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Índice
Introdução.........................................................................................................................................3
1. Família em Moçambique...........................................................................................................4
1.2. Sistema de parentesco em Moçambique................................................................................4
2. Critica do parentesco: O caso Macua........................................................................................5
2.1. Sistema de parentesco macua................................................................................................5
2.2. Origem Macua...................................................................................................................5
2.3. Tipos de Parentesco Macua...............................................................................................5
2.4. Terminologia macua..........................................................................................................5
2.5. Outras relações de parentesco............................................................................................7
2.5.1. Normas...........................................................................................................................8
2.5.2. Funções..........................................................................................................................8
2.5.3. Forma.............................................................................................................................9
2.5.4. Residência...........................................................................................................................9
2.5.5. Filiação...........................................................................................................................9
2.6. Distribuição do poder.........................................................................................................9
3. Casamento em Moçambique...................................................................................................10
4. Lobolo em Moçambique: “ Um velho idioma para novas vivencias conjugais ”...................11
4.1. As primeiras configurações do Lobolo................................................................................12
4.2. Lobolo e o passar do tempo: a permanência do costume.......................................................19
5. Conclusão................................................................................................................................21
6. Referências Bibliográficas:.....................................................................................................22
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Introdução
O presente trabalho de carácter avaliativo visa abordar temas relacionados a família e
casamentos em Moçambique, onde iremos abordar acerca da critica do parentesco: caso macua,
que é um sistema de linhagem unilinear, matrilinear, uxorilocal e exogâmico. Nesta parte
abordaremos, os pontos específicos que abrangem a area da linhagem na sociedade macua.
Veremos posteriormente a cerimónia, denominada de lobolo que é a grosso modo a cerimónia de
casamento entendida como “tradicional” no sul de Moçambique, na qual a família do noivo
oferece bens para a família da noiva em troca do casamento. A partir disso, será traçada uma
breve relação histórica sobre a sua constituição e, principalmente, a importância da mesma para a
organização social de Moçambique.
Dessa forma, é necessário analisar o lobolo buscando compreender de que forma ele foi
instituído, mas também como foi modificando-se e, especialmente, a maneira como é encarado
pela sociedade moçambicana.
No diz respeito a organização do trabalho, este encontra_se estruturado da seguinte maneira:
introdução, desenvolvimento, conclusão e referências bibliográficas.
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1. Família em Moçambique
Se, por um lado, o parentesco constitui o sistema das relações de produção, por outro lado,
ele é o conjunto de laços que une geneticamente (por filiação ou descendência) ou
voluntariamente (por aliança ou pacto de sangue) um certo número de indivíduos.
Parentesco é essencialmente uma relação social e nunca coincide completamente com a
consanguinidade, isto porque, com o parentesco biológico, cada indivíduo teria efectivamente um
número muito elevado de parentes.
Para que o parentesco possa ser um princípio lógico de classificação quer de uns indivíduos
em relação a outros, é necessário que nem todos os consanguíneos sejam reconhecidos como tal.
Certas categorias devem ser excluídas do parentesco.
Assim, pode-se considerar apenas uma linhagem com a exclusão da outra, isto é, uma
filiação unilinear em linha paterna ou materna. Também pode-se reconhecer ao mesmo tempo o
parentesco do lado paterno e do lado materno, constituindo filiação bilateral.
Considera-se linhagem um grupo de parentes que descendia de um antepassado comum
através de uma filiação paternal ou maternal.
Em Moçambique, na definição do parentesco, o princípio mais generalizado é o da filiação
unilinear, isto é, privilegia-se uma única linha, podendo ser materna (Sul de Moçambique), onde
o parentesco se transmite pela linha do pai, ou seja, o parentesco é transmitido ente homens, de
pai para filho, perdendo-se nas mulheres, ou materna (Norte de Moçambique), onde o parentesco
transmite-se pela mãe, ou seja o parentesco é transmitido entre mulheres, da mãe para filha,
perdendo-se nos homens.
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b) Irmãos da mãe:
EGO e os n°.4 e 5 chamam a MZ AMAYIAKANE (AMAMAHANE) «mãe pequena».
Ela (MZ) chama a EGO e aos n°.4 e 5 MWAN ´AKA (ANAKA, plural), e em relação
apenas a EGO pode usar o nome de AHALU (o resto).
c) Irmãos do pai:
EGO chama aos irmãos do pai, sem distinção de sexo, ATITHI AKANE (APAPA
AKANE), «pai pequeno». EGO só à irmã do pai (FZ) pode chamar com o nome de
AMATI.
