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PARA ALEM DOS TRIBUNAlS
vk tsk 6yh AS1'o. cu.. ADVOGADOS E ESCRAVOS NO MOVIMENTO ABOUCIONISTA EM SAO PAULO*

k' coc,f4. Cp\ii. & d (iWiC,p Elciene Azevedo


tMIVI. ô'i /tè &M'i HiI'ov occ4 c/
Nas 61timas duas décadas, alguns estudos sobre a escravidão no Brash
C4Jhw 2-006, tern apontado para a participacão de advogados e juizes simpáticos
causa da liberdade no processo de abolição. Ao atuarem em aç6es
civeis de liberdade impetradas pelos escravos contra seus senhores,
esses profissionais ajudaram a desestruturar a polltica de domInio
senhorial, minando as bases da ideologia que sustentava o cativeiro.
Se escravos buscavam alcançar na justica a efetivacão de seus direitos,
encontravam muitas vezes nos tribunais o respaldo de homens le-
trados dispostos a utilizar criativamente seu saber em favor do prin-
cipio da liberdade.'
Não é mero acaso, portanto, que urn dos rriais len-ibrados 11-
deres do movirnento abolicionista em São Paulo, Luiz Gonzaga
Pinto da Gama, encerre em sua trajetória de vida experincias
que são, em muitos aspectos, semeihantes as de outros tantos sujei-
tos históricos presentes nesses estudos. Esse abolicionista foi es-
cravo durante boa parte de sua vida e consegulu sua carta de liber-
dade acionando os dispositivos legais disponiveis, a exemplo do
que muitos outros escravos fizeram ao longo de todo o século XIX.
Por outro lado, Luiz Gama foi também advogado, ou meihor, urn

* Agradeco aos colegas do Seminário Direitos e Justiça, realizado na UNtCkMP


em maio de 2003, que discutiram a prirneira verso deste texto - especial-
mente Os comenthios de Silvia Hunold Lara, Joseli Mendonça e Eduardo
Spiller Pena. Este artigo C parte da pesquisa realizada para a tese de doutorado
0 direito dos escravos: lutas juridicas e abolicionismo na provincia de São
Paulo na segunda metade do sCculo XIX, defendida na UNICAMP em 2003.
Zoo I ELCIENE AZRVEDO
PAaA ALM DOS TIUBUNAIS
I 20i

rábula, que, mesmo sem ter tido a oportunidade defreqiientar os temporâneos. Em 1888, entretanto, os vérios projetos abolicio-
bancos acadêmicos, fez do direito sua principal arma de luta contra nistas elegeram personages-is bastante distintos para o pedestal de
a escravid9o.2 "verdadeiros heróis" da abolição. Urn dos embates mais expilcitos
A importancia de sua militncia na justiça, advogando causas de foi a expresso no jornal A Liberdade, editado par Antonio Bento,
libes-dade, pode ser atestada pela importncia que ela tern como licler dos caifases:
definidora de uma determinada periodizaço do movimento abo-
licionista paulista. Sua morte, em 1882, foi frequentemente tomada Enquanto o abolicionismo limitou-se a reconhecer a lei, reque-
como marco de uma profunda transformaço ocorrida na luta abo- rendo a arbitramento dos libertandos; enquanto Luiz Gama e
licionista: a partir dela,o movimento teria deixadoo torn moderado Am&ico de Campos trabaiharam no recinto das Lojas Maçônicas,
daqueles que, como Gama, teriam sua luta definida. pelos limites a escravagismo respondeu-lhes corn a lei, dizendo-Ihes que
do arsenal juridico que utilizavam, para buscar alternativas menos defendiam uma propriedade Iegitixnarnente adquirida.
brandas de intervenço. Assim, a historiografia do processo da abo- Eles, bern coma Ferreira de Menezes e Jose do Patrocinio assirn
Iicão tern ressaltado, de forma quase unnime, a agncia de advoga_ pareclam acreditar, porque, em vez de recori-erem aos meios deci-
sivos de que lançou mao Antonio Bento, contentavam-se em pro-
dos como Luiz Gama, mas esses profissionais tm sidovistos muitas
mover quermesses e passeatas, corn o fim de estirnular a senti-
vézes sob o prisma da moderaçao, avaliando-se que suas lutas no
mento nacional.4
le'vavan-i a urn questionamento efetivo das bases legais sobre as quais
se sustentava a regime escravista, configurando urn tipo de "mill-
Luiz Gama aparecia então, nesse jornal, coma urn dos repre-
tncia bem-comportada".3
sentantes de urn abolicionismo essencialrnente legalista, ao qual
Na historiografla sabre Säo Paulo, essa oposiço entre as ge-.
faziarn questao de se opor os que se achavam vitoriosos em 1888.
raçöes de 1870 e 1880 aparece de forma bastante marcante, infor-
o torn pejorativo conferido a sua atuaço, entendida par esses
mada por uma certa memória paulista sobre o movimento. Refor- hornens coma legitimadora da propriedade escrava, ressaltava Va-
çando uma verso que se sobrep6s a outras e transformando-a em
lorativamente a praticidade e a eficiéncia dos meios ilegais ernpre-
interpretação histórica, o conflituoso processo de construço dessa
gados par Antnio Bento e o grupo dos corajosos caifases - que,
memória acaba ficando oculto. Ao investigar a transformaçao da
entrando nas fazendas, promoviarn a fuga em massa dos cativos.
figura de Luiz Gama em legenda do abolicionismo em So Paulo,
Urn outro jornal chegou mesmo a afirmar que a propaganda abo-
pode-se perceber coma essa construço começou a ser forjada no
licionista em So Paulo se teria iniciado a partir de Ant6nio Bento,
calor de sen engajamento politico pela aboliço imediata da escra-
"porque so ento apareceram os resultados préticos". Foi quando
vido. Por intermédjo de seus versos, artigos nos jornais e, prin-
Os caifases, "que nâo eram graduados em direito, arrogaram-se
cipalmente, de sua carta autobiográfica, contribuiu para a criaço
outro 'direito', nao de entrar nos tribunals e lançar nas conchas
de uma determinada imagem de si próprio, que, no ëntanto, seria
da balança da justiça os trinta dinheiros, [ ... ] mas o 'direito' de
apropriada mais tarde corn significados bastante diversos. Essa me-
escalar os quadrados", libertando os escravos.5
mória se foi consolidando após sua morte, fazendo dele, naquele
Através das foihas do jamal A Redenço e A Liberdade, Or-
momesto, urn dos simbolos principals da luta abolicionista - em
gos dos caifases, AntOnio Bento e seu grupo encarregaram-se de
urn movimento conflituoso, que pode ser acompanhado nas péginas
estabelecer marcos para a histOria do abolicionismo paulista -
dos jornais paulistanos, nas quais aparecem as mais diversas.e dIs-
definindo duas etapas distintas, 'as quais esse grupo atribuiu signi-
pares interpretaçoes sobre sua atuaço, elaboradas por seus con-
ficados e valores prOprios, que atendian-i as suas intençöes em 1888.
202 1 ELcirNE AZEVEDO PARA ALIM oos TI'tBUNAIS 1 20 3

Em parte informada por essa memória, estabeleceu-se assim urn 0 fato de os escravos efetivamente buscarem, nesses bacha
consenso geral sobre o tema: So Paulo teria sido, na década de AM reis e rabulas, o apoio de que precisavam em suas lutas pela liber
1870, a palco do surgimento de atuaçöes em favor da 1ibertaço dade indica, poi tanto, outras possibthdades de leitura do papel
de escravos estritamente legalistas de torn moderado, restritas que esses profissionais desempenharam Sem divida, a presenca e
aos debates legislativos imigrantistas e atuaço forense de Luiz as pressöes dos escravos nos tribunais so fundamentais para se
Gama; so depois da morte de Gama, em 1882, se teria iniciado entender a processo da constituiço do movimento abohcionista
urn movirnento abolicionista radical, de forte adeso popular, situ- em So Paulo No entanto, seria impassivel contar essa historia
bolizado pela figura de Antonio Bento e seus caifases, que, deses- sem atentar para a atuacão das pessoas que, nos tribunais, se asso-
tabilizando a propriedade escrava e desrespeitando sua legalidade, ciaram a eles na busca pela alforria. A trajetOria de Luiz Gama e
se havia dirigido diretamente aos cativos.' de alguns outros advogados de seu grupo pode ser urn meio de
Carregada de significacoes, tal marcaço temporal acaba, entender de forma mais densa essa relaco, possibilitando, assim,
porém, por atribuir valores externos aos acontecimentos que Ca- chegar aos significados que as coritemporârieos atribuiram asuas
racterizariam esses dais momeritos, como se o que viesse depois atuaçöes dentro dos tribunais, bern como a que elas podem ter
fosse mais importante, ou meihor, mais legitimamente popular representado fora deles. 0 objetivo deste artigo sera, assim, a de
ou espontaneamente revolucionário do que o que aconteceu antes. perseguir esses "militantes" e suas experincias - através de uma
Em iihima inst&ncia, pode-se dizer que essa oposiçäo opera corn o analise que enfoque primordlalmente suas açöes, em dialogo corn
antagonismo entre despolitizaço e politizaçâo, definindo o que é a prOpria experiência e a expectativa dos escravos em re!aço s
ou não polItico a partir de idéias que so exteriores ao periodo aria- instituiçöes e autoridades piblicas nesses anos.
lisado. Tais pressupostos acabam excluindo a possibilidade de per-
ceber como politicas as diversas formas de engajamento e envol-
vimento, tanto de escravos como de advogados e autoridades pi- A politico do lei
blicas, ma atuaço organizada em favor da liberdade, ainda nas
décadas antei-iores a de 1880. No final da década de 1860, Luiz Gama era um funcionario p-dbli-
E claro que tal oposiço também carrega em si uma inter-. co na delegacia de policia da capital de So Paulo.
pretaço a respeito da participaço dos escravos. Na fase definida Escravizado aos 8 anos de idade, havia sido libertado par volta de
como "legalista", os cativos estariam excluIdos da aço aboli- 1848, quando, a exemplo de muitos outros cativos, procurou as
cionista, por incapazes de uma atuacão na arena judicial. Lidera- autoridades piblicas reclamando sua liberdade. Assim, tornou-se
dos por AntOnio Bento, num segundo momento, teriam partici- urn homem livre apOs provar judicialmente, em circunstancias ate
pado mais ativamente das lutas em prol da abo1ico. Alguns estudos, hoje pouco conhecidas, ter sido mantido em cativeiro ilegal.8 Vinte
no entanto, coma mencionado anteriormente, tm apontado o anos depois, como amigo intimo e amanuense do conseiheiro
quanto as lutas juridicas pela liberdade contarain corn a participa- Furtado de Mendonça, delegado de policia, exercia uma gama varia-
ção direta dos escravos. Sidney Chaihoub, por exemplo, mostrou da de tarefas. Aparecendo nos processas policiais desde fins da dé-
como ovolurne de açöes de liberdade iniciadas ao longo da déca- cada de 1840, seu name figura aqui e all, primeiro coma copista do
da de 1860, pelos escravos da Corte, e os debates jurIdicos que escriväo da delegacia, mais tarde coma testemmiha de apreensöes,
elas provocaram estiveram diretamente relaciOnados a aspectos autos de corpo de delito au mandados de busca, ou ainda, corn bas-
importantes do texto final da lei de 28 de setembro de 1871. tante freqüência, coma escrivão nos inquéritos da policia.9
BNE AZEVEDO
PARA ALuM DOS TFLIDUKAIS j

