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A

ndignação

Quando nos tornamos indignados sobre uma situação qualquer, parece que estamos do lado do
bem e contra o mal, do lado da justiça e contarároi à injustiça. Parecemos então ser aquele que
intervém entre o agressor e sua vítima de modo a impedir um mal maior. Contudo, pode-se
também intervir entre eles com amor, e isso seria, com certeza, melhor. Assim, o que o
indigando quer? O que ele realmente obtém?

O indignado se comporta como se ele próprio fosse uma vítima, embora não seja. Ele assume o
direito de exigir uma reparação do agressor embora nehuma injustiça tenha sido feita,
pessoalmente a ele. Ele assume a tarefa de advogado das vítimas, como se ele tivesse dado a
ele o direito de representá-las; e fazendo assim, deixa as verdadeiras vítimas sem direito.

E o que faz o indignado com esta pretensão? Ele toma a liberdade de fazer coisas más aos
agressores sem medo de qualquer consequência ruim para sua própria pessoa; pois suas más
ações parecem estar a serviço do bem, e assim elas não temem qualquer punição. De modo a
manter sua indignação justificada, tal pessoa dramatiza tanto a injustiça sofrida pelas vítimas
quanto as consequências das ações da parte culpada. Ela intimida as vítimas a verem a injustiça
pelo mesmo modo com ela mesma vê. De outro modo, caso as vítimas naõ concordem, tornam-
se suspeitas e alvo de uma indignação justificada ,como se elas mesmas fossem agressores.

Da perspectiva da indignação é difícil para as vítimas deixar seu sofrimento ir embora, e é difícil
para os agressores deixarem sua culpa ir embora. Se às vítimas e aos agressores for permitido
encontrar uma resolução e uma reconciliação por seus próprios meios, elas podem se permitir,
uma a outra, um novo começo. Mas se a indignação entra em cena, tal resolução é muito mais
difícil, pois o indignado, geralemente, não fica satisfeito até que o agressor tenha sido
completamente destruído e humilhado, mesmo que isto, ao ser feito, intensifique o sofrimento
das vítimas.

A indignação é em primeiro lugar uma questão de moralidade. Isto quer dizer que o indignado
não está realmente preocupado em ajudar outra pessoa, mas comprometido com uma certa
demanda para a qual ele se proclama o executor. Deste modo, ao contrário de alguém que ama,
tal pessoa naõ conhece nem contenção, nem compaixão.

“Nós estamos liberados do mal quando podemos, serenamente, deixá-lo ir.”

Conflitos étnicos e reconciliação - A paz começa na alma 2004

Bert Hellinger
na Forham University, 4 de Outubro de 2004

Texto traduzido por Décio Fábio de Oliveira Júnior com a permissão expressa do Sr. Dan Booth
Cohen, conforme o original em inglês no site http://www.hiddensolution.com/whatsnew.htm
* A raiz do conflito étnico é uma "Boa consciência"
* Primeira Demonstração
* Observações sobre a primeira demonstração
* Perguntas
* Segunda Demonstração
* Observações sobre a Segunda Demonstração

A raiz do conflito étnico é uma "Boa Consciência"

Qual é a origem dos conflitos étnicos ? Se você olhar para isto bem de perto , você ficará
surpreso ao perceber que na raiz de todos estes grandes conflitos está uma "boa consciência".
Todos estes conflitos obtêm sua energia de uma boa consciência.

Nós somos ensinados desde a mais tenra infância , que nós temos que seguir nossa consciência.
Algumas pessoas chegam a dizer que a consciência é a voz de Deus em nossa alma. Mas uma
olhada bem superficial na consciência no mostra que pessoas de diferentes famílias e diferentes
culturas têm diferentes consciências em relação a nós. Muito freqüentemente, seguindo sua
própria boa consciência elas expressarão diferentes valores, apresentarão diferentes
comportamentos e manterão diferentes atitudes do que nós teríamos dentro de nossa própria
família e nossa própria cultura.

Um teste bem fácil para verificar isto: quando você vai até seu pai, você tem uma consciência
diferente do que quando você vai até a sua mãe. Se você fica perto da mãe você se sente de má
consciência em relação a seu pai. Se você fica perto do pai você se sente de má consciência em
relação a sua mãe.

Assim, a consciência, na verdade, não nos diz o que é bom ou mau. Ela nos diz o que nós temos
de fazer de modo a pertencer a um grupo particular ou a uma pessoa particular. A consciência
tem uma função básica: ela nos liga nossa família de origem, especialmente a este grupo que é
essencial para a nossa sobrevivência. Deste modo, quando nós seguimos nossa consciência,
não é uma consciência pessoal, é a consciência de nosso grupo. Se nós seguimos tal
consciência, nós nos sentimos seguros dentro de nosso próprio grupo.

Mas ao mesmo tempo que a consciência nos liga a nosso grupo, ela nos separa de outro grupo.
Assim, divisões, entre pessoas e famílias e grupos maiores, vêm da boa consciência. Esta
consciência é um pré-requisito para a sobrevivência. Para nossa sobrevivência e para a
sobrevivência de nosso grupo.
Se há um inimigo de for a, ameaçando nosso grupo, a consciência se torna muito ativa e nos liga
bem próximos a nosso grupo e mobiliza a energia para lutar com os outros pelo bem da
sobrevivência de nosso próprio grupo. Se você olha para estes conflitos, você vê que ambos os
lados têm uma boa consciência. Ambos os lados sentem que sua consciência é a voz de Deus.
Sua causa é algo sagrado. Isto é o motivo pelo qual os conflitos entre grupos são defendidos
como uma guerra santa. Sempre, uma guerra santa. Muito estranho, hum ?

A pergunta agora é: Nós podemos achar caminhos que podem superar os limites de nossa
própria boa consciência e incluir dentro de nossas almas e nossos corações os valores de outras
pessoas? Então nós teremos de ter uma má consciência. Através de ter uma má consciência
nós podemos amar mais do que antes. Por causa deste tipo de amor, que vem da boa
consciência, diz ao mesmo tempo , "Sim e não". O amor que leva à reconciliação seria o amor
que pode dizer "Sim" para todo mundo e para tudo.

Isto não é politicamente factível. Os líderes políticos tem de seguir a consciência de seus grupos.
Nós não podemos esperar deles que cruzem as fronteiras de sua boa consciência. Nos tempos
recentes, há dois líderes políticos que fizeram isto, o presidente Sadat do Egito e o primeiro
ministro Rabin de Israel. Ambos foram mortos por seu próprio povo que agiu de boa consciência,
é claro. Superar as fronteiras de nosso próprio grupo é perigoso. Nós temos que saber disto.

Uma vez que você seguiu sua consciência, você não mais pode ver as outras pessoas. Voe
nunca as vê. Elas são apenas "Os inimigos, os outros, o outro grupo". Deste modo a paz começa
quando nós vemos as outras pessoas, nossos inimigos, como seres humanos exatamente como
nós somos.

Todos os esforços para servir à paz têm de ser feitos bem devagar. Tem de começar na alma.
Primeiro de tudo em nossa própria alma e então nós podemos encontrar outros que se unem em
um certo movimento de paz. Isto pode alcançar momentum e ao longo do tempo alcançar
alguma coisa boa a serviço da paz.