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2.5.1. Normas
O matrimónio é exogâmico. Como base da estrutura social e política dos macuas está
o “nihimo” tribo. Eles sustentam a explicação como sendo legítima a descedência da
proveniência feminina, isto é, matrilinear. “Na filiação matrilinear, a família pode ser um
conjunto de indivíduos de vários segmentos de linhagem consanguíneos pertencentes a
uma mulher, antepassada conhecida, a cabeça da linhagem como referência comum de
lado materno.
Outros indivíduos doutras linhagens, também podem fazer parte deste coletivo ou pelo
casamento, ou desde que haja concordância entre todas as partes.”
2.5.2. Funções
2.5.3. Forma
O matrimónio macua admite as seguintes formas:
Monogamia (na generalidade);
Poligamia (admitida, normalmente, como factor e sinal de poder, grandeza e
riqueza e igualmente em caso de esterilidade ou doença grave permanente da
esposa); normalmente, é praticada pelos chefes e por pessoas economicamente
bem situadas.
2.5.4. Residência
A residência é um elemento importante na organização social do povo macua, pois
determina o tipo e a intensidade das relações quotidianas dos indivíduos na comunidade. O noivo,
na sociedade macua, vai viver com a família da esposa, pelo que, quanto à residência, o
matrimónio é «uxorilocal».
2.5.5. Filiação
A forma de descendência no povo macua é matrilinear; a pertença ao grupo de
descendência é transmitida pelas mulheres por «via uterina».
Na sociedade macua, apesar de a descendência ser transmitida pelas mulheres, as funções
politicas, económicas e sociais são exercidas pelos homens de filiação, e não pelas mulheres; por
isso mesmo, não se pode falar de matriarcado. Há, todavia, de reconhecer o papel especifico da
mulher em muitos casos de vida politica e social. O que existe, bem articulado e desenvolvido, é
o avenculado.
O clã reúne todas as pessoas que descendem unilinearmente (nestes casos matrilinearmente)
de um antepassado comum, não se podendo, todavia, provar as relações genealógicas efectivas. A
linhagem, pelo contrario, agrupa todos os familiares consanguíneos que podem demonstrar a sua
descendência de um mesmo antepassado comum. Um clã pode conter, de facto, varias linhagens,
e integra a sociedade a um nível mais amplo.
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3. Casamento em Moçambique
do casamento. Se o não fez, pode ser o próprio noivo a indicar-lhe o local e o modo como
efectuar esse golpe.
O objectivo destes cortes é para que o noivo os tacteie e tacteando-os possa despontar toda
a sua virilidade. É uma forma de se sentir homem. Coisas que a tradição a muito custo vai
mantendo.
Aqui a festa é apenas nesse dia, caso as condições económicas não permitam mais. Nela
participa todo o bairro, mesmo que não seja convidado para o banquete.
Pela tradição, o casamento não seria “permitido” a menores de 18 anos, sendo proibida
qualquer experiência pré matrimonial. Só que a tradição já não é o que era.
Os noivos não são predestinados pela família. Cada um escolhe livremente.
Hoje pode namorar um ou uma e amanhã já pode ser outro ou outra.
Se por acaso houve algum filho durante o período do namoro, mesmo assim não são
obrigados a casar-se. Regra geral, o pai assume a paternidade sustentando o filho. Outras vezes só
em Tribunal. Algumas vezes não assume, abandonando completamente a rapariga e o filho.
Os casais podem livremente separar-se. Partem para outra, como se diz.
É habitual que sejam os tios a assumir o cuidado das crianças quando os pais estão
incapacitados para delas cuidarem. Ou quando ocorre o falecimento.
É claro que estas tradições se vão diluindo com o passar dos tempos. Ocidentalizam-se também
estes usos e costumes.
A Lei, em Moçambique reconhece três modalidades de casamento – Civil, Religioso e
Tradicional.
Para além da questão do pagamento em si, o lobolo compreende não apenas uma forma de
agradar a família da noiva ou de mostrar poder, mas também um modo de se fechar alianças, bem
como de reconciliar tanto problemas do presente quanto do passado em relação aos ancestrais.
Ele é importante para a regulamentação social e ultrapassa o seu valor material.