Em Janeiro de 1868, quando curnpria suas obrigacoes na dele- cedimentos de direito. Deu-se entgo inicio as irivestigac6es sobre
gacia, por Ia apareceuVitorAugusto Monteiro Salgado, apresentando a legalidade ou no da condico escrava em que se encontrava José.
trs escravos e urna procuraço. 0 proprietário, residente em Mogi No vaivém das comunicac6es, oficios -e petic6es que corn-
das Cruzes, havia confiado a ele plenos poderes para negociar seus poem esse processo, salta aos olhos o fato de muitos dos despa-
cativos, ou mesmo passar-Ihes carta de Liberdade, desde que houvesse chos serem assinados pelo secretario Louzada, seguidos da assi-
quem por eles pagasse o preço exigido. Salgado pretendia vender natura do chefe de policia Tito Mattos, mas corn uma caligrafia
os escravosna Corte e, para tanto, foi ate a delegacia requerer pas- que mostra terem sido, na verdade, escritos de prOprio punho por
saporte para que pudesse conduzi-los ao Rio de Janeiro sem pro- Luiz Gama - sugerindo o livre acesso e certa cumplicidade do
blemas. Ao invés disso, entretanto, o que obteve do fimcionário dessa amanuense corn pessoas do alto escalão da policia. 11. Louzada fazia
repartiço foi resposta bern diversa. No lugar do passaporte, recebeu parte de urn outro grupo do qual participava Luiz Gama: era ma-
o aviso de que urn dos escravos que conduzia seria apresentado ao corn. E a maçoñaria, como veremos adiante, começava, por esses
chefe de policia: anos, a aderir publicamente a causa da emancipação. Nesse .caso,
tal proximidade provavelmente facilitou o rápido andamento dos
Apresento a v.s, a Preto Jose, escravo do tenente-coronel Antonio ti4mites para a instauraco de urn processo cujas bases legais, como
Mendes da Costa, africano, de 22 a 25 anos de idade, seguramente também veremos, não eram assim tao simples como queria fazer
importado depois da proibiço legal do tráfico, o qual apreendi,
como livre, a fun de v.s. o leve a presença do "mo. Sr. dr. chefe de crer 0 amanuense.
poilcia. De qualquer forma, a denitncia foi acatada pelo chefe de po-
licia interino e o delegado Furtado deu inicio ao inquérito inter-
Chamo a atençao de v.s. para a procuraçao inclusa, do pr6prio pu-
nho daquele tenente-coronel, na qual é assinada a idade de 28 anos rogando José. Convencido de que havia indicios de que ele poderia
ao dito Preto. estar em cativeirb ilegal, essa autoridade expediu uma sOrie de
0 amanuense da policia Luiz Gonzaga Pinto da Garna)° mandados nomeando peritos para avaliar sua idade e identificar
sua "naç5o"; mandou depositar o suposto escravo e citar o senhor
0 raciôcfnio do amanuense foi simples e baseava-se em uma para que este apresentasse provas que legitimassem sua proprie-
conta aritmetica. Se Jose' tinha 28 anos, como declarava seu se- dade. Embora o processo, por estar incompleto, nao permita saber
nhor na procuraço apresentada por Salgado, havia nascido em 1840 se José conseguiu ou no provar ser ilegalniente escravizado, dc
e, se era africano, como ele mesmo podia-ye; so poderia ter en- revela urn pequeno fragmento do cotidiano da delegacia na capi -
trado no Brasil depois da lei de proibiço do trfico negreiro, tal, indicando a possibilidade de que funcionários como Luiz Gama
promulgada em 7 de novembro de 1831. Assim, encaminhou Jose' estivessern agindo politicamente no exercicio rotineiro de suas
a outro funcionario piib1ico, o secretário de policia Antonio Lou- funçOes. -
zada Antunes, que, no mesmodia, inforrnou a apreenso do es- Assim como esse, vérios outros processos semeihantes podem
cravo ao chefe de policia interino, Tito Augusto Pereira de Mattos. ser encontrados em fins da década de 1860 --- quando Luiz Gama
Este, por sua vez, mandou que José fosse irnediatamente recoihido ainda não era o grande rabula das causas da liberdade, mas tim-
a Casa de Correçao e expediu urn offcio ao delegado Furtado de plesmente urn funcionario que, em funçao do cargo que exerciá,
Mendonça, comunicando que o africano Se achava a sua disposi- lidava diretamente corn os conflitos particulares entre senhores e
ço - "corno importado posteriormerite A promulgaçao da lei escravos que acabavam na delegacia, ainda que não tivesse para
proibitiva do tréfico" - para que fossem tomados todos os pro- isso nenhuma formaçao juridica)2 Em 19 de junho do mesrnoano,
206 1 ELCIENF AZEVEDO
PA1A AIM OOS T1UUUNAXS I 207

por exemplo, encaminhou ao juiz municipal uma dent'incia afir- liberdade processos sunthios - e teve dimensöes significativas
mando que a liberta Geralda de Oliveira, que vivia havia dois anos para a análise da participaco escrava no processo da abo1iço.'
no gozo de sua liberdade, havia sido, na noite anterior, "agarrada Em outubro de 1869, Luiz Gama enviou uma petico ao juiz
extra-judicialmente pelo dr. Francisco de Paula Ferreira Rezende". municipal suplente da capital, Ant,nio Pinto do Rego Freitas,
Conduzida a força como se escrava fosse, se nenhuma provic1ncia contando a hist6ria do africano Jacinto, "Congo de nação", que se
fosse tomada pelas autoridades competentes, alertava Luiz Gama dizia importado no Rio de Janeiro em 1848 e levado para Jaguari,
ao delegado, naquele mesmo dia ela seria obrigada a seguir de Minas Gerais por Antonio da Cunha. Tendo este falecido em 1849,
ti-em para fora da provincia. Fornecia at6 mesmo detaihes de sua Jacinto, que ainda era "visivelmente boçal", foi arrematado em
localização: "acha-se em urn rancho, no bairro das Palineiras, nas praca por Antonio Gonçalves Pereira.'6 Em poder de Pereira, Ca-
imedliaçöes do Arouche [...1". A julgar pela urgência da situaço, é sou-se corn sua escrava de nome Ana, de nação Cabinda, importa-.
possivel imaginar que alguérn muito próximo de Geralda tenha corn- da para o Brasil em 1850 e comprada em Jaguari no mesmo ano.
do ate a delegacia para pedir ajuda logo depois do acontecido. Pa- Como prova da ilegalidade da condição escrava do casal, Luiz- Gama
miliarizado corn os procedirnentos legais, o papel do amanuense, mencionava o fato de ambos terem sido batizados em Jaguari "pelo
nesse caso, foi o de viabiizar o cumprimento de urn direito de Ge- fmnado padre Joaquim Jose' de Melo" e, apesar de poderem contar
ralda, fazendo a deiióncia e requerendo, logo em seguida, que fosse corn o testemunho de seus padrinhos, nada constava nos livros de
concedido mandado de manutenção de liberdade, "nos termos de assentamento, "segurarnente para evitar-se conhecimento da fraude
direito, a fim de que, em tempo oportuno, e na forma da lei", ela [a] que procedeu o referido padre, batizando[-os] como escravos
pudesse provar em juizo sua completa liberdade. 13 africanos livres".17
Por essas e outias, pelo menos desde o inIcio da década de Gonçalves Pereira, sabendo que "a propriedade que tinha
1860, Luiz Gama era frequentemente "aconseihado" por seus supe- sobre tais indivIduos era ilegal, e corria riscos de perdê-la", le-
riores a deixar de se envolver em quest6es dessa natureza, atitude you-os para a cidade de Amparo, provincia de So Paulo, e os yen-
considerada inapropriada para urn empregado da policia, sob pena deu a lncio Preto. Em meio a uma lista enorme de nomes de
de ser exonerado do cargo que exercia. 0 próprio Furtado de testernunhas que poderiam atestar a importacão "ilegal e crimi-
Mendonça, delegado de policia da capital, chegou a declarar que, nosa" de Jacinto e Ana, Luiz Gama terminava a petico requerendo
"como amigo" do amanuense, o aconseihara nesse sentido "des- o que considerava ser de direito desses africanos:
de 1864". 14 Tais ameaças, por fim, se concretizaram em novem-
bro de 1869, em urn episódio de grande repercussão piiblica, Em vista do que exposto fica vem o abaixo assinado requerer
v.s. que se digne mandar por incontinente em depósito o africano
largamente comentado pela imprensa paulistana, que teve como
Jacinto; requisitar, corn urgência, a apresentacäo e remessa da
estopim urn caso parecido corn o do africano José. Por seu teor,
inuiher do mesmo, de norne Ana, do Amparo para esta cidale,
altamente polemico, o fato é especialmente revelador do surgi- para ser igualmente depositada; e, por precatória, mandar ouvir
mento, na capital, de uma das provincias rnais escravistas do Im- as testemunhas indicadas; e afinal declarando livres os ditos afri-
pério, de urn forte engajamento politico que, apoiando as reivin- canos - nos termos da lei de 7 de novembro de 183!, regula-
dicaços escravas na justiça, tentava. usar a lei como aliada na luta mento de 12 de abril de 1832, e mais disposiçöes em vigor -
pela aboIiço. 0 que argumento aqui é que esse movirnento surgiu oficiar ao juIzo municipal dè Jaguari para que reconheca e niante-
antes mesmo da promu1gaco. da lei de 28 de setembro de 1871 - nha em liberdade, pelos meios judiciais, os filhos dos mencionados
que, ao legalizar o pedtlio e a alforria forçada, tornou as açes de africanos, de nomes - Joana, Catarina, Incia, Benedita, Agosti-
208 I ELCIENE Azvoo
7
P,RA AM DOS TaLBUNAIS I 209

nho, Rita, Joäo, Sabino, Eva e Sebastio, e os seus netos, Mariana


e Marcelino. calidade da apropriacão que Luiz Gama fazia, naquele momento,
de uma lei que produzira poucos resultados desde que fora pro.
0 abaixo-assinado jura a boa-fe corn que d a presente deni'incia e
compromete-se a acompanhar o seu andamento em juizo, pres. mulgada. Ainda que muitos se esforçassem por fazer dela letra
tando os esciarecimentos que forern necessários". 18 morta, ele - ao contrário -, via nela "materia clara e positiva",
tentando corn isso forcar a justiça a decidir por sua aplicacão. 0
A resposta do juiz Rego Freitas foi to simples quanto Luiz juiz, talvez subestimando o cabedal juridico do amanuense, ou
Gama fez parecer ser, A primeira vista, o direito liberdade de ainda prudente devido a complexidade da questão, tentava ganhar
Jacinto, sua muiher, seus dez fjlhos e dois netos, baseado em uma tempo, como que a esperar que o vulcão que ameaçaVa 0 seujuizo
lei que, mesmo logo após ter sido proznulgada, gerou in4meros desistisse de entrar em erupcäo. Mas tal atitude nSo fazia o estilo
debates sobre sua aplicaço e credibilidade.'9 Sem atender ao de Luiz Gama e dos que corn ele levavam adiante empreitadas como
pedido de depósito judicial de Jacinto e seus farniliares, lirni- estas. 0 conflito saiu então do cartório e tomou as péginas dos
tou-se a declarar laconicamente a incompetencia de seu juizo, jornais, ainda corn mais vigor. All, o requerirnento de Jacinto' foi
pois, sendo o senhor do escravo residente em Amparo, o caso tratado igualmente como matéria juridica muito óbvia, "toda fir-
no competia a sua jurisdiçao. Depois de pedir que o juiz recon- mada em lei", sem nenhuma "controvérsia".22
siderasse o seu despacho sem, no entanto, ser atenclido, Luiz Na arena judicial, Luiz Gama foi sumariamente impedlido de
Gama voltou pela terceira vez em juizo protestando contra. a levar adiante a pretenso de liberdade dos 14 cativos, pelo indefe-
"crassa ignorncia" do magistrado em matéria que, na sua opi- rimento do juiz municipal. Entretanto, nas páginas do jornal Ra-
nião, era "muito clara e positiva". Advertia, portanto, que tama- dical Paulistano, do qual era urn dos redatores, o caso veio a pñbli-
nho despropósito o obrigaria a tornar a sua presença tantas ye- co, e mais uma estratégia podia ser acionada: a de exercer pressão
zes quantas fossem necessárias para "coagi-lo a cumprir sincera- sobre a deciso da justica, por meio da divu1gaco detaihada do
mente o seu rigoroso dever". que acontecja dentro dos tribunais. Prética rotineira nesse periodo
entre esses profissionais, Os jornais eram -espacos privilegiados de
Convenca-.se v.s. de que o suplicante tern moralidade e coragem debates sobre questöes variadas do universo juridico. Discutiam-se
para manter esse juizo na condiço legal a que o ha de elevar, a em suas péginas desde interpretaçôes de jurisprudéncia e questio-
despeito do estiipido emperraniento corn que luta. E disto bern namento de sentenças ate esc.nda1os e denéncias de proceclimentos
seguro, pede a v.s. que Se digne reconsiderar o seu fétil despacho antiéticos por parte de juizes, delegados, advogados e promotores.
hoje proferido. No Radical Paulistano, Luiz Gama era responsével por. uma coluna
So Paulo, 5 de novembro de 1869.20 charnada "Foro da capital", espécie de crnica de bastidores dos tn-
bunais que, a despeito do norne, também tratava de litigios de outras
Foram exatamente essas palavras que levaram Gama a per- localidades da provncia. Por rneio desse velculo, péde dar continui-
der o emprego de amanuense da delegacia de policia, alérn de ser dade a contendajuridica iriiciada corn Rego Freitas, protestando contra
indiciado como réu em urn processo crime por injiria e call'lnia, sua decisão:
pelo "descomedimento descabido" e pelos qualificativos nada ii-
sonjeiros corn que se havia oposto ao despacho do magistrado. 21 A REQUEIRA AO juizo COMPETENTE? I
parte a viruléncia formal da petiço do rébula, cujo tom desafiava Consinta o impotente juiz, sem ofensa do seu amor próprio, que
os conhecimentos jurIdicos do juiz municipal, ressalte-se a radi- muito respeito, [ ... Jque eu the de' uma proveitosa liço de direito,
PARAL ALEM DOS TRIBUNAtS 21.1