Primeira Demonstração

Aqui, eu gostaria de demonstrar o que acontece se nós seguimos nossa boa consciência e se
nós vamos além do limite de nossa consciência. Eu farei algo que pode ser muito radical. Eu
tomarei algumas pessoas para representar vítimas do Holocausto e algumas pessoas para
representar os assassinos do Holocausto. Deixaremos que elas fiquem face-a-face. Nós
olharemos o que acontece se nós permitimos a elas olharem-se mutuamente.
Eu preciso de cinco representantes para as vítimas do Holocausto. Alguém se dispõe?
[Seleciona então os representantes] Você fica aqui. Só fiquem de pé, lado a lado. Então eu
tomarei cinco representantes para os assassinos. [Seleciona os representantes].

[Hellinger coloca a linha de vítimas de frente para uma linha de agressores. Ele não dá nenhuma
explicação adicional ou instruções. Isto não é um psicodrama ou uma encenação. Os
representantes não falam nada. Após algum tempo, eles começam a exibir reações. Alguns
começam a chorar, alguns se tornam fracos e caem, alguns se viram, alguns se movem para
perto dos outros e alguns apenas ficam de pé, no lugar.

Hellinger permite o processo se desenvolver por cerca de 10 minutos. Então ele traz alguns
representantes para cada lado, que ficam atrás dos outros. Ele não diz a eles nada, mas à
medida que o processo se desenvolve eles podem ver os representantes dos descendentes das
vítimas e dos agressores. Após algum tempo, eles também começam a reagir de vários modos.

O processo inteiro dura mais de 20 minutos sem nenhuma fala. Lágrimas fluem livremente, dos
representantes das vítimas , dos agressores, dos descentes de dos observadores da audiência.
Nós vemos que muito lentamente, os membros das duas linhas originais se misturaram uma com
a outra. Muitos, mas não todos, se abraçaram em pequenos grupos. Alguns deitaram no chão
sozinhos. Ninguém ficou imóvel.]

Eu acho que aqui eu posso interromper isto.

Observações sobre a primeira demonstração

Eu direi algo sobre o procedimento. Se nós não interferirmos com qualquer julgamento ou
intenções, então em uma constelação como esta, os representantes são movidos por uma força
mais profunda. Isto é "a alma" em um sentido muito mais amplo do que nós usualmente falamos
sobre ela. Os movimentos básicos da alma são sempre os mesmos. Eles unem o que foi antes
separado. Você pode ver isto muito lindamente.

Aqui alguma coisa muito importante aconteceu. Um dos agressores não pode ir. Nós o vimos
ficar de pé dom seus pulsos cerrados. O jovem homem lá , obviamente, era um descendente de
um agressor. Nós pudemos ver isto. Quando o agressor virou-se para seu descendente, o jovem
homem veio e colocou sua mão no ombro do velho homem. Isto foi o começo de um movimento
onde ele poderia se abrandar. O agressor não pode ficar brando a menos que ele seja amado.
Isto foi mostrado. Não há mudança a menos que os agressores também sejam olhados como
seres humanos que seguem sua consciência assim como os outros o fazem. Isto precisa ser
reconhecido, que eles são chamados por um destino especial, como outros também.

No final, nenhum grupo mais, apenas pessoas. Apenas pessoas conectadas pelo amor e pelo
profundo pesar que vocês puderam ver aqui, pelo que aconteceu. A principal força que traz paz
entre pessoas e nações querelantes é um pesar compartilhado por aquilo que aconteceu .

Eu quero apontar algo muito importante. Alguma coisa que está no caminho da paz. Muitos
daqueles que sofreram, ou que pertencem ao grupo que sofreu muito, estão com raiva dos
agressores. Eles reprovam-nos. Eles não querem esquecer de nenhuma forma. O que
acontece ? Aqueles que rejeitam os agressores em sua alma se tornam como eles. Subitamente,
eles têm a energia dos agressores e continuam o conflito de alguma forma a sua volta. Como a
roda que gira, mas é sempre a mesma, sem nenhuma solução. Além do mais, aqueles que são
reprovados são reforçados em sua agressão. Assim, todas as acusações e todas as
reclamações pelos sobreviventes dos conflitos étnicos contra os agressores apenas alcançam o
propósito oposto ao qual almejam. Eles permanecem no caminho da reconciliação.

Uma vez que nós compreendemos isto e permitimo-nos em nossas almas desejar o bem a cada
pessoa, mesmo aos agressores, mesmo àqueles que cometeram injustiças contra nós, mesmo
na vida cotidiana, se nós aprendemos isto, nós crescemos. Se nós adotamos esta atitude nossa
simples presença em uma dada situação promoverá a reconciliação e a paz. Há duas sentenças
ditas por Jesus que explicam o que isto significa no final. Ele disse, " Tenha clemência, como
meu pai no Céu; ele faz o sol nascer sobre os bons e os maus , igualmente. E Ele deixa a chuva
cair sobre os justos e injustos, igualmente." Esta é a paz de Deus, realmente.

Perguntas

P: Houve um representante das vítimas que se moveu para longe dos outros. Quanto mais longe
ele caminhou para longe, mais ele parecia colapsar. Enquanto isto, os representantes que se
aproximaram dos agressores permaneceram de pé e eventualmente se moveram em harmonia
com os outros. Eu me preocupo com o que aconteceu com o representante da vítima que se
afastou.

Hellinger: Eu primeiro direi algo sobre todo o processo. Cada representante é um indivíduo que
está sintonizado como alguma coisa por si mesmo. Nós não podemos explicar seus movimentos.
Foi assim como foi, isto é tudo. E ainda, nós pudemos ver estes movimentos revelar algo sobre
as forças internas que influenciam aqueles que tem experimentado contato com o Holocausto.

Neste exemplo, nós podemos ver que muito freqüentemente os descendentes das vítimas do
Holocausto querem morrer. Muitos deles são atraídos para a morte. Aqui voê pôde ver um
exemplo. Aqueles que são ousados o suficiente para encontrar os agressores, estes tem força.
Você pôde ver isto também. Muito estranho, de fato. Isto é como é. Isto não foi planejado ou
imaginado de forma alguma. Isto não pode ser imaginado. Algo da profundidade simplesmente
surge, e vem à luz e nos é mostrado. Nós só assistimos.

P: Os representantes não usam quaisquer palavras. O que , em termos do procedimento,


significa esta falta de diálogos ?

Hellinger: Estes movimentos só podem ser revelados sem o uso de palavras. Só então as
profundezas da alma se movem. Muito freqüentemente nós queremos desafiar ou questionar
aquilo que vemos porque nós temos em mente a idéia que isto deveria ser de uma certa forma.
Se nós ouvimos estas idéias, somos cortados da conexão com estes movimentos profundos,
imediatamente. Isto só pode ser feito sem palavras. E isto mostra que não há interferências de
fora. Assim que usamos palavras, vocês são desconectados dos movimentos.

P: Você instrui os representantes para não falar?

Hellinger: Você viu, desde que eu não disse nada, eles não disseram nada também.

P: Você usou a palavra "consciência" para descrever a consciência baseada no pertencimento a


um grupo particular que freqüentemente se vira , então, contra um outro grupo. Me parece que
há também uma consciência baseada na identificação com toda a raça humana. Estas pessoas
trabalham para a paz mundial. Pode não existir uma consciência como esta? Um grupo
comprometido ce pessoas que são amantes da paz e não se identificam com um grupo religioso,
nacional ou étnico particular, mas com a humanidade como um todo?

