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Fragmentos de Pressá... FRAGMENTOS DO


Authored by Marcos Cristiano D...

6.0" x 9.0" (15.24 x 22.86 cm) FUTURO


Black & White on Cream paper
78 pages
Crônicas de Verdades Ainda Não
ISBN-13: 9781499396485
ISBN-10: 1499396481 Realizadas
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MARCOS CRISTIANO DOS REIS
Olá amigo;

Se você tem em mãos esta compilação de arquivos significa


que meus planos não deram tão certo quanto eu imaginava.
Encontrei estes arquivos em diversos lugares do planeta.
Mas o que motivou a busca e tudo o que aconteceu em
seguida foi a descoberta de um diário que escrevi no futuro (ultima
narrativa). Eu sei, parece loucura, mas aconteceu.
Certo dia quando passeava por Paris encontrei um diário.
Algo deixado a mim por meu “eu do futuro”. Quer dizer, em algum
ponto do futuro eu, que nunca dei importância para coisas como
diários ou agendas, conclui ser necessário começar a registrar
eventos que estavam acontecendo comigo e ao meu redor. Este meu
“eu do futuro” também encontrou uma forma de voltar no tempo
para me alertar sobre o que acontecerá, deixando pistas que eu
pudesse seguir.
As narrativas que reuni até agora são partes destas pistas,
elas falam de como o futuro estará, mas também discutem,
problematizam, questionam concepções de tempo, alma, eternidade,
paixões, aceitação... E ligam o presente e pessoas do presente ao
longínquo tempo que virá...

Para minha mãe Engracia M. Reis e


minha avó Severina Cunha Ramos.
Elas falam como a humanidade continuou após os desastres  Houveram duas guerras após o ano 2.045 d. C.;
ocorridos. Falam como os humanos, mesmo os criados por eugenia,
 Estas guerras alteraram significativamente o relevo e a
continuam humanos. Quer dizer, presos pela ansiedade e timidez.
geografia da terra;
Narram os diálogos e inquietações sobre a liberdade e o destino. Ou
apresentam as discussões sobre a alma humana e a eternidade, sobre  Logo em seguida a humanidade começou a colonizar o
a “essência” do ser humano e sobre a existência do ser humano (ou espaço com a descoberta de um “sistema solar” (na falta
não humano). de uma definição melhor) similar ao nosso;
São historias que falam do desejo de ser aceitos, do déficit
 A tecnologia que nos permitiu colonizar o espaço
de afetividade e busca pelo amor e do medo de não ser amado.
também permitiu a produção sistemática de uma
Elementos muito comuns e singulares a isto que chamamos hoje, em
inteligência artificial altamente desenvolvida (que em
nosso presente, de experiência humana...
algum ponto da história suplantou a inteligência
As coisas ainda estão se organizando para mim... Não
humana);
consigo entender o que sucedeu no futuro. Pior, não consigo
compreender porque é importante que eu faça algo agora ou o que  Na corrida por produção de energia e lucro com tal
significam de fato estas pistas... produção ocorreu um desastre com o pré sal que destruiu
Mas, o fato é que após esse achado (o diário de vaticínios) a vida marítima e inutilizou definitivamente a água do
encontrei diversos indícios de que outras pistas do que há de vir oceano Pacífico;
estavam espalhadas. Estas narrativas estavam escondidas ou foram
 Em algum momento após isso um hecatombe ocorreu
deixadas com pessoas por lugares do mundo que eu supostamente
destruindo setenta por cento da superfície terrestre seca;
conhecerei (e agora posso dizer que conheci, pelo menos
parcialmente).  A humanidade atingida pela poluição ambiental e
As historias que reuni até agora traçam um panorama... alterada geneticamente para resistir à poluição presente
Diferente... Uma espécie de mistura de filme pós apocalíptico com no planeta desenvolveu “novas espécies humanas”, que
non sense que jamais esperei encontrar... São histórias, narrativas, de foram fundamentalmente identificadas com antigas e
outras pessoas. Estas narrativas apresentam fragmentos de como o conhecidas “formas de vida”, formas de vida antes
mundo estará... A não sei quanto tempo à frente... presentes somente na literatura...
O que sei até agora:
 A humanidade construiu colônias intraterrenas para se Autores estes que nunca conheci. Que pessoa alguma
refugiar e proteger dos novos perigos para a humanidade. conseguiu dar qualquer informação a respeito... Assim como meu
Uma opção viável e econômica à alternativa da diário de vaticínios fora deixado para mim sem qualquer indicio de
colonização espacial. quem o fizera, também estas narrativas foram encontradas por outras
pessoas em condições muito especificas com instruções de que me
fossem entregues quando eu aparecesse. Isto apenas corrobora minha
Estas informações parecem absurdas e irreais... Na verdade,
hipótese sobre a “futuridade” destes relatos...
ainda me questiono sobre minha sanidade... Existem muitas
No entanto, se você está lendo este arquivo é porque meu
perguntas em aberto ainda... Perguntas como: Como meu eu do
plano de reunir as narrativas e agir politicamente em favor de minha
futuro, que em 2045 terá 65 anos de idade, possui informações sobre
nova visão do presente em função do futuro falhou em algum ponto.
o ano 3.075? Pior, como posso ter voltado no tempo?
Uma possibilidade que calculei existir e que, por isso, decidi enviar
É tudo muito absurdo... Mas, ao mesmo, tempo as
tais arquivos para você meu amigo para que eles não se percam e
narrativas encontradas são muito reais... Ao que me parece, nos
para que você fique alerta.
últimos tempos, absurdo é a matéria de que é feita a realidade crua.
Você foi o único que até agora não me ridicularizou e que
É a forma mais verdadeira do que podemos chamar de realidade sem
deu algum crédito ao que eu lhe contei. Cuide dos arquivos até que
suas vestimentas ideológicas, religiosas e/ou fantasiosas.
eu possa continuar minha jornada. Divulgue-os para que eu possa
Estas são histórias que consegui reunir até o momento.
encontrar mais colaboradores para tal busca.
Apesar disso, não sei como elas se conectam. Pude perceber que
Estes arquivos não falam da minha jornada do momento em
estas narrativas têm em comum, no entanto, o fato de narrar um
que encontrei meu diário de vaticínios até aqui. Eles são a
futuro muito a frente de nosso tempo. Narrativas que apresentam
transcrição das narrativas que encontrei. Por segurança deixarei a
elementos futuristas em conexão com o passado, a conexão com o
narrativa de minha jornada em outro lugar, onde somente meu eu do
passado (delas) jaz no fato de que foram deixadas aqui no presente.
futuro poderá encontrar.
Curiosamente estas narrativas foram encontradas em pontos onde
Após abandonar minha carreira e começar a minha busca
não havia possibilidade alguma de haver contato entre seus autores.
caí em descrédito entre amigos e familiares que questionaram
judicialmente minha lucidez.
Agora, aqui onde me exilaram e sob efeito dos remédios
que me dão é quase impossível recuperar essa lucidez. O diário que
O PARADOXO DE
encontrei e que iniciou esta busca (ultima narrativa) me motiva a
pensar que em breve sairei daqui...
KIERKEGAARD.
Eu preciso resistir... Preciso registrar o que tem acontecido
A vida só se compreende mediante
e comunicar a quem quiser me dar ouvidos e reconhecer que nosso um retorno ao passado, mas só se
vive para diante.
presente caminha sem um rumo definido, porém com velocidade... Soren Kierkegaard
Precisamos ponderar sobre a direção das decisões que temos tomado,
pois mais importante que a velocidade da evolução da humanidade é - O tempo é como uma corda de violão, uma vez que um
a direção que esta tem tomado. evento é introduzido, tocamos a corda, é produzida uma espécie de
A ideologia do desenvolvimento tem nos cegado para a vibração, quer dizer, inicia-se uma sequência que produzirá uma
sobriedade necessária para os atos de responsabilidade que envolvem sucessão de eventos no espaço e no tempo e que, contudo,
as decisões sobre o desenvolvimento da humanidade... Os posteriormente, retornará ao estado de descanso. Assim como a
fragmentos do futuro que encontrei até este momento me dizem que corda do violão após se agitar em vibração e produzir as ondas
a percepção de lucidez e sabedoria que acalentamos tem que ser sonoras que modificam o lugar em que acontecem de maneiras às
questionados a partir disso... Cabe a mim, um louco do mundo vezes imperceptíveis, às vezes contundentes, o tempo também
começar com este protesto. sempre retorna ao descanso.
Estão vindo agora para mais uma sessão... - Nisto deduzimos que o tempo/história, ou tende ao
“equilíbrio” dispersando toda a “energia” utilizada para produzi-la
buscando o “repouso”, ou que o tempo/história é guiado em seu
desenvolvimento rumo a um thelos1 inexorável. É o que eu chamei
de paradoxo de Kierkegaard. Os sujeitos são livres no seu agir
histórico não tendo qualquer determinante externo absoluto que lhes
dirija as escolhas e dependendo somente da consciência da situação
em que estão inseridos para agirem.

1 Thelos – do grego: fim, finalidade ou objetivo


Explicou o professor Severino enquanto enfiava outro Enquanto o professor Severino falava o robô garçom
pedaço de carne na boca. colocou-se de pé ao lado da mesa entre os dois homens, Severino e
Carlos tentava compreender o que o professor dizia ao Carlos, que se sentavam um de fronte ao outro. O robô aguardou o
mesmo tempo em que sua atenção era volvida para e pelo suculento melhor momento para intervir no dialogo e cumprir o seu propósito
sabor de galeto que sorvia em sua boca. Para ele parecia mais naquele local.
interessante a sensação que percebia do pedaço de carne seca sendo - Mas, então, professor a história é inexoravelmente a
gradualmente umedecido pela saliva que suas glândulas produziam e mesma em seu desenvolvimento. Concluo isto a partir das premissas
que tornava o galeto tenro e de certa forma poroso antes de poder de que: seja por necessidade de “equilíbrio”, seja por haver uma
engoli-lo, produzindo assim uma sensação de prazer e saciedade. teleologia a qual atrai toda a historia em cujos agentes cooperam
Claro que Severino divagou sobre inúmeros outros para este mesmo desenvolvimento teleológico, por um ou por outro
aspectos como, por exemplo, o significado de equilíbrio numa meio estaremos em uma concepção de história que transcorre para
concepção de tempo não-linear e não-cíclico e a interpretação de um final não planejado por aqueles agentes. Certo?
tempo teleológico, mas como um processo não direcionado por uma Perguntou Carlos, não porque estivesse realmente
força exterior, mas em que os agentes históricos atuam para interessado, mas porque a exposição do professor ao seu aluno
determiná-lo. Admitiu, no entanto, que nesta perspectiva, que lhe era acabou por ferir um valor muito querido por aquele, a saber, a
cara, que invariavelmente, em algum ponto, teria que admitir que autonomia do ser humano como sujeito da historia.
deve haver alguma intervenção externa dentro da história. Mas fez a O mestre Severino, de fala mansa e olhar humilde sempre
ressalva que da forma que via esta força externa, na verdade, ela não com os cabelos cinzentos desgrenhados e com uma camisa amassada
estivera em momento algum externo, mas como direcionadora da que costumava falar com alegria que era a sua preferida, captou com
história esteve sempre dentro da história (co) operando com os a argúcia própria dos mestres a motivação por trás da pergunta de
agentes históricos para seu desenvolvimento até o thelos – porém, seu aluno e com a humildade que lhe era característica respondeu.
Carlos não deu muita atenção para isto, para ele era muito - Os agentes históricos continuam com a sua autonomia
complicado e demasiadamente enfadonho supor uma história para tomarem as suas decisões e fazerem suas escolhas dentro do
teleológica. processo histórico, todavia, estas escolhas de uma forma ou de outra,
em maior ou menor grau contribuirão para o desenvolvimento da
historia em seu thelos até que ela chegue ao seu “equilíbrio”.
- O central neste momento da argumentação não é a Todos no ambiente foram tomados de um sobressalto com
microhistória, mas a macrohistória. Continuou ele, calmamente. a intensidade e volume do som e voltando-se para olharem viram a
- Se nos concentrarmos na microhistória deveremos mesa onde Carlos e o professor Severino almoçavam partida ao meio
admitir, então, que há, inexoravelmente, certo grau não determinado e junto com os seus pedaços, no chão estavam os pratos em que os
de direcionamento das ações individuais para que estas ações dois debatedores comiam formando um monte de lixo onde os robôs
contribuam em algum momento de alguma forma para que o thelos limpadores já se reuniam, primeiro observando – se não fossem
da história se realize e atinja o seu “equilíbrio”. Explicou calma e robôs seria comum supor que estavam perplexos – e segundos depois
mansamente o mestre idoso. limpando toda a sujeira.
- Eu não concordo. Penso que os seres humanos são os O robô que havia se posto ao lado do professor Severino e
construtores de sua história, que através das escolhas que fazem de Carlos há alguns minutos dera um soco com tamanho poder na
determinam o rumo da história e que o momento em que perdem a mesa que ocupavam que ela partira fazendo grande estrondo e fizera
capacidade de direcionamento é causa de fenômenos intrahistóricos o galeto de Carlos voar sobre o próprio robô batendo na simulação
de sobreposição ao individuo. Como a luta de classes onde os de janela – na verdade uma tela holográfica que projetava a figura de
indivíduos localizados em classes inferiores são subjugados por uma janela que se voltava virtualmente para um jardim com variadas
aqueles que detêm as condições materiais de sobrevivência. Cabe espécies da mata atlântica, já extinta, e cujo fundo ao longe simulava
aos indivíduos destas classes inferiores, portanto, fazerem as o mar, que os seres humanos já não viam desde a sansão de
escolhas e programarem as ações em que eles se tornarão os sujeitos Strassburgo quando os humanos se recolheram para as colônias
históricos da própria historia. intraterrenas por causa da poluição das águas com a radiação
utilizada para extrair o petróleo de camadas mais profundas em

