente
para o país, venceu outro prêmio para elaboração de monumento público, dessa vez em homenagem a Duque de
Caxias. Na década de 1940, seu trabalho começou a ganhar um toque mais indígena e primitivo, e o
amadurecimento é caracterizado pelo acabamento rústico das peças e pelas composições orgânicas quase
abstratas.
Brecheret foi consagrado como melhor escultor da I Bienal de São Paulo, em 1951, e, após a sua morte,
em 1955, a IV edição do evento dedicou a ele uma sala especial.

Semana de Arte Moderna de 1922


Os conflitos entre os artistas modernistas e conservadores se acirraram cada vez mais, conforme a
influência das vanguardas europeias, que se intensificava. O clímax dessa disputa e ponto decisivo para os
modernistas foi certamente o ano de 1922. Nesse ano, Mário de Andrade expôs suas ideias estéticas no “Prefácio
Interessantíssimo” de sua obra Pauliceia Desvairada:

“Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão de moda. Belo da


natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver. Arte
não consegue reproduzir a natureza, nem esse é seu fim. Todos os grandes artistas,
ora conscientes (Rafael das Madonas, Rodin de Balzac, Beethoven da Pastoral,
Machado de Assis do Brás Cubas), ora inconscientes (a grande maioria), foram
deformadores da natureza. Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico,
tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que
quiserem. Pouco importa”.
Apesar do clima dividido entre os artistas e os críticos de arte, durante os dias 13, 15 e
17 de fevereiro de 1922, aconteceu a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São
Paulo. A Semana foi organizada pelo empresário Paulo Prado e por Di Cavalcanti. Esse último se
declarou, em seu livro de memórias (Viagem de minha vida – O testamento da alvorada), como o verdadeiro
articulador do evento. No texto, ele assinala que foi o idealizador da Semana de Arte Moderna, tendo como modelo
a Semana de Deauville, e que imaginou uma semana de escândalos, com o intuito de pregar a renovação da arte e
a temática nativista. O evento batizado como “Semana” funcionou apenas durante três dias, e cada dia foi dedicado
a um tema: no dia 13, foi pintura e escultura; no dia 15, poesia e literatura; e, por fim, no dia 17, música.
A Semana de 1922 marca o lançamento público do Modernismo
brasileiro, contando com diversos artistas que representavam uma ruptura com o
passado conservador e com a arte tradicional ensinada nas academias. As artes
e a literatura apresentadas durante o evento tinham uma relação muito íntima
com as vanguardas europeias e, ao mesmo tempo, apresentavam-se
genuinamente nacionais.
Participaram do evento pintores, escultores, escritores, arquitetos e os
mais diversos intelectuais da época. No saguão do teatro, havia exposições de
artes plásticas, com obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret,
Ferrignac, John Graz, Martins Ribeiro, Paim Vieira, Vicente do Rego Monteiro,
Yan de Almeida Prado, Zina Aita, Hidelgardo Leão Velloso e Wilhem Haearberg.
No auditório, havia sessões literárias com Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Menotti Del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, Ronald de Carvalho, Álvaro
Moreira, Renato de Almeida, Ribeiro Couto e Guilherme de Almeida, além dos
recitais musicais com nomes consagrados, como Villa-Lobos, Guiomar Novais,
Ernâni Braga e Frutuoso Viana. Em geral, todas as apresentações da Semana
foram mal recebidas pela plateia, que era formada quase que integralmente pela
elite paulista. No entanto, essa recepção foi favorável para a abertura de
discussões sobre as novas ideias que ali estavam sendo difundidas.
As atividades da Semana de Arte Moderna começaram com uma palestra do escritor Graça Aranha. O
escritor elogiou os trabalhos expostos e atacou a pintura acadêmica, os artistas conservadores e a Academia
Brasileira de Letras, afirmando que os novos artistas ali apresentados eram os libertadores da arte brasileira. A fala
de Aranha foi extensa e ilustrada por comentários musicais e poemas de Guilherme de Almeida. Depois que ele
deixou o palco, um conjunto de câmara passou a executar obras de Villa-Lobos, que, nessa noite, era convidado de
honra, o que não o impediu de ir de chinelos. O compositor se desculpou alegando uma doença no pé, mas o fato
se mostrou inusitado e transgressor. Ronald de Carvalho também fez um discurso sobre a pintura e a escultura
modernas, que não foi bem aceito, ocasionando uma série de vaias e a irritação do discursista. Em seguida, as
atividades do dia foram concluídas com um recital de música comandado pelo maestro Ernani Braga.
A segunda noite de evento começou com o discurso de Menotti Del Picchia sobre os romancistas do início
do século. Sua fala foi acompanhada pela leitura de poesias e por números de dança. O discurso foi aplaudido, mas,
quando o poeta tentou declamar o poema “Sapos”, de Manuel Bandeira, a plateia resolveu acompanhá-lo no coaxar
dos sapos, tornando a audição do poema quase que impossível. Apenas o anúncio da entrada de Oswald de
Andrade foi o suficiente para o público começar a vaiar. Mário de Andrade também foi vaiado durante a leitura de
seu ensaio A escrava que não é Isaura no intervalo das apresentações.
A última noite da Semana teve seu programa inteiramente dedicado à música de Villa-Lobos. Muitos músicos
lotaram o Teatro Municipal para conferir de perto o trabalho do compositor, mas as vaias tomavam conta do recinto
do início ao fim do concerto. Alguns dos maestros participantes reclamavam que não conseguiam ouvir o que
estavam regendo, e os poucos momentos de silêncio foram conseguidos por meio de gritos daqueles que queriam
ouvir as obras. Apesar do barulho e da confusão, os instrumentistas tentaram executar todas as peças incluídas no
recital até o fim.
Após os acontecimentos da Semana de Arte Moderna, alguns dos artistas que se mostraram essenciais na
exposição acabaram voltando para a Europa ou indo para lá pela primeira vez. Esse fator impediu que o movimento
ganhasse uma força continuada no rastro da polêmica gerada, o que não impediu o movimento modernista de se
desenvolver, visto que artistas importantes, como Tarsila do Amaral, retornavam para o Brasil depois de uma
temporada aprendendo os conceitos da arte de vanguarda europeia.
A partir da Semana de Arte Moderna, iniciou-se uma série de debates e acaloradas discussões que
permearam toda a década de 1920. As brigas estéticas se tornavam cada vez mais declaradas, levando escritores,
como Mário de Andrade, a afirmar que os oito anos que se seguiram à Semana de 1922 foram os anos de “maior
orgia intelectual que a história artística registrou”.