Hellinger: A consciência tem a ver com pertencimento. Pertencimento a um pequeno grupo ou à


humanidade como um todo, sintonizar-se com o mundo como um todo. A consciência pessoal é
sentida como culpada ou inocente; é como ela se mostra. Ela dirige nossas ações e
comportamentos por meio destes sentimentos. Podemos também sentir o que é ficar em sintonia
com todas as pessoas. Estar em sintonia é percebido como um sentimento de calma e
centramento. Não estar em sintonia é sentido como intranqüilidade. Se nós trabalhamos para a
paz, e nós somos muito calmos, confiamos no movimento maior do qual nós somos uma parte,
então nós nos sentimos muito calmos e centrados. Então nós não temos nenhuma ansiedade.
Tão logo as pessoas se tornam ansiosas e desejosas de alcançar algo, elas seguem sua
consciência pessoal. Elas não estão em sintonia. Quando nós estamos em sintonia como o todo,
estamos centrados. Nós confiamos que as coisas se desenvolverão no tempo devido; nós não
nos apressamos. Deste modo o teste é: estamos calmos ou inquietos ?

Uma outra coisa a se notar é que quando você segue sua consciência pessoal e se sente ligado
a seu grupo, você se sente conectado em uma relação muito íntima. Uma vez que você estiver
em sintonia com a humanidade, você perde esta intimidade. Você está aberto ao amplo; você
está conectado, mas não intimamente. Há um preço a ser pago. Você se sente de certa forma
sozinho, ainda que conectado.

P: Como o pesar promove a reconciliação ? Além do sentimento de pesar, que outros promovem
a paz?

Hellinger: A vida está sempre se movendo para a frente. O pesar é só por um curto tempo. Pela
experiência do pesar [do luto], algo do passado se completa. Então você se move para a frente.
Se nós carregamos nosso pesar e remorso conosco todo o tempo, nós perdemos nossa própria
vida. Na alma, se estamos em conexão com aqueles com quem estivemos previamente em
oposição, e compartilhamos juntos o pesar, então podemos estar completos. Então podemos
nos mover para a frente com a vida, sem a necessidade de vingar os erros do passado na
próxima geração.

Muito freqüentemente, as pessoas rejeitam algo em si mesmas. Chamam isto de sua sombra, ou
o que quer que seja. Nossa alma contém uma imagem ou um reflexo da história de nossa família,
nossa cultura, nossa religião, nossa raça, nossa nacionalidade. O que quer que seja que
rejeitemos em nós mesmos, representa uma pessoa rejeitada. Muitas doenças, por exemplo, são
conexões ocultas com uma pessoa excluída dentro de nosso sistema familiar. Se esta pessoa
excluída é tomada em nosso coração, a doença pode ir. Muito freqüentemente.

A reconciliação começa em nossa alma. Quando o que quer que seja que rejeitamos, ou do qual
temos vergonha é reconhecido e mesmo amado, então nós podemos nos tornar mais completos
e em paz. Infelizmente, isto significa também que temos de deixar de lado nossa boa
consciência.

Segunda Demonstração
Hellinger coloca uma segunda demonstração. Dez vítimas do Holocausto Armênio-Turco deitam-
se no chão no centro do círculo. Eles são margeados de cada lado por cinco representantes dos
descentes das vítimas armênias e cinco representantes dos agressores turcos. Nenhuma
instrução adicional é dada.

Após vinte minutos, muitos representantes se movem em grupos com alguns de cada lado
juntando-se para lamentar os mortos. Muitos estão chorando; no final estes grupos começam a
rir juntos.

Observações sobre a segunda demonstração

Olhando para esta constelação, nós podemos ver como é difícil alcançar a reconciliação no final.
Muito difícil. É muito difícil alcançar isto em larga escala. Só é possível entre uns poucos
indivíduos. O principal obstáculo é que os descendentes de ambos os lados estão ligados a suas
consciências. Mesmo agora, após tantos anos, eles estão ligados a suas consciências.

Há um importante aspecto a ser levado em consideração. Muitas pessoas que sofreram muito,
como os armênios, ou na América do Sul, os índios, os incas ou os escravos nos Estados
Unidos, e os nativos americanos especialmente, eles estão ligados por aquilo que aconteceu no
passado. Sua energia é atraída do presente para o passado. Há uma esperança secreta que
algo que foi terrivelmente mau no passado possa ser refeito e corrigido, até mesmo desfeito
totalmente. Este desejo de mudar o passado impede os descendentes de olharem para frente.

Na Alemanha, nós freqüentemente encontramos com israelenses para discutir o Holocausto


Judaico-Alemão. Eles nos dizem que nós nunca devemos esquecer o que aconteceu. Eles dizem,
"Nunca esqueça." Mas quando você faz isto, nada pode acabar. Por relembrar o passado,
sempre repensando o que aconteceu, a energia é removida da vida presente. O que acontece
àqueles descendentes que são admoestados a se lembrar ? Eles ficam com raiva. Então,
justamente o oposto daquilo que se deseja obter é alcançado.

Na última demonstração, se os turcos que vivem hoje são forçados a expressar remorso e
arrependimento por terem matado os armênios noventa anos atrás, eles se recusarão a fazê-lo e
ficarão resistentes e hostis. Eles não poderão ficar brandos. O conflito continua e nunca poderá
terminar.
Ano passado eu trabalhei na Flórida. Havia uma mulher no workshop que disse que se sentia
desconectada de seu corpo. Ela sentia como se sua cabeça estivesse cortada do resto dela. Eu
soube que ela era uma inca peruana. Então eu pensei no rei inca que foi decapitado pelos
conquistadores espanhóis. Eu coloquei alguns representantes do povo inca deitados no chão.
Então eu tomei um representante para o rei inca. Também coloquei três representantes para os
conquistadores espanhóis. Eu coloquei esta mulher com eles. Após um momento, ela se moveu
e uniu-se aos mortos, especialmente ao rei inca. Ela queria revivê-lo. Mas de fato, ele não podia
ser ressuscitado. Ele apenas afundou mais e mais profundamente. Quando a mulher viu que
nada podia ser feito, absolutamente nada, aí realmente acabou. Ela foi até os representantes
dos espanhóis e segurou a mão de um deles. Então começou a chorar. Eles ficaram brandos.

No dia seguinte, ela me escreveu uma carta dizendo que ela era uma descendente direta do
último rei inca. Através desta experiência, ficou claro para ela que qualquer tentativa de reviver o
passado priva a geração presente de seu futuro.

Em alguns dias eu estarei indo ao Canadá onde eu fui convidado por um grupo de pessoas
nativas a trabalhar com elas. Todos eles perderam suas terras e costumes tradicionais e eles
também vêem que não há nenhum caminho para o futuro a menos que seja permitido encerrar o
passado.

Há muitos obstáculos que ficam no caminho dos indivíduos deixarem o passado para trás. Um
deles é a consciência, como eu já disse. Outro é o desejo de justiça. Nós todos temos uma
premência para que algo tenha de ser equilibrado. Dar e tomar, ganhar e perder tem de ser
colocados em equilíbrio. Este é um desejo forte e é muito útil para as relações humanas. Mas
não é útil de forma alguma quando nós tentamos forçar a justiça na história. Assim, muitas
guerras são iniciadas de modo a fazer justiça para aqueles que já morreram ou punir os mortos
que cometeram crimes no passado. Isto nunca foi alcançado. Nunca !

Justiça, nessas circunstâncias, é uma grande ilusão. Isto está no fundo de muitos conflitos. Para
criar paz nós temos que deixar de lado nosso desejo de justiça dirigido ao passado. De outro
modo, o conflito futuro é inevitável.