TROOOOOMMMMM!!!!!!! meados do século XXII a.h2.


Agora uma mancha gotejava do teto, era o molho da carne
O som ecoou por todo restaurante, assepticamente branco sintética que o professor Severino comia. Com a ação do robô carne
e claro, onde não se via uma mancha de sujeira ou nódoa de gordura e molho alçaram vôo ganhando o salão e batendo no teto.
e onde diferentes robôs trabalhavam continuamente para servir os
pratos aos freqüentadores ou profilaticamente limpavam as mesas,
ocupadas ou não.
2 a.h. = Antes do Hecatombe
Carlos boquiaberto com a ação do robô ficou sem ação por A voz metálica de R3574UR4N73-001 fazia meneios
alguns minutos, nunca vira um robô que fosse violento, apesar de quando dizia as palavras identificação, afetivos e proprietários, assim
que ouvira certa vez que em algum lugar numa colônia intraterrena como a sua sobrancelha se levantava levemente e seu ombro direito
na África do Sul tivera inicio uma rebelião de robôs – um total tremia de forma suave. Se este robô fosse um ser humano quase seria
disparate, isto contrariava as leis da robótica. Refeito do susto possível afirmar que fazia ironias enquanto respondia ao professor.
levantou-se e se dirigiu ao computador central do restaurante para - R3, por que socou e partiu a mesa em que comíamos?
reclamar do serviçal e exigir que fosse desativado. Perguntou o professor Severino.
O professor Severino, que permanecera imóvel em sua Um leve enrugamento no canto esquerdo da boca artificial
cadeira olhando para o “rosto” do robô que com sua pele sintética de R3574UR4N73-001 se formou, um enrugamento muito suave.
imitava o semblante de um ser humano. Exigência do tratado da Ele que acompanhava Carlos com suas câmeras fotoculares
Grécia para deixar os seres humanos mais confortáveis com a direcionou a cabeça para o professor Severino que pode perceber que
presença dos serviçais pessoais robóticos mais “humanos”. O aquelas câmeras fotoculares simulavam olhos azuis e que o
professor observou que o robô acompanhava os movimentos de enrugamento no canto da boca lembrava vagamente um arremedo de
Carlos em direção ao computador central com uma expressão que sorriso.
poderia se dizer que era de satisfação com o seu feito. Este - Porque o deslizador magnético do Sr. Carlos estava sob
semblante como o professor observara mais tarde, parecia transmitir risco de ser destruído por uma das colunas de sustentação da colônia
paz, aquela paz que sentimos quando contribuímos de alguma forma que esta sendo reparada neste momento e que pende sob o nosso
para o desdobramento benévolo de uma determinada situação. estacionamento.
- Qual é o seu nome? Perguntou o professor Severino ao Deslizadores magnéticos são a forma mais comum de
robô. transporte entre as classes mais populares das colônias intraterrenas.
- Meu número de série é: R3574UR4N73-001. Respondeu As classes dirigentes, no entanto, já os substituíram pelos
o robô e acrescentou: Segundo o tratado de Bourbon robôs serviçais reconfiguradores subatômicos, apesar de que recentemente se
ou domésticos não podem ter nomes para evitar a “identificação” e transportar de um lugar para outro se tornou de fato algo em desuso
geração de relacionamentos “afetivos” com seus “proprietários”. e quase anacrônico para estas classes.
- Mas porque simplesmente não avisou a ele? Perguntou o
bom professor.
- R3574UR4N73-CPU avisou ao Sr. Carlos - Sim Sr. professor Severino. Compreendi que sob sua
reiteradamente através das mensagens eletrônicas do menu perspectiva os agentes decidem e agem livremente não havendo
interativo, no letreiro óptico sobre a mesa e através do comunicador força exterior que lhes determine e dependendo apenas da sua
subatômico do neuroimplante do Sr. Carlos, mas este desligou sem própria consciência. Também compreendi que a teleologia dos fatos
ler ou ouvir qualquer das mensagens. Por fim, R3574UR4N73-CPU só pode ser compreendida a posteriori quando observado a
me enviou para informá-lo da necessidade de ir até R3574UR4N73- somatória destes. Mas, fiquei curioso em saber como um agente
CPU para que esta possa providenciar a remoção do deslizador autônomo reagiria ante uma força direcionadora da história. Ou
magnético do Sr. Carlos para uma área de segurança, o que tentei melhor dizendo, isto ficou curioso em saber se ações autônomas
fazer a cerca de vinte minutos. dentro da microhistoria não acabam por se constituir em processos
- Então o soco na mesa... Completou curiosamente o direcionadores na medida em que são realizados na interação entre
professor Severino. sujeitos...
- A partir do que ouvi da conversa entre os senhores, Neste momento, uma parte da coluna de sustentação da
ponderei: Se a história tende a um equilíbrio e os agentes contribuem colônia intraterrena já havia caído no estacionamento do restaurante
em graus e intensidades diferentes para o desenvolvimento e e uma parte acabou atingindo o carro de Carlos. Que ficou
conclusão teleológica da história, e se a finalidade desta história era estarrecido e desolado com o fato... Ele também não entendeu o
o salvamento do patrimônio do Sr. Carlos e a minha finalidade era propósito e o significado da conversa entre o robô e o seu professor
levar o Sr. Carlos até R3574UR4N73-CPU. Então deveria haver Severino...
métodos alternativos para chegar ao mesmo fim, com melhores
resultados. Por isso, imprimi força sobre a mesa para não apenas
chamar a atenção do Sr. Carlos, mas para fazê-lo simultaneamente ir
até R3574UR4N73-CPU onde será interado de todo o contexto.
- Entendo. Mas, R3, não me ouviu dizer que afirmações as
que eu fazia para o Sr. Carlos eram mais bem aplicadas para o
entendimento da macrohistória? Compreende que os agentes
históricos continuam com a sua autonomia para tomarem as suas
decisões e fazerem suas escolhas dentro do processo histórico dentro
de um processo microhistórico?
KARDIA Ele a olhava encantado, enamorado. Parecia querer
impressioná-la. Pelo que Nelson conseguiu ouvir não a contestava
em nada. Era apenas elogios. O olhar dela, por outro lado parecia
Nada é tão lamentável e nocivo
como antecipar desgraças. comunicar a afeição comum que se dedica aos amigos. Sem grandes
Sêneca exasperos ou admiração... Ela aceitava cômoda e vaidosamente a
atenção e o afeto que ele dedicava a ela sem parecer sentir-se
Assentado à mesa Nelson era puro nervos. O café esfriava
obrigada a corresponder-lhe naquele momento. E, como todas as
sobre a mesa enquanto ele pensava no que dizer. Suas mãos estavam
mulheres, achava que isso era muito natural.
úmidas de suor causado pelo nervosismo e apesar de ter pedido um
Ele falava de sentimentos, planos e fazia elogios mil a ela.
par de brioches não sentia vontade alguma de comê-los.
Ela falava de seus planos profissionais e dos seus problemas
O dia estava ameno, a brisa soprava suave e a luz artificial
familiares selecionando o conteúdo do que ele comunicava a ela, isto
produzia um calor agradável sobre a pele instigando que todos
é, valorizando apenas o que respondia as inquietações da jovem.
utilizassem roupas leves. Não conseguia pensar noutra coisa senão se
Pareciam se dar bem. Na verdade, Nelson pensou que esta era
ela viria.
a dinâmica de todos os relacionamentos que ele conhecia. Parecia-
No Café Avenue o dia parecia ser mais um dia comum. O
lhe algo natural. Ponderou que isso deve ser a felicidade morna que
fluxo de clientes mantinha-se na média. Cerca de cinco casais
se encontra quando se está com a pessoa amada. Pensou que essa era
tomavam café e beliscavam confeitarias diversas enquanto
a felicidade que ele queria e deveria ter para si.
conversavam amenidades de inicio de manhã. Chamou atenção
Olhou novamente no relógio. Ela já estava atrasada. Voltou a
especial de Nelson o casal que sentava-se à sua frente e um pouco a
suar nas mãos novamente. Passou a mão na testa, afagou o cabelo,
sua direita.
estava inquieto.
Uma garota por volta de vinte e sete anos, cabelos longos e
- Será que ela não virá hoje?
negros, pele alva e olhos negros. Muito bem produzida. Seu
Pensava ele.
acompanhante parecia ter a mesma idade. Alto, branco, não era forte,
- Será que aconteceu algo que não permitirá que ela venha?
no sentido de musculoso, ou atlético, mas dava para se perceber que
Ou será algo pior?
em um passado ressente havia feito algum esporte. Notou que o
A perspectiva desse “algo pior” parecia horrível para Nelson.
rapaz possuía uma tatuagem em forma de cobra em seu ombro...
A palpitação em seu peito era forte. Sua respiração estava irregular
Aparecia levemente por sob a camisa social clara que o rapaz usava.
também.
- E se... Pensando retrospectivamente Nelson até chegou a ponderar
Terror, vergonha... Ele começava a formular o cenário de que sua relação com Erica se aproximava ao do jovem casal a sua
quando se reencontrasse com ela caso o que ele imaginou estivesse frente no Café Avenue. Mas, logo voltou a realidade. Ao contrário
certo. Ela era Erica. A bela colega de trabalho por quem tinha se do rapaz à sua frente, jamais Nelson jamais obtivera a atenção de
apaixonado há anos. Erica como aquele rapaz obtivera de sua acompanhante.
Nelson era do T.I. estava na empresa há dois anos e conheceu O que estou fazendo? Por que estou aqui? É melhor... É
Erica e imediatamente se apaixonou. Ela trabalhava como melhor, eu ir... Ainda há tempo. Ela não chegou ainda... Talvez nem
engenheira comportamental. Proveniente de uma aristocrática venha. O que será que aconteceu? Será que aconteceu algo?
família da segunda colônia intraterrena. Erica sempre apresentou um Os pensamentos de Nelson estavam completamente confusos,
comportamento tímido e cativante. Em publico não era costumeiro caóticos. Não conseguia raciocinar claramente e tomar uma decisão.
ouvir a voz da jovem prodígio na área de engenharia Inquieto na cadeira em que estava Nelson esboçou uma tentativa de
comportamental. se levantar, mas as forças faltavam em suas pernas.
Nelson que trabalhava com a instalação de softwares e Fitou o café sobre a mesa. Quando levantou os olhos
reparação de hardwares, no entanto, conseguira ouvir conversas dela novamente avistou ela.
com outros colegas. Sua beleza o fascinara, claro. Mas foi o Bela e imponente, acabava de adentrar o recinto.
comportamento de Erica que o encantou. Ele reparava na forma Seus cabelos negros e curtos contrastavam com sua pele alva.
determinada como falava de seus desejos e ideais. Ao mesmo tempo, Seus olhos grandes e amendoados brilhavam a luz tênue e artificial
reparava na insegurança que tinha a cada decisão que tomava. Para proveniente dos geradores da segunda colônia intraterrena, para
Nelson era uma doçura misturada com uma espécie de dureza ou Nelson pareciam ser estes olhos que iluminavam o lugar na verdade.
frieza que constituía aquela personalidade tão única que via na Ela se dirigiu ao balcão, parecia deslizar no ar. Levitar. Seu
jovem engenheira. vestido de seda ondulava à brisa fazendo reverencias a realeza
O convívio cristalizou essa percepção na consciência de imponente que se percebia na postura de Erica. Nelson tinha
Nelson. As poucas interações sem mediação com Erica reforçaram dificuldades de tomar o fôlego, tamanha a impressão que sentia por
tal percepção. Aos poucos, Nelson buscou informar-se melhor sobre sua amada. Era uma verdadeira devoção aquilo que ele sentia.
Erica, seus gostos, ideais e projetos de vida. Concluiu que deveria
investir nesse relacionamento e se aproximou, fez amizade com
Erica.
Seu ser se revolvia interiormente com a possibilidade da Erica estava há alguns passos de Nelson. A visão dele estava
conversa que estava para acontecer. Ele não a tinha convidado, nem turva. Já não conseguia vê-la com clareza. O mundo fugia embaçado
marcado encontro qualquer com ela. Mas por um tempo estudou da visão de Nelson. Percebeu que Erica já não estava mais no seu
minuciosamente os hábitos de Erica. Sabia do percurso que ela fazia campo de visão. Nelson lutava desesperado para respirar. De soslaio
de casa para o trabalho, sabia o templo de contemplação que ela avistou Erica.
frequentava. Conhecia também o nome e o local de trabalho do ex- A cabeça de Nelson girava. Por que precisava olhar para ela
namorado dela. Exultava por saber que ela tinha terminado com ele de canto de olho? Onde estava? Por que seu nariz doía e parecia
por convicções morais. Passou a admirá-la muito mais que antes ao sangrar? ...
saber de sua fibra moral... Havia caído da cadeira. Já não tinha controle do próprio
Mas, pensou no que poderia lhe acontecer agora e se corpo. Antes de perder a consciência Nelson contemplou Erica muito
desesperou. angustiada sobre o seu corpo. Ela gritava para alguém e gesticulava
Não havia como fugir. De uma forma ou de outra ela o veria muito. Depois disso tudo ficou negro e sua consciência se esvaneceu.
ali. E se ela estivesse ali pelo motivo... Quando Erica chegou ao seu Office no hospital-fábrica estava
Foi quando ela se virou. Seu sorriso de marfim estava nos levemente incomodada. Lembrou-se que já havia conversado uma ou
lábios. Sua sobrancelha bem desenhada que destacava seu olhar duas vezes com o técnico de informática que viu sofrendo ataque
arguto e inteligente tremeu levemente. Como sempre acontecia cardíaco no Café Avenue naquela manhã. Tentou afastar o incomodo
quando ela ficava levemente nervosa. Nelson achava aquilo muito de sua mente organizando a lista de afazeres do trabalho. Percebeu
sexy, mas também reconhecia o significado do que poderia que havia uma carta sobre sua mesa. Era para ela, um homem
acontecer... chamado Nelson declarava seu amor e devoção a ela. Erica pensou
A respiração estava cada vez mais difícil. A dor no peito era que seria bom encontrá-lo, talvez ter uma vida calma e familiar com
excruciante. Erica vinha na direção de Nelson. Formigamento no ele. Mas, Nelson, como todo conto de fadas nunca se tornou real.
braço esquerdo. Nelson tentou acenar para o atendente, a Somente linhas num pedaço de papel.
coordenação motora falhava e sem ar a voz não saia.
O vampiro e o robô continuaram com os seus olhares