210 1 ELCENE AzEvEDo

quecidos no foro da capital. Usando desse espaco, Gama no so


para que no continue a enxovalhar em piThlico o pergaminho de s
formava as leitores sobre as questöes debatidas no foro, procu-
bacharel [...]. Ln
onquistar a opinio deles em favor da sun causa, como tam-
Esta liçao está contida e escrita cam a major clareza na seguinte rando c
nstrurnefltahjzacao de mais uma lei que poderia
disposicäo da lei, queo meritissimo juiz parece ou ange ignorar bern esmiucava a i
"Em qualquer tempo cpte 0 Preto requerer A QUALQUER JWZ DE ser acionada por outros escravos africanos e seus advogados. De certa
PAZ, ou criminal, que vcio para o Brasil depois da extinço do forma, Criava, por meio do jornal, urna espécie de jurisprudência.
trMico, o juiz o interrogari sabre todas as circunstncias que pos- Ao longo de toda a polêmica gerada pela demissão de Luiz
sam esciarecer o fato, e OFICtALMENTE PROCEDERA TODAS AS DILF- ansformada em escndalo politico pelos jornais da ca-
Gama - tr
GENC(AS NECESSARIAS FARA CERTIFLCAR-SE D'ELE, obrigando o senhor pital — aos poucos se lam revelando as intençöes e motivacöes
a desfazerem as di'ividas que suscitarem a tal respeito. de Rego Freitas que haviam resultado no "Mtil" despacho. Como
) HAVENDO PRESUNcOES VEEMENTES DE SER 0 PRETO LLVRE, 0 MANDA- bern ironizoU Gama, dificil seria a
creditar que esse juiz ignorasse
LU DEPOSITAR e proceder nos mais termos da lei." argumentos de que as
as disposicöes da lei. Contudo, de todos as
Nestas disposicöes 6 que deverA o sr. dr. Rego Freitas estribar o escravos, ate ento, poderiam lançar mo para conseguir sua liber-
see despacho, como juiz Integra, e não em sofismas fiiteis, que dade na arena judiclária, este, sem sombra de diivida, era o mais.
bern revelam a intcnção de frustar o direito de um miserável afri- erdadeiro "vulcão", nas palavras do conseliheiro
cano, que não possul brasöes nem litulos honorificos para desper- explosiVO. Urn v
delegado de policia Furtado de Mendonca. Nesse periodo, a ma-
tar as simpatias e a veia juridica do eminente e amestrado juris- téria era pouco discutida nos foros e, ate então, eram bastante
consulto.23
incomuns açöes de liberdade que se apoiassem na lei de 1831.
Keila Grinberg, ao estudar as açöes de liberdade que foram
A disposicão da lei citada nessas provocadoras linhas dizia
julgadas na Corte de Apelaco no Rio de Janeiro durante todo o
respeito ao artigo 1011 do decreto de 12 de abril de 1832, que vi- século XIX, observou que esse argumento aparece pela primeira
sava regulamentar a lei de 7 de novembro de 1831 no aspecto
vez nessa inst.ncia superior em meados da década de 1860. Para
administrativo. 0 argumento de Luiz Gama buscava ressaltar que periodo que vai de 1865 a 1870, cIa localizoU apenas sete dessas
esse decreto tratava de urn princIpio geral e indubitavelmente
açöes, todas vindas do extremo sul do pals, mas apresentaflclo urn
pensado para favorecer todos os escravos que, introduzidos atra-
yes do tráfico ilegal em território brasileiro, requeressem seu di- argumefl.to bastante peculiar. Corn base nessa lei, os avogados
requeriam que fossem considerados livres alguns escravos que,
reito a liberdade em quaquer foro comum. A lei reconhecia essa conduzindo gado, haviam passado
competência, portanto, ao juiz municipal de So Paulo: a ele Ca- acompanhando seus senhores ou
para as terras do Urugual - pals que, desde 1840, abolira a escra-
bia assim consider-la, interrogando Jacinto e colocando-o em vidão. Ao voltarem ao territOriO brasileiro, arg entava-se que, do
depósito judicial. Dessa forma, Luiz Gama chamava publicamente como se tives-
ponto de vista juridico, deveriam ser considerados
Rego Freitas a assumir a responsabilidade de seu papel de magis- scm siclo reescravizados ilegalirnente, por meio do trafico.24
trado, que deveria ser imparcial, sem envolver-se em questöes A questO de Jacinto, no entanto, era bern diferente. Sua corn-
particulares ou poilticas, geradas por outros interesses que näo o plexidade estava no fato de que ele era urn dos milhares de africanos
de direito, expresso na letra da lei. Ao mesmo tempo, ao dar ao que, durante os 20 anoS que separaram essa lei do efetivo termino
dficöeñi 1 850, haviamsId0 trazidos i1cgaLmQn corno escra-
formado por leigos, mas também por profissionais da area, a inter- vos para o Brasil, sob as vistas grossas do governo. Estima-se que, -
pretacão que vinha fazendo daqueles dispositivos legais quase
212 1 EI.CXENE AZSVEDO PARA ALM DOS VRiBUNAIS I 253.

nesse periodo, cerca de 760 mil africanos tenham entrado no pats que casos semeihantes tenham ocorrido antes dessa data, em cir-
nessas condiçöes.25 Os que Foram efetivamente apreendidos na re-
cunstâncias parecidas. A história de José revela que Luiz Gama
pressão ao triIco acabaraip constituindo uina categoria diferenciada estava muito bern informado e, sobretudo, atento, no que dizia res-
na sociedade escravista. Emborao parágrafo primeiro da lei determi- peito as questöes juridicas que envolviam o tréfico ilegal de africa-
nasse que os africanos encontrados nos navios apreendidos deveriam nos - e, de certo modo, contava corn apoio de colegas da reparti-
ser imediatamente declarados livres, eles permaneceram sob a custó- ção. Beatriz Mamigonian levanta também a hipótese de que Gama,
dia do governo e passaram a ter seus serviços arrernatados por parti- por ser amanuense da Secretaria de Policia, em 1864, poderia ter
culares, ou alocados nas instituiçoes püblicas, peio periodo de 14 anos. trabaihado em questöes administrativas referentes ao cumprimento
Beati-iz Gallotti Mamigonian demonstrou que, apesar das do decreto que ernancipava os africanos livres - j& que cabia aos
cláusulas e condiçôes que pretendiam assegurar a .liberdade a es- chefes de policia das provincias registrar e entregar as cartas de
sea africanos, na prtica os arranjos de trabaiho a que foram sub- liberdade.28 A disposico desse funcionário em levar a justica casos
metidos privilegiavam o controle social e os interesses senhoriais, como os de José e Jacinto - que permaneciam em cativeiro por
em detrjmento do reconhecirnento de suas autonomjas. Muitas terem passado "desapercebidos" pela fiscalização, ou por terem
vezes,a locaço dos serviços desses trabaihadores, que não eram sido comercializados pelos senhores que Os receberam do gover-
escravos pela lei, tampouco livres na prtica, resultou em experin no - evidencia como a questo, que se pretendia dar por encerra-
cias de trabaiho compulsório inuito prciximas da escravidao; princi-. da através do decreto-lei de 1864, estava longe de ser resolvida.29
palmente quando se passou a permitir que sua distribuiço se desse Na verdade, o problema proveniente da obtenção de "pro-
tambrn para outras provincias do pals, no se limitando apenas priedade servil" por ineio do trifico ilegal era premente desde
ao municIpio neutro, onde a fiscalizaçao poderia ser mais efetiva. que a primeira tentativa de proibir o tráfico, em 1831, fora promul-
Em 1853, urn decreto ordenou que africanos livres que j6 tivessem gada, e continuou a abalar os nervos dos proprietérios de escravos
cumprido os 14 anos de trabaiho fossem ernancipados. Mas a me- ate a promulgaço da lei de 1850. No havia consenso a respeito
dida valia unicamente para os que assim o requeressem, e des da extinço do tráfico, e diversas propostas passaram a ser apre-
aixida eram obrigados a se empregar em ocupaço assalariada e sentadas e discutidas no Parlamento durante toda a década de 1840.
residir em lugares determinados pelo Estado.2' Foi somente em Dc urn lado, procurava-se preservar os interesses dos senhores,
1864 que o governo imperial, sob intensa pressão do governo in- que pressionavam por rnodificaçes na lei de 1831; de outro, ha-
glês, expediu finalmente urn decreto-lei ordenando a emancipaço via a crescente pressäo inglesa, exigindo o fim do coxrié.rcio atl.n-
imediata de todos os africanos livres apreendidos que estivessem tico de escravos. Em 1837,0 prdprio autor da lei de 1831,Caldeira
a serviço do Estado on de particulares. 27 Brant - o marques de Barbacena -, elaborou urn novo projeto
Embora seja difIcil definir a partir de quando se .passou a usar que incluia 0 seguinte dispositivo: "Nenhuma aç8o poderá ser ten-
a lei de 1831 corn o significado em que aparece na aço de Jacinto, a tada contra os que tiverem comprado escravos, depois de desem-
primeira referência encontrada - na cidade de So Paulo - data barcados, e fica revogada a lei de 7 de novembro de 1831, e todas
de 1868, exataniente nos documentos, elabrados por Luiz Gama, as outras em contrario".3° Se a nova proposta de Brant fosse aprova-
referentes apreens8o do africano Jose' - apenas quatro anos de- cia, as compradores de escravos provenientes do tréfico clandestino
pots africanos livres,mantidos na&con- - - - - Do mesmo modo,
diçöes descritas acima, ha'viam recebido do governo a caz-ta de Ii- os africanos livres venclidos ilegalmente como escravosficariaiñ -
berdade. Essa referéncia, contudo, no elimina a possibilidade de proibidos de reivindicar judicialrnente seu direito a liberdade.