Justiça é uma preocupação só dos vivos. Os mortos, cujo destino nós podemos querer vingar,
não podem ser ajudados desta forma. A busca por alcançar a justiça para aqueles que sofreram
e morreram nos dá o sentimento de que nós estamos fazendo a coisa certa; isto nos deixa de
boa consciência. Mas o efeito é continuar uma luta sem fim.
Estes são alguns dos insights que vieram deste tipo de trabalho que eu demonstrei. Como vocês
viram, não há nenhuma influência de fora. As camadas profundas da alma funcionam de uma
forma diferente de nossos desejos e de nossa consciência. Se nós aprendemos a confiar nestes
movimentos e vamos com eles, alcançamos algo e deixamos muita coisa ir embora.

Palestra proferida no terceiro Congresso Internacional de Constelações Familiares de Sistemas


Humanos - Würzburg – Alemanha - 1 a 4 de Maio de 2001.

Tradução: Décio Fábio de Oliveira Júnior

Revisão: Tsuyuko Jinno-Spelter & Wilma Costa Gonçalves Oliveira

Os escolhidos e os rejeitados

Jesus , o Cristo

O mesmo Deus

Alemães e Judeus

Recompensa

História: A volta

O título da minha palestra hoje é "Cristãos /Judeus — Alemães /Judeus — Curando a alma". O
que considero alma neste contexto é alma dos cristãos e dos alemães. Em vista do sofrimento
do povo judeu durante a era do nazismo, estou focando nesta questão específica, nos termos do
impacto dela sobre a alma dos alemães, distinguindo-os dos cristãos em geral.

Os escolhidos e os rejeitados

Na alma de ambos, cristãos e judeus, o conceito de pessoas escolhidas por Deus desempenha
um papel central. Os cristãos tomaram esta imagem dos judeus e subseqüentemente, se
identificaram como os novos escolhidos. Como resultado, eles viram o povo judeu como o povo
rejeitado, abandonado por Deus. A imagem de um povo escolhido, necessariamente, atribui a
Deus o fato de ele preferir um povo aos demais, eleva este grupo acima dos outros, e confere a
ele, poder para reger sobre os demais, em Seu nome.
Como poderia, tal imagem de Deus, encontrar um lugar em nossas almas? Podemos mesmo
falar de Deus aqui? Tal Deus, que escolhe e abandona, é ameaçador, porque mesmo os
escolhidos, vivem com medo de serem expulsos a qualquer momento. Estas são imagens que
vêm da profundidade da alma, em primeiro lugar da alma de cada indivíduo, e então, das
grandes profundezas daquela alma compartilhada pelo grupo maior. As imagens de ser
escolhido e abandonado vêm desta alma comum e são elevadas a um estado celestial onde elas
parecem estar acima de todos, como algo "divino", algo a ser temido.

Aqueles que consideram a si mesmos escolhidos identificam-se com um Deus que seleciona e
rejeita e assim eles também selecionam e rejeitam os demais. Neste processo eles se tornam
algo terrível aos olhos daqueles que são rejeitados.

Mas o que acontece quando outros grupos e outros povos também agem de acordo com
imagens internas similares? O resultado fica claro nas guerras religiosas. Tais grupos não estão
nem conscientes de si nem dos outros como pessoas individuais. Ambos os lados se comportam
como se possuídos por uma loucura coletiva.

Mas na alma dos cristãos há um fator adicional: os cristãos acreditam no mesmo Deus dos
judeus. Assim, os cristãos, em nome do Deus dos judeus, vêem os judeus como o povo rejeitado
e roubado de seus direitos por este Deus comum. As dimensões terríveis que tal presunção
pode assumir foram demonstradas em nossa era pela tentativa dos nazistas de destruir o povo
judeu como um todo.

Alguém agora poderia levantar aqui, a objeção de que os líderes nazistas e o movimento nazista
não foram cristãos em qualquer sentido da palavra. Nós não podemos permitir a nós mesmos
sermos cegados a esse ponto, porque a idéia nazista de ser "escolhido" refletiu essencialmente
uma característica cristã. O "Führer"NT sentiu-se chamado pela providência a liderar o novo
povo escolhido — neste caso a imagem da raça superior — à dominação mundial e ao longo
deste caminho, eliminar os povos escolhidos anteriormente. Não importando o quanto distorcido
ou cego isso possa nos parecer agora, o Socialismo Nacional, junto com uma grande parcela da
população alemã, retirou energia para ir à Segunda Grande Guerra, primariamente, deste senso
de missão. As atrocidades perpetradas por suas mãos foram essencialmente efetuadas a serviço
de um "juízo divino".

Este senso de missão não se encerrou com o colapso do Terceiro Reich. Nós podemos vê-lo
mesmo agora, nos movimentos radicais de esquerda ou direita. Esses movimentos demonstram
um senso de missão similar e como conseqüência uma prontidão cega para usar a violência
contra os outros.

Jesus, o Cristo

Ainda, a oposição entre o novo e o velho povo escolhido não pode, sozinha, explicar a aversão
de muitos cristãos ao povo judeu, nem a crueldade dos pogroms e as deportações. Entretanto há
ainda uma outra raiz que me parece a mais importante de todas. Tem a ver com a irreconciliável
diferença entre Jesus o homem de Nazaré e a crença em sua ressurreição e ascensão à mão
direita de Deus.

Para os primeiros cristãos, Jesus, como homem, sumiu rapidamente de cena. A imagem de um
Cristo que ascendeu foi sobreposta a do Jesus homem até que ele encolheu e se tornou
irreconhecível. Isso permitiu aos cristãos reprimir a dolorosa realidade de que Jesus se sentiu
abandonado por Deus na cruz e que o Deus em que ele acreditava não apareceu.

Elie Wiesel, o notável autor judeu, relata um enforcamento público de uma criança num campo
de concentração. Olhando para esta atrocidade, alguém perguntou: "Onde está Deus aqui?" Elie
Wiesel respondeu: "É aquele que está pendurado lá".

Quando Jesus na cruz chorou alto: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" alguém
poderia ter também perguntado: "Onde está Deus aqui?" E a resposta poderia ter sido a mesma:
"É aquele que está pendurado lá".

Os discípulos não puderam suportar a realidade de seu Jesus abandonado por seu Deus. Eles
escaparam disso através da crença em sua ressurreição, através da crença em Jesus como
Cristo sentado à direita de Deus e em sua segunda vinda para julgar os vivos e os mortos. E
ainda, o homem Jesus e seu destino humano não teriam sido apagados por esta crença na
ressurreição. Isto continua na imagem dos judeus. O judaísmo na alma dos cristãos,
primeiramente, representa Jesus o homem, que o cristão, acreditando na ressurreição dos
mortos e na ascensão de Jesus à direita do Pai, não consegue ver. Os cristãos temem olhar o
Jesus esquecido por Deus, temem que o seu medo os torne maus.

Assim, na medida em que viram as costas para o Jesus o homem, então eles se viram contra os
judeus como uma manifestação do Jesus que eles temem e contra o Deus de Jesus e dos
judeus, que eles também temem. Esta é a imagem que eu obtenho quando olho para o que
acontece nas almas de muitos cristãos. Eu vou dar a vocês um exemplo:

Um incidente ocorreu durante um curso de dinâmicas de grupo para cristãos muito devotos. Os
participantes eram todos teólogos e serviam em altas posições em suas respectivas igrejas. O
líder do grupo sugeriu que se colocasse uma cadeira vazia no meio do grupo, e os membros do
grupo deveriam imaginar Jesus sentado nessa cadeira. Cada pessoa poderia dizer algo a ele.
Um participante imediatamente colocou a cadeira no centro e os outros começaram a falar com
Jesus. A ira contra Jesus que irrompeu dos participantes foi inacreditável. A um certo ponto, um
participante correu até a cozinha e, pegando uma faca, começou a golpear com ela a cadeira.
Quando terminou, todos ficaram chocados com aquilo que emergiu das profundezas de suas
almas e, se sentiram terrivelmente envergonhados.