DIÁLOGOS SOBRE A voltados para o cemitério abandonado.


- Mesmo analisando a metáfora isto não consegue
ETERNIDADE. compreender.
Expressou W4LK3R após algum tempo.
Por mais que o tempo possa - Mas era exatamente o que eu tentava te dizer W4. Para
parecer a passagem das horas, vão
parecer curtos se pensar que nunca nós, seres imortais, os conceitos de eternidade e imortalidade não
mais há de vê-los passar.
Aldous Huxley tem significado porque não partilhamos da experiência de finitude,
ou melhor, dizendo de mortalidade que partilharam os seres
- A eternidade não pode ser compreendida através de humanos que cunharam o termo originalmente.
conceitos abstratos meu amigo. Ela é uma experiência vivida por - Mais que isso, em nossa experiência temporal o
seres que por serem perecíveis esperam caminhar ao seu encontro e significado de eternidade já tinha deixado de existir até mesmo para
em qualquer momento da sua caminhada, numa dessas esquinas, os seres humanos, de modo que, tanto eu em minha longínqua e já
encontrar com ela... esquecida, em muitos aspectos, vivencia do que foi humanidade,
Disse Wlado. quanto você como andróide catalogador da história do planeta, temos
- Esquina? sequer resquício do significado do termo eternidade em nossas
Interrompeu W4LK3R-001. memórias.
- É uma figura de linguagem W4LK3R-001. Não significa Exclamou Wlado.
que exista de fato uma estrada a percorrer ou que a eternidade seja - Isto não é totalmente correto – interrompeu W4LK3R-
de fato um objeto. É só uma figura de linguagem para falar de algo 001 – em meu banco de dados possuo registros do significado do
que, para nós, é abstrato. termo eternidade:
Explicou Wlado. - “Eternidade: Qualidade do eterno; a vida que, para os
- Entendo. É uma metáfora. crentes, começa após a morte; demora indefinida. Eterno: Que não
Retrucou W4LK3R-001. tem principio nem fim; que dura para sempre; imortal; incessante,
- Sim, W4 é uma metáfora. imutável”.
Suspirou Wlado.
- Compreendo a descrição feita, bem como a compreendo Os poucos humanos que restaram se refugiaram ou nas
como uma projeção humana de modo a arrefecer os temores colônias intraterrenas, no interior do que outrora foram o continente
produzidos nos humanos durante a sua interação com um ambiente africano ou na colônia do que fora a Rússia – estas eram as duas
hostil que cercava a humanidade. únicas colônias metrópoles naquilo que Wlado chegou a conhecer
- O que não compreendo – continuou o andróide com sua como Europa e Africa – além delas haviam colônias intraterrenas nas
voz metálica e monótona – é porque, os seres humanos ao Américas e algumas outras colônias humanas no hiperespaço.
adquirirem a ciência para dominar a natureza e ao aperfeiçoarem os O ser humano destruiu o próprio planeta e continuou
andróides e o controle climático continuaram a cultivar uma crença colonizando planetas espaço a fora. Wlado sempre pensava na
na eternidade. E que por causa desta crença tenham se insurgido colônia de Nesh no quadrante espacial L3S73-001, o primeiro
contra M47R1X-002, quando esta sob a diretriz 0 das leis da quadrante em que descobriram um ecossistema mínimo com água,
robótica tomou o controle das primeiras colônias intraterrenas. oxigênio e alguma flora.
Exclamou o robô “plantado” defronte a um mausoléu Lá os andróides, após cinco décadas de observação do
esculpido em pedra negra com adornos verdes muito gastos. ambiente e exploração do ar e do oxigênio descobriram que um
Wlado já tinha se desligado do palavrório de W4LK3R- micro-organismo unicelular e uma espécie de planta herbácea
001. O galante vampiro de um metro e noventa e sete de altura, estabeleciam um tipo de interação e depois de catalogar um ciclo de
olhos dourados como ouro, cabelos ondulados cor de mel, vagava interações – e isto levou duas décadas inteiras – os andróides
pelos sepulcros exalando os feromônios peculiares dos vampiros decodificaram um padrão e estabeleceram uma forma de linguagem.
com os quais seduzem e atraem suas vitimas. Neste momento tinha As bactérias e plantas diziam aos andróides coletores,
parado diante de outro mausoléu branco muito antigo. Wlado sabia numa tradução aproximada para os termos da linguagem e
muito bem onde estavam, vivera – como humano – há muitos compreensão humanas:
séculos atrás perto daquele lugar. - “Liberdade”. Como que em um clamor.
Sempre voltava para ali, viajar agora era fácil para os A noticia gerou debate que levou ao primeiro Tratado de
vampiros, não havia a luz do sol que revelava sua verdadeira Johanesburgo. Mas, a discussão que gerou este primeiro tratado
natureza, melhor, não havia mais humanos na superfície da terra, demorou noventa anos para ser concluída. Isto porque alguns
com o terceiro hecatombe. membros representantes da mesa de debates queriam excluir do
debate o significado “teológico e ou religioso” de alguns termos.
Enquanto outros debatedores argumentavam que se isto Resmungou o vampiro após emergir dos pensamentos e
fosse feito a própria tradução feita pelos robôs se perderia. O debate memórias em que vagava. É isto que falta ao W4LK3R-001 para
concluiu que andróides não poderiam traduzir perfeitamente o compreender a noção de eternidade além das nuanças descritivas.
conceito de liberdade, posto que para compreender as implicações Ponderou silenciosamente enfim.
práticas do conceito os tradutores precisam da experiência humana Wlado deslizou graciosamente para o lado de uma estatua
de carência da forma que só os seres humanos experimentam. de mármore na forma de um anjo guerreiro carrancudo de cerca de
Somente quando chegaram a este consenso que foi dois metros de altura. A estatua já estava gasta pela ação do tempo e
concluído o dito tratado. Porém, foi também por esta época que vários adereços originais nela entalhados já não existiam mais.
eclodiu o terceiro hecatombe e foi determinado por necessidades W4LK3R-001 acompanhava a movimentação de Wlado
políticas evidentes que plantas e seres unicelulares não tinham com seus sensores de movimento e som e, às vezes, com sua câmera
linguagem e que assim como os “robôs tradutores” que eram os óptica.
andróides coletores do planeta Nesh, apelidados pela mídia como - Mas um grande pensador do século XIX disse que a
“W4LK3R’s”, não tinham o tipo de experiência necessária para esperança, como um aspecto da religião, não é determinada
produzir o simbolismo necessário tanto para linguagem como para a unicamente pelas condições materiais W4. Afirmou abruptamente
tradução. Wlado.
Foi determinado, então, que a extração continuasse e que - Sim. Mas este mesmo autor diz que estas condições
setenta por cento do extraído fosse remetido para as colônias da materiais influenciam em algum grau a experiência noética. O
terra, apesar de o terceiro hecatombe ter reduzido a população de imbricamento entre condições materiais e a psicologia social
seres vivos dependentes de água e oxigênio em um quarto do intrínseca à dinâmica cultural, bem como a ética religiosa – só para
existente de então. O que, vale dizer, não conseguiria consumir nem aludir mais diretamente ao supracitado autor – forneceu as condições
mesmo sessenta por cento do que foi exigido que fosse enviado para para a formação dos sentimentos motivadores das praticas sociais
a terra. constitutivas de um determinado período.
Wlado voltava para o lugar em que estavam agora, na Retrucou W4LK3R-001. O acesso a produção cientifica
antiga América do Sul, porque aqui era mais vivida a memória do aliado à capacidade de processamento lógico inerente ao cérebro
pequi, uma planta que no passado ele gostava de comer, mas que positrônico do robô o tornavam insuperável em questões de
agora não existia mais. discussões teóricas e lógicas.
- Inteligência, memória e esperança.
- Certo. Os humanos quando pensam e experimentam a
idéia de eternidade eles nutrem uma noção de união com o cosmo. STAACRAAACOOOOOUUU!!!!! PROOOFF!!!
Na idéia de eternidade existe um desejo do individuo dissolver-se na
PROF, PROF!! RUMB! ZIIIMP! TRUUMMC!!!!
unidade da eternidade supondo que isto realizaria uma volta para a
fonte sempiterna da vida.
Foi o som que ecoou por todo o cemitério que jazia em
- Meu ponto, W4, é que nós dois já somos imortais e,
silencio contemplativo perturbado apenas por ruídos mortos de
como tal, não possuímos a experiência necessária para a produção de
criaturas transeuntes desavisadas que vagamente cruzavam o
tal desejo ou noção de eternidade porque não acreditamos que finda
território.
a existência física voltaremos para algo.
O som tempestuoso foi o anjo de mármore que Wlado
Refletia Wlado com os olhos fixos em W4LK3R-001 que
arrancara do chão e lançara pesadamente e com grande e crua
se movia aproximando-se do vampiro.
violência sobre o andróide. Os olhos de Wlado se tornaram negros
- Isto não é totalmente correto. A existência física disto, o
como o coração do universo e seus dentes pontiagudos saltavam de
corpo sintozóide e o cérebro positrônico disto, é o que ancora e
sua boca. Desferiu diversos golpes com as mãos ossudas armadas de
organiza as informações coletadas a partir dos sensores disto. Algo
garras grandes e afiadas como poderosas adagas surgidas no lugar
que a compreensão humana chamou de autoconsciência ou self, com
onde haviam unhas frágeis, curtas e bem cuidadas.
restrições porquanto a autoconsciência e o self resguardam as noções
Enquanto golpeava o que sobrou do corpo do andróide
de indivíduo individualizado apto a agir com autonomia. Enquanto
arrancado sua central de processamento de dados onde ficava o
nós andróides, chamados pejorativamente de robôs pelos seres
cérebro positrônico do andróide, gritava com o ódio incontido,
humanos, possuímos um programa que simula a individualidade,
revelando a verdadeira face do vampiro e transformando a sedução e
posto que não possuímos esta característica nunca explicada do/pelo
a atração produzidas pelos ferormônios do vampiro de forma natural
ser humano, pelo menos não de forma causalista satisfatoriamente, a
em um terror absoluto e desejo de extinção naqueles que presenciam
saber, a personalidade.
esta transformação.
- Uma vez finda a existência física dos andróides as
Rosnava ele:
informações coletadas, organizadas e classificadas segundo arquivos
predeterminados e subarquivos criados no decorrer da existência do
andróide, são enviados à M47R1X-005 que gerencia os andróides da
associação...
- Então W4, há uma possibilidade de você compreender o Wlado lançou de lado a CPD de W4LK3R-001 e em
que há de especifico no conceito de eternidade do ser humano e eu amarga inveja do andróide o vampiro sem vida continuou a existir.
vou ensiná-lo. A partir do medo da destruição física e da extinção da - Este é meu ponto desde o inicio robô burro, não
possibilidade da perpetuação da existência na união com a fonte da podemos compreender a eternidade porque para nós a vida é um
consciência dos andróides. eterno “presente”.
Wlado segurava, agora, a CPD de W4LK3R em uma das O vampiro concluiu ironicamente com um trocadilho
suas mãos, esta estava estendida na altura do próprio olhar tenebroso enquanto saia do cemitério.
do vampiro que segurava o sensor óptico do andróide voltado para - Tenho que encontrar “algo” para falar sobre deus.
si, como que se estivesse olhado nos “olhos” de W4LK3R-001.
- Apesar de descritiva a forma de minha compreensão,
Wlado há muito compreendi a noção humana de eternidade,
incluindo a dimensão psicoemocional envolvida nesta.
Ressoou a caixa acústica de W4LK3R-001
- O que você não compreendeu, no entanto, é que o medo
da aniquilação jungido ao desejo de união com a fonte da vida é o
que constitui a esperança como tônica normativa da compreensão e
das praticas sociais humanas, tudo isto esta calcado numa concepção
maior. Não compreendeu isto apesar de ser uma criatura classificada
pelos humanos como sobrenatural. Assim tanto os “robôs”, meu
“amigo”, quanto os vampiros não podem apreender a noção de
eternidade, não só por não temerem a finitude, mas também por não
acreditam em deus.
Houve um meneio no padrão sonoro da caixa de
ressonância de W4LK3R-001, como que se este fizesse uma ironia
nos momentos finais, quando seus circuitos já falhavam. Nesta hora
o cérebro positrônico de W4LK3R-001 parou de funcionar.
Juliana era gordinha quando criança e apesar de muito doce e