-
."AT
214 1 ELCIENE AZEVEDO PASA AL1M DOS TItIJ3UNAtS --

Todavia, depois de muitos debates, o projeto que finalmente Ferreira da Silva Bueno. Como amigo que era de Luiz Gama, deu
foi aprovado na CA mara e resultou na lei de 1850, apesar de não declaraçöes particulares (tornadas piiblicas pelos jornais) afirmando
incluir nenhum dispositivo revogando a lei de 1831, foi, do onto que o fazia contra a vontade, obedecendo a ordens do presidente da
p
de vista penal, mais brando em relação punição dos senhores provincia, Antonio Cândido da Rocha. 33 Mais que isso, dizia-se ainda
que adquirissem escravos introduzidos no Brasil pelo comércio que o juiz municipal Rego Freitas havia sido assessorado por esse
ilegal. Os seriliores jt não sesentiam tao ameaçados. 3' i'iltimo antes de emitirseu "estipido" despacho. 34 Ao governo da
0 "perigo" da interpretaçao que Luiz Gama estava fazendo provincia não interessava que a "propriedade servil" fosse tao pe-
da lei de 1831, portanto, já estava presente nas discussôes parla - rigosarnerite "perturbada" nos tribunais de primeira instncia. De
mentares que precederam a extinção definitiva do tráfico em 1850. fato, o vulcão abalava muitas areas. Grande parte da polêmica em
Luiz Gama conferia uma nova dimensão ao problema, ao considerar tomb da exoneração de Gama, tratada de forma muito natural pelo
que esses 760 mil africanos ilegalmente introduzidos no Brazil ti- jornal da Corte, foi gerada justamente porque explicitou a intro-
nham direito igual aos que foram emancipados como africanos Ii- missão direta do poder Executivo em uma questão judicial de ii-
vres em 1864, e que, ainda mais, esse direito se estendia a todos os
berdade - apesar de a constituiçãobrasileira garantir a indepen-.
se-us descendentes. Embora sustentasse sua argumentaçao no dever, dência entre esses dois poderes. Observação nesse sentido fazia o
atribuido ao magistrado, de reconhecer urn direito que pretendia jornalista Américo de Campos, em artigo em defesa do amigo, pu-
ser positivo, ao utilizar-se da lei de 1831 comb forma de lutar pela
blicado no Correio Paulistano: "[...] magistratura independente, diz
liberdade de escravos como Jose' e Jacinto, fazia da aplicação da a lei; sim, mas corn a condição de que ha de ser muda e dócil ao
norma legal uma questão claramente poiftica. 0 reconhecimento menor aceno da politica ).3S - - -
desse direito nada tinha, porém, de positivo aos olhos da adminis- Os sobressaltos das autoridades provinciais, portanto, não
tração pi'iblica - comprometida corn os interesses de muitos senho- cram motivados somente .pela conduta individual e voltmtarista
res que tinhamn sob seu dominio africanos que, aos olhos de Gama, de urn amanuense que, ap6s viver a experincia da escravidão, em-
tinhan-i sido criminosamente reduzidos a escravidão ilegal. penhava-se para libertar outros cativos. As autoridades pareciaui
E o que fica evidente na reconstituição da conjuntura em que
preocupar-se corn uma conjuncäo de fatores que envolviam algo
esse significado explosivo, conferido a lei de 1831, começava a sur-
mais que a determinação pessoal de urn rabula que incomodava
gir em São Paulo. No jornal Dezesseis de Juiho, foiha publicada na
Os que zelavam pela ordern e defendiam a propriedade servil.
Corte e flindada pelo então ministro da Justica Jose' de Alencar, na Como a mesma nota do Dezesseis de Julio observava, havia o "in-
seção "Correspondéncia de São Paulo", ha-se o tópico seguinte: conveniente", por assim dizer, de Gama estar ligado ao Clube
Radical - grupo politico nascido de uma profunda dissidéncia
O chefe de policia interino acaba de demitir urn amanuense da
no Partido Liberal.
reparticão de policia, Luiz Gama, que, além de orar ha tempos no
Orgão fundado em São Paulo em 1868, a exemplo do que
clube Radical contra tudo, fazia garbo de perturbar a propriedacle
servil. [...j ocorria em varias outras cidades do pals, o clube riascera das tur-
ERA SEU DIREITO CERTAMENTE; [...J mas não podia continuar a ser bulêricias poll ticas geradas pela volta dos conservadores ao poder,
funcionário .péblicol. depois da queda do gabinete liberal de Zacarias de Goes." A ver-
tente mais radical do Partido Liberal organizara-se então nesses
0 chefe de policia interino, a quem coube a tarefa inglória clubes, que, alguns anos depois, se transforrnaram em clubes repu-
de demitir o amanuense, era o juiz de direito de Campinas Vicente blicanos. Em São Paulo, suas bases deram origemn ao Partido Re-
.. ,
3 t: 216 ELCIENE AZEVEDO , ! PARA ALM DOS TRfBtLNAXS 217

) I
pubhcano Pau1sta, em 1873. Entre seus s6cios Lundadores na Ca Durante todo o ano de 1 869 ate rnicios da década de 1870,
) ' pital, os quais tambm Se encarregavam da redação do seu órgão
) era tambm bastte cornum enconar, em meio aos inmerOS
de propaganda (oj citadojornal RathcalPauhstano)
encontramos annc1oS dos jornas Radical Paulistano, Corr eio Paulistano e
juntamente corn Luiz Garna, Ri.0 Barbosa e Ferreira de Menezes,
Ypiranga (todos comprometidos corn as ideias liberais), alguns dos
que csavam a Academia de Direito em São Paulo, o jornalista e
advogado Americo de Campos, Bernardino Pamplona de Menezes - membros bachar&s dessa loja maçônica, oferecendo aos escravos
seus préstimos de advogado Colocavain-se disposicão para Sus
e Freitas Coutinho Urna clas diversas reformas que propunham,
) tentar gratiutamente, perante OS tribunais, "questöes de hberdade"
fosse através dojornal ou das conferénas pblicas que prornoviarn
) no Teatro São José, era justainente a "separação . Os que se incumbiam dessa tarefa eram Luiz Gama, Américo de
da judicatura da Campos Olympio da Paixão e Antonio Jose' Ferreira Braga Ji-
pohtica", a "substituição do trabaiho servil pelo trabaiho
"extrnço do Poder Moderador" Fsse ultimo topico foi o tema
livre" e a nior 40 Durante esses seas primeiros anos de existência, o engaja
mento da Loja America na luta dos escravos que buscavam suas
abordado pelo orador Luiz
Gama na primeira conferéncia piblica alforrias juclicialmente era amplarnente divulgado pela imprensa.
realizada pelo clube cbrigicla a uma plateia que havia comprado Passados apenas três anos de sua fundação, participavam ao publi
in para ouvi-lo 38
Co que "o nimero de libertandos por via de acöes no foro desta
Alem da filiaçao pohtica partidária do amanuense, que o capital, e em outros por determinação da loja, sobem a mais de
ajudava muito a manter seu emprego na repartição p?iblica, Garna
estava ainda envolviclo corn uma organizaço de outra ordeni, mas trezentos".41
p A curta passagem de Jacinto pelo foro da capital acabou por
que Igualmente fazia questão de tornar pbhco seu vivo interesse
ligar-se, portanto, a conflitos decorrentes da atuação de urn grupo
pelas questöes de liberdade Assim como quase a malorla dos outros
de homens letrados que fazia poiftica partidria de oposicão ao
SóciOs do Clube Radical, era maçom Não se sabe bern ao certo
governo imperial -no qua! foi gestado o Partido Republicano
desde quando teria sido aceito na maçonarja; contudo, em 23 de
Paulista -e, por intermédlo da inaçonaria, colocava alguns de
abril de 1868, £oi condecorado corn grauo18 -soberano prin-
cipe da Rosa Cruz , urn dos mais importantes seus princl'pios "democráticos" em prtica. Tendo sócios e proje
do rito escocés. tos politicos em cornum, a Loja America e o Clube Radical Pau-
Fm novembro desse mesrno ano participon da fundação da Loja
listano agitavam pubhcamente questöes como a defendida na 9
America, ao lado de Rui Barbosa, Salvador de Mendonça, o secre-
Conferncia PbIica promovida pelos hberais radicais a 12 de se-
tario de policia Antonio Louzada Antunes, Ferreira de Menezes,
tembro de 1869 -urn ms antes da ação proposta pelo aficano
Américo Braziliense, Américo de Campos e seu irmão Bernardino, Jacinto -, na qual o jovern Rui Barbosa versava sobre a substitni-
Olyrnpio da Paixão, Antonio Carlos Ribejro de Ancirada e Azevedo
cão do trabaiho servil. Nesse discurso, defendia que a thiancipacão
Marques, esse ültimo proprietário do jornal de major circulação
da capital na época, o Correjo Paulistano. deveria ser antes "urn principio de interesse universal e nao uma
Embora o carter Se- reforma politica". Fosse pela pressão do "espirito do século", fos-
creto dessa organizacao dificulte o trabaiho do historiador quanto
aavaliação do alcance de seu envolvimento no movjmento eman- se para evitar que Os seus Ylcios penetrassem ainda mais nas insti-
cipador, é sintomtjco, contudo, tui6es
ç e costumes ptrios, apontava para a "necessidade urgente,
P1 que, em 1867, a Junta Francesa imediata, absoluta", de acabar corn a escravidâo. Argumentava ainda
para Emancipação dos Negros, formada pór intelectuajs
rnaçons, a favor do reconhecimento da superioridade do trabaiho livre so-
tenha enviado uma representaçao ao governo brasileiro exortan-
do-o a abolir a escra'vidão.39 • bre o trabaiho servil, mostrando que a "sede de imigracão euro-

c péia" seria iiicompatfvel coma escravidfff 2

I
&EM nos T1llUAtS 219
218 1 ELCIF-NE Azsvaoo

Bastava, assirn, empenho do governo no cumprirnefltO de uma


E possivel perceber nesse seu texto, ou em outros artigos
lei
que jA existia havia tempos, e grande parte do problerna estaria
publicados no Radical Paulistario, muitos dos argumentos conser- nacionalidade e idade dos cativos,
vadores que nor teavam as discussöes sobre a emancipaco escrava solucionado. A simples an&lise da
declaradas nos titulos de propriedade dos senhores, seria suficiente
e precederam a aprovaço da lei de 1871. 0 artigo-programa do
para esciarecer se sua propriedade provinha ou não do tthfico lie-
Radical Paulistano, publicado a 17 de maio, é exemplar nesse sen-
gal. Mais do que afirmar o respaldo juridico da causa de escravos
tido. Seu quinto item era dedicado a apresentar aos leitores o modo
Cl i- como Jacinto, ao devolver a liberdade a qucul havia sido crimino-
como se deveria dar a dos escravos: consistindo na
samente escravizado, tal visão amparava legalmente o poder pi-
liberdade de todos os filhos de escravos, que nascerem desde a
blico quanto a sua desobrigac0 de indenizar os senhores por suas
data da lei, e na alforria gradual dos escravos existentes, pelo modo
propriedades - jt que estas seriam de procedência ilegal.
que oportunamente sera' declarado".+3 Essa postura, no entanto,
era uma resposta e, ao mesmo tempo, uma provocaco desse grupo Alern de tocar em uma questão juridicamente polmica e de
representar urn abalo significativo na estrutura de produço es-
politico contra o conservadorismo do Gabinete Itaboral - do qua!
cravista, esse discurso ia ao encontro de muitos out ros receios
Jose deAlencar fazia parte como ministro da Justica. Esse gabinete
no se havia pronunciado sobre a escravido, recuando em re!aço s enhoriais. Corn tais argumentOS1 Rul Barbosa, em nome do Clu-
omo Luiz Gama no foro e nos jornais, em
As falas do trono de 1867 e 1868, quando essa questão fora colocada be Radical - assim c
nome do escravo Jacinto -, apontava para uma via deação que,
oficialmente na pauta das reformas por gabinetes liberais. Isso fica questionava urn dos principais
claro ao final do artigo, quando afirmavam ser "urn dever inerente levada as a'tltirnas conseqüênCias,
pilares que sustentavam a escravidio: o "sagrado" direito legal
missão do Partido Liberal, e uma grande glóriapara ele, a reivin-
positivo "propriedade servil". Este era urn ponto bastante deli-
dicaço da liberdade de tantos milhares de homens, que vivem na ncaminharneflto do pro-
opresso e na humilhaço". cado no contexto das discussöes sobre o e
A Conferncia PiThlica proferida por Rui Barbosa, contudo, blema do elemento servil. E born lembrar que, dois anos depois
desse episódio, a lei de 28 de setembro de 1871, que legalizou a
defendia uma outra proposta de encaminharnento prático para o
chamada "alforria forçada" e estancou a escravido libertando o
problema, que Ia muito além da libertaco do ventre e da conserva- 46 foi apro-
dora idéia da emancipaco "lenta, gradual e segura" a que ficou ventre - não sern a devida indenizaco aos senhores
vada sem que nenhuma palavra a respeito da propriedade escrava
restrito 0 artigo-programa: 8n
proveniente do trefico ilegal fosse dita. Mais que isso, o artigo
brigatoriedade da matriculla de todos
A ernancipaco - diz[ia] o orador - muito mais fcil em nosso dessa lei dispunha sobre a o
47 "coin declaracio do nolne,
pals do que em todos aqueles onde se tern efetuado ate hoje: i os escravos existentes no 1rnprio,
porque uma porcão imensa de propriedade servil existente entre sexo, estado, aptido para o trabaiho e a fihiaçäo de cada urn, se
nacionalldade.48
nós, a1m de ilegftirna como toda a escravidao, E TAMBM ILEGAL, for corthecida", porern era omisso quanto a sua
EM WRTUDE DA LEI DE 7 D NOVEMBRO DE 1831, EDO REGULAMENTO Era como se o governo desse a quest-ao por encerrada; ou, ainda,
RESPECTIVO QUE DECLARARAM EXPRESSAMENTE "QUE SAO LIVRES TO- como analisaria anos mais tarde urn conselheiro de Estado, esse
DOS OS AFRICA NOS IMPORTADOS DAQUELA DATA EM DIANTE" - don- dispositivo genèrico da lei teria criado a possibiidade da seguinte
de se conclul que o governo tern a obrigacao de verificar escrupu- interpretac0: ele simplesmente "legalizalva] a escravidäo, exis-
49 De
losatnente os titulos dos senhores, eprocederna forma do decreto tente no Brasil, dos africanos importados depois de 1831".
sobre a escravatura introduzida pelo contrabando [ ... ]. t que a ma-
fato, o conseiheiro tinha razo. 0 mais irnportante e
220 1 ELCISNE AZEVEDO
PARA ALM DOS TKIBUNAIS 1 221