O líder do grupo, que tinha sido considerado não-cristão por estes dedicados cristãos, disse: "Eu
não vejo nenhuma culpa neste homem".

Se eu olho para os judeus durante sua perseguição pelo Terceiro Reich, e permito que esta
imagem trabalhe em mim, eu os vejo sendo arrebanhados juntos, e enviados para sua morte. Eu
os imagino concordando sem resistência, gentis e humildes, e vejo Jesus neles. Jesus, o
homem; Jesus, o judeu.

As vítimas do holocausto estavam num papel, notavelmente como o Jesus cristão em face aos
judeus. Como um povo, em seu comportamento e em seu destino, elas incorporaram o
comportamento e o destino do Jesus cristão em face aos Conselheiros e Pilatos. Desta vez, os
cristãos foram os brutos e os judeus exemplificaram as características de Jesus.

O mesmo Deus

Voltando à idéia de um Deus que "escolhe", eu gostaria de dizer algo sobre o início da religião
na alma e acerca do que acontece nas almas dos cristãos quando eles se tornam cristãos e nas
almas dos judeus quando se tornam judeus.

Uma criança nasce em uma família específica, tem pais específicos, dentro de uma família
estendidaNT1 também específica. A criança tem uma cultura específica, é parte de um povo
específico e uma religião específica. A criança não pode escolher nenhuma dessas coisas.
Se a criança toma esta vida como ela vem para ela ou ele, sem qualificações — se a criança
toma esta vida com tudo o que está incluído nesta família — o destino desta família, as
possibilidades, os limites, a alegria e o sofrimento – então a criança está aberta, não só a estes
pais, não só a este povo, não só a esta cultura específica, não só a esta religião em particular;
mas esta criança está aberta a Deus e o que quer que seja que possamos sentir que esteja além
deste nome. Tomar a vida deste modo é um ato religioso. É o ato religioso.

Alguém que nasce numa família judia não pode fazer nada mais, e não pode fazer nada além de
começar sua caminhada até Deus de um modo judeu. Esse é o único caminho aberto a esta
pessoa, e , deste modo, o único correto. O mesmo é verdade para um cristão acerca do caminho
cristão. Quaisquer que sejam as diferenças de crença entre cristãos e judeus, eles são iguais
quando se chega a este ato religioso essencial. Esse movimento é independente do conteúdo de
suas religiões e não pode e nem deve ser abdicado, mesmo que a pessoa adote uma religião
diferente depois.

Eu vou dar um exemplo:

Uma vez um jovem, em um curso, veio buscar ajuda porque se sentia desconectado da vida. Os
fatos que emergiram foram que seu avô nascera judeu, mas o jovem neto se considerava cristão,
não um judeu. Quando nós posicionamos sua família, eu coloquei cinco representantes próximos
a seu avô para representar as vítimas do Holocausto. O representante do avô espontaneamente
deitou sua cabeça no ombro do representante mais próximo. Após um instante, ele disse: "Este
é o meu lugar". Quando foi solicitado ao jovem que dissesse a seu avô: "Eu também sou judeu e
permaneço judeu", ele só conseguiu dizê-lo com grande ansiedade e tremendo. Entretanto, uma
vez que ele foi capaz de dizer isso, sentiu seu próprio peso, pela primeira vez na vida.

O que foi verdadeiramente religioso neste caso? Sua identificação com a cristandade ou seu
retorno com suas raízes judias? O ato religioso mais básico foi o seu reconhecimento: "Eu sou
judeu e permaneço judeu".

Uma árvore não pode escolher onde cresce. Ainda assim, o lugar onde sua semente cai na terra
é o lugar certo para aquela árvore. A mesma coisa é verdadeira para nós. O lugar onde os pais
estão, é o único lugar possível para cada ser humano e, deste modo, o lugar certo. Cada pessoa
pertence a um povo, tem uma língua, uma raça, uma religião e uma cultura que são as únicas
possíveis e, deste modo, as certas. Quando um indivíduo concorda com isso em um senso
profundo e humildemente toma isso a partir do que é maior que todos os indivíduos e quando o
individual se desenvolve então apropriadamente, dando tudo o que é possível, então ele ou ela
se sente igual a todos os demais. Ao mesmo tempo vem o reconhecimento de que esta força
superior, como quer que nós a chamemos, tem de olhar para todos nós , igualmente. Não
importa quão diferentes os povos do mundo possam ser, eles são todos iguais perante esta
grandeza.

Alemães e Judeus

Dado este cenário, alguém poderia perguntar: "Como podem os cristãos , acima de tudo os
alemães , lidar com sua culpa perante os judeus? O que eles podem fazer e o que eles tem que
fazer para superar esta culpa e dar ao povo judeu um lugar de valor entre eles? E como pode o
povo judeu lidar com a culpa dos cristãos e dos alemães?"

Eu tenho tido algumas experiências em vários cursos, que indicam como a reconciliação pode
ser possível entre as vítimas e os agressores e , num sentido mais amplo, entre alemães e
judeus. Uma das mais dramáticas experiências foi num curso em Bern. Um homem posicionou a
constelação de sua família atual e então no final ele disse que tinha algo importante a
acrescentar — ele era judeu. Eu reagi a isto posicionando sete representantes para vítimas do
Holocausto e atrás delas, sete representantes para agressores mortos. Eu pedi então aos
representantes das sete vítimas que se virassem e olhassem nos olhos dos agressores.

Após isto, não fiz mais nada. Deixei o movimento inteiramente por conta deles, como se
desenvolvia, naturalmente. Alguns agressores caíram, se enrolaram no chão e choraram alto em
dor e vergonha. As vítimas se viraram para os agressores e olharam para eles. Elas ajudaram
aqueles que estavam no chão a se levantarem, colocaram-nos nos braços e os confortaram.
Finalmente, houve um indescritível amor que emergiu entre eles.

Um dos agressores estava completamente rígido e não podia se mover de forma nenhuma. Eu
coloquei então, uma pessoa atrás dele para representar o agressor por trás do agressor. O
primeiro representante apoiou suas costas contra este novo representante e foi capaz de relaxar
um pouco. O homem disse mais tarde que ele tinha se sentido como um dedo de uma mão
gigante, totalmente a sua mercê. Isto também foi relatado pelos outros nessa constelação. Todos,
vítimas e agressores, sentiram-se dirigidos, mas, também, carregados por uma força maior —
uma força cujos efeitos não estavam claros.

Após essa constelação, solicitei a todos os participantes que me enviassem um relato do que
haviam experimentado durante a constelação. Um representante de um agressor me escreveu:
À medida que você colocou sete de nós atrás das sete vítimas, eu fui tomado por um sentimento
muito estranho e desagradável. Eu, intuitivamente, antecipei alguma coisa ruim, mesmo que não
estivesse ainda claro para mim até aquele momento quem eu estava representando. Quando
você disse que nós representávamos os agressores, um calafrio correu pela minha espinha.
Quando as vítimas se viraram e eu olhei o homem que estava oposto a mim, toda a energia foi
drenada do meu corpo. Eu nunca senti tanta vergonha na minha vida. Eu só olhava para ele e
isto ia me tornando menor, na medida em que ele ia se tornando maior. Eu não queria nada,
exceto, desaparecer em um buraco no chão, de preferência um buraco de rato bem fundo na
terra.

