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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE DIREITO

Disciplina: Sociologia Jurídica

Tema: Sistema Matrilinear Avuncular

Docente: Me. Joaquim Fumo

GRUPO 3

Discentes:

CHIVITE, Eva; MANDLATE, Eliana;


CUMBANE, Salva; MATOLA, Nicolle Duarte;
CORREIA, Malaika; PEQUENINO, Florinda;
DOMBO, Fátima Tomás; PONDZA, Ana Francisco;
FRANÇA, Yurika Dália; TEMBE, Hubert Albert; e
INGUANE, Edna Carlos; WADE, José António.

Maputo, Maio de 2023


Índice
1 Introdução............................................................................................................................3

2 Sistema Matrilinear Avuncular..................................................................................4

2.1 As Sociedades Macua............................................................................................4

2.1.1 Os Ritos De Iniciação e Entrada Para a Vida Adulta......................4

2.1.2 Formação Da Família Nas Sociedades Macua...................................5

2.1.3 Direitos de Sucessão e Herança:..............................................................6

2.2 A Sociedade Yao.......................................................................................................7

2.2.1 Os Ritos de Iniciação e Entrada Para a Vida Adulta......................7

2.2.2 Formação da Família nas Sociedades Yao..........................................8

2.2.3 Direitos de Sucessão e Herança...............................................................9

3 Conclusão...........................................................................................................................11

4 Referências Bibliográficas:.......................................................................................12

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1 Introdução
Os sistemas linhageiros são sistemas que vigoram em Moçambique, sendo os indivíduos
ligados por traços de linhagem. Conferimos que existem dois sistemas linhageiros que
vigoram em Moçambique: o sistema matrilinear avuncular e o sistema patrilinear.

Por sua vez estes sistemas são bastante diferentes no sentido de que estes apresentam
características divergentes. O sistema matrilinear é típico da região norte onde a mulher tem
uma grande importância, o homem desempenha um papel no seio social e não familiar na
mesma verifica-se que a característica principal é o poder avuncular, por sua vez o sistema
patrilinear o pai é o chefe da família onde a mulher está submissa a ele, encontrando como
principal característica o poder centrado no homem (poder patrilinear).

O presente trabalho tem como prioridade fazer uma abordagem sobre o sistema matrilinear
avuncular, passando a citar os objectivos principais:

• Definição do sistema matrilinear avuncular;

• Exemplos de sistemas matrilinear avunculares existentes em Moçambique;

• Falar das particularidades dos sistemas macuas e yao.

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2 Sistema Matrilinear Avuncular
O sistema matrilinear avuncular é um sistema de filiação no qual só a descendência
pela linha materna é levada em conta. As famílias têm como base a mulher, mãe ou filha.
Na matrilinhagem a mulher possui papel importante e de prestígio, porém o sistema é
patriarcal, onde o homem assume os papéis económicos e social na comunidade.

A títulos de exemplo podemos ter as sociedades matrilineares Macua e Yao, no


nosso país.

2.1 As Sociedades Macua


A sociedade Macua é o maior grupo etnolinguístico de Moçambique, lidera a maior parte
do norte do país e o norte da Zambézia. Nesta sociedade a autoridade corporiza-se no papel
do Atata, o tio materno, e daí vem o princípio de avunculado, onde se institui a autoridade
do irmão da mãe em relação ao filho da irmã. A matrilinhagem determina que a
descendência é pela via uterina.

2.1.1 Os Ritos De Iniciação e Entrada Para a Vida Adulta


Nas sociedades Macua os ritos de iniciação representam um importante momento
aquando da integração do indivíduo na sociedade, tanto de rapazes quanto de meninas. Os
ritos específicos para as raparigas são denominados Emwali e para os rapazes Masoma.
Participar destes ritos de iniciação significa sair da infância e entrar para a vida adulta,
passando a poder contrair matrimónio, participar de cerimónias tradicionais, falar em
reuniões, conviver com os adultos e participar de festas e funerais. Os ritos produzem
sujeitos definidos e desejáveis dentro de uma sociedade e são um processo que regula as
práticas do sujeito. As jovens meninas são submetidas aos ritos de iniciação após o

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aparecimento dos seios, da primeira menstruação ou outros sinais fisiológicos, onde passam
pela educação sexual, valores socioculturais, deveres sexuais e para com o marido. Às
raparigas é também ensinado que não se podem casar com homens da mesma linhagem.
Depois de passarem por este processo são vistas por toda a comunidade como adultas e
consideradas com idade para casar, o que muita das vezes não vai de acordo com a lei
formal do Estado que estabelece que a idade para casamento é os 18 anos.