tricula dos escravos estava nas macs dos senhores, pois era feita a consonancia corn a poll tica dos dirigentes imperiais, vinha ocor-
partir de suas declaraçes. Sendo assirn, o governo criava urn docu- rendo no Instituto urn esvaziamento das discussöes em torno da
mento legal que possibilitava que as senhores regularizassem a situa- lei de 1831. Levado api'i.blico em 1863,0 discurso oficial do Insti-
çao dos africanos que maintinharn ilegalmente como escravos, omi- tuto, encampado por Perdigão Malheiro, pretendia a libertaçao
tindo sua naturalidade ou simplesmente modfficando sua idade. dos filhos das escravas como medida ideal de uma reforma contro-
Assim, bacharis como os do Clube Radical defendiam que lada da escravidao no pals. Resultando na elaboraçao de urn dis-
parte da populaçao escrava (na verdade a maioria dela, como bern curso a emancipacao gradual e completamente omisso
observou Rui Barbosa) e seus descendentes tinham o direito, em relaçao a polrnica sobre a liberdade dos africanOs, essa postura
expresso em lei, libertaçao imediata. Encjuanto isso, "libertar piThlica teria sido, em parte, uma resposta a crise diplornatica que
aos poucos", sern nenhuma exceçäo, respeitando o direito a pro- o governo enfrentava corn a Inglaterra, a qual se agravava no inlcio
priedade, a indenizaçao e a ordem do Estado, era a palavra de or-
da dacada, gerada pelas acirradas discussöes em relaçao ao trafico,
dem que direcionava as discussöes no Parlamento que resultaram ao destine dos africanoslivres e, mesmo, a existancia da escravido
na lei de 1871. Tendo sido essa lei a primeira medida legal que no Brasil. 0 projeto reformista do lAB teria vindo, assim, nas
permitia que o Estado interviesse diretamente nas relaçöes escra- palavras do autor, "preencher e guiar o espaço pitblico para urn
vistas, imprimia urn significado muito claro, portanto, ao processo caminho previamente orientado - pelo próprio governo impe-
de emancipaçao que, do ponto de vista da elite senhorial, se pre- rial - para 0 flirt da escravidão no pals". Embora fosse em "dire-
tendia fazer: uma transiçao lenta e gradual, preparando o escravo çâo oposta as exigências brit.nicas de libertaçao em massa e irne-
para viver em liberdade, preservando acima de tudo a tranqüili-. diata" e as pressöes decorrentes dos disti!irbios e revoltas escravas
dade e a estabilidade social do processo.50 Uma ruptura de tal tao freqüentes nesse periodo, tal caminho acenava para uma so-
ordem na rnanutençao do dornlnio senhorial, como a sugerida pelos luçao. Sendo desse modo encampado pelo governo imperial, esse
liberals radicais de Sao Paulo, nao s6 trataria muitos proprietarios projeto seria finalmente coroado e transformado em lei pelo Parla-
como réus, como tambm colocaria de chofre centenas de libertos mento em 187152
nas ruas. Arnbas as situaçöes eram vistas como extremamente perigo- Em meio a todo esse contexto, era de se esperar1 portanto,
sas para a preservaçao da ordem poh'tica e social, " Ficava patente, que o argurnento de Luiz Gama não tivesse sido bern vindo no fore
dessa forma, o conteido politico explosivo da interpretaçao dada de São Paulo. A obstinada negativa que a acão de liberdade inten-
por Luiz Garna e outros advogados abolicionistas A lei de 1831, capaz tada pelo africano Jacinto encontrou era perfeitamente coerente
de colocar em xeque a autoridade dos senhores sobre seus escravos. corn a solução que, havia tempos, se pretendia dar ao problema:
Não ha, como observado anteriormente, maneira de saber silenciar a respeito. Tanto que o juiz Rego Freitas não Se den sequer
corn precisão desde quando tal lei estava sendo utilizada corn esses ao trabaiho de contestar juridicamente a peticão de Gama; optando
significados nos foros. Entretanto a tentativa dos dirigentes em pela forma econômica, em seus despachos, apenas declarou "in-
obstruir sua utilizaçao já vinha de outros tempos. E o que Eduardo competência" e anotou dois.lacnicos "indeferido", nos três reque-
Spiller Pena deixa muito claro, em seu trabaiho sobre os debates rimentos a ele dirigidos. Enquanto isso, as autoridades provincials
a respei'to da escravidao entre os membros do lnstituto dos Advo- encarregavam-se de dar outro desfecho Is pretens6es do escravo,
gados do Brasil. Ao analisar a postura jurIdico-poh'tica de Perdigao fora da arena judicial. Segundo o relate de Luiz Garna, enquanto
Maiheiro, urn de seus presidentes, quanto ao firn da escravidao, a ação corria no foro, o chefe de poilcia, "per misterioso acordo
esse autor observa que, desde o começo da d&cada de 1860, cm corn o presidente, expedia ordem secreta ao exmo. conseiheiro
212 J ELCI!NE AZIVEDO PAaA ALJM DOS TRIHUNAIS W
-
00,%

delegado da capital, para mandar apreender clandestinamente Nascido no reino do Congo, havia sido embarcado em Luau-
o desgracado africano e entregá-lo inanietado ao reclamante, su- da aos 10 anos de idade, chegando ao Rio de Janeiro "no ano da
posto senhor, a fim de c.onduzi-lo para a provincia de Minas, por revolucão liderada por Caxias" referência a lideranca do duque
dois expressos postos a espera nas cercanias desta cidade!". 53 Apa de Caxias na chamada "regressão" de 1842. Na Corte, permane-
renternente o perigo estava controlado, e tudo voltaria aos dcvi- ceu fechado em uma casa ate ser cornprado, corn inais 23 compa-
dos lugares... nheiros, por macjo da Cunha, residente em Jaguari, Minas Gerais
(atualinente municipio de Camanducaia), para onde foi levado.
Após a morte desse senhor, seus bens foram postosem praca pii-
0 direito nas ruas blica e Jacinto foi arrematado por Antonio Gonçalves Pereira, em
poder do qual permaneceu ate "a época em que saindo, foi a São
Para decepçao do juiz Rego Freitas e das autoridades piiblicas de Paulo". Jacinto explicava que "logo que saiu do poder de Antonio
São Paulo, essa era, porém, uma história que estava ainda longe Gonçalves, este o vendera corn sua muiher a lncio Preto da ci1ade
de ter urn urn. Contrariando as expectativas daqueles que tentavam de Amparo". "Nesse tempo", continuou o depoente, "tendo Bento
obstruir a luta de Jacinto para ser reconhecido como africano livre, Gomes de Escobar mandado anunciar por urn jornal de Santos
ele voltou a deixar registros de sua ação em 1873. Dessa vez, vamos que dc interrogado era livre em qualidade de africano, dc inter-
encontr-lo em São Jose' dos Campos, nas páginas de uma consulta rogado ouviu ler semeihante anhincio quando ainda estava em
feita pelo juiz de direito Francisco Ribeiro de Escobar ao então Jaguari, donde o mesmo Bento Gomes de Escobar o guiou para
presidente da provincia de São Paulo, João Teodoro Xavier. 0 juiz São Paulo, aonde trabalhou nas ruas da cidade a servico da Cama-
levava ao con}lecimento do presidente que o Preto Jacinto, de Ja- ra Municipal"."
guari, Minas Gerais, havia sido capttu-ado como fugido na fregue- 0 relato de Jacinto é nebuloso quando se trata de fornecer
sia de Capivari, rnunicipio de Cacapava; em seu juizo, no entanto, detalhes de sua chegada a São Paulo, ou explicar como, mesmo
reclarnava sua liberdade, "sob fundamento de ser africano, e de sendo considerado fugitivo, conseguiu trabalhar na C&mara Mu-
ter sido importado para o Brasil depois de 1831". A autoridade nicipal dessa ciclade. For outro lado, não deixa d?ividas sobre
havia então realizado o necessário interrogatório e enviava toda a fato de que, quando fugiu do dominio de seu senhor, trouxe con-
documcntaçao ao presidente da provincia, A espera de uma solução sigo a convicção de ter direito a liberdade, por ser urn africano
para o impasse .S4 introduzido no Brasil depois de 1831. Mais que isso, seu depoi-
A peticão inicial dessa acão de liberdade era assinada por Joao mento mostra que os embates juridicos em torno da liberdade, a
Rodrigues de Oliveira Silva e requeria as diligéncias legais para principlo restritos aos tribunais, ecoavam na sociedade através da
manumitir Jacinto, "nos termos da lei de 7 de novembro de 1831, imprensa, atingindo nãosomente uma elite letrada potencialmente,
artigo l, mantida pela lei de 4 de setembro de 1850". Dessa vez apta a se converter ao abolicionismo, mastambérn os malores in-
e, para nossa sorte, Jacinto foi ouvido em juizo. Seu relato nos teressados no assunto, os escravizados.
fornece detaihes surpreendentes sobre as caminhos que o leva- Os pontos obscuros da história de Jacinto, contudo, podem
ram, em 1869, ao encontro de Luiz Gama. 0 africano revelava ser em parte esciarecidos se voltarmos as informaçöes contidas
ainda como havia conseguido Iivrar-se da emboscada armada pe- na ação intentada por Luiz Gama em 1869. Na peticão inicial da-
las autoridades paulistanas para devolve^-lo a seu senhor, e como queles autos, Gama afirmava que Jacinto e sua mulher, depois de
pudera permanecer fugido ate 1873. vendidos a Inado Preto, haviam sido trazidos "cautelosamente"para
.. R
~rT,4
124. 1 ErcnNE AZEVEDO PAaA AL tK DOS TIUBUI9AIS I