Artistas de destaque
Di Cavalcanti (1897-1955)
Carioca nascido em 1897, Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e
Melo, mais conhecido como Di Cavalcanti, foi um artista autodidata e um dos
grandes pioneiros da Arte Moderna no Brasil.
Começou seus trabalhos com arte fazendo caricaturas e tinha como
inspiração o estilo art nouveau. A primeira publicação de uma caricatura sua ocorreu
em 1914, no Rio de Janeiro. Logo em seguida, o artista se mudou para São Paulo
no intuito de terminar o curso de Direito. Em São Paulo, produziu caricaturas para
uma série de revistas, sob o apelido de “Urbano”. Em 1918, passou a frequentar o
ateliê do pintor George Elpons e se juntou a um grupo de jovens artistas e
intelectuais. Nesse grupo, Di Cavalcanti conheceu figuras como Oswald de Andrade,
Anita Malfatti, entre outros.
Em 1920, o artista iniciou a produção de suas próprias pinturas e, em 1921,
começou a organizar o que seria a Semana de Arte Moderna de 1922. Um ano
depois do alvoroço do evento de 1922, Di Cavalcanti viajou para Paris, cidade onde
morou até vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Suas obras sempre se mostraram sensuais e oníricas (sonhos, fantasias), com um
traço solto e um desenho evidente, que antecede a pintura. Suas telas apresentavam
influências do Cubismo e do muralismo mexicano. Seus temas pareciam inesgotáveis e podiam variar desde uma
análise do Rio de Janeiro noturno, carregada de sátira, até a pintura social que evidencia o povo de maneira inocente
e pura.
Di Cavalcanti foi um pesquisador das obras impressionistas, dos fauvistas, dos cubistas e as do pós-guerra.
Foi, também, um grande observador direto do submundo. Demonstrava tal olhar em suas obras e desenhos, nos
quais existe uma descrição realista dos bares, figuras volumétricas, com mãos e pés pequenos, cenas burguesas,
em interiores e nas ruas, cenas de circo, nus e prostíbulos. Essas temáticas eram fortemente exibidas nas obras de
artistas vanguardistas. Com isso, encontrou uma temática em que tratava, de forma direta, um realismo “liberado”,
conforme a sensibilidade e estilização própria, cheio de fantasias. Di Cavalcanti não queria se sentir amarrado a
qualquer teoria estética que pudesse restringi-lo.
Experimentou materiais e traços: realizou um Rosto de mulher, pincelado de modo espontâneo; testou o
desenho de traços finos, limpos e reduzidos, mais comum na Escola de Paris, como em Mulher nua, sentada.
Também tentou cores, como em Duas mulheres. Experimentando técnicas e materiais, ele procurava captar
diretamente a realidade à sua volta.