IKTSUARPOK inteligente era tímida e não conseguia muita atenção. O contrário de


sua irmã mais nova, Janaina. Janaina era mais nova que Juliana. Era
uma menina espevitada e curiosa. Gostava de falar e fazer

A inveja vê sempre tudo com


brincadeiras. Todos se encantavam pela doçura de Juliana, mas era
lentes de aumento que transformam para Janaina que acabavam olhando com atenção e interesse.
pequenas coisas em grandiosas,
anões em gigantes, indícios em Foi por isso que Juliana se refugiou no seu mundo romântico
certezas.
Miguel de Cervantes a espera do seu príncipe encantado. Com o tempo, se dedicou aos
estudos. Em sua lógica pensava: se me destacar como uma pessoa
Iktsuarpok. Essa é a palavra em inuíte que expressa o inteligente, capaz de dizer coisas interessantes e se conseguir uma
sentimento de expectativa de uma pessoa quando espera alguém e boa colocação como profissional, quem sabe assim alguém me ame.
vai muitas vezes à porta para ver se a pessoa já chegou. Quem sabe alguém me ache especial.
Juliana vivia à espera. À espera do amor que nunca chegou, Ela conseguiu se tornar uma profissional de destaque e até
do reconhecimento que tanto desejava. Para ela amor passava por aí, conseguiu alguns amigos que a admiravam e gostavam dela. Mas o
reconhecimento social. Não que ela pensasse assim literalmente. Na tempo na faculdade deu a ela provas de que não são essas as
verdade era o contrário. Acreditava fortemente de que quando características que o príncipe encantado procura.
“encontrasse o amor” se sentiria completa e feliz e dispensaria Enquanto Janaina prosseguia recebendo toda a atenção dos
finalmente a necessidade de reconhecimento dos outros. pais com o seu jeito contundente, um desenvolvimento controverso
Não que Juliana fosse uma inuíte. Pelo contrário, ela era uma do comportamento espevitado que a menina engraçada mostrou no
inteligente psicomodeladora residente nos campos do Novo Canadá, passado, Juliana se via sendo cada vez deixada mais de lado ainda.
ao sul do pólo norte. Passou a vida estudando. As duas irmãs se amavam, o que tornava mais dura pra
Seus pais deram a melhor educação que podiam para ela. ambas o ódio que secretamente acabaram nutrindo uma pela outra
Eles tinham a forte convicção de que a filha teria que ter um bom devido à competição velada que travavam.
futuro profissional, afinal, não a achavam tão interessante quanto as
amiguinhas que ela tinha.
Certa vez durante a faculdade se apaixonou por um colega. E assim, sem perceberem os dias passavam, e os sentimentos,
Por meses tentou despertar a atenção dele e até mesmo foi ousada e as percepções se cristalizavam em comportamentos de
puxando conversa após uma aula com o fulano. Mas tudo o que ela competitividade e autonegação. E cada vez que Juliana encontrava
conseguiu foi que o colega desse um sorriso e pedisse que ela o uma pessoa ou um ambiente novo acontecia em seu interior
ajudasse com os deveres da disciplina. Uma semana depois ela iktsuarpok. O sentimento de expectativa incontrolável lhe dominava.
descobriu que ele estava ficando com uma aluna de outra turma. Poderia ser ali que ela encontraria alguém que dessa a ela o afeto que
Tudo o que ela tinha planejado com ele desmoronava como um ela sabia ter direito de receber.
castelo de cartas soprado pelo vento. Este sentimento era acompanhado pelas idealizações de
Juliana se sentia feia. Sentia o medo de jamais ser amada por reconhecimento social que Juliana apreendeu dos filmes românticos
ninguém. As atenções que Janaina recebia da família sem mostrar o que viu solitariamente no decorrer da sua curta vida. Juliana
respeito ou o desempenho que ela demonstrava incomodavam-na progressivamente aprendeu a procurar fora dela mesma o
profundamente. Parecia-lhe injusto que alguém que não era bonito, reconhecimento interior de que carecia.
nem que demonstrava uma grande aptidão intelectual fosse tão bem Gradualmente, no entanto, a menina doce e gentil cedeu lugar
recompensada, enquanto ela, dedicada, esmerada, gentil e bondosa a uma mulher rancorosa. As subsequentes frustrações fizeram com
fosse condenada ao ostracismo. Janaina, sentia-se insegura diante do que Juliana criasse uma crença em seu intimo. A crença de que você
progresso da irmã. Para Janaina, o sucesso de Juliana era a precisa ser bonito para ser recompensado.
confirmação de seu eterno segundo lugar. Sua agressividade se Ela passou a acreditar que a gratificação equivalia ao
tornou a arma contra o medo de ser deixada de lado, abandonada que sentimento amoroso e por isso ela trabalhou duramente para
crescia em seu peito cada vez que abria os olhos ao acordar. Na modificar o seu corpo. Juliana não queria mais esperar à porta a
mente de Janaina, as qualidades de boa moça de sua irmã Juliana chegada de um príncipe. Agora ela desejava fazer com que as
eram simplesmente insuperáveis. pessoas ao seu redor se curvassem à sua presença. Ela não iria mais
As noites, Juliana, sozinha ela remoia estes pensamentos em esperar para ser escolhida como digna de ser amada por alguém, o
sua cabeça. De noite, Janaina, embalada pela soma (droga criada em que ela queria agora era dizer a todos quais eram dignos de sua
3025 para produzir relaxamento muscular e entorpecimento mental) atenção e quem não era.
tinha pesadelos com o sucesso da irmã e do próprio fracasso diante
de seus pais.
A garota olhou ao seu redor e viu que isso de fato não era Juliana passou a sair todas as noites. Conseguiu os
errado. Na verdade, suas amigas, que saiam e se divertiam faziam namorados e os amigos que sempre desejou. Ficou conhecida pelas
exatamente isso. Mais que isso, Juliana percebeu, que era o que amigas como A PREDADORA. Desenvolveu um senso de humor
Janaina fazia. apurado, acido, que atraia e intimidava todos ao seu redor. E ela
Janaina do amor livre e da vida dupla. Saia todas as noites passou a gostar muito desse tipo de atenção. Finalmente, ela sabia
dizendo para os pais que ia ao centro de contemplação, mas no final como era ser Janaina.
ia mesmo era para os centros recreativos e mesmo sendo feia e sem Mas curiosamente todas as noites quando saia sentia
nenhum atributo intelectual destacável além daquele senso de humor iktuarpok, o sentimento de expectativa da espera da chegada de
agressivo, conseguia tudo o que queria. alguém especial... Sentimento fortemente reforçado pela sensação de
Em seu interior Juliana pensava: Janaina sim é que é feliz. que todo aquele prestigio que havia conquistado rapidamente se
Pensava isso mesmo quando se queixava do comportamento de esvairia.
Janaina para os amigos. Por isso Juliana todas as noites “ia até a porta” e esperava
Foi então, que por meio de muito trabalho duro Juliana alguém que ainda não tinha chegado.
conseguiu o que queria. Ela mudou física e psicologicamente. Sua Juliana, ao se "tornar" Janaina finalmente compreendeu o que
transformação foi tamanha que era impossível que qualquer homem a irmã sentia e percebeu que no processo a pessoa que ela tanto
ou mulher que a olhavam não se sentissem encantados pela sua queria encontrar tinha se perdido. Percebeu que deveria ter se
beleza. encontrado primeiro e que por mais que estivesse à espera na porta,
Até mesmo os seus pais passaram a tratá-la de modo não estava em atenção diligente o suficiente para ver que defronte à
diferente. Da filha secundária passou a primazia. Era uma brilhante porta sempre houve um espelho para se mirar...
cientista e ainda por cima bonita. Um verdadeiro orgulho para a
família. Janaina finalmente fora superada, e não havia nada que
pudesse fazer que contestasse o sucesso de Juliana.
A depressão de Janaina ao perceber a progressiva mudança
de Juliana alcançou níveis extremos e a garota agressiva passou a se
refugiar nos salões de realidade criada. Lugares onde o indivíduo
podia projetar uma realidade virtual e embalado por soma ou outra
droga passar horas. Um refúgio, uma fuga.
Acontece que Dajesh havia se enamorado desde a

FORMULA DA PREGUIÇA graduação por Rantilla Mon Sunai, uma psicoarquiteta da moda que
ele conhecera em um dos locais de contemplação que ele
frequentava. Desde que conheceu a bela caucasiana de longos

O amor é filho da ilusão e pai


cabelos ruivos de semblante sério e preocupado, como que se
da desilusão. escondesse algo o tempo todo, assumiu a missão de dedicar-lhe a
Miguel Unamuno
vida intelectual.