Já os ritos de iniciação nos homens estimulam a prática da poligamia, que faz com
que se procure cada vez mais meninas menores.

2.1.2 Formação Da Família Nas Sociedades Macua


Aqui é importante que não se casem pessoas da mesma linhagem e não se pratique o
incesto. O grupo macua pratica o casamento UXORILOCAL e exogâmico , onde após o
casamento o homem abandona a sua povoação e fixa-se na residência da família da esposa,
o que traz vantagens aos direitos desta. Havia responsabilidade de gerar filhos e o tempo do
homem na casa da família era limitado (até ao nascimento do primeiro filho ou à
construção da primeira palhota). Depois disto o casal podia fixar-se numa residência
própria, de acordo e dependendo com as condições que houvessem.

Nos últimos tempos nota-se a prática dos casamentos virilocais, onde a mulher
abandona a casa da família e junta-se à comunidade do marido, por influência do
islamismo, cristianismo e do colonialismo. Nestes casos a união não implicava fazer um
lobolo como nas sociedades patrilineares, até porque o lobolo não tem sentido nas
sociedades matrilineares. A mulher continua com os seus direitos após os casamentos e o
marido não tem obrigação para com o grupo da mulher, porém quando o casamento for
dissolvido as crianças ficam com a mãe.

O casamento mais comum é o monogâmico mas a poligamia é permitida como


demonstração do status social para os chefes e para os homens de muitas posses. Nos
casamentos poligâmicos a primeira esposa ocupa lugar especial e tem autoridade em
relação às outras, consente o casamento entre o marido e outras mulheres.

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Na comunidade macua o dever de fidelidade é importante, havendo situações em
que relações extraconjugais são permitidas, a citar algumas:

1- O marido dar a esposa a um hóspede que esteja de visita;


2- Quando amigos decidem fazer troca de esposas como o sinal de amizade;
3- Caso de esterilidade em que o cônjuge fértil relaciona-se com um amigo ou
amiga para gerar um filho legítimo;

2.1.3 Direitos de Sucessão e Herança:


A transmissão ocorre por via uterina, dentro do princípio de avunculado. Em caso
de morte do tio, o sobrinho materno é quem herda os bens, ficando a viúva com a palhota,
as machambas e os bens alimentares. Nas cerimónias de viuvez a mulher era purificada,
raspada o cabelo, tomada sexualmente e passava então a fazer parte da herança. O sobrinho
materno tem a preferência dentro da classe dos sucessíveis. Actualmente as práticas
tradicionais vêm sofrendo mudanças, como nos casos em que os filhos e/ou irmãos do
defunto têm direito a herança e o desuso no qual tem entrando a prática dos ritos de viuvez.

Nos dias de hoje encontramos dois tipos de sistemas de sucessões: o primeiro no


qual prioriza-se o sobrinho materno mais velho, seguido do irmão mais velho do defunto e
por fim seus ascendentes e varões; e o segundo no qual primeiro estão os irmãos do
defunto, sobrinhos descendentes, seus descendentes, ascendentes e por fim as viúvas.

Nota-se também que o sistema dos Macua tem-se aproximado cada vez mais do
patrilinear por conta das práticas verificadas, como por exemplo: a virilocalidade no
casamento, a herança dos bens pelos filhos, a individualização da família conjugal, a
transferência do poder sobre os filhos do tio materno para o pai, a fragmentação da
linhagem e o desenvolvimento da poligamia.