A cerimónia inclui o noivado, a determinação do bridewealth ou o “preço da noiva” e a produção
das oferendas para a família da noiva, podendo ser gado, roupas e enxadas, como nos tempos
anteriores, e nos tempos actuais, com o valor em dinheiro, por exemplo. Sobre as questões
referentes ao “preço da noiva”, é importante discutir quais os significados dele para não cair em
uma simplificação perigosa de se entender a cerimónia como apenas a compra da noiva.
Osmundo Pinho produz uma análise profunda e interessante, explanando que o lobolo não pode
ser visto como uma vulgar compra da noiva. O autor aponta que um dos aspectos que caracteriza
esta questão é a de que a noiva não se torna uma escrava, nem uma propriedade individual do
marido, mas sim passa a fazer parte da família do noivo, bem como da comunidade onde passará
a residir
Uma das primeiras interpretações sobre esta prática é encontrada nos estudos feitos por
Henri Junod, no início do século XX. Segundo o antropólogo, para que a cerimónia de casamento
seja completo é necessário que se estabeleça o bridewealth. Com isso, o pagamento é importante
para a cerimonia e vai se modificando de acordo com o contexto histórico em que se vive.
Exemplos disso, são que, em um primeiro momento, antes do contacto com os brancos, o
pagamento poderia ser feito através de esteiras e objectos de vimes. Após a relação com os
europeus e com a mudança dos sistemas de valores materiais, o pagamento poderia ser efectuado
com grandes anéis de ferro, possíveis de serem obtidos por trocas, o que demonstra a
interferência do lobolo também na economia, como explica Junod. Os bois, ou outro tipo de
gado, também foram muito presentes para a troca. Com a diminuição destes, já ao final do século
XIX, que Junod aponta, sendo causada por guerras com os Zulu, as enxadas e as contas ganharam
grande espaço na cerimónia. Posteriormente, as enxadas foram substituídas pela libra esterlina.
Já na contemporaneidade, vemos que entre os presentes oferecidos pela família do noivo, existe a
oferta de dinheiro e de tecidos para toda a família. Observa-se esse fato, no exemplo de lobolo a
seguir, ocorrido em 2003:
Para além de 2.500.000 meticais (85 euros) de lobolo e 500.000 (17 euros)
de multa pelos filhos anteriormente concebidos, teríamos que levar roupa
completa para a noiva, seu pai e sua mãe, rapé e uma capulana para
cada avó, um lenço, uma grade de cervejas, outra de refrescos, um
garrafão de vinho tinto e uma garrafa de vinho branco. É ainda
necessário contar com notas de 10.000 meticais para colocar em cima de
cada grade, garrafão ou garrafa, com 20.000 para ver cada um dos
sogros vestidos, e com 50.000 meticais para ver a noiva. Será também
prudente levar mais algum dinheiro, para podermos corresponder a
alguma exigência de última hora, ou a eventuais regateiros destes
valores habituais. (GRANJO, 2004:3)
Agora, recuando novamente no tempo, se faz necessário analisar mais profundamente questão do
gado na cerimónia muito presente até o final do século XIX, aproximadamente.
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Isso devido ao fato de se poder perceber através desse tipo de pagamento, a maneira como o
lobolo pode interferir na economia e nas relações sociais. Adam Kuper aponta, para o que ele
chama de “cattle complex”, baseado em Herskovits, que escreve: “Cattle, except for their milk,
O gado como o maior bem, ao ser entregue para a família da noiva, não fica em posse das
mulheres, mas sim do elemento masculino. Isso significa que aquele gado será utilizado
provavelmente para que o irmão da noiva lobole uma esposa e consiga um casamento.
Às mulheres loboladas, entre os Tsonga, são imputadas responsabilidades e obrigações –
envolvendo dívida, honra e prestígio – que não se limitam ao mero papel de reprodução. Neste
sentido, justifica-se, pelo menos neste grupo, a relação entre o lobolo e a união conjugal. O
exemplo dos Bavenda citado por Jeffreys ilustra uma variação das regras e a complexidade do
conceito, duas características aplicáveis aos subgrupos Tsonga do Sul de Moçambique.
António Rita-Ferreira reforça a perspectiva colectiva de compensação entre os grupos
afirmando que o lobolo “era considerado como uma troca de serviços entre duas famílias
pertencentes a clãs diferentes; uma delas cedia à outra, a capacidade procriadora de uns dos seus
membros, e para ser compensada pela perca, recebia determinados bens (lobolo) que,
normalmente, eram destinados a aquisição de uma noiva para um dos irmãos da recém-casada”
(Rita-Ferreira, 1971: 1). No entanto, Rita-Ferreira não compactua com a perspectiva meramente
económica do ritual demonstrando o que designou de “funções múltiplas do lobolo”:
Portanto, o lobolo opera como um mecanismo de controlo e organização social a partir da troca
de mulheres enquanto unidades de reprodução. Rita Ferreira ainda não observa o lobolo enquanto
uma forma de união conjugal em que se estabelece uma aliança entre grupos. A troca da unidade
reprodutora compensada pelos bens não exclui a mulher e nem mesmo os filhos de continuarem
ligados ao grupo materno. É esse raciocínio de Radcliffe_Brown que merece seguimento pela
ênfase, mais aprofundada, que atribui ao vínculo social das formas de casamento em África.
Segundo o autor, o primeiro reparo é que o termo “dote” é indevidamente aplicado no contexto
africano. Diz ele que “o dote não existe na África, embora os escritores que não sabem, ou não se
importam com o significado das palavras, usem o termo “dote” inapropriadamente para referir a
prestação de casamento” (Radcliffe_Brown, 1974: 66).
O segundo e importante reparo teórico é que, de acordo com Radcliffe_Brown, em África, “o
casamento é uma aliança entre dois grupos de parentes que têm interesse em comum no próprio
casamento e na continuidade deste, e na prole resultante da união, que serão naturalmente
parentes de ambos grupos”. É verdade que África é caracterizada por contextos culturais
diversificados, existindo outras formas de casamento que não cabem nos termos acima, mas pelo
menos em relação ao lobolo no Sul de Moçambique essa aliança se procede sem significar
“compra da mulher”. Esta é uma visão antropológica que, em certa medida, aportou falácias
políticas engajadas contra as práticas tradicionais.
Para se desfazer destas incompreensões do casamento em África é fundamental, de acordo
com Radcliffe_Brown, explorar a dimensão simbólica deste evento. A prestação paga não é
redutível ao valor económico dos bens ou serviços exigidos aos parentes do noivo, ela representa
um mecanismo para legitimar oficialmente tanto essa passagem da mulher de um grupo para o
outro, quanto a própria aliança (mais ou menos duradoira) entre eles. Em outras palavras, o
reconhecimento legal de um casamento tradicional é oficializado pela prestação paga mas
envolve uma série de lógicas, significados e valores sociais, em negociação, que sufocam o
económico. Ora, pode-se compreender uma expressão do simbolismo deste evento na “ruptura
parcial das relações (destaque para o termo parcial) entre a noiva e os seus parentes imediatos”.
De acordo com Radcliffe_Brown o que esta em causa é o seguinte:
(…) como na maior parte das sociedades, a mulher ao casar deixa a sua
família e vai viver com o marido na família deste. A família dela sofre
uma perda. Seria, porém, um grande erro pensar que esta perda é de
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Lévi-Strauss, no seu livro Estruturas Elementares de Parentesco, sublinha que o processo de troca
que se opera no lobolo não se pode reduzir ao pagamento. O autor se refere, igualmente, ao
debate sobre o “preço da noiva” entre os Bantu citando Junod como fundamento etnográfico para
as suas argumentações. Sustenta que “o lobola não pode ser um dote – porque não acompanha a
noiva, mas é recolhido a família desta – nem um pagamento”. De acordo com Lévi-Strauss, o
objecto de transacção inerente ao lobolo é o gado. Nesse sentido, antes se arrisca à generalização
da importância do mesmo:
Os grupos que participam no casamento estabelecem uma aliança através do lobolo, como
referencie anteriormente, essa aliança que insere reciprocidade é justificada por Lévi-Strauss
como um dos factores explicativos para que a troca não seja reduzida à compra ou simples
pagamento. Escreve o autor que:
A transferência do lobola não representa uma compra unilateral, mas, como
contrapartida da filha, afirma a bilateralidade do vínculo. (…) O
cumprimento dos ritos matrimoniais não determina o fim das obrigações
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Trata-se efetivamente de uma prática que estabelece circuitos de relações entre grupos, ou seja,
“como o fio que corre através do tecido, o “lobola” estabelece, portanto, uma série indefinida de
conexões entre membros do mesmo grupo e entre grupos diferentes” (Ibid.). A lógica de
redistribuição de gado para outras uniões dentro do grupo coexiste, actualmente, com a
possibilidade de pagamento do lobolo de forma independente – o indivíduo (noivo) passou a
exercer o pagamento do lobolo se desfazendo parcialmente desse circuito colectivo. Entretanto,
esta visão sociológica do ritual permite um questionamento profundo deste tipo de
transformações.
Este aporte teórico é mais significativo se for pensado em relação à importância do ritual no
quotidiano dos moçambicanos no sul. A crença predominante é que o kupahla14 (ato de
veneração aos antepassados), inerente ao lobolo, permite que os atores em processo de união
estabeleçam uma comunicação aos espíritos dos antepassados sobre a aliança das famílias. O
kupahla representa um pedido de aprovação do matrimónio dirigido aos ancestrais, na expectativa
de que estes velem pela estabilidade e protecção do casal. Note-se que a fertilidade da mulher é
destacável no pedido, a honra masculina não deixa espaço à possibilidade de infertilidade do
homem. Granjo reafirma a importância da crença nos antepassados escrevendo o seguinte:
Bagnol (2008) destaca a “questão terapêutica do lobolo explorando como o ritual constitui, por
exemplo, um recurso para interpretação do infortúnio na gravidez.” A percepção é que os
espíritos insatisfeitos pela ausência do lobolo provocam a morte de uma das crianças em
gestação, tendo implicações nas relações conjugais de um casal com o qual a autora trabalha.
Com efeito, a realização deste evento restitui, de forma terapêutica, uma estabilidade conjugal
conduzindo a explicação dos problemas cotidianos para outros cantos da vida social.
José Negrão faz referência à relação entre a crença nos espíritos dos antepassados e o lobolo, se
debruçando, especificamente, sobre a questão da terra em Moçambique. Como se gere a muti no
sul de Moçambique? “Muti” é a mais pequena unidade espacial de habitação, produção e
consumo da família rural” que é cedida em função da união conjugal formalizada através lobolo.
Neste âmbito, segundo o autor, o “lobolo não representa somente a garantia de transferência dos
potenciais filhos de um espaço territorial para outro, mas também a expressão pública de que a
família receptora da filha lhe garanta acesso à terra para habitação, agricultura e recolecção”
(Negrão, 2000: 8).
Portanto, o mecanismo que garante o acesso local a terra, neste caso, é o lobolo alicerçado,
igualmente, pela crença de que qualquer outra forma de acesso não reconhecida será alvo da
acção malévola dos espíritos. O que significa que a comunicação aos espíritos exercida no lobolo
legítima, igualmente, o direito à terra para a nova família. Ressalvo, em maiúsculo, a questão dos
espíritos dos antepassados no discurso sobre o lobolo como forma de salientar a sua importância
no quotidiano dos moçambicanos no sul do país. Peter Fry, analisando a guerra civil em
Moçambique, 16 sublinha a pertinência dessa crença:
5. Conclusão
Neste trabalho discorremos sobre a análise das mudanças no ritual do lobolo no sul de
Moçambique a partir da relação entre a literatura antropológica sobre o casamento e duas
experiências de união conjugal na cidade de Maputo.
O lobolo enquanto um ritual visto no contexto das práticas tradicionais se revela como uma
forma de “poder”. A influência da crença inerente ao ritual era exercida por indivíduos com uma
autoridade socialmente reconhecida por via da sua ligação aos espíritos dos antepassados.
É inevitável se afirmar que o lobolo continua operando como um mecanismo de organização,
reprodução, estabilidade e, recorrendo a Bagnol, de terapia social. Entretanto, este papel deve ser
enquadrado num contexto em que intercambia com as outras formas de união conjugal em
Moçambique – a tendência contemporânea de estabelecer o contacto com os espíritos (lobolo),
com Deus (casamento religioso) e com o Estado (casamento civil).
Acerca da critica do parentesco: caso macua, os filhos pertencem a linhagem da mãe e são
subordinados ao “mwene” do nihimo, que é o irmão mais velho da mãe. È uma sociedade
uxorilocal, isto é, o homem tende se deslocar ao nihimo da sua esposa.
Em ordem ascendente imediatamente superior encontra-se o chefe de um conjunto de clãs que
vivem numa determinada povoação. Este chefe é chamado mwene (chefe máximo).
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6. Referências Bibliográficas:
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