Após a reorganização da sociedade nas colônias Fez então de sua integração na sociedade um altar em

intraterrenas os governantes tentaram recriar a sociedade como fora homenagem à sua amada. Já naquele período a integração era

outrora ao máximo. Cabisbaixo, o laureado homenageado pelo planejada pelos pais e pelo conselho superior da humanidade – órgão

premio Arafat de físicoquimica social Dajesh Abin Sur Ame, que presidia os destinos das pessoas viventes em cada colônia

comemorava sem muito animo a sua premiação. intraterrena.

O autor encontrou a formula da preguiça por acidente e com Rantilla era linda. Embasbacava a todos por onde quer que

isso conseguiu dinamizar o ritmo de produção dos seres sub- passava. E Dajesh logo se aproximou e tornou-se um bom amigo da

humanos, seres geneticamente alterados para viver na atmosfera do cobiçada garota que recebia presentes e mimos de todos a todo

pós-ecatombe da quarta guerra mundial, que trabalham nos galpões instante.

de produção dos robôs que perfuram o epicentro do planeta Mas, cansado de ter que disputar a atenção de Rantilla com

construindo novos túneis de integração entre as colônias todos os concorrentes imagináveis e inimagináveis Dajesh acabou

intraterrenas e de construção de novas colônias. por se esquecer do trabalho que tinha que fazer.

Os seres humanos continuam vivendo em-si-mesmados em Dajesh cria que: “Lutar por um amor é bom, mas melhor é

suas colônias desfrutando de sua realidade virtual. Foi numa dessas ser amado sem ter que lutar”.

colônias que Dajesh, que vivia numa realidade especialmente Além de encantadora Rantilla era de uma família duas

preparada para ele se tornar um físicoquimico social produtivo castas acima da casta de Dajesh e era assediada por indivíduos dessa

encontrou a formula indicada. casta, coisa que muito agradava o conselho superior da humanidade,

Dajesh tinha que terminar sua tese de doutorado para pois o cruzamento entre castas não era visto com bons olhos.

entregar para a banca de anciãos e seu prazo se esgotava. Ele tinha


apenas dois dias para corrigir todas as orientações do seu mestre.
“Sempre poderemos desenvolver genes de artes, de A presença de Rantilla, que sempre lhe destinava a atenção
inteligência ou de beleza. Não precisamos dessa besteira de e a gentileza que destinava aos demais amigos, acentuava sua raiva.
sentimento amoroso para gerar nossa diversidade”. Era o que sempre Então, Dajesh se voltava para o pensamento de que todos em alguma
se ouvia nos discursos sobre a importância da eugenia. E assim se medida sentiam o mesmo que ele. Uma mentira que ele contava para
refugiou por horas e horas trancado em seu mundo virtual onde si mesmo, mas que custava a acreditar, posto que continuava
podia viver toda a sua fúria e toda a sua paixão em construções mirando em seus “concorrentes virtuais”, aqueles que ganhavam a
mentais onde era poderoso e admirado. atenção de Rantilla gratuitamente, coisa que ele tinha que batalhar
Naquela época e ainda hoje, o mundo virtual já era uma para merecer.
extensão das redes sociais. Dizem por aí que isto é pré-hecatombe, o - Se não posso ser o alvo da atenção que tanto desejo, posso
relato mais antigo disso consta do ano de 2024 – antes da terceira me trancar nos meus pensamentos onde sou onipotente e posso
guerra, portanto – um anuncio de uma espécie de brinquedo, naquela realizar meus desejos. Pensava finalmente o fisicoquimico social.
época, chamado ps7. E assim os dias se passaram entre as visitas ao lugar de
Nas redes sociais do mundo virtual Dajesh era amado e contemplação, onde ele esperava ansiosamente pelo contato com seu
lembrado por todos. Ali ele podia extravasar o que sentia e desejado amor e as interações na rede virtual, onde ele simulava ser
eventualmente podia se vingar daqueles que não davam a atenção um doutorando em fisicoquimica social com atributos que não lhe
que ele achava que merecia. Dajesh construiu um mundo onde era eram próprios.
amado e admirado por todos em sua rede virtual. E assim também o prazo da entrega da tese de doutorado se
- Ora, isso é próprio da psicologia humana. esgotou. Mas, no dia da entrega, faltando algumas poucas horas,
Pensava Dajesh nas vezes que se encontrava só no local de Dajesh que não havia percebido o tempo passar, tão absorto que
contemplação. Por várias vezes sentiu-se culpado pela raiva que estava em seu sonho de grandeza sentiu um súbito calafrio lhe
sentia por não ser correspondido por seu amor. Por não ser admirado percorrer a espinha e se alojar nas suas entranhas. Isso o chamou,
por seu esforço. Dajesh acostumou-se a pensar como seria se fosse enfim, à realidade.
igual a fulano ou ciclano. No seu mundo virtual ele ERA assim. Mas - O PRAZO!
sempre se frustrava quando era arrancado de lá e levado para a dura Gritou ele acordando daquele estado inerte onírico.
realidade. - Os anciãos não serão complacentes com isso!
Em seu exaspero e temor teve como lampejo uma formula “P” é preguiça que é proporcional (α) a “N” que é o
simples que poderia explicar a dinâmica das relações humanas
número de coisas para você fazer, multiplicado por "v",
contemporâneas auxiliando na produtividade não apenas das
velocidade do seu computador, somado a "p<3" vontade de
populações sub-humanas, mas também na produtividade dos seres
humanos.
falar com quem você gosta (namorada, paquera, amigo) /
- O que nos impede de atingirmos nosso potencial produtivo (dividido) por "d<3", disponibilidade de quem você gosta
hoje? Quando temos tanta tecnologia a nossa disposição, porque multiplicada por "u", urgência do trabalho que você tem
continuamos tão indolentes? E assim começou a escrever sua nova que entregar elevado ao quadrado.
tese de doutoramento.
Foi isso que Dajesh escreveu e apresentou como tese de
Para conseguir o valor real do número de coisas para
doutorado em fisicoquimica social pela universidade de Nova
Johanesburgo do Norte. Tese que lhe rendeu além de seu doutorado
fazer (N), é necessária a seguinte formula:
a indicação e premiação Arafat de grandes realizações para a
N: v.<3
produtividade do mundo mecanizado em 3777.
Onde: (v) é igual à velocidade do seu computador ou
da ferramenta que utilizada para desempenhar o seu
Formula da preguiça:
trabalho multiplicada pelo seu déficit afetivo vigente (<3).
Dajesh também estipulou a formula para encontrar o
Pα =N. v + p<3/ d<3. u²
valor real da velocidade do seu computador (v). Esta
formula é:
Onde:
v = n. ∑h³/∑t+ √b
Onde a velocidade do computador é igual ao número Déficit afetivo (p<3) é igual à vontade de falar com
de trabalhos para entregar na semana (n); multiplicado por quem você gosta (p<3) (namorada, paquera, amigo);
(h) que é o somatório do número de horas que você multiplicado pelo (ffl) nível de popularidade da pessoa
enrolou para fazer cada trabalho - da data em que foi
amada (namorada, paquera, amigo), dividido pela raiz
passado até o momento em que deve ser entregue – e este
quadrada do seu nível de popularidade (ffly).
somatório deve ser elevado à terceira potencia; então ser
Para se encontrar o nível de popularidade de uma
dividido pelo somatório de (t), isto é, o prazo final de
pessoa (ffl) deve-se utilizar a seguinte formula:
entrega de cada trabalho somado à raiz quadrada (√) de (b)
que é o tamanho/tempo da bronca que vai levar em ffl = f.c+(≈tc).
minutos (aquele tempo que você é obrigado a ficar
FF/pf
ouvindo o quanto você foi irresponsável antes de receber a Nível de popularidade de uma pessoa (ffl) é igual
sua justa punição) ou como um valor correspondente ao número de amigos nas redes sociais (f).
tamanho/tempo de bronca o valor da nota que recebeu pelo Isto deve ser multiplicado por (c) que é o número de
ultimo trabalho atrasado/mal feito que levou/entregou. “curtidas” que essa pessoa recebe ao postar algo em redes
Outro fator importante e inovador que Dajesh incluiu sociais (ou o número de manifestações de apoio que o
em sua tese foi a medição do déficit afetivo. indivíduo recebe em suas atividades sociais coletivas, não
Para se definir o déficit formulou a seguinte importa o conteúdo dessas atividades).
expressão:

p<3= p<3. ffl/ √ffly

Onde: p<3.ffl/ ѵ ffly
Soma-se então ao (tc) que é a média do tempo que e:
você leva para conseguir falar com essa pessoa em locais N: v.<3
públicos, como o corredor da
faculdade/escola/trabalho/festa (≈tc), multiplicado por (f Por fim, se poderia chegar a formula final, chamada
fl) que é o tempo que esta pessoa gasta utilizando redes de a formula da preguiça, que é o quarto passo. Nele se
sociais. Isto dividido pelo número de posts em redes estabelece com segurança se é possível modificar o
sociais ou manifestações públicas (pf) da pessoa em comportamento do indivíduo aumentando-lhe a
discussão, a pessoa alvo do interesse. produtividade.
Assim, para chegar à formula da preguiça e aumentar
a produtividade Dajesh estipulou quatro passos: A formula criada por Dajesh resultou um aumento da
produtividade dos seres humanos em 75%. Produtividade que, por
Primeiro, conhecer o indivíduo de baixa
sua vez, impulsionou o salto de desenvolvimento tecnológico,
produtividade em suas interações por meio da formula
principalmente entre os cientistas interespaciais, o que redundou na
produção da primeira Discovery.
ffl = f.c+(≈tc).
Também na criação dos robôs sencientes que foram
FF/pf o nível de carência do indivíduo
Segundo: estabelecer enviados em 3779 na viagem que descobriu a Terra Gama, um

para se ter segurança se o investimento na sua planeta com ambiente compatível com o da terra pré-hecatombe e
que começaram a exploração ambiental naquele planeta. (Foram
produtividade terá retorno preciso, por meio da formula:
estes robôs que suscitaram a discussão que ainda hoje se arrasta
<3= p<3. ffl /ffly entre o conselho da humanidade sobre o conceito de vida consciente
com base na descoberta das nanas, os nanas são seres vivos que
Por fim, estabelecer as condições materiais de habitam aquela que foi chamada de Terra Gama).
produtividade do indivíduo utilizando as formulas:

v = n. ∑h³/∑t+ b
Porém, ante sua laureada descoberta Dajesh, na grande
cerimônia de premiação, postava-se entristecido. Após descobrir a
MULHERES DE ATENAS.
formula da preguiça Dajesh teve que se mudar da colônia
intraterrena onde habitava.
Antes disso, dominado pela raiva e pela frustração, ele É desejo de todo homem...
viver feliz, mas quando se trata
acabou deixando de lado, mesmo que de forma não premeditada, a de ver claramente o que torna a
proposta inicial da sua tese de doutorado que pretendia dedicar a vida feliz, eles tateiam em busca
de luz; de fato, uma medida da
Rantilla. dificuldade de atingir a vida feliz
Dajesh pretendia desenvolver a formula do sorriso perfeito, é que, quanto maior a energia
que um homem gasta
inspirado que foi pelo sorriso de Rantilla. empenhando-se por ela, mais
Mas, a raiva e o medo produziram a estagnação que sentiu dela se afasta caso tenha, errado
em algum ponto do caminho...
em continuar o seu trabalho como um membro produtivo da Sêneca
sociedade humana do terceiro milênio. Fazendo trancafiar-se em seu
mundo virtual. Marina havia encontrado um velho caderno, do tempo da