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2.2 A Sociedade Yao
Os Yao são uma sociedade localizada na actual província do Niassa. Os Yao
mantêm uma identidade própria onde quer que eles estejam, uma vez que são um povo que
já passou por vários processos migratórios.

A autoridade corporiza-se também no tio materno, o Asyene Mbumba. Os Yao


constituem-se em comunidades matrilineares denominadas Mbumbas. A linhagem
determina que a descendência é feita pela via uterina. Entre os Yao os filhos pertencem à
mãe e assim sendo, ao irmão desta, que possui todos os direitos sobre os sobrinhos, quase
como se de filhos se tratasse. Nota-se que em alguns casos o tio é até mais autoritário que o
próprio pai, tendo os sobrinhos mais medo do tio do que do pai. As crianças são criadas e
educadas pelo tio materno.

O pai não tem autoridade sobre os filhos nem sobre a mulher; estes pertencem ao
Njamba, o tio. Algumas consequências são verificadas neste sistema como é o caso de:

 A mulher praticamente não pertencer ao marido e não poder entregar-se


completamente a este, tendo até a capacidade de, com o consentimento do irmão,
tirar o marido de casa;
 Os filhos nascidos da união pertencerem ao tio materno.

2.2.1 Os Ritos de Iniciação e Entrada Para a Vida Adulta


Nas comunidades Yao, os ritos de iniciação são importantes para a mudança de
estatuto e integração da criança na vida adulta. Tanto os rapazes quanto as raparigas são
submetidos a estes ritos quando sua posição na família muda, e passam a ser tratados como
adultos. Os rapazes começam a construir, no quintal da mãe, a palhota que passa a servir de
habitação e as raparigas começam a praticar com as mães o governo da casa e por volta dos
15 ou 16 anos começam já a pensar em casar.

Lupanda, ou Jando, é como se designavam os ritos nos homens. Com a islamização


foram acrescentados rituais preceitos como a proibição de consumo de carne que se

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encontrasse em estado de apodrecimento, o consumo de bebidas espirituosas e as idades
dos iniciandos que reduziu dos 15-17 anos para as idades entre os 7 e os 11 anos.

A cerimónia de iniciação na rapariga era o Unyago wa Ciputu e acontecia com


meninas entre os 8 e 10 anos, onde já houve o costume da clitoridectomia (uma espécie de
circuncisão feminina), que não mais é praticado. As meninas são ensinadas os deveres das
mulheres e a forma de os cumprir pela madrinha. São ensinadas os deveres sexuais e têm a
sua virgindade tirada com um msondo. E com influência da islamização algumas regras
passaram a ser impostas às meninas:

 A menina não pode passar de um lugar onde se encontrem pessoas mais velhas sem
cumprimentar;
 Não deve passar junto de qualquer homem que tenha um palito na boca ou meter o
dedo no ouvido diante destes, é considerado um desrespeito, um insulto.

2.2.2 Formação da Família nas Sociedades Yao


Aos rapazes é exigido que façam a circuncisão e às meninas, que sejam iniciadas. O
casamento mais comum é o exogâmico uxorilocal, onde o noivo fixa residência em casa da
esposa depois do casamento. O casamento entre uma escrava e um chefe ou homem comum
era virilocal, o filho herdava o apelido do pai; o casamento entre um escravo e uma mulher
livre era uxorilocal e o de escravo com escrava gerava filhos sem linhagem. Depois da
islamização o noivo passou a ter a obrigação de contemplar o pai da noiva com um presente
Ndoua, sendo o tio da noiva o intermediário, quando antes da islamização o noivo somente
informava ao tio da noiva que se pretendiam casar.

O não presenteamento dos pais da noiva é muita das vezes causa de aborrecimento na
vida do homem que passa a ser alguém sem voz na casa dos sogros, por vezes virando até
escravo da sogra e da mulher, passa a ser submetido a vários tipos de humilhações e tem a
possibilidade deste ser expulso do lar. Os Yao praticam casamentos poligâmicos, onde a
primeira esposa devia ser respeitada pelas demais como se de uma mãe se tratasse, uma vez
que é a mulher mais amada e mais bem tratada, denominada Abibi.