Villa-Lobos
O compositor Heitor Villa-Lobos ficou extremamente conhecido por suas obras, que criaram um divisor de
águas definitivo na música brasileira. Nascido em 1887, Villa-Lobos estudou no Mosteiro de São Bento, onde
costumava se juntar aos grupos de choro, tocando violão. Após terminar os estudos básicos, saiu em um período
de viagens pelo Norte e Nordeste brasileiro, com o intuito de descobrir e aprender mais sobre a música brasileira.
Em 1915, Villa-Lobos realizou seu primeiro concerto com composições próprias. Apesar das críticas negativas, que
o consideraram “moderno demais”, o compositor acabou recebendo mais convites para se apresentar em São Paulo
e Rio de Janeiro e rapidamente ganhou notoriedade.
Os concertos de Villa-Lobos chegaram a Buenos Aires em 1919, e, três anos depois, o compositor foi uma
das principais atrações da Semana de Arte Moderna de 1922. Depois das polêmicas apresentações no Teatro
Municipal de São Paulo, o compositor viajou para Paris, onde apresentou sua música, que foi muito bem recebida
pela Europa. Villa-Lobos retornou para o Brasil no final de 1924, mas logo regressou à Paris, em 1927, para realizar
novos concertos. Essa segunda viagem lhe rendeu grande prestígio internacional, sendo considerado um dos mais
importantes compositores da América Latina.

Em 1930, Villa-Lobos voltou para o Brasil decidido a lutar


pela inclusão da música nas escolas e apresentou seu plano de
educação musical à Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo. No ano seguinte, organizou um coral de 12.000 vozes em
São Paulo, feito em proporções gigantescas, que rendeu uma
grande fama ao organizador. Em 1933, Villa-Lobos foi convidado
oficialmente pelo Secretário de Educação do Estado do Rio de
Janeiro – Anísio Teixeira – para organizar e dirigir a
Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), que
introduzia o ensino de Música e Canto Coral nas escolas.

Em 1936, o compositor representou o Brasil no Congresso de Educação


Musical em Praga. Após seu retorno, contou com o apoio do presidente Getúlio Vargas para organizar
concentrações orfeônicas grandiosas, que chegaram a reunir até 40 mil alunos. Esse trabalho culminou com a
criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico em 1942.
Apesar de ter demonstrado uma resistência inicial, Villa-Lobos viajou para os Estados Unidos em 1944/1945
para reger as orquestras de Boston e Nova York. A partir daí, retornou para a América do Norte diversas vezes,
onde recebeu homenagens (dentre elas, uma feita pela Orquestra de Nova York), encomendas para novas partituras
(como a composição “Floresta do Amazonas” para o estúdio de cinema MGM), além de ter estabelecido contato
com grandes nomes da música norte-americana.
O trabalho de Villa-Lobos sempre apresentou características únicas, envolvendo elementos nacionais,
populares e folclóricos do Brasil, em composições que misturavam os mais diferentes instrumentos de maneira
inusitada. O compositor morreu de câncer, em 1959, no Rio de Janeiro.

A arte brasileira pós-semana de 1922

Os movimentos que se seguiram à Semana de Arte Moderna queriam reconstruir a cultura brasileira sobre
a base de temas nacionalistas, valorizando as origens do Brasil, indo incitando uma revisão crítica a respeito do
nosso passado histórico das tradições. Eles acreditavam que criando uma arte que tivesse legitimamente uma
“alma” brasileira eliminariam o sentimento de que o brasileiro e um eterno colonizado, dependente de valores ditados
pelos estrangeiros.
Após o evento da Semana de Arte Moderna foram lançadas diversas obras, revistas, publicações e
manifestos no cenário intelectual, que traziam uma investigação mais aprofundada, e, em certos aspectos, radical,
sobre as novas formas de expressão e o potencial de seu conteúdo. Dois exemplos marcantes dessas publicações
são a revista Klaxon e a revista Antropofágica, ambas foram lançadas com o intuito de propagar as ideias
modernistas apresentadas durante a Semana de 1922, espaço para os novos artistas darem continuidade aos seus
trabalhos.
As modernistas ideias eram disseminadas pelas publicações e inspiravam diversos artistas, grupos e
movimentos culturais. Os trabalhos dos artistas e grupos se caracterizavam pela valorização da cultura brasileira
desvinculadas da representação acadêmica. Os movimentos culturais representavam tendências ideológicas
distintas, separadas em duas correntes de pensamento nacionalista, de um lado, o Pau-Brasil e o Antropofágico e,
de outro, o Verde-amarelíssimo e suas escolas, como a Escola da Anta.
Movimentos culturais pós-Semana de 1922
Pau-Brasil