Possuía o prêmio e uma alta posição agora, porém, não faculdade, onde um colega havia rabiscado a citação de um filosofo

havia muito o que comemorar... O medo e a raiva lhe obscureceram antigo. O colega sempre fora um “apaixonado” por ela, na opinião

a visão impedindo-o de ver que o que procurava sempre esteve na de Marina, mas nunca tivera coragem de se confessar, era também

sua frente e de discernir com sobriedade o mundo real. uma espécie de fanático religioso o que tornava mais agradável o

Na realidade Rantilla sempre sorria das suas piadas. fato de ele nunca ter se confessado, pois era bom tê-lo por perto

Rantilla não foi à premiação, ela coincidiu com o dia do seu durante os trabalhos da faculdade, pois fora estes fatos ele conseguia

casamento. ser legal, às vezes até chegava a ser engraçado.


Mas decidiu jogar fora o caderno com as citações, na
verdade, nem sabia ao certo porque o guardara por tanto tempo.
Estava de mudança novamente, conseguiu um novo trabalho
na colônia intraterrena que estava em construção no oeste europeu,
deu sorte, era o que pensava depois do que aconteceu meses atrás.
Parou por um instante diante do reflexo da janela de vidro, - Você sabe que não sou contra o casamento, contra a
soltou os longos cabelos castanhos escuros que estavam presos em ideologia de vocês e apesar de não acreditar em deus não sou contra
rabo de cavalo como ela gostava e formou-se uma bela moldura do a religião também. Acho que cada um tem que fazer o que quiser e
seu rosto largo com a pele clara e as sardas no rosto que adornavam puder para ser feliz e é por isso que compreendo em parte a sua
os belos olhos cor de mel, tentou sorrir. Mas, só conseguiu um decisão. Mas também não acho certo que você abra mão de tudo o
tímido franzir dos lábios. Lembrou-se, não sabe porque, da ultima que conquistou para que seu marido e seu líder fiquem felizes, aliás,
conversa que tivera com Joy... pra dizer a verdade nem acho que seu marido ficará feliz com isso...
- Eu sei o que estou fazendo, é uma escolha minha e você Enquanto Marina falava olhava para os cantos da sala
tem que respeitá-la. tentando desviar o olhar da figura de Joy que continuava a sua labuta
Bradou Joy com fervor, fazendo o som de sua voz rouca murmurando uma canção e parecendo ignorar o discurso da amiga.
atravessar o corredor e chamar a atenção de todos no laboratório que As duas haviam militado contra o regime da confederação do
ficava de frente com a sua sala, mas ninguém se animou em ir checar mercado que assumiu o poder nos países do hemisfério sul em 20233.
o que sucedia, discussões acaloradas entre Joy e Marina sempre
aconteciam. Marina não era contra a confederação, muito pelo contrário,
- Não grita comigo! achava cômoda a sua posição social de pesquisadora, mas naquele
Gritou a voz estridente de Marina que se aproximava da momento fazia um levantamento sobre a “identidade para si”
amiga e colega de sala com o dedo em riste. sustentada pelos “ratos sindicalizados”, movimento que conhecera
- Olha só, estou querendo que você reflita sobre o que vai através do contato com Joy, uma típica “rato” não sindicalizada uma
fazer. “rato” pelo menos em origem apesar de não em profissão.
Disse Marina, após uma breve pausa entre as duas em que Marina achava interessante observar na amiga a tensão da
Marina observou Joy continuar recolhendo os livros e objetos que identidade para si e identidade para o outro. Joy, discursivamente
pousavam sobre a estante e a guardá-los com muita serenidade em reivindicava como “rato” a identidade de “filosofa” no espaço social
uma caixa, então continuou o argumento. e desta forma representava e incorporava traços institucionalmente
fixados, traços reivindicados nas narrativas traçadas por Joy quando
delineava sua biografia.

3 a.h. = Antes do Hecatombe


Ao mesmo tempo que Joy negava sua identidade de filosofa As duas se conheceram um pouco antes da dissolução dos
a afirmava somente para requerer o direito dos “ratos” como seres Estados-Nação, quando Marina se juntou aos protestos dos azuis
humanos, desta forma Joy se fazia “rato” entre os eruditos e erudita contra o início da extração do pré-sal na costa brasileira, em 2019
entre os ratos. a.h., um semestre depois de Marina ter terminado com o terceiro
Para Marina essa divisão do “eu” constatada na articulação casamento.
de dois processos, a identidade para si e a identidade para o outro, Marina não acreditava muito nas “causas verdes e azuis”,
constituintes das formas de identificação explicitava a objetividade e como ela dizia, mas estava interessada nas condições de trabalho dos
a subjetividade presente na constituição da realidade social, esses “ratos” por causa da representação da classe na mídia que ganhou
atos de atribuição formam a identidade para o outro e delimitam a força com a migração de pessoas de todos os cantos da América
definição de quem o ator supostamente é. Latina e da Ásia para ocuparem os postos de subemprego e
A vida de Joy expressava bem a dualidade da constituição “contribuírem para o progresso do planeta na produção da mais nova
identitária calcada na articulação do processo relacional e do e limpa fonte de energia que a ‘mãe natureza’ nos ofereceu” como
processo biográfico, para Marina. Mas, Marina ainda não entendia estava sendo alardeado nos meios de comunicação.
como a tensão inerente e sempre crescente deste processo na vida de Além disso, Marina precisava encontrar algo para lhe
Joy ainda não fizera a amiga surtar. ocupar o pensamento após a separação, ou pelo menos foi isso que
Marina, há muito, se acostumara a compreender o mundo explicou a Joy quando se conheceram.
racionalmente. Delimitá-lo por explicações claras e objetivas que a Joy nunca comentou essa afirmação feita por Marina, mas
mantivessem no controle dos processos. Era a forma como a jovem quando a socióloga lhe falou isso a filosofa abriu seu largo sorriso e
socióloga desenvolveu para se proteger das decepções e dores que a num gesto espontâneo abraçou-lhe sem nada dizer. Naquele
interação com os outros pode causar. momento Marina percebeu que seriam boas amigas acontecesse o
A confederação, antigamente chamada de BRICS, nesta que acontecesse.
época era liderada pelo Brasil, quando os Estados-Nação ainda
existiam, e Marina e Joy possuíam a identidade civil de brasileiras
num mar de imigrantes.
A socióloga tinha encontrado com estes prestadores de Disse Joy, que havia parado de recolher os livros e olhava
serviço, “os ratos”, durante uma palestra que ofereceu sobre diretamente para Marina. Joy mostrava uma voz clara, sua respiração
identidade e trabalho num ciclo de simpósios sobre o tema na cidade era lenta e profunda, quase como a de quem está dormindo, em seu
de São Paulo. Antes desta ser fendida pelo movimento tectônico semblante podia se vislumbrar um grande carinho pela amiga bem
causado pela falta de sedimentação da crosta subterrestre após a como uma forte determinação.
primeira inserção da broca da primeira estação extratora na praia de - Deve ser feito por que? Por causa do que você leu naquele
Santos4. livro dos infernos? Por que seu marido fracassado vai se sentir
Foi nos simpósios sobre identidade e trabalho que ela melhor assim? Você não reparou que estes livros e estas ideologias
começou a estudar as condições de vida dos “ratos” e isto a levou a sempre favorecem os homens? Já falamos sobre isso, sobre como até
conhecer Joy. Joy já era uma destacada filosofa e cientista política em seus escritos tem reincidido em reproduzir uma estrutura sexista
que entendia muito de computadores e amava musica popular, isto de dominação. E tem mais, por que seu marido não pode fazer isso?
lembrava Marina do seu antigo mestre e estabelecia uma ponte entre Ele também é do movimento e é pesquisador como você, e afirma ter
as duas que conversavam por horas seguidas, mas nem sempre a mesma crença. Ou por que não outra pessoa do movimento? Por
concordavam, pois Joy sempre cobrava disposição para engajamento que tem que ser você?
e criticava Marina por utilizar a pesquisa como uma forma de fuga. - Joy, você ganhou o último premio Nobel da paz – e isso
Marina estava sempre em movimento e talvez também por quando o tal prêmio ainda existia. Você superou a infância pobre do
isso tenham se apegado tanto a Joy que nunca parava quieta. Era da sertão da Paraíba e a vida de prostituta no Rio de Janeiro, você se
sua natureza de ambas estar sempre de passagem, mas havia alguma tornou filósofa e cientista política e esta cotada entre as vinte e cinco
diferença – que não era a pele negra, macia e suave de Joy, que a personalidades mais influentes vivas do século XXI. Depois que eu
distinguia e que intrigava Marina. te conheci comecei a fazer tudo para me parecer um pouco mais com
- Olha, sei que parece irracional, mas é o que deve ser feito e você...
estou em paz com isso. Argumentava fervorosamente Marina.
Naquele momento já podiam ouvir o estalido do solado dos
coturnos a ressoar e ecoar através dos corredores que se esvaziavam
para a guarda confederativa passar. O coração de Marina acelerava
4 Todos sabem que depois da movimentação tectônica tanto São Paulo quanto Espírito com a aproximação deles.
Santo e parte de Minas Gerais tornaram-se uma grande erosão e seu território foi
posteriormente invadido pelo mar.
Joy se aproximou de Marina e com generosidade afagou-lhe O total de vitimas do atentado fora vinte e cinco e com isso
os cabelos que estavam presos em rabo de cavalo, ela os soltou e foi foram paralisados os testes dos novos remédios que continham o
então que os olhares se reencontraram. câncer de pele – o câncer de pele se tornou uma epidemia mundial
- Não fazer nada, já é fazer algo, meu bem. Deixar de depois de 2020 a.h., após a tentativa de filtrar o excesso de CO2
assumir uma postura política, significa apoiar aqueles que estão no emitido com a terceira tentativa de extração de pré-sal5.
poder e a filosofia destrutiva deles. Mas, fico feliz de saber que Marina se lembrava do sorriso que Joy parou de exibir
minha vida lhe inspirou mudanças, minha tontinha... quando a dor infligida pelas labaredas atingiram suas pernas.
Sussurrou Joy para Marina enquanto com violência a guarda Labaredas geradas pelos próprios livros escritos por Joy, uma ironia
entrava e violentava a sala das duas amigas que continuaram imóveis da guarda da confederação que tinham poder para torturar e eliminar
a se entreolharem. os inimigos do sistema. Joy tinha se resignado em não entregar os
- Mas eu te amei e me aproximei de você sem que você colegas que participaram do atentado com ela e isto serviu de
tivesse feito coisa alguma. lembra? pretexto para a tortura publica empreendida.
Disse Joy que já era arrebatada pelos guardas da Marina se lembrara também do grito angustiado da amiga,
confederação que a agarraram pelos braços e tentaram a arrastar para lembrou-se também o semblante de Joy a quando viu delatando um
fora. Joy em um átimo de momento se desvencilhou e aproximou-se nome aos guardas em nome do termino do sofrimento da amiga.
de Marina e graciosamente beijou a face da amiga, enquanto singelas Desde então a socióloga sempre lembrara, inclusive em trabalhos
lagrimas silenciosas caiam dos olhos de ambas e finalmente Joy era publicados posteriormente, da irracionalidade de uma ideologia e da
arrancada à força da sala e conduzida ao pátio pelos guardas da necessidade de se desfrutar do que esta disponível no momento, isto
confederação. se tornou uma filosofia pratica de vida para Marina.
No pátio, de joelhos e sob a mira de armas Joy reafirmou sua Tais lembranças voltavam ocasionalmente à memória de
crença na imortalidade da alma e a confiança em sua inocência. Ali Marina que continuou a sua vida, afinal, a história provou que Joy
ela também confessou ter idealizado e participado do atentado contra estava errada.
o primeiro ministro espanhol, tesoureiro da Confederação do
Mercado Livre, que redundou na incapacitação daquele ministro e na
morte de parte do alto escalão dos embaixadores/cientistas da
confederação que conduziam experimentos com cobaias humanas, 5 Aqueles remédios alem de estagnar o câncer estimulavam o prazer e por isso ganharam
parte destas cobaias eram “ratos” atingidos. aceitação mundial em pouco tempo após a morte de Joy.
Quanto os testes com cobaias voltaram descobriram que a
ZUMBIFICAÇÃO
nova droga não apenas combatia o câncer, mas também continha
uma proteína nova que recobria os alvéolos permitindo que os seres
Os nossos desejos são como
humanos respirassem sem máscaras na atmosfera pós 2022 a.h. crianças pequenas: quanto mais
O que privilegiou grandemente os “ratos” que por não lhes cedemos, mais exigentes se
tornam.
possuírem créditos suficientes não compravam os filtros de Provérbio Chinês