Dentro de mim eu estava gritando "NÃO, NÃO, NÃO, isto não pode ser verdade". Eu senti a
necessidade de pedir desculpas, mas ao mesmo tempo uma voz interna me disse que não havia
meio de fazê-lo, nada poderia ser mudado, eu mesmo tinha que carregar tudo. A única palavra
que eu pude pronunciar foi "por favor", neste momento minha vítima me tomou em seus braços.
Sem este apoio eu teria caído no chão de vergonha. Em seus braços, minha voz interna
mantinha-se dizendo "eu não mereço isto, eu não mereço isto tudo — ser amparado por ele.”
Por sorte, eu fui capaz de deixar minhas lágrimas fluírem. De outro modo, a coisa toda teria sido
insuportável.

Após minha vítima ter me deixado ir novamente, eu me senti um pouco melhor. Eu podia sentir
vagamente o chão sob meus pés e podia respirar um pouco mais livremente. Ao mesmo tempo,
estava consciente de que ele era somente a primeira vítima e havia ainda muito mais vítimas em
minha consciência. Não só duas ou três, não — dezenas ou mesmo centenas ! Eu senti a forte
necessidade de olhar cada uma delas nos olhos, e assim encontrar minha própria paz interior.

Quando você colocou um super-agressor atrás de nós, imediatamente ficou claro para mim que
eu tinha de carregar sozinho a responsabilidade por tudo o que eu tinha feito. Não havia nenhum
alívio que viesse deste agressor que estava atrás de mim. Eu também senti fortemente que teria
sido muito melhor ter ficado do outro lado e não ter assumido toda esta culpa insana.

Minha necessidade de olhar a próxima vítima ficou mais intensa, mas de fato, o próximo contato
de olhos, literalmente, me jogou no chão. Eu não podia mais ficar de pé. Eu chorei amargamente.
Eu "fui". Eu estava apenas consciente de uma voz bem distante que dizia: "Agora volte
lentamente", e fui voltando bem devagar. Para mim, havia ainda muita coisa inacabada, muitas
vítimas não tinham sido vistas. Havia ainda uma poderosa urgência para trazer ordem a este
negócio inacabado.

Após a constelação gastei pelo menos uma hora para voltar totalmente a mim mesmo de novo e
sentir a minha força total.

Para mim, essa foi verdadeiramente um dos papéis mais difíceis que eu já tinha experimentado
em uma constelação familiar. Foi também estranho o modo pelo qual os pensamentos emergiam
tão cristalinos em minha consciência. Por exemplo, que era impossível empurrar a
responsabilidade de minhas próprias ações para um outro alguém, mesmo que fosse algo
pequeno na máquina. Após tal experiência, você sabe que não há nada mais a discutir, ou
perguntar, ou explicar. É simplesmente como é.
Em uma constelação como esta, também fica claro que não há grupos, no sentido de que estas
são as vítimas e aqueles os agressores. Só existem as vítimas individuais e os agressores
individuais. Cada agressor individual tem de encarar a sua vítima individualmente, e cada vítima
individual tem de encarar seu agressor individual.

O que se torna claro é que não há paz para as vítimas mortas até que os agressores mortos
tenham tomado seu lugar próximo a elas — até que os agressores mortos tenham sido tomados
por suas vítimas. E, não há paz para os agressores até que eles tenham deitado ao lado de suas
vítimas como iguais. Se isto não acontece, se isto não é permitido acontecer, os agressores
serão representados por alguém na próxima geração. Por exemplo, enquanto aos agressores da
última guerra for negado um lugar nas almas dos alemães, eles serão representados pelos
radicais de direita. Nas constelações de famílias judias, onde há descendentes de vítimas do
Holocausto, eu tenho visto freqüentemente, uma criança identificada com um daqueles
agressores. Não há nenhuma alternativa de reconciliação real, mesmo com os agressores.

Nestas constelações também fica claro que emaranhamentos só são resolvidos entre aqueles
que foram realmente afetados, isto é, entre o agressor específico e sua vítima específica.
Ninguém mais pode se interpor entre eles, ninguém mais tem o direito ou tarefa ou poder de
fazê-lo. Nas constelações os representantes das vítimas mortas e os agressores mortos não
querem os vivos interferindo em seus assuntos. Eles querem os vivos fora destas coisas e
querem que a vida continue, sem ser limitada ou sobrecarregada com suas recordações. Do
ponto de vista dos representantes das pessoas mortas, a vida pertence aos vivos que estão
livres para tomá-la.

Eu tenho uma fantasia disto em termos de que efeito isto teria na alma dos cristãos se eles
imaginassem Jesus morto, encontrando no reino dos mortos todos aqueles que o traíram,
julgaram e executaram. Quando nós olhamos para eles como seres humanos, todos iguais em
face aos grandes poderes que controlam seus destinos, então damos a todos eles nosso
respeito, embora isto possa ser um pensamento repulsivo para muitos de nós. Acima de tudo,
nós temos de honrar e respeitar o grande poder por detrás deles e de todos nós, como um
mistério incompreensível.

Submeter-se a este mistério deste modo é algo verdadeiramente religioso e humano. Certa vez,
eu fiz um exercício, nesse sentido, com uma mulher judia em cuja família muitos tinham sido
assassinados.

Ela se sentiu chamada a reconciliar os vivos e os mortos. Eu pedi a ela que fechasse os olhos e
fosse imaginariamente ao reino dos mortos. Ela deveria ficar entre os seis milhões de vítimas do
holocausto e olhar para frente, para trás e para os lados direito e esquerdo. Em torno desta
enorme massa de seis milhões de mortos, estavam deitados os agressores. Então todos se
levantavam, as vítimas mortas, os agressores mortos e todos se viravam em direção ao
horizonte, para o leste. Lá, eles viam uma luz branca e todos se curvavam a esta luz. A mulher
também se curvou com todos os mortos e quando ela terminou, retirou-se lentamente, deixando
os mortos na memória diante daquilo que apareceu no horizonte, mas que permanecia oculto.
Então ela se virou de costas para os mortos e olhou para a vida de novo.

Recompensa

Algumas vezes os vivos precisam encarar os mortos. Olhá-los e serem vistos por eles —
principalmente aqueles que são culpados em relação aos mortos, mas também aqueles que
obtiveram alguma vantagem às custas do destino terrível de seus vizinhos judeusNT2. Em
muitas constelações o que tem emergido é que aqueles indivíduos que sofreram com os erros de
outros, afetam a alma dos indivíduos que cometeram tais erros, ou as almas daqueles que se
beneficiaram destes erros, assim como as almas de seus descendentes.

Esta influência continua até que o erro tenha sido reconhecido e visto e até que as vítimas sejam
reconhecidas como pessoas de igual valor, sejam respeitadas e seja feito luto por elas. Quando
isto é feito, a ferida pode fechar e os efeitos terríveis de tais erros cessam.

Em conclusão, eu contarei a vocês uma estória que os levará a uma viagem pela alma se vocês
desejarem segui-la.