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Entre os Yao nós podemos citar, como motivos para o divórcio, os seguintes:

1- Doenças graves de um dos cônguges, como a tuberculose;


2- Esterilidade;
3- Impotência do marido;
4- Convicção de que um dos dois é feiticeiro;
5- O homem ter certo vício em jogos, álcool e outros.
6- Maus tratos, entre vários outros.

No casamento uxorilocal, embora a responsabilidade de construir bens imóveis seja do


homem, o direito de propriedade sobre casas, celeiros pertencem à mulher.

O direito sobre os bens móveis é exercido separadamente. A mulher possui campos


privativos e os frutos destes somente a ela pertencem, tendo obrigação de alimentar o
marido, a si e aos filhos. À mulher pertence tudo o que está na casa como camas, roupas,
loiça, os adornos e o marido possui os campos privativos onde cultiva, as bicicletas,
enxadas e instrumentos diversos.

2.2.3 Direitos de Sucessão e Herança


Verifica-se a sucessão legítima. Dá-se pela linha transversal feminina, sendo o herdeiro
o filho mais velho da irmã mais velha do homem que deixa a herança. Segundo os
costumes, o herdeiro fica também com as viúvas do falecido, podendo este repudiar as tias
por considerá-las mais velhas, dando permissão e liberdade para contraírem novo
casamento. Se o tio falecido tiver sido uma pessoa de excelente reputação há interesse em
manter as viúvas com o herdeiro. Se o herdeiro for adulto, ele tem a responsabilidade de
herdar as viúvas, mas em caso de menoridade ou incapacidade, os irmãos do falecido
herdavam as esposas.

Quando o falecido é um chefe, é sucedido pelo herdeiro considerado legítimo se tiver


características de líder ou pelo próximo na linha de sucessões se também tiver estas
características. Este herdeiro herda as viúvas podendo também concedê-las a liberdade de

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se casaram de novo, com excepção da Abibi, a esposa principal, a rainha, que assume papel
de conselheira.

O herdeiro tem o direito de dividir a herança pelos irmãos e irmãs pelo asyene mbumba
e por outros notáveis da comunidade. No caso de menoridade do herdeiro, é-lhe atribuído
um tutor do parentesco do falecido chefe.

Para concluir, trazemos aqui as classes sucessíveis nos Yao:

1- Sobrinho mais velho;


2- Irmãos;
3- Irmãs;
4- Sobrinhas (filhas da irmã por idade);
5- Mãe;
6- Chefe da povoação.

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3 Conclusão
O sistema matrilinear é um sistema típico do norte de Moçambique onde há predominância
do poder avuncular. Verificamos ao longo da pesquisa que este sistema tem sofrido
alterações ao longo dos tempos na medida em que adopta alguns traços do Sistema
patrilinear no âmbito da adoção do casamento virilocal por exemplo perdendo assim a sua
essência.

Por outro lado, apesar dos sistema matrilinear ser único, há certas peculiaridades em cada
grupo etnolinguístico pois cada grupo reflecte a sua essência no seu sistema. Ao longo da
pesquisa chegamos a conclusão de que nas sociedades yao ou ajauas os ritos de iniciação
são mais agressivos para as mulheres pois passam pela circuncisão feminina que apenas
congregam vantagens (sexuais) aos homens e não necessariamente às mulheres. Em suma,
chegamos a consenso de que o sistema é patriarcal pois não há relações de igualmente de
género.

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4 Referências Bibliográficas:
1- Estudo etnográfico das normas das populações locais para resolução de conflitos e
sua relação com o acesso ao Direito e à justiça em Moçambique; Relatório do
projecto-piloto dos distritos das províncias de cabo delgado, Nampula e Niassa CFJJ
2- OSÓRIO, Conceiçao; MACUACUA, Ernesto, Os ritos de iniciação no contexto
actual – ajustamentos e confrontos.
3- https://pt.m.wikipedia.org/wiki/matrilinearidade
4- https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Macuas
5- JUNOD, Henry; Usos e Costumes Bantu

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