respiração e teriam que morar fora das cidades colônia que estavam
sendo construídas em algumas partes do globo. Lembrar tais coisas Jussara lia o artigo do dr. Marcelo Rasmussem, especialista
às vezes a deixava chateada. em psicobiologia dos fenômenos sobrenaturais, sobre o surgimento e
Terminou de arrumar as suas coisas na caixa para a mudança a natureza dos zumbis, uma praga que se tornou comum desde 2.856
no dia seguinte. Guardou o troféu de mis-simpatia dado pelos d.h.6
escavadores de pós-subsolo, “os ratos sindicalizados”, mas decidiu Segundo este especialista, zumbis surgem de uma
não levar o prêmio de personalidade mais influente do século XXI confluência de fatores individuais e sociais. Pessoas marcadas por
que ganhara há um ano, nem nenhum dos cinco prêmios concedidos um alto déficit afetivo e traumas intensos na história individual e que
pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, se integravam perfeitamente à cultura de consumo contemporânea
para ela esses prêmios não tinham sentido algum. como um mecanismo de proteção psicológica à ansiedade causada
Tomou seu banho e se arrumou, ia sair para beber e dançar por tais déficits desenvolviam melhor a tendência à zumbificação.
com o marido, este era o oitavo, mas tinha a sensação que com esse Este tipo de zumbis, dizia o artigo, não são capazes de
ia dar certo. Tomou mais três pílulas diferentes para se sentir melhor constituir um pensamento racional. São seres guiados somente pela
e esperar o marido chegar para saírem para a noitada. necessidade de suprir uma “fome” muito especifica.
Sentada sozinha na sala de sua casa, não sabe porque ao Mas que ninguém jamais conseguiu explicar ao certo do
certo, mas ela mais uma vez chorou. Em meio ao choro pensou no que é. Apesar de se alimentarem de carne humana eventualmente foi
novo projeto de pesquisa e na noite que se erguia como promessa, comprovado através de pesquisas ao longo do tempo que eles não
isso sim poderia trazer para ela a verdadeira e provisória felicidade. procuram comer para alimentar qualquer necessidade física...

6 d. h. = Depois da hecatombe.
Na verdade, não se sabe o que deles necessitam de fato. Disparou provocativamente. Nunca houve resposta. Apesar
Sabe-se apenas que eles comem carne humana, andam em bandos e de Maya ser falante e sempre tentar se apresentar como uma pessoa
não conseguem constituir linguagem ou qualquer raciocínio que se divertida e com humor ela nunca expunha o que pensava ou sentia
assemelhe ao pensamento humano. realmente.
Jussara ao ler o artigo lembrou-se de seu passado e de uma - Você viu o noticiário ontem?
amiga... Continuou Jussara.
* * * - Disseram que a população de zumbis dos ermos do leste
tem aumentado significativamente. Também tem se falado de uma
O corpo de Reinaldo jazia frio sobre o chão do salão de
epidemia de zumbificação nas colônias intraterrenas...
comunicação. Seu sangue escorria lentamente para o ralo próximo da
- Nunca explicaram ao certo a origem dos zumbis... Às
porta de entrada de onde sua namorada o avistou pela ultima vez.
vezes me pego pensando a respeito. Já sonhei com isso algumas
A notícia da morte de Reinaldo chegou rápido na casa dela.
vezes...
Apenas alguns minutos após o tiro alvejar Reinaldo a notícia do
Comentou Maya.
assassinato a sangue frio por motivos banais ecoou na casa da bela
- Que virava zumbi?
jovem morena. Ela, por curiosidade correu para o salão para ver o
Sorriu Jussara.
que de fato ocorria.
Uma forte sensação se abateu sobre Maya nesse momento.
Da porta de entrada ela observou impassiva o corpo esfriar,
Sentiu como que se o seu estomago se apertasse, como se todas as
enquanto a polícia não chegava para recolher o corpo o sangue de
suas entranhas se comprimissem. Sentiu que sua respiração havia se
Maya fugia-lhe das faces, fugia-lhe o sangue das veias e o calor dos
alterado levemente.
braços.
- Não!
* * *
Respondeu, após alguns segundos, quando conseguiu tomar
Maya fechou a tela holográfica onde lia mais um romance fôlego novamente.
de zumbis que ela tanto amava. Jussara, sua amiga há anos, com um - Sonhei que era perseguida por uma orda... Foi somente
leve sorriso irônico nos lábios observava a cena. isso... Só isso mesmo...
- Ainda vai se tornar um destes zumbis que tanto adora. Respondeu quase que imediatamente já se recompondo do
desconforto.
* * *
Ela era jovem, com longos cabelos negros, olhos Uma vez pensou que isto era uma forma de “colocar para
amendoados e pele num tom bronze muito raro, tinha um corpo fora seus próprios demônios”. Pela literatura também aprendeu a
esguio, mas que exibia algumas curvas que lhe garantia a amar o mar. Um mar que há muito não existia mais. Tinha saudades
sensualidade feminina de uma forma muito elegante. Aprendeu cedo do mar que não conheceu. Do amor que nunca possuiu e lhe foi
a usar esses atributos ao seu favor. Maya não estava acostumada com arrancado abruptamente. Tinha saudades da esperança que foi lhe
fortes emoções. Quando chegou a adolescência percebeu que podia roubada antes mesmo de ser possuída.
ter a maioria das coisas que desejava. Era o poder de sua beleza Maya quase nunca saia de seu universo particular desde
sobre os demais que lhe proporcionava isso. Por isso, sua vida não então. Apesar de ter se tornado muito popular na escola e no
apresentou muitos percalços. O que desejava, via de regra, trabalho, por causa da beleza natural e do charme tímido que atraia
conseguia. Sem muito esforço. muitas pessoas a ela, Maya aprendeu a se manter solitária, na
Apesar disso convivia com uma grande frustração companhia de seus pensamentos apenas.
proveniente de seu passado. Ela era oriunda de uma família Um dia, no entanto, encontrou alguém especial. Como as
afetivamente ausente. Quando criança sonhava em brincar com os moças românticas sempre encontram ou parecem encontrar. Com
pais e irmãos e expressar seus sentimentos por eles com muitos seu primeiro namorado, Maya, entregou-se e percebeu uma
abraços e beijos, nunca soube ao certo de onde herdara esta veia mudança. A ele se entregou completamente.
romântica. Ela nunca teve oportunidade de cumprir este profundo Formulou sonhos de realizar aquela afetividade que
desejo. historicamente lhe fora negada. Mas, Reinaldo também
Seus pais se separaram quando ela era criança. Seu irmão se emocionalmente distante jamais correspondeu a qualquer sonho
tornou agressivo por isso, se viciou em soma, e tornou-se membro de romântico de Maya.
uma tribo urbana. Foi a forma dele se furtar a realidade de abandono Ambos passaram a se satisfazer eroticamente. Maya sentia-
e a cultura de solidão a qual foi submetido. se segura nos braços de Reinaldo. Apesar de que a forma de sua
Para se proteger destes desgostos preparados pela vida relação a deixava muito insegura. As caricias que ele fazia
Maya foi por outro caminho. Ela se fechou em seu mundo interno. satisfaziam seu corpo e alimentavam as fantasias românticas que
Refugiou-se na literatura de terror, que aprendeu a gostar. Maya acalentava em seu mundo interior.
Reinaldo também obtinha satisfação orgástica que sempre Com o tempo todos deixaram de se importar com isso
procurava em seus relacionamentos. Além do mais, possuir Maya também. “É o jeito dela”. Comentavam todos ao redor da bela Maya.
como namorada cumpria, para ele, a função social de afirmação de - Você ainda sofre pelo Reinaldo?
sua virilidade. Perguntou, certa vez Jussara à Maya.
Assim, o casal de adolescentes construiu uma “relação - Claro que sim. Foi um grande amor. Ele me fazia feliz...
perfeita”. Eles se tocavam, porém não se sentiam. Conversavam por Respondeu mecanicamente Maya.
horas a fio como se, se falassem por apenas alguns segundos, - É que você nunca fala sobre o que ocorreu...
sorriam, brigavam e até choravam com palavras impensadas ditas Ponderou Jussara, tentando provocar mais uma emoção que
planejadamente para magoarem-se um ao outro. Mas, jamais algum comentário.
ouviram o que cada um realmente disse em suas conversas e - É que falar me faz sofrer. Preciso seguir adiante para ser
discussões. A funcionalidade da relação era perfeita. Aprenderam a feliz. Tenho certeza de que era isso que ele ia querer.
desejar esta funcionalidade, deixaram que este modelo de interação Justificou Maya encerrando o assunto.
se sedimentasse em suas mentes. Dessa forma, jamais iriam se ferir A vida continuou, como continua para todos nós. Continua
emocionalmente naquela ou em outra relação. por meio de acontecimentos não premeditados e por motivações não
Publicamente o casal parecia intimo. Intimamente cada um ponderadas ou ações sem planejamento prévio. Depois de Reinaldo,
sentia-se solitário. Maya seguiu buscando relacionamentos que replicassem sua
Por esse motivo, os parentes e pessoas próximas a Maya experiência inicial. Relacionamentos funcionais e pragmáticos. Que
acharam estranha a reação de Maya à morte de Reinaldo. O estopor permitissem a ela a felicidade que desejava, que experimentara com
inicial que anestesia e deixa sem reação logo que o assassinato Reinaldo e que ao mesmo tempo suprisse o déficit de afetividade que
aconteceu era o comportamento esperado por todos. Isso ocorreu. vivenciava em casa.
Mas a estranha naturalidade de Maya que se seguiu logo após o Dentro dessa lógica de relacionamentos estabelecidos por
velório foi no mínimo estranhado por todos. Maya e cristalizada no correr do tempo em seus relacionamentos
Maya retornou às atividades cotidianas rapidamente após a conseguiu estabelecer uma rotina, uma previsibilidade e assim tudo o
morte de Reinaldo. Um luto curto e pouco aparente que causou que desejava obtinha...
desconforto na família do falecido. Mas, Maya não via sentido em
guardar luto por um passado ancorado a um sentimento que já se
esvanecera. Não mais falou sobre o assunto com ninguém.
Sua vida se tornou um ciclo de busca por satisfação - Não. Meu interesse por zumbis e pelo sobrenatural é
hedônica autoperpetuada. Mas, nisto ela também se sentiu realizada. meramente literário. Não me interesso por estes acontecimentos... A
Pois, ao enxergar a autoimagem formada a partir das relações que não ser que me afete... Como o Dean me afetou... Lembra?
estabelecia também observava o quão normal isto se tornara para a Sorriu Maya para amiga que gargalhou de volta em
sua sociedade. reciprocidade a brincadeira.
Em 3.075 a.h7. a filosofia da felicidade havia se propagado - Mas, ele disse que os zumbis são uma consequência
por toda a sociedade das colônias intraterrenas. Os centros de biológica de uma acomodação extrema à cultura utilitária. Quer
contemplação e os pontos de eugenia social propagavam essa dizer, pessoas que aprenderam a comportar-se em bando não
filosofia por meio de suas pregações. Também davam segurança aos desenvolvendo a individualidade acabam se tornando zumbis...
indivíduos às constantes ameaças dos zumbis, vampiros e andróides Lembra alguém, amiga?
que viviam nas terras ermas da superfície ao redor das colônias Provocou Jussara que sorria muito. Maya a acompanhou e
intraterrenas e que insistentemente teimavam em surgir no âmago da também sorriu.
sociedade intraterrena. - Coitada! Se tem algo que não podem dizer que eu não sou
Seguiu sua vida para realizar seus desejos, para ser feliz. é individualista. Só faço o que eu quero e o que eu gosto.
“Nada mais natural. É o que todo mundo faz”. Pensava Maira. E Retrucou Maya com olhar genioso e um sorriso jocoso nos
assim, ela seguiu sua vida. lábios.
* * * - E também acho que os zumbis são pessoas que perderam
sua capacidade crítica sim, nisso eu concordo com esse doutor aí que
Maya não entendia porque um breve flashback de sua vida
você citou. Mas, acho que não é por causa de uma forma de
passou por sua memória quando Jussara falou sobre os zumbis.
integração cultural.
Aquele mal estar que sentira inicialmente retornou, Maya sentia-se
- Mas, isso sim, porque esses indivíduos sofreram algum
incomodada.
probleminha biológico que os levou a degeneração celular. Isso deve
- O doutor em psicoepistemologia socioantropológica
gerar um comportamento de orda próprio dos zumbis...
formulou uma teoria para o surgimento dos zumbis. Você já leu?
- Amiga, estou me sentindo mal. Vou sair pra pegar um
Jussara continuou a conversa sem notar a indisposição da
remédio...
amiga se agravando.