A volta

Alguém nasce em sua família, em sua pátria, em sua cultura e já desde criança ouve falar de seu
modelo, professor e mestre, e sente um desejo profundo de tornar-se e ser como ele.

Junta-se a um grupo de pessoas que pensam da mesma forma, exercita disciplina por muitos
anos e segue seu grande modelo, até que se torna igual a ele e pensa, fala, sente e quer como
ele.
Entretanto, pensa que ainda falta uma coisa. Assim, parte por um longo caminho, buscando
transpor, talvez, uma última fronteira na mais distante solidão. Passa por velhos jardins, há muito
abandonados. Ali apenas florescem rosas silvestres e grandes árvores dão frutos todos os anos,
mas eles caem esquecidos no chão porque não há ninguém aí que os queira. Dali em diante,
começa o deserto.

Logo é cercado por um vazio desconhecido. Parece-lhe que, aí, todas as direções são iguais e,
as imagens que às vezes vê diante de si logo se mostram vazias. Caminha impulsionado para
adiante e quando já tinha perdido, há muito tempo, a confiança nos seus próprios sentidos,
avista diante de si a fonte. Ela brota da terra e nela imediatamente se infiltra. Porém, até onde a
água alcança, o deserto se transforma num paraíso.

Olhando à sua volta, vê, então, dois estranhos se aproximarem. Tinham feito exatamente como
ele. Tinham seguido seus modelos, até se tornarem iguais a eles. Tinham empreendido, como
ele, um longo caminho, buscando transpor, talvez, uma última fronteira na solidão do deserto. E
encontraram, como ele, a fonte. Juntos, os três se curvam, bebem da mesma água e acreditam
estar quase na meta. Depois dizem seus nomes: "Eu me chamo Gautama, o Buda". — "Eu me
chamo Jesus, o Cristo". — "Eu me chamo Maomé, o Profeta".

Mas, então, chega a noite e, acima deles, como sempre, brilham as estrelas inalcançáveis,
distantes e silenciosas. Os três se calam e um deles sabe que está mais próximo do seu grande
modelo como nunca. É como se pudesse, por um momento, pressentir o que Ele sentira quando
o soube: a impotência, a frustração, a humildade. E como deveria ter sentido, se tivesse
conhecido também a culpa.

Na manhã seguinte, ele volta, saindo salvo do deserto. Mais uma vez, seu caminho o leva por
jardins abandonados, até que acaba em um jardim que lhe pertence. Diante da entrada está um
homem velho, como se estivesse esperando por ele. Ele diz: "Quem de tão longe encontra,
como você, o caminho de volta, ama a terra úmida. Sabe que tudo o que cresce também morre e,
quando cessa, nutre". — "Sim", responde o outro, "eu concordo com a lei da terra". E começa a
cultivá-la.

NT Literalmente o "lider"— no caso, Hitler.

NT1 Hellinger distingue a família nuclear— pai, mãe e irmãos — do conceito de família dentro do
trabalho fenomenológico, aqui chamado de família "estendida", por seus efeitos no destino de
alguém. Sugerimos ler nos livros de Hellinger já publicados em português, quem pertence a esta
família "estendida".

NT2 Na Alemanha nazista, muitos judeus tiveram seus bens confiscados pelo estado e
"leiloados" a preços muito baixos entre a população, que assim adquiriu apartamentos, casas,
fazendas e outros bens por um valor muito vantajoso às custas dos judeus.
Palestra de Hellinger em
Kyoto 2001
Palestra em Kyoto – As constelações familiares e a consciência coletiva

Bert Hellinger

Pronunciamentos de Bert Hellinger em Outubro de 2001 num workshop de Kyoto – Japão. (Bert
Hellinger estava acompanhado por Harald Hohnen)

A consciência oculta

As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente

A Consciência coletiva esquecida

A vinculação pelo sexo

A noite escura da alma

A atitude terapêutica

Eu quero dizer algo sobre este tipo de trabalho. É conhecido como constelação familiar. A
constelação familiar é um método que visto de fora parece muito simples. Se um cliente tem um
problema, é então solicitado a selecionar representantes para membros de sua família e colocá-
los uns em relação aos outros. Tão logo isto é feito, os representantes sentem-se como as
pessoas que estão representando, mesmo sem saber nada sobre elas. Isto é um fenômeno
muito estranho. Se nós o tomamos seriamente, nós temos que dizer adeus a muitas de nossas
noções sobre a alma humana.

Eu quero explicar agora algo sobre o que está por trás de importantes insights que vem à luz
através deste método.

A consciência oculta

Durante um período de anos eu tenho visto que somos guiados por uma consciência coletiva
oculta (inconsciente). Isto significa que os membros de uma família estão sob a influência de
uma consciência que é comum a todos eles. Esta consciência é oculta, inconsciente. Eu tenho
pensado muito sobre a origem de tal tipo de consciência. Eu imagino que no começo da raça
humana, havia grupos pequenos de pessoas, eles viviam em grupos de 20-30 pessoas. Eles
todos agiam de um certo modo. Eles TINHAM que agir do mesmo modo para sobreviver. Deste
modo, os membros individuais deste grupo , todos eles, olhavam (zelavam) pelo benefício do
grupo como um todo. Eles não poderiam manter desejos pessoais que fossem contra o benefício
do grupo como um todo. E, de fato, neste grupo, cada membro era importante. Eles não podiam
se dar ao luxo de perder um de seus membros. E ninguém podia deixar o grupo sem ficar em
perigo de morrer rapidamente.

Assim, houve uma experiência básica na qual todos pertenciam juntos e um dependia do outro.
Eles não precisavam pensar sobre o que era certo para eles. Havia uma força oculta que os
movia nesta direção. Se eles não devotassem toda a energia para o benefício do grupo, se
sentiam mal, se sentiam culpados. Este sentimento os motivava para mudar seu comportamento
de modo que eles pudessem novamente devotar toda sua energia para o benefício do grupo
como um todo.

As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente

Agora compare isto a como nós nos comportamos na cultura ocidental – o povo japonês é
também afetado de certa forma por esta cultura – onde um indivíduo pode dizer: “ Eu venho
primeiro, meu desenvolvimento pessoal vem primeiro”. Como a Constituição americana coloca :
“ Cada pessoa tem o direito de ser feliz, todos tem o direito de serem pessoalmente felizes”.
Vocês vêem a diferença? Neste grupo original, todos pertenciam igualmente e esta alma comum
que os unia zelava para que nenhum dos membros fosse perdido. E ela zelava para que todos
os membros estivesse servindo ao grupo como um todo.

Dentro deste grupo havia um outro tipo de lei ou ordem operando. Esta lei dava a cada membro
seu próprio lugar dentro do grupo. Havia uma hierarquia dentro deste grupo que se opõe à noção
democrática que nós temos dos grupos, usualmente. Neste grupo aqueles que chegaram
primeiro tinham o mais alto nível (hierárquico) e aqueles que vieram depois o nível mais baixo.
Assim a hierarquia dava a cada membro um lugar de acordo com o tempo que ele ou ela entrou
no grupo. Deste modo não havia conflito acerca do lugar próprio de alguém. Todos sabiam seu
lugar certo. Mas aqueles que tinham vindo depois progrediam com o passar do tempo atingiam
uma posição superior na hierarquia. A criança caçula, por exemplo, tinha o lugar mais baixo, mas
quando ela crescesse e se tornasse velha, alcançaria um lugar mais alto afinal. Assim as
posições não eram fixas, elas tinham um certo desenvolvimento. Por meio destas duas leis,
estes grupos poderiam sobreviver enquanto estivessem entre si.