Amparo, "amarrados e escoltados por Jose de Lima de Oliveira e no jornal Correio Paulistano, foiha paulistana de propriedade de
Pedro, filho deste" fato que dizia poder provar pelo depoimento
- urn outro membro da LojaAmrica, na qual Luiz Gama publicava
de três testernunhas.56 .Além disso, quando requereu o depdsito muitos artigos ref'erentes as causas de liberdade que pleiteava no
judicial de Aria, ela seencontrava em Amparo, não em Minas foro. Para terminar, Bento Gomes de Escobar tambm assinou,
Gerais. 0 confrorito entre essas informaçoes pode esciarecer as juntarnente corn alguns dos participantes do Clube Radical Pau-
declaraçöes de Jacinto. Seria licito concluir que, quando diz ter listano, o Manifesto Republicario de 1870.
sido "guiado" de Jaguari a São Paulo por Bento Gomes de Escobar, Não resta divida de que Escobar compartilhava dos preceitos
Jacinto, na verdade, se estivesse referindo ao fato de ter sido politicos desse grupo que estava por tras da ação intentada no foro
orientado por ele a procurar Luiz Gama na capital. Assim, é pro- de São Paulo por Luiz Gama. Levando em conta a rede de relaçocs
vve1 que, sabendo ter direito a liberdade, ao mudar de senhor, em que Escobar estava inserido, deixa de ser nebuloso e se torna
Jacinto tenha aproveitado a oportunidade para sair em busca da sintomatico o fato de Jacinto ter tornado ciência da ilegalidade de
pessoa indicada para defender juclicialmente sua alforria talvez sua condiçSo escrava, atravs de urn "arnncio" publicado nos jornais
tendo a fuga facilitada pela major proximiclade entre Amparo e de Santos. Quando mencionou esse episódio, 6 bern provável que
São Paulo. Jacinto se estivesse referindo ao artigo em que Escobar denun-
Quanto a Bento Gomes de Escobar, certamente ele e Luiz ciava e tornava pitb1ica a escravização ilegal de 23 africanos (entre
Gama se conheciam pessoalmente e mantinharn estreitas ligacöes. os quais se inclula Jacinto), que haviam sido levados para Jaguari
Escobar era tenente-coronel da Guarda Nacional e urn importan- e batizados irregularmente como escravos pelo vig.rio. A exemplo
te e influente comerciante em Jaguari. Suas relaçoes comerciais da estratgia usada em São Paulo por Luiz Gama e Rui Barbosa,
abasteciam o mercado consumidor de quase todo o sul de Minas. 57 Escobar imprimia também urn significado politico a aplicacão da
Além disso, foi urn homem de intensa vida pi'tblica, ocupando os lei de 1831, pressionando as autoridades de Jaguari corn a publi-
mais diversos cargos nessa vila. Em 1850, por exemplo, foi secre- cidade dada a questão.
tário da Cmara Municipal e, em seguida, nomeado curador-geral Jacinto prosseguiu seu depoimento sem mencionar, no en-
de órfos do Termo; em 1857, foi eleito juiz de paz e tambm tarito, o episódio de sua ação judicial na capital de São Paulo, mas,
vereador, cargo que exerceu at 1858 e para o qual foi reeleito em ao refazer o caminho inverso de sua jornada, acabou por revelar
1861; em 1865, começou a atuar no foro, primeiro como promotor uma outra dimensSo da participacão de Luiz Gama em sua história.
piiblico interino do Termo e depois como primeiro-substituto do Contou, assirn, que, da cidade de São Paulo, "veio guiado por Luiz
juiz municipal. Nesse mesmo arm, ingressou na maçonaria e, a Gama a Cavalinho, filho de Antonio Vicente das Chagas Pereira,
exemplo do que acontecera corn Luiz Gama, recebeu a distincao residente a este tempo nesta vila, corn destino a Capivari, para ser
de principe da Rosa Cruz, conferida pela Grande Oriente do Brasil. entregue a Joaquim Gomes de Almeida como camarada, onde foi
A proxirnidade entre essas figuras que cruzaram a vida de Jacinto, preso h perto de 3 meses".60
contudo, vai muito alm das coincidncias. A 13 de janeiro de 1869, 0 interrogat6rio de Jacinto surpreende ao revelar uma ver-
ano em que Jacinto chegou a São Paulo, Escobar foi nomeado dadeira rede de contatos acionados por Gama para garantir sua
membo honorario da Augusta Loja Amrica. 58 Naquele mesmo saIda de São Paulo, antes de ser apreendido como escravo fugido
ano de 1869, Escobar havia sido citado em urn processo crime no e devolvido a Antonio Gonçalves Pereira - o que sugere que Ja-
foro de São Paulo, acusado de ter caluniado e injuriado Jose Levi cinto fugiu do poder de seu senhor antes que a transação de corn-
de Mello, vigario de Capivari.59 Omotivo era urn artigo publicado pra e venda corn macjo Preto tivesse sido, de fato, concretizacla.
)
... 226 ELCISNE AZEVEDO
I 227
PALA ALuM DOS TR113UNAS

Urn dos motivos alegados pelo chefe de poilcia, na portaria que que rnotivou a consulta do juiz de direito de Sao José dos Campos
) demitlu Luiz Gama de seu cargo de arnanuense, havia sido, justa- ao presidente da provincia em 1873, que, por sua vez, "comuni-
) rnente, a inconvenincia de manter na repartição de poilcia urn fun-
L cou ao Miriistério da Justica" - de acordo corn o que vem anotado
cionrio que requeria "ão verificados direitos dos escravos, que, a lapis em urn canto do docurnento. 0 juiz de direito informava
subtraindo-se ao poder de seus senhores", encontravam seu apoio.6 ' ainda que, depois de ter interrogado o peticionario, ouvido seu
A essa asação, Gama reagiu energicamente, alegando que, no prazo
) senhor - que havia exibido em juizo o competente titulo de pro-
de urn ano, tinha conseguido a alforria de rnais de 30 pessoas que
priedade - e inquirido as testemunhas, havia indeferido a preten-
) viviam em "cativejro indébito". Nenhuma delas, contudo, havia fu-
são do escravo. Asim tinha procedido "por entender que não resul-
gido da casa de seus senhores: "Foram todas por mirn arrancadas, taram dos autos argumento algum que pudesse sufraga-la". Dessa
por meios legais, do poder da usurpação imoral".62
2 0 que surge do relato de Jacinto,porém, são indicios da con-
forma, rnandou que fosse levantado o depOsito judicial e que Jacinto
voltasse ao poder de Gonçalves Pereira, depois de passar quatro arms
cepção alargada do abolicionista do que considerava serem os "rneios "vivendo sobre si".64 Apenas dois dias depois de ser restituido seu
) legais" para s.e buscar a alforria de urn cativo. Não é preciso grande senhor, contudo, o juiz municipal, novamente, consukava o juiz de
csforço de imaginação histórica para concluir que 0 piano das autori- direito a seu respeito. Jacinto encontrava-se mais utna vez preso,
dades para apreender Jacinto em São Paulo fracassou, porque as dessa vez "a ordem do senhor", e, nessa situacão, havia apresentado
informaçoes "vazaram" através de funcionrios da própria Secreta- outra peticão, "requerendo-me o arbitramento sobre o valor, que o
na
de Polida, colegas do amanuense. Por outro lado, no entanto, a mesmo deve ter, em bern de sua liberdade; por isso que consulto a
rede de contatos acionada por Gama para liar Jacinto do domo V. Excia. a fim deste juizo deliberar a respeito, visto como foi le-
de seu senhor obteve grande sucesso, permitindo que este perma- vantado o mesmo preto do dep6sito".'5
I)
necesse trabaihando como camarada durante quatro anos. 0 desdo- Era comum que senhores mandassem as autoridades policiais
bramento da história de Jacinto revela que o significado politico
prenderem seus escravos e, mesmo, açoitassem-nos, como forma
a
atribuido questao dos escravos provenientes do tráfico clandesti- de punicão por uma fuga ou, ate mesmo, por manifestarem "preten-
() no estava sendo construido nesse periodo, não apenas dentro dos söes" de liberdade. A situação ambigua de estar preso a mando do
tribunais, mas também em outros espaços sociais -como as foihas senhor logo apOs ter sido levantado o depOsito judicial e o fato dc
dos jornais que davam publicidade a casos como esse, noticiado nas aproveitar-se disso para requerer em juIzo sua liberdade deixararn
cidades de Santos, Jaguari, São Paulo e Rio. de Janeiro. Tal agitação, o juiz municipal urn tanto confuso. Jacinto, no entanto, estava bern
ao mesmo tempo em que gerava a reação dos que defendiam os assessorado, e o contexto era outro. Ele tinha urn novo trunfo legal,
interesses senhorjajs e se sentiam arneacados, contava também corn bern inenos polémico, para conseguir aiforriar-se: agora podia con-
a solidariedade de outras pessoas que se dispunharn não so a dentin- tar corn a lei de 1871. Como se sabe, essa lei sancionava o direito
ciar propriedades escravas consideradas ilegais, mas também a validar de alforria para os escravos que, por meio de seu pecitlio, tives-
juridicamente a lei de 1831.
scm possibilidade de indenizar seu valor aos senhores. A resposta
S Se aplicada de forma coletiva, conforme essa interpretação, do juiz de direito ao juiz municipal foi categOrica nesse sentido:
a lei cèrtarnente desestruturarja profundamente a escravjdäo. Por "[ ...] tenho a ponclerar que o peticiontrio esta no direito de assim
isso mesmo, Continuava causando temor as autoridades judiciais o proceder fundado no artigo 4 0-, pariigrafo 20 da lei n. 2040 de 28 de
fato de urn escravo, ao ser capturado como fugido, alegar ser livre seternbro de 1871 [ ... ], mas para tal é indispensável que exiba di-
por ter "qualidade de africano".'3 Foi essa afir rnaçäo de
Jacinto nheiro ou tItulos de pecilio, cuja soma equivaiha ao seu preco ra-
228 1 ELCTENE AZEVEDo
PAaA ALIM DOS TI.IBUNA1S 1 229

zo.vel [...1". Sendo observados esses principios, continuou, deve-


.spiracöes e lutas dos próprios escravos, esses advogados mos-
na "convidar o referido senhor para urn acordo" e, se no obtivesse
ravam, corn sua atuaco, o papel fundamental que desempenha-
resultado, dar curador ao escravo e proceder ao arbitramento.66
am na construçO social da idéia do direito a liberdade, contri-
Ento começou uma outra hist6ria, quero crer que, dessa vez, corn
)uindo para que a legalidade da propriedade escrava fosse.sendo
final feliz para Jacinto, que deve ter conseguido acumular algum
LOS poucos minada dentro da arena juridica, mas, principalmente,
dinheiro corn a remuneraço obtida ao longo dos anos de trabaiho
como camai-ada. Liem dela.
0 movimento contra a escravido foi ganhando espacos e
Casos como esse, ao retirar as discussöes sobre a lei de 1831
)btendo vit6rias importantes ao longo das décadas de 1870 e 1880,
do recinto fechado dos tribunais para Iev-las para as ruas e para
:ecendo nov08 instrumentos legais e estratégias diferenciadas de
as senzalas, apontam para questöes pouco exploradas na anlise
Lçao, medida que ganhava a opinião piThlica e se espraiava por
desse tipo de. disputas juridicas. 0 desdobramento piblico dos
)utros setores da sociedade. Quando Luiz Gama morreu, em 1882,
debates travados nos tribunais ou na tribuna partidária, atestado
legalidade da propriedade escrava ji era to profundamenteües-
pelos depoimentos do próprio Jacinto, revela dimensöes -mais
:ionada por alguns setores sociais, e a contestação dos escravizados
abrangentes da leitura carregada de forte conteádo politico que
mpunha-se tao fortemente através de levantes e conflitos violen-
pessoas como Bento Gomes de Escobar, Luiz Gama ou Rui Bar-
:os que alguns ousavam defender, nas páginas dos j ornais, a idéia
bosa estavam fazendo da lei de proibição do comércio transatlân-
le que o escravo que assassinasse sen senhor agia em legitima de-
tico de escravos, promulgada em 1831. 0 que era, nos tribunals,
'esa, preservando seu direito natural a liberdade ----- assim como o
a conf'lituosa construço de uma argurnentaço jurIdica para sus-
)róprio Gama havia feito poucos anos antes.
tentar mais uma possibilidade na busca pela liberdade, nas ruas
aparecia como.-um direito a ser reivindicado.'7 Como se ye, o aboilcionismo fol urn movimento de grande
-epercussão social, multifacetado e, acima de tudo,.dini.rnico. As
Se a intenço dos juizes, em consonncia corn as altas auto-
xperiéncias dos homens que nele se engajaram nao podem, por-
ridades da provincia, era barrar os advogados militantes mais
:anto, ser resumidas ou explicadas através. de estereótipos clas-
afoitos na arena judiciária, indeferindo açôes dessa natureza,- a
;ificat6rios que opöem "legalistas" e "radicais". A história do en-
intensidade e frequência corn que estes coutinuariani a aliar-se
ontro do africano Jacinto corn o advogado Luiz Gama - e tudo
aos escravos .na luta pela liberdade apontava, porém, os limites
) que foi possIvel compreender do que ele significou naquela so-
dessas tentativas. Por mais fortes que fossem seus opositores, o
tiedade - atesta que a lógica que movia suas açöes extrapola os
movimento que unia escravos e advogados rio cessaria, nos anos
.imites impostos por interpretacöes que, direcionadas pela me-
seguintes, de se espraiar pelos-tribunais e pelas ruas.
.noria que Antonio Bento e os caifazes criaram para A mesmos,
Por meio da publicidade e da politizaçao efetuadas nos foros
risistem em apagar a força poiftica e transformadora desses sujei-
por esses profissionais, respondendo e intensificando as aspiraçoes
os. Recuperando sua historicidade, sua acao aparece como parte
e demandas apresentaclas pelos próprios cativos em relação al-
ie urn processo em constante mudança, em pie algumas atuac6es
forria, näo apenas mais homens letrados juntavam-se a sua luta,
Foram consolidadas, outras deixadas de lado, ou reelaboradas na
como támbém mais escravos tomavam cincja de seus direitos -
e1açao que estabeleceram corn uma intrincada rede social - cujos
passando a adotar atitudes que corrolam a legitimidade do poder
esultados se fizeram notar em muitas das estratégias adotadas por
senhorial, ao mesmo tempo em que contestavam a legalidade de
3eus sucessores.
suas condiçö.es. Assim, ao instruxnentalizar, apoiar e reelaborar as
AZEVEDO PAD..a ALEM DOS F1UaUNAIS
230 1 ELCfENE