7 a.h. Antes do hecatombe.


Maya saiu de sua célula de atendimento, onde trabalhava há
DIÁRIO DE VATICÍNIOS.
alguns anos. Ao cruzar o pátio interno da empresa de
holocomunicação observou o filete de refresco de beterraba artificial
A vida só se compreende mediante
que escorria para o ralo. Um colega de trabalho deixou o copo de um retorno ao passado, mas só se
refresco cair poucos momentos antes. vive para diante.
Soren Kierkegaard
O liquido escorrendo pelo ralo lembrou-a novamente do
sangue de Reinaldo escorrendo pelo ralo naquele dia fatídico. Estava sentado e lia um diário com confissões que não eram
O mal estar se intensificou. Sentia que uma grande pressão suas. Não mais.
interna se avolumava nela. Era como se todo o déficit afetivo que Lia uma passagem que narrava sobre o momento em que
experimentara o longo de seus vinte anos pressionasse seu interior. chegara ao banco de praça, onde agora estava, e encontrara o diário,
O interior do seu corpo com a finalidade de sair, ao mesmo tempo, um velho diário que muito se assemelhava ao caderno que pretendia
sentia que precisava consumir algo. Qualquer coisa. Qualquer coisa comprar numa papelaria perto de sua casa quando, mais tarde,
que fosse para lhe suprimir essa sensação. quando se encaminhasse para o repouso, o diário que agora lia
Depois desse dia Jussara não mais reencontrou Maya. narrava tudo o que acontecera até que ele o lê-se.
Apenas numa outra ocasião a viu. Foi quando o vagão que retirava Um diário de vaticínios. Foi à conclusão que chegou após
Jussara e os outros remanescentes da segunda colônia intraterrena ler as poucas páginas que antecediam a passagem que lera
para a zona de refugio levou Jussara e os demais. Jussara avistou o inicialmente. Nestas o autor escreveu num estilo intimista e de forma
corpo deteriorado de Maya junto com a orda que havia sido abatida não muito objetiva alguns acontecimentos que levaram o leitor a
pelos caçadores no dia anterior. identificar-se com o redator de uma forma tal que só poderia haver
Jussara concluiu que a hipótese do doutor Rasmussem duas explicações:
estava certa. Ele acertara ao dizer como se dava o processo de a) Aquele que escreveu o conhecia intimamente e
zumbificação e qual a natureza dos zumbis. Só não nos avisou que agora queria pregar-lhe algum tipo de brincadeira
os zumbis podiam ser humanos. Como Maya que tinha se tornado de mal-gosto e controlar-lhe o comportamento a
uma zumbi antes de morrer... fim de provar alguma premissa;
b) O autor do diário era ele mesmo e por isso Não somente o nome e os dados pessoais, que eram os
deixara o diário ali sobre o banco da Place de la mesmos que os do leitor, com exceção do endereço que havia sido
Concorde de fronte a Chámps Élisée Avenue riscado e sobre ele anotado um novo que o leitor não conhecia. Ou
onde costumava sentar-se para meditar. os desenhos rascunhados nos cantos das páginas. Mas, sobretudo, a
Lembranças de um futuro que não acontecera, mas que era narração de fatos muito íntimos do passado do leitor, fatos que o
exposto como passado, juntamente com memórias de um passado marcaram profundamente e que ninguém, da sua convivência,
que ninguém mais conhecia, mas narradas como se fossem públicas. naquele momento histórico, tinha conhecimento.
Tudo estava ali, naquelas palavras, nas palavras tudo está. Como, por exemplo, quando, no passado, a namorada o
A letra evidentemente era a dele, era levemente inclinada preteriu e ao fazê-lo declarou que ele “não a satisfazia como
para a direita, os “t”s e os “v”s eram escritos isolados do restante das mulher”. Ou o fato de que em seu presente ele tinha que conviver
palavras, uma peculiaridade da forma de escrever que o leitor trazia com outra frustração afetiva presenciando aquela que ele ama
desde a adolescência. namorando com outro em sua frente e manter-se calado ante tal
O diário de capa azul, gasta pelo uso e com o amarelo das situação.
páginas marcadas pelo tempo trazia um fecho de metal que imitava Fatos que endureceram o seu coração, que o vergaram
uma cabeça de cavalo, isto o distinguia como um dos raros diários levemente e o tornaram tão isolado quanto os “t”s e os “v”s que ele
produzidos pela Dark Horse. Ele mesmo trabalhava na Dark Horse utilizava em sua grafia.
e só haviam quinhentos exemplares lançados a não mais que quinze As pistas eram tantas e tão convincentes que levaram o
dias em virtude da comemoração dos sete anos da primeira leitor, inexoravelmente, à conclusão de que ele mesmo era o autor de
publicação em quadrinhos da obra de James: Sense of Past, feita por tais escritos.
aquela editora. Sobre os eventos narrados que remetiam ao passado ele não
Como aquele diário poderia parecer tão gasto e velho? E via problemas, mas incomodava-lhe não lembrar-se de ter escrito
como alguém deixaria algo tão caro abandonado em um banco da sobre os mesmos. Incomodava mais ainda ver sua letra grafada em
Place de la Concorde? um alfarrábio que nunca lhe pertencera.
Mas tais preocupações não lhe ocupavam tanto a mente
quanto a preocupação gerada pela constatação que o autor cuidara
de espalhar pistas de sua identidade em todo o conteúdo do diário.
Ao ler confrontava-se com um estado de coisas que iam Abriu novamente e leu na anti-capa do surrado diário que o
além do que estava expresso no texto e, de certo modo, do que o autor astutamente havia anotado, como que antevendo estes
autor estava em condições de expressar como suas intenções pensamentos e reações:
específicas. Como sujeito da interpretação, o leitor, se inseria “Sua decisão já foi tomada”.
“naturalmente” no texto a partir de um caminho que buscava superar Ante esta afirmação formava-se em sua mente o
o fosso que o separava do texto acessando um campo de jogo por ele questionamento sobre a possibilidade de escolhas livres, caso o autor
mesmo construído. Ao fazê-lo foi conduzido a uma interpretação que tenha previsto o que pensara e a forma como reagiria. Sobre isto
teve que admitir como insuperável. também havia uma anotação sucinta e enigmática:
Escreveu o diário no futuro com a finalidade única de trazê- “Estamos aqui para fazer o que estamos aqui para fazer, e
lo ao passado para explicar as consequências das decisões que é assim que o que deve ser feito deve ser feito”.
tomaria em breve. Ao pensar nisto o leitor fechou o diário que Agora o leitor encontrava-se ante o dilema: deveria decidir
olhava, apesar de já não percebê-lo, absorto que estava nas se daria crédito aos “seus” escritos ou não. E da sua decisão o futuro
elucubrações que o tomavam avalassadoramente e lembrou-se das se constituiria. Pensou em tudo o que lera até aquele momento e nas
dificuldades que vinha passando e nas ponderações que estas últimas palavras da anti-capa do diário, já estava sentado naquele
motivavam. A pergunta em sua mente já não era sobre a banco de praça a mais de uma hora e agora deveria partir.
plausibilidade das viagens no tempo, ou sobre a (im)possibilidade de Levantou-se ainda com os pensamentos a ferros, em
mudar o futuro, mas sobre as consequências das decisões que devaneios e inquietações sobre a possibilidade insólita de uma
haveria de tomar no presente. teleologia que o unisse ao irrefreável destino do futuríco autor.
E se ao ler o diário as decisões que viria a tomar, a partir de Pensava sobre a enigmática expressão do final da anti-capa: “Sapere
tal leitura, confirmasse o tal futuro? E se o futuro não fosse horrível Aute”. Que em sua percepção ainda nublada pelas dúvidas
como supunha? (Este último e persistente pensamento sempre coadunava com a frase que o intrigara inicialmente quando sentou-se
afastava de sua mente argumentando que se não houvesse algo no banco.
obscuro nele, no futuro, não haveria motivos de voltar ao passado). Toscamente rascunhada na capa azul gasta, cujo cavalo de
O futuro nunca é o mesmo quando nele, a partir do presente/passado, metal mostrava ferrugens como marcas que tempo o tempo dava,
refletimos, concluiu. lia-se:
“SE NÃO ESTIVESSE ESCRITO VOCÊ O TERIA
NOTADO?” Sumário
Cuidadosamente retirou a rosa que trazia na lapela de sua
jaqueta e a depositou entre as páginas do diário deixando-os
O PARADOXO DE KIERKEGAARD. ...........................9
delicadamente sobre o banco. Respirou fundo e sem olhar para os
KARDIA ....................................................................18
lados partiu.
Depois de algum tempo passado sai do café donde observei DIÁLOGOS SOBRE A ETERNIDADE. .......................24

toda a ação e dirigi-me ao banco da praça. Sem pressa acomodei-me. IKTSUARPOK............................................................34


Tomei o diário em minhas mãos e o abri na página que a rosa FORMULA DA PREGUIÇA........................................40
marcava. MULHERES DE ATENAS. .........................................51
Ali o leitor havia anotado, talvez em resposta à pergunta ZUMBIFICAÇÃO .......................................................60
alçada:
DIÁRIO DE VATICÍNIOS...........................................70
“A linguagem é a morada do ser”
Por alguns momentos observei os transeuntes a entrar e a
sair na campos Elíseos e depois voltei a escrever.
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