Mas o que aconteceu quando eles encontraram outros grupos? Subitamente eles tinha de
diferenciar entre eles e os outros grupos. Então eles tiveram a noção: “Nós somos melhores e os
outros não são tão bons.” Assim, enquanto antes havia uma igualdade entre os membros e onde
tais divisões ou diferenciações não tinham lugar, tais diferenciações foram agora introduzidas.

Após algum tempo, os membros de um mesmo grupo começaram a fazer tais diferenciações.
Eles disseram, “ Eu sou mais importante que outro membro, eu tenho um maior direito de
pertencer a este grupo do que ele.” Então eles seguiram uma outra consciência que surgia, uma
consciência pessoal em oposição àquela consciência coletiva que dirigia o grupo antes. De fato,
este é um importante passo para a frente no desenvolvimento humano, sem dúvida. O indivíduo
aprendeu a ver a diferença entre si e os outros. Então começou entre os membros do grupo um
conflito ou uma competição pelo lugar mais alto na hierarquia. Este desenvolvimento alcançou o
seu pico quando as pessoas vieram a entender sua consciência pessoal como a voz de DEUS
em suas almas. Assim, quando elas fizeram algo contra o grupo, elas fizeram isto de boa
consciência porque elas diziam que sua ação pessoal tinha a aprovação divina.

Agora, porque eu disse tudo isto aqui? O que isto tem a ver com as constelações familiares?
A Consciência coletiva esquecida

Por causa do correr do tempo, as regras da consciência coletiva foram esquecidas. Elas foram
negadas, na verdade suprimidas. Mas a consciência coletiva, embora inconsciente, ainda está
atuante. E porque ela está ainda atuante? Ela vai contra aquilo que as pessoas querem ,
desejam ou acham que seja certo. Deste modo, quando alguém age de boa consciência e pensa
que aquilo que quer é bom, tais ações freqüentemente resultam em falha.

E o que é pior, agindo contra as regras da consciência coletiva , as pessoas podem vir a ficar
doentes ou ter acidentes sérios ou se tornarem criminosas ou propensas ao suicídio. Como isto
atua, vem à luz através das constelações familiares. Deste modo nós podemos entender as
constelações familiares somente se nós sabemos algo acerca deste “pano de fundo”.

De fato, as constelações familiares não apenas trazem à luz estes emaranhamentos, elas
também mostram um modo de como resolvê-los. E este é o motivo pelo qual elas tem seu efeito
curativo e reconciliador.

Isto foi uma introdução difícil e longa e eu espero agora que vocês estejam prontos para que
trabalhemos.

A vinculação pelo sexo

Eu devo dizer agora algo sobre este vínculo. Se há um intercurso sexual entre um casal adulto e
ele é sem reservas, uma ligação é estabelecida entre ambos. Eu uso o termo “sem reservas”
para incluir muitas coisas e não desejo ser muito específico. Esta ligação dura uma vida e após
ela se estabelecer o casal não pode mais se comportar como se não tivesse acontecido nada. A
profundidade do vínculo pode ser vista quando há uma separação. Após tal vínculo eles não
podem se separar facilmente. Eles só podem se separar com dor e sentimentos de culpa. Se
eles se separam e encontram outro(a) parceiro(a) com o(a) qual tem um intercurso sexual
também um novo vínculo se estabelece. Mas este novo vínculo é menos intenso que o primeiro.
Quando eles se separam a dor e os sentimentos de culpa são menores que antes. Após o
terceiro é ainda menor. E assim prossegue. Após algum tempo eles são incapazes de
estabelecer uma parceria estável e permanecerão solteiros. Isto pode servir a um propósito
especial em relação à evolução talvez. De minha parte não há nenhum julgamento a respeito
disto. Com relação ao incesto, abuso sexual e estupro, nós temos que saber que um vínculo
também é estabelecido. Mas eu volto ainda para a relação de casal. Se houve um
relacionamento e ele foi rompido e os parceiros tomam nova relação com pessoas diferentes, o
parceiro anterior será representado na próxima relação por uma criança, a menos que a
separação tenha acontecido com amor. Então a segunda relação pode ter sucesso. O mesmo se
aplica ao incesto, estupro e caso de abuso sexual. A menos que o vínculo criado seja
reconhecido e haja uma separação com respeito e amor os relacionamentos posteriores serão
difíceis.

Com relação ao estupro, isto pode parecer muito estranho. Mas as constelações familiares
mostram uma imagem diferente (da habitual). Houve uma vez uma mulher que colocou sua
família. Ela havia me dito que tinha dificuldades sexuais. Eu disse que não desejava lidar com
isto em público. Mas quando ela posicionou a família eu perguntei: “Houve algo especial?” Ela
me disse então: “Eu fui estuprada 6 vezes.” Deste modo eu selecionei seis homens e os coloquei
lá, lado a lado. Então a representante daquela mulher se posicionou em frente de cada um deles
e se curvou, reverenciando-os, uns com mais profundidade que os outros. No final, ela se
colocou ao lado do último. E disse então: “Este é o meu lugar”. Muito estranho! Isto vai contra o
nosso pensamento moral. Mas as constelações familiares mostram um quadro diferente.

Agora, quanto ao incesto. Se vocês são confrontados com casos de incesto, uma dinâmica muito
comum é que a esposa se retira do marido e lhe recusa uma relação sexual. Então, como um
tipo de compensação, uma filha toma seu lugar.

Isto é um movimento inconsciente, não é consciente. Mas você vê, com o incesto há dois
agressores, um oculto e outro às claras. Não se pode resolver isto a menos que o agressor
oculto venha à luz. Há então sentenças muito estranhas que vêm à luz. A filha pode dizer a sua
mãe “Eu faço isto por você.” E ela pode dizer ao pai “Eu faço isso pela mamãe”. Qual é o efeito
dessas sentenças? O incesto não pode mais continuar. Se você quer pará-lo, este é o melhor
modo, sem qualquer acusação.

Se você levar o agressor à justiça, então a vítima expiará o que for feito ao agressor. Eu dou um
exemplo. Em um grupo, um assistente social relatou um caso de abuso e incesto e ele disse que
levaria os agressores à corte. Eu o adverti que isto poderia ser perigoso para a menina. Mas ele
se sentiu no direito de levá-los à justiça. Então, depois eu o encontrei e perguntei a ele como
estava indo a menina. Ele me disse: “Ela sempre está querendo pular pela janela”. Este é o
resultado da ação justiceira dele.

Para o cliente: E isto também é importante para você.

A noite escura da alma

Eu quero dizer algo sobre a noite escura da alma. Este é um conceito da tradição mística da
Europa. Mas ele é muito próximo do pensamento asiático também. Ele significa que eu me
refreio de investigar , eu me refreio de qualquer curiosidade. E qual é o efeito disto? Paz para
todos os envolvidos. Eu fico em paz. Eu não estou sobrecarregado pelos problemas alheios. E
os demais não são mais perturbados por mim. Eu não interfiro de forma alguma nos movimentos
de sua alma. Nós ambos podemos então respeitar-nos mutuamente. Se eu agora me entregasse
À curiosidade, eu perderia o respeito do outro. E ele sentiria que eu não o respeito. Assim, este é
um bom procedimento. Na verdade é um não-procedimento. Eu não faço nada. E ainda assim,
pelo não fazer nada, eu faço muito.

A atitude terapêutica
Eu quero dizer algo sobre a atitude