NOTAS o foi vendido pelo paL como escravo - sendo levado para São Paulo. Aos
I anos, Luiz Gatna saiu do cativeiro provando, misteriosamente, sua condiçao
I Cf., entre outros, Sidney Chaihoub, Visöes da liberdade: ama história da de homern livre. Entrou para o corpo policial, exercendo por vezes o cargo
tiltimas dkadas da escravidlo na Corte. São Paulo: Comparihia das Letras, do copista da delogacia. Desistiu da carreira militar apbs ser preso por
1990; Joseli Mendonça, Entre a mao e os anéjs: a Lei dos Sexagena'rios e os in disciplina e, ao sair da prisão, conseguiu o etuprego de amanuense da
caminhos da aboliçao no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, CECULT, policia grasas 1 sua intima relaçiio de amizade corn o delegado conseiheiro
1999; Eduardo Spiller Pena, Pajens da casa imperial: juriscomsultos, escra- Maria Furtado do Mendonca. Lente da Academia de Direito e diretor de
vicilo c a lei de 1871. Canipinas: Editora da UNICAMP, CECULT, 2001; e sua biblioteca. Foi tambem pot intermedio do Furtado que Luiz Gama,
autodidata, teve acesso aos conhecimentos do diroito e jurisprudencia. Cf.
Keila Grinberg, 0 ulador dos brasileiros: ddadania, escravidlo e threfto
civil no tempo do Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Elciene Azevedo, op. cit.
Brasileira, 2002. Ver ainda [-tebe Maria de Mattos Castro, Das cores do si- Essa fase da vida do Luiz Gama pode ser acompanhada através da docu-
lencJo: os significados da liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro: mentação policial encontrada no Arquivo do Estado do Sao Paulo:
Arquivo Nacional, 1995. Auto de apreensão do escravo Jose, 1868. Arquivo do Estado do São Paulo
2 Para urna an1ise da trajetória de Luiz Garna, ver Elciene Azevedo, Orfeu (AESP), Processos policiais, CO 3.215, 1868.
do carapinha: a trajet.3ria do Luiz Gains na imperial cidade de Sio Paulo. Auto de apreensão do escravo Jose, 1868, op. cit.. Cf. por exetnplo, o oflcio
Campinas: Editora da UNICAMP, CECULT, 1999, do chefe de policia ao delegado, ou seu mandado de apreensão endere-
3 Cf. Chaihoub, op. cit., PP. 170-74; e Maria Helena P. T. Machado, Crime e çado ao diretor da Casa de Correção - ambos datados do 27 de janeiro
escravidifo: trabaiho, luta e resistencia nas lavouras paulistas. 1830-1888. do 1868.
São Paulo: Brasiliense, 1987. Esses documentos são encontrados no 12 e 22 Oficios Civeis da Capital, nos
4 J. Vie ira do Almeida, "Antonio Bento", A Liberdade, 17 maio, 1888. quais Luiz Garna aparece como solicitador do causas do manutençio do li-
5 Diirio Mercantil, 25 malo, 1888. 0 jornalista, ao falar dos "trinta dinhei- berdade.
ros", fazia uma alusão direta a uma famosa polemics iniciada por Luiz Gama Autos de Intitnação, Geralda de Oliveira contra Francisco de Paula Ferreira
quando ofereceu coma peci'ilio de urns jovem escrava a Infima quantia de Rezende, 1868. Arquivo Geral doTribunal Judiciârio de Sao Paulo (AGTISP),
30 mil réis, alegando que: "Se A verdade, como a histbria o atesta, quo a 211 Oficio Clyci, cx. 66.
liberdade de Nosso Senhor Jesus Cristo foi vendida, perante o juiz hebreu, Difrio de Sao Paulo, 1" dez., 1869. Furtado do Mendonça publicou nina
por trinta dinheiros, não é estran.hvel que a suplicante se avaliasse por nota sobre a polêinica que travou nos jornais da capital corn seu amigo
trinta mil réis". Cf. Elciene Azevedo, op. cit., especialmente o cap. 4. Luiz Garna. 0 prisneiro havia sido acusado de manter colbquios secretos
6 Eases pressupostos podem ser observados em trabaihos do diferentes abor- corn o presidente da provincia sobre as açöes de Luiz Gama na delegacia e
dagens, como, por exemplo, Maria Cristina Cortez Wissenbach, Sonlios de ter sido pot ele incumbido de conter Gama. 0 delegado, ao contrário,
africanos, vive'ncias ladinas: escravos e forros em Sbo Paulo (1850-1880). afirmava que, ao dar conseihos ao axnanuense, não tivera a intenção do satis-
São Paulo: HUCITEC, 1998; Maria Helena P. T. Machado, Oplano e opa'nico: fazer os desejos de "quem quer que fosse", mas o aconselhara simplesmente
Os movirnentos sociais na de'cada da aboliçbo. "como amigo". Cf. Elciene Azevedo, op. cit., Pp. 111-24.
Rio de Janeiro: Editora da
Uraj; São Paulo: EDUSP, 1994; Celia Maria Marinho de Azevedo, Onda flogs-a, Keila Grinberg defende que nina "mi1itncia da liberdade" entre bachareis
rnedo branco: o negro no imaginsIrio das elites do se'culo XIX. Rio de Ja- que atu.aram na primeira instncia em quest6es do liberdade sb se tenha con-
neiro: Paz e Terra, 1987; Alice Aguiar de Barros Fontes, A prática aboli- figurado depois da promulgação dessa lei - embora reconheça algumas cx-
cionista em São Paulo: os caifases (1882-1888). Dissertação de mestrado, ceçes & regra. Grinberg, op; cit., Pp. 255-56.
Departamento de História—FFLCH. Sao Paulo; (ISP, 1976. "Boçal" era a terminologia usada para caracterizar africanos recém-chega-
7 Siditey Chaihoub, op. cit. Abordagem semeihante em relação lei de 28 de dos no Brasil que ainda não dominavarn a lingua portuguesa. Portanto, afir-
setembro de 1885 pode ser conferida no estudo de Mendoriça, op. cit. mar que Jacinto foi arrematado como escravo ainda "visiveirnente boçal"
8 Filho da africana Luiza Mahin, que vivia em liberdade, e de urn portuguCs constitul prova de sua ixnportacão ulegal.
do qual nada so sabe, Luiz Gama nasceu em 1832, em Salvador, Bahia. Autos crimes de inji'lria: a justica contra Luiz Gonzaga Pinto da Gama, 1872.
Aos 8 anos, teve a mae presa por envolver-se nas revoltas escravas baianas AGTJSP, 22 Offi cio Civel, cx. 72.
11 M
PARA ALM DOS TRIBUNAlS I T3
232 1 ELCIEME Aztvaoo

slave trade: Britain, Brazil


18 Autos crimes de injIria: ajustiça contra Luiz Gonzaga Pinto da Gama, 1872. Leslie Bethell, The abolitions of the Brazilian
Cambridge: Cambridge University
19 Durante o perlodo de 1831 a 1837, no havia unanimidade em tomb da and the slave trade question. 1807-1869.
Press, 1970; e Manolo Florentino, Em costas negras: unia hist6ria do tr-
questäo da cessaçffo do trfico internacional de escravos, e as debates
So Paulo: Companhia
parlarnentares continua'am a discutir a questo: "o tráfico reassumiu a fico de escravos entre a Africa e a Rio de Janeiro.
constncia anterior e at6 aumentou seu volume, apesar das duras penas das Letras, 1997.
previstas na 1egis1aço". Cf. Jaime Rodrigues, 0 infarne coznrcio: pro. 16 Em artigo que discute a trajetória de urn grupo de africanos livres durante
postas e exp cr1 e'ncias no final do trfico de africanos para o Brash (1800- a década de 1850 e 1860, Beatriz G. Mamigonian basela-se na documentaçäo
mancipaçO junto ao governo imperial, moti-
1850). Campinas: Editoma da UNICAMP, CECULT, 2000, p. 108. A ease res- produzida pelas peticöes de e
peito, ver tambérn o artigo de Beatriz Gallotti Mamigonian nesta colet&- vadas pelo decreto de 28 de dezeinbro de 1853, que ordenva a emancipaco
nea, "0 direito de ser africano Iivre: as escravos e as interpretaçöes da dos africanos livres qua tivessem servido a particulares pelo periodo de 14
lei de 1831". anos. Cf. Mamigonian, "Do que o 'preto mina' é capaz: etnia e resistncia
20 Autos crimes de injria: ajustiça contra Luiz Gonzaga Pinto da Gama, 1872. entre africanos livres", Afro-Asia, xi2 24, 2000, pp. 71-95.
Utilizei antes esse processo, em Orfeu de carapinha, op. cit., cap. 2. Naquela 27 Mamigonian, To be a liberated African in Brazil, op. cit. Nesse estudo, a au-
ocasiäo, a anAlise priorizou a repercusso politica e social da demissio de tora analisa as experincias de trabaiho, a distribuicão tie serviços e as alterna-
tivas tie liberdade de mats de ii mil africanos apreendidos pelo governo entre
Luiz Gama, bern corno sua experiência na construço tensa e conflituosa
de identidades e redes de solidariedade em que se apoiava para lutar par 1826 a 1856.
seus ideais de republicano e abolicionista. 28 0 "Decreto n" 3.3 10 - EmancipacO de africanos livres", proniulgado em
Juizo
21 Asslin foi qualificada pelo promotor, em audincia perante o juiz, a atitude 1864, mandava que as cartas de emancipacäO fossem expedidas pclo
de Orfos da Comte e capitais das provincias - segundo o controle Ieito
de Luiz Gama. Este, par sua yes, após ouvir essas acusaçes, se defendeu
par meio das listagens qua o governo tinha dos africanos distribuidos. Pas-
corn as seguintes palavras: "[...] as expressôes tie que fez cabedal a ilustrada
prornotoria pi'iblica para fundarnentar a petiço inicial no constituem in- sadas as cartas, estas deveriam ser remetidas abs mespectivos chefes de poll-
jl'Lrias, porquanto sendo comno de fato é, em face da lei de 1831 e respectivo cia, para serem registradas e entregues sos ernancipados. Os que estivessem
tabelecimentos pi'iblicos
regulamento, f'itil o despacho aludido, e provando crassa ignorância da parte a serviço de particulares seriam recoihidos em es
de quem o proferiu, a qualificacäo de estépido em sentido restrito não é e levados a presenca dos chefes tie policia. Quanta aosfugidos, a lei determi-
uma ofensa, a menos qua se pretenda injurlar o juiz ofendido cometendo-se nava que a policia publicasse editais pela imprensa, convocando-os a vim
° absurdo de atribuir-se-Ihe ilustração [...J." Cf. Autos civeis de injiria. A receber suas cartas tie liberdade. Idem, To be a liberated African in Brazil,
hipótese de que Luiz Gama teria
justiça contra Luis Gonzaga Pinto da Gama, 1872. Apesar da ousadia, Luis op. cit., "Anexos", Pp. 307-8. Quanta a
recebido ordens para executar algumas dessas tarefas, cf. p. 264. -
Gama foi absolvido pelo j1iri popular em 1870, tendo ele mesmo sustentado
sua defesa oral no tribunal - embora a Loja Maçônica Asnérica tivesse in- 29 idem, op. cit., pp. 259-78.
cumbido urn de seus sócios, o bacharel Ferreira de Menezes, para acorn- 30 Apud Rodrigues, op. cit., P. 111.
l juridicamente equiparado pirataria
panhâ-lo. Correio Paulistano, 29 dez., 1870. 31 Na lei aprovada em 1850, o trâfico fo
22 "Foro da capital", Radical Paulistano, 13 nov., 1869. e as traficantes passamam a ficar sob a jurisdicäo da Auditoria da Marinha,
23 "Foro da capital", Radical Paulistano, 13 nov., 1869. sujeitos & pens, tie prisão a despesas pela reexportacO dos africanos. J( as
24 Keila Grinberg, Liberata, a lei da ambigäidade: aç5es de liberdade da Corte senhores que comprassem africanos entravam em outra categoria penal
deApelaçao do Rio deJanefro no stcuJo XIX. Rio de Janeiro: Relume-Duxnará, passamlarn a ser julgados na alçada comum da justica, certamente mats
compradores de
1994, p. 88. Das sete aç6es, quatro so resolvidas a favor da liberdade a trs branda. Embora continuassem corn o 6nus da culpa, as
a negam. africanos ilegalmente importados cram excluldos da categoria de "donos
do negócio." Baseio-me aqui na interpretacão de Jaime Rodrigues (op. cit.,
25 Cf. Beatriz Mamigonian, To be a liberated African in Brazil: labor and
arlamentareS sabre o Em do tra-
citizenship in the nineteenth century. Tese de doutorado. Waterloo (Cana- esp. pp. 107-19),- ao analisar as debates p
di), University of Waterloo, 2002, P. 259. Para outras estirnativas sabre a fico ocorridos entre 1831 a 1850.
23 des., 1869. Os destaques so de Luiz Gama. A nota
entrada ilegal de africanos no Brasil, ver Robert Edgar Conrad, Turnbefros: 32 Dezesseis de juiho, Radical Paulistano de 8 de
o tra'fico the escravos pars o Brash. So Paulo: Brasiliense, 1985, pp. 42-43; é reproduzida par ale em artigo publicado no
PARA ALtM DOS TI11EUN&S5
234 J ELcIENE Azcvaoo