O movimento nativista Pau-Brasil começou com a publicação do Manifesto da poesia Pau-Brasil, escrito por
Oswald de Andrade e publicado no Correio da manhã, em 18 de março de 1924. O movimento, líder pelo próprio
Oswald e por Tarsila do Amaral, defendia a proposta de uma arte baseada na realidade e nas características
culturais do brasileiro. A arte seria desenvolvida com base na revisão crítica do passado histórico e cultural do país
utilizando-se das linguagens europeias de vanguarda. O artista deveria valorizar as riquezas da realidade e cultura
nacionais, com o intuito de despertar um sentimento patriótico, de retomar a consciência do povo.
Um dos grandes avanços estéticos desse período foi a busca de fontes brasileiras, formalizadas pela
problemática existente nos contrastes entre o campo e a cidade, o atraso e o progresso. Os trabalhos desse período
apresentam a dualidade da paisagem brasileira: as igrejas barrocas e a religiosidade popular contrastando com a
modernidade das pontes ferroviárias ou, com o progresso, representado pelos postes de energia elétrica. O quadro
Estrada de ferro Central do Brasil é o mais icônico do movimento, mesclando a herança dos cenários tradicionais
das fazendas e o avanço das cidades modernas, colocando lado a lado a rigidez das construções e da ferrovia com
as formas orgânicas da vegetação tropical.

Antropofagia
Assim como nos rituais antropofágicos de certos grupos de índios brasileiros,
nos quais eles se alimentam de seus inimigos com a intenção de absorver suas
forças, Oswald de Andrade propõe em seu movimento a degustação simbólica da
cultura estrangeira colonizadora, a fim de superar a civilização patriarcal e capitalista,
transcendendo suas normas rígidas no plano social e os recalques impostos no plano
psicológico. O nome e a decisão de criar o movimento vieram depois que Tarsila do
Amaral, em janeiro de 1928, presenteou Oswald com o quadro Abaporu, cujo o nome
tradução livre significa “homem que come homem” ou “antropófago”.
Depois de uma conversa entre Oswald de Andrade e Raul Bopp foi fundado
o Clube de Antropofagia, junto com o número inaugural da Revista Antropofagia, que
trazia o Manifesto Antropófago.
O movimento surgiu como uma nova etapa do nacionalismo do Pau-Brasil. A
revista teve Oswald de Andrade como seu principal idealizador e foi publicada entre
maio de 1928 e agosto de 1929, com dezesseis edições que podem ser divididas em
duas fases ou “dentições” – como seus organizadores preferiam. A primeira fase teve dez
edições, foram dirigidas por Alcântara Machado e gerenciadas por Raul Bopp, além
de contarem com o apoio de Oswald. A revista reuniu nomes como Mário de Andrade
e Plínio Salgado, que posteriormente se tornaram inimigos literários e políticos. A
segunda fase da Revista Antropofágica foi veiculada pelo Diário de São Paulo,
conduzida ainda por Oswald de Andrade e oficialmente dirigida por Raul Bopp e
Jaime Adour da Câmara. Essa segunda “dentição” ficou conhecida pela maior
oposição ideológica a outros movimentos contemporâneos, como o Verde-
amarelíssimo e a Escola da Anta, e o rompimento com grandes colaboradores, como
Mário de Andrade e Carlos Drummond. O último número da revista foi publicado em
primeiro de agosto de 1929, o seu fim foi ocasionado por uma série de desavenças,
além do forte teor crítico dos textos, ataques verbais e um enfrentamento direto da
Igreja Católica. As polêmicas levantadas pela publicação estavam levando os leitores
a devolverem o jornal em sinal de protesto. Em seu fim, a revista contava com a
colaboração de escritores como Oswaldo Costa e Patrícia Galvão e pintores como
Tarsila do Amaral e Cícero Dias.

Verde-amarelísmo
O movimento Verde-amarelista surgiu como resposta ao movimento do Pau-Brasil e seu “nacionalismo
afrancesado”. O movimento foi liderado por Plínio Salgado e teve como principal objetivo propor um nacionalismo
que fosse puro, primitivo e que não apresentasse qualquer tipo de influência estrangeira. Os membros dessa escola
estavam muito mais atrelados a questões literárias e defendiam um nacionalismo exacerbado e ufanista, idolatravam
a língua tupi e tinham fortes tendências nazistas e fascistas.

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