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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA -


PIBIC

TÍTULO DO PROJETO DO ALUNO:

DISCURSO JURÍDICO E O COTISTA RACIAL: ENUNCIAÇÕES DO/PARA OS


SUJEITOS DE/DO DIREITO

TÍTULO DO PROJETO DE PESQUISA DO ORIENTADOR PARA O PIBIC:

“IDENTIDADES EM (DIS)CURSO(S): SENTIDOS (IM)POSSÍVEIS PARA OS


SUJEITOS”
INTRODUÇÃO

A pesquisa se insere numa proposta maior e que tem como referência o projeto do
orientador – “Identidades em (dis)curso(s): sentidos (im)possíveis para os sujeitos” –,
cujo objetivo é analisar como se constroem identidades para os sujeitos, por meios de
discursos presentes na sociedade. Neste plano de trabalho, em particular, a proposta é
interdisciplinar e de interface com o Direito, cuja proposta é analisar e descrever como,
por meio do discurso jurídico – especificamente oriundos de enunciados dos ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) – se constroem identidades para os sujeitos cotistas e,
inerente a esse processo, como discursivamente os ministros se constroem como sujeitos
de/do Direito.

Considerando que o projeto de pesquisa do orientador apresenta um enfoque


comparativamente mais amplo – ao propor uma arqueogenalogia do “presente”,
especialmente quanto às identidades construídas discursivamente para os sujeitos –, a
perspectiva do presente estudo apresenta autonomia e especificidade ao direcionar o
estudo para a construção da identidade dos/para os sujeitos cotistas pelo discurso jurídico
oriundo de enunciados (pronunciamentos, pareceres, votações etc) dos ministros do
Supremo Tribunal Federal; não obstante, analisa como, na construção de
(im)possibilidades de existência para esse “outro”, os ministros se constituem como
sujeitos de/do Direito.

Para tanto, a análise parte de materiais (escritos e não-escritos) produzidos pelo


Ministros do STF em casos de grande atenção midiática, como o julgamento acerca da
constitucionalidade das cotas raciais na ação de descumprimento de preceito fundamental
nº 186 (doravante ADPF 186) no ano de 2009.

A ideia da construção de identidade por meio do discurso se insere na Análise do


Discurso francesa (AD), com recorrências às contribuições do filósofo francês Michel
Foucault, especialmente em suas reflexões acerca das relações de poder e saber na
sociedade. Em contraponto à Análise de Conteúdo – que interroga os textos a partir da
superfície textual, o “que” quer dizer, qual a intenção do sujeito ao elaborá-lo – a AD,
corrente teórica que surgiu na França na década de 1960 com os estudos de Michel
Pêcheux, coloca em suspenso os interesses do sujeito enunciador, o conteúdo manifesto
e explícito do texto, para problematizá-lo quanto aos sentidos por ele colocados em
funcionamento, como se constitui, como significa.

Como assente Foucault (2008), os discursos colocados em circulação na sociedade


se constroem a partir das relações entre saber e poder: é por meio do saber que exercícios
de poder se efetivam no corpo social, bem como é pelo poder que o saber pode ser
produzido e legitimado pela/na sociedade: Para o autor

O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é


simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que
de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa
todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem
por função reprimir (FOUCAULT, 2008, p. 08).

Se partirmos desse pressuposto, bem como tendo em mente o que Barroso (2008)
define como judicialização da vida, os tribunais e cortes assumem um papel de extrema
relevância para a pesquisa, uma vez que, por meio de seus discursos, constroem
(im)possibilidades de existência e vivência para os sujeitos, impondo a estes o que
“podem” e “devem” ser enquanto sujeitos sociais. Nesse esteio, os discursos configuram-
se não somente como algo colocado em circulação na sociedade; antes, conjuram-se a
partir de determinados saberes para, então, promover exercício de poder sobre o corpo
social. Como reflete Foucault (2000, p. 42):

O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra;


senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que
falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso;
senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus
poderes e seus saberes? Que é uma “escritura” (a dos “escritores”)
senão um sistema semelhante de sujeição, que toma formas um pouco
diferentes, mas cujos grandes planos são análogos? Não constituiriam
o sistema judiciário, o sistema institucional da medicina, eles também,
sob certos aspectos, ao menos, tais sistemas de sujeição ao discurso?

Desta forma, se o discurso constrói os sujeitos que (e de quem se) falam, qual o
papel do discurso na construção do sujeito “ministro do STF” e do sujeito “pessoa com
direito às cotas”? Esse é a inquietação e a pergunta discursiva da proposta aqui
apresentada. Considerando que a perspectiva de construção do sujeito por meio do
discurso permeia as obras e reflexões de Foucault – ao problematizar a figura do
“homem” à luz da história –, a presente pesquisa fará recorrências teóricas e
metodológicos aos estudos do filósofo francês com o objetivo de problematizar, a partir
das análises empreendias, o tema acima mencionado. Além disso, a pesquisa também se
valerá das pesquisas empreendidas pelos Estudos Culturais Britânicos – a partir de autores
como Stuart Hall, Thomaz Tadeu da Silva, Zygmunt Bauman –, que interrogam o
conceito de “identidade” na contemporaneidade, operacionalizando-as dentro dos estudos
do discurso.

JUSTIFICATIVA

A presente proposta se justifica tanto do ponto de vista social quanto do ponto de


vista acadêmico-científico. Cientificamente, a própria interdisciplinaridade proposta já é
um diferencial, haja vista que o estudo tem como objeto um material relacionado ao
Direito e(m) sua relação com a visibilidade midiática, ou seja, a inserção de representação
discursiva da prática jurídico do STF na grande mídia. Não obstante, é também
interdisciplinar a metodologia proposta, pois propõe (re)pensar o campo do Direito por
meio de uma corrente teórico-metodológica que não se (de)marca como especificamente
da área, a Análise do Discurso francesa (AD), mas que permite reflexões profícuas quanto
as significações e construções identitárias que o discurso jurídico coloca em
funcionamento na sociedade.

Frente ao exposto, a pesquisa delineada nesse projeto reflete que os estudos


acadêmicos não precisam se circunscrever nos “purismos” de áreas do saber – ou seja,
que as pesquisas em/do Direito se façam somente a partir de teorias e pensamentos
específicos do Direito –; antes, devem-se valer de estudos e reflexões teóricas propostas
em áreas diversas que permitem colocar interrogar o próprio campo, problematizar o lugar
de onde se fala, onde se insere, que auxiliam a responder a inquietação teórica do
pesquisador.

Do ponto de vista social, o estudo se justifica ao considerar a linguagem e o


discurso como instâncias vivas e dinâmicas, que vão além de uma ferramenta
comunicacional do sujeito; propõe tomar o discurso como construtor de “verdades” e de
“sujeitos”, aquilo pelo qual se luta, uma vez que promove a construção de saberes e os
exercícios de poder na sociedade. Ao conhecer o papel que o discurso desempenha
para/pelo sujeito, faz-se possível refletir sobre as práticas sociais, observando o
engendramento dos discursos, o seu funcionamento. Como assevera Orlandi (2009, p. 9):
Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o sujeito ou
o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem
nas diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos
não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Saber
que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente
cotidiano dos signos. [...] Isso, que é contribuição da análise do
discurso, nos coloca em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de
sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de
uma relação menos ingênuo com a linguagem

Ademais, a pesquisa proposta propõe refletir sobre como o discurso jurídico


promove determinados exercícios de poder na sociedade, bem como a divulgação, a
(re)afirmação, a negação, o silenciamento de determinados saberes, especificamente
relacionados aos sujeitos cotistas, Considerando que as questões concernentes ao (não)
direito de pessoas às cotas sempre são motivo de discussões e embates na sociedade –
para além somente do Direito –, este estudo promove uma problematização sobre como
os discursos promovem “efeitos de verdade” sobre/para esses sujeitos, para os processos
(jurídicos, midiáticos) a eles relacionados.

Consequentemente, interroga como, ao discursivizar sobre o outro (construindo-


lhe identidades), os ministros do STF se constituem como sujeitos de/do Direito,
responsáveis pela “judicialização da vida”. Compreender o funcionamento discursivo
permite, assim, um olhar menos ingênuo para a linguagem e, principalmente, para os
poderes exercidos pelo discurso jurídico na sociedade e as consequências de sua
autoridade e legitimidade no corpo social.

OBJETIVOS

Geral

Analisar discursivamente como os ministros do SFT se constroem como sujeitos


de/do Direito e, inerentemente a esse processo, como constroem identidades para os
sujeitos envolvidos na política de cotas raciais (ADPF 186).

Específicos
Problematizar como a Análise do Discurso francesa pode ser produtiva, do ponto
de vista teórico-metodológico, para as pesquisas empreendidas no âmbito jurídico;

Compreender as especificidades do discurso jurídicos, seus elementos


constituintes, suas maneiras de funcionamento e circulação na/para a sociedade;

Realizar pesquisa bibliográfica e análise documental referente à legislação e


acórdão acerca da temática das cotas raciais;

Levantar regularidades discursivas, no discurso jurídico oriundo do STF, que


apontem para as construções identitárias para os sujeitos de cotas raciais;

Observar como os ministros do STF se constituem, por meio do discurso, como


sujeitos de/do Direito;

METODOLOGIA

Para a realização do estudo proposto, serão necessárias as pesquisas bibliográfica,


descritiva e documental, e analítica. Em um primeiro momento, será realizada
referenciação bibliográfica acerca dos temas a serem estudados: Análise do Discurso
francesa (AD), o discurso jurídico, o conceito de “identidade” (advindo dos Estudos
Culturais Britânicos e apropriado a partir do ponto de vista discursivo), as políticas e
história das cotas raciais, o papel do STF na/para a sociedade. Aliado a esse processo, a
análise documental de materiais jurídicos e midiáticos possibilitará compreender como
(não) se efetiva a política de cotas sociais no país a partir de documentos
Posteriormente, será levantado os enunciados específicos dos ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) que comporão o corpus deste trabalho; para tanto, serão
considerados pareceres, exposições orais, declarações públicas etc em que os ministros
do STF tenham versado sobre a política de cotas raciais. Desta forma, ressalta-se que o
corpora será sincrético, uma vez que admitirá textos, áudios, vídeos, imagens etc. Ou
seja, a presente proposta terá como centro do estudo os discursos dos ministros do STF
no decorrer da ação de descumprimento de preceito fundamental nº 186 (ADPF 186),
acerca da constitucionalidade das cotas raciais.
Após a seleção do corpus, será possível empreender o batimento
descrição/interpretação do material selecionando, como propõe a AD francesa,
interrogando-o como constrói identidades para os sujeitos cotistas e, nesse esteio, como
erige os ministros do STF como sujeitos de/do Direito. Frente a todo os enunciados
recolhidos, a partir das reflexões de Foucault (2008), o analista precisará observar as
regularidades discursivas que apontem para como os sujeitos são tomados como objetos
do discurso e, inerente a esse processo, são subjetivados.
A pesquisa empreendida toma como pressuposto metodológico a Análise do
discurso pois, considerando o discurso como “palavra em movimento” (FERNANDES,
2008), alarga as possibilidades de interpretação e questionamento do discurso jurídico,
não detendo-se somente no que foi dito nos corpus, mas, principalmente, como o não-
dito significa naquilo que é dito, como os enunciados significam para além dos interesses
e desejos dos sujeitos produtores, como se constituem para dizer o que dizem.
Ao final da pesquisa, espera-se alcançar um aprofundamento no tema trabalhado,
bem como levantamento de conhecimento para a divulgação científica, enfatizando a
necessidade do (re)conhecimento do papel da linguagem na sociedade (principalmente a
partir da compreensão do funcionamento do discurso jurídico) tanto como instrumento
quanto como elemento constituinte do mundo social. Desta forma, almeja problematizar
como o discurso jurídico constrói identidade(s) (im)possíveis para os sujeitos de cotas
raciais – consequentemente, quanto às suas (im)possibilidades no mundo –, a partir da
(re)afirmação dos sentidos de autoridade e legitimidade cristalizados socialmente.
Cronograma

ATIVIDADES 2017 2018


Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev
Levantamento
bibliográfico sobre
assuntos relacionados
ao tema
Leituras e Fichamentos
do material selecionado
Coleta de Dados para
análise
Descrição e
Interpretação do corpus
Tratamento dos
resultados, a partir do
levantamento de
regularidades
discursivas
Elaboração de artigos
para publicação
Redação da pesquisa
Apresentação do
relatório da pesquisa
REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.


In: Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, Madrid, núm. 13, p. 17-32,
2009.

FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: Reflexões introdutórias. São


Carlos: Editora Claraluz, 2008.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida. 5 ed. São
Paulo. Edições Loyola, 1999.

______. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. 26. ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 2008.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8. ed.
Campinas: Pontes, 2009.

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