janeiro de 1870, e traz a seguinte observação, ao final: "E muito convém Iher entregat as crtanças corn 8 anos de idade a uma lnstLtulção publica e
saber-se que esta follia t dirigida pelo Exrno. Sr. Ministro da Justiça". receber 600 nill rCis comb indenização, on rnanter o riascituro sob seu
21 anos de idade, usufruindo de seus serviços. Cf. Chalhoub,
33 Luiz Gama, "0 novo Alexandre", Correio Paulistano, 21 nov., 1869. "S. exc. dominio ate 05
declarou-me, que foi compelido pelo governo a demitir-me, e que o fizera op cit.; e Mendonca, op. cit.
contra a sua vontade! [ ... ] e podia acrescentar - contra o seu dever." 47 "Matrkulas cram registros dos escravos feitos em órgão pOblico (a Cole-
Nessas matriculas cram feitas anotaçöes (as
34 Luiz Gama, "Urn novo Alexandre", Correio Paulistano, 20 nov., 1869. toria) pelos senhores. [...1
35 Arnérico de Campos, "A demissão do senhor Luiz Gama", Correio Paulis- chamadas averbacöes) quando ocorriam rnudanca de residência para outro
tano, 21 nov., 1869. rnunicipio, transferência de dominio de urn senhor para outro, depOsito de
e senhores
36 0 jornal Dezesseis de Jullio, citado acima, havia sido criado pelo então pecilio." Joseli Nunes Mendonca, Cenas da Abolicio. Escravos
São Paulo: Fundacäo Perseu Abramo, 2001,
ministro da justiça, José de Alencar, justamente para fortalecer-se politica- no Parlamento e na Justica.
mente e, principalinente, defender-se dos ataques de Zacarias de Goes, p. 60. Sobre as matriculas dos escravos, ver, ainda, Robert Slenes, "0 que
que, no Senado, não poupava os que haviam promovido sua queda. Dezesseis Ru! Barbosa no queirnou: novas fontes para o estudo da escravidão no século
13, 1, jan.-abr., 1983, pp. 11749.
de juiho, sintomaticamente, era a data da ascensão do novo gabinete con- XIX", Estudos Econ6niicoS, n2
servador Itaboral, do qua! Alencar fazia parte. Cf. R. Magalhaes Jt'inior, 0 Cf. A Abolicio no Parlarnento: 65 anos de luta (18234888). Brasilia:
Jose' de Alencar e sua e'poca. São Paulo: LISA, 1971, pp. 200-3. Editora do Senado Federal, 1988, vol. I, em especial pp. 486-91, que tra-
37 Radical Paulistano, 17 jun., 1869. zem a transcricãO da Lei n 2.040, de 28 de setembro de 1871. 0 Decreto
provava o regulamento para a
38 Ypiranga, 20 jul., 1869. 0 jornal anunciava que a entrada seria franca para n' 4.835, de lade dezembro de 1871 - que a
os meinbros da Loja Maç6nica America. matricula especial dos escravos e dos filhos livres de muiher escrava, pa-
ma a execucão do art. ga da lei de 28 de setembro -' apresentava, porém,
39 Luiz Gama, Prirneiras trovas burlescas e outros poernas. Ed. preparada e
alguns modelos de matricula para situacöes diferentes. 0 "modelo A", des-
comentada por Ligia Fonseca Ferreira. So Paulo; Martins Fontes, 2000,
orrespondia imatricula de "todos os escra-
P. lxxix. crito no art. 1" do regulamento, c
40 Cf., por exemplo, Radical Paulistano, 31 maio e 13 nov., 1869. vos existentes" no Brasil, e seguia as disposicöeS acima mencionadas. 0
determinava que "a matricula sera E'eita no
41 Correio Paulistano, 10 nov., 1871. Esse artigo é assinado por Américo de "modelo B", contido no art. 2 ,
municlpio em que des residem, a vista de relacöes, em duplicata, contendo
Campos (primeiro vigilante), Luiz Gama (segundo vigilante), J. Ferreira , pela forma do modelo B". Nesse mo-
de Menezes, Vicente R. da Silva, Carlos Ferreira, Fernando Luiz Osório e as declaracöes exigidas no artigo l
delo preenchido no municlpio constava: nome, çor, idade, estado, natura-
Olympio da Paixão. Para uma anJise mais aprofundada da relaçao de Luiz
Gama corn a inaçonaria e os envolvirnentos da Loja America em questöes lidade, filiação, profissão e observacöes. Entretanto, esse "modelo B" servia
apenas para que fosse daborado o "resumo geral dos escravos rnatriculados",
de liberdade em São Paulo, ver Elciene Azevedo, op. cit., especialmente o
que deveriam ser remetidos k Diretoria Geral de Estatistica na Corte, "corn
cap. 2. Essa loja maçOnica existe ainda hoje corn o nome de Loja Luiz Gama,
em homenagem a urn dos seus mais ilustres fundadores. especillcacöes relativas ao nárnero de cada sexo, idade, estado, profissão e
42 Radical Paulistano, 23 set.) 1869. residência urbana ou rural, conforme o modelo G" - preceitos estabele-
cidos pelo art. 20. Portanto, a naturalidade do escravo não aparecia na
43 Radical Pauiistano,17 maio, 1869.
44 Radical Paulistano, 17 maio, 1869. matricula geral enviada pelas provincias ao poder central. 'icr op. cit.,
na4.835, de 0 d dezembro de 1871.
45 Radical Paulistano, 23 set., 1869. 0 segundo argumento que sustentava pp. 503-20, referentes ao DecretO
49 Falando na seção do Senado de 26 de junho de 1883, sobre o artigo 8" da lei
sua tese da facilidade da emancipação no Brasil era o de que a população
de 28 de setembro de 1871 e os respectivoS regulamefltbS o conseiheiro
escrava brasileira era incomparavelmente inferior âquelas encontradas nas
Ribeiro da Luz afirmava: "Do exposto se deve concluir que esta lei não sO
colOnias inglesas e francesas, portanto não havia, no Brash, circunstncias
lançou urn véu sobre o passado; maslegalizou a escravidão, existente no Brasil,
comj,arveis as de guerra civil existentes nos Estados Unidos, quando fol Escravos
dos africanos importados depois de 1831". Apud Lenine Nequete,
decretada a emancipacäo. 2.040, de 28 de se-
& magistrados no segundo reinado: aplicacffO da Lei n4
46 Os debates mais acirrados em tomb desse projeto diziam respeito inde-
tembro de 1871. Brasilia: Fundação Petr6nio Portella, 1988, p. 187.
nização dos senhores que se veriamn privados dos "frutos" gerados por ventres e os ane'is, op. cit.
escravos. 0 projeto foi aprovado corn a prerrogativa aos senhores de esco- 50 Cf. Chaihoub, op. cit.; e Mendonca, Entre a mao
PAnA ALM DOS TP.IBUNAIS

236 I ELCIENE Azavsoo


José dos Canipos, 1873. AEsP, CO 4.812.
3 Juii de Direito - NO
51 A postura de Rui Barbosa nesses anos em que era estudante de direito e 4 Juiz de Direito - São José dos Campos, 1873.
colega de Luiz Gama na redação do Radical Paulistano parece ter sido muito 5 Juiz de DireitO - São Jose' dos Campos, 1873,
diferente da que assumiu, como deputado, em 1884. Nas discussöes que 6 Juiz de DireitO - São José dos Campos, 1873.
fluénCia que a experiénCia dos africanos
precederam a Lei dos Sexageulrios, ele mauifestou a necessidade de "pro- P anélise que Mamigoniall faa da in
teção" ao liberto. Mendonça, op. cit., pp. 76-77. For outro lado, nesses livres libertados pelo governo teve sobre cssa discussão é ntuito instigante
anos ele tambérn criticou a postura emancipacionista do governo imperial, preenclidos pelo governo imperial durante as
nesse sentido: "Os escravos a
denunciando o descaso do mesmo durante dcadas em relação ao cumpri- tividades de supressão do tréfico lembraram aos senhores, legisladores,
a
mento da lei de 1831 - incorporando em seus discursos muitos dos argu- especialirkente aos própriOs africanos ile-
autoridades e abolicionistas, mas mandoos para ques-
mentos pie Luiz Gama já havia desenvolvido nesse serstido e pubilcado, em scravizados, sobre sua escravidão ilegal, ar
galmente e
1880, em artigo n'A ProvincIa de Sao Paulo. tion-la". MarnigOflian, To be a liberated African in Brazil, op. cit., p. 259.
52 Eduardo Spiller Pena, op. cit., p. 290. Beatriz Mamigonian levanta hipótese
pie val na anesma direção. Essa autora afirma que o decreto dc 1864, que
emancipou todos os africanos livres, foi, em parte, tanibém unia estratégia
do governo na tentativa de deaviar a atenção do abolicionismo britnico so-
1VOS Co'te,uo:
bre os escravos que permaneciam em condiçoes ilegais. Cf. To be a liberated f tIA. M410
african in Brazil, op. cit. pp. 261-62. Sobre Perdigão Maiheiro e a repercussão 2 MARIA Ll1O4 f L4Mx)t1" (tv)
de seu livro Escravidäo no Bras!.!, ver ainda Sidney Chaihoub, op. cit.
3 kLX4T (4')
53 Correio Paulistano, 21 nov., 1869.
54 Juiz de direito - São José dos Campos, 1873, AEsP, CO 4.812. j40(Jf.S
(,e/l1fDI (C.iJLtJ!2.A)
55 Juiz de direito - São José dos Campos, 1873. Grifo nosso. S- f(LH''6
56 Autos de recurso crime: a justiça contra Luiz Gama, apud Autos crimes de tVlY(
injiiria: a justica contra Luiz Gonzaga Pinto da Gama, 1872. t
- w-ro iiA
57 Em 1865, foi diplornado comerciante na vila pelo Tribunal de Comércio da
ILVI ij&&&'( (r
Corte. Dessa atividade resultou uma intensa e volumosa correspondência
corn diversas sociedades e firmas particulares, mantida corn grandes centros - v&
comerciais como Rio de Janeiro, Santos, São Paulo, Ubatuba. Essa documen- LM
tação abrange urn periodo de quase 60 anos (1836 a 1895) e se encontra no
actor de Documentação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciénclas Huma-
nas da Universidade de São Paulo. Conferir a listagem organizada por Ana
Maria de Almeida Camargo, "Correspondncia comercial de Bento Gomes
de Escobar", in Euripedes Siniöes de Paula (org.), Revista de I-Iistdria, XLV.
São Paulo, 1973, pp. 57-95.
58 Idem, op. cit. Os dados biográficos apresentados pela autora foram forne-
cidos pela neta de Escobar, Rosaura de Escobar Ribeiro da Silva.
59 Autos de recurso crime: a Justica contra Luiz Gama. Infelizmentc, não tive
acesso ao processo. Contudo dc é citado, sintomaticarnente, na conclusão
do juiz municipal que julgava o caso de Luiz Gama, como exemplo seme-
Ihantb de crime de caliinia e inj1iria que havia sido levado a jui. Ver Autos
crimes de injária: a justica contra Luiz Gonzaga Pinto da Gama, 1872.
60 Ju.iz de direito - São José dos Campos, 1873. AESP, CO 4.812.
61 Correio Paulistano, 20 nov., 1869.
62 Correio Paulistano, 20 nov., 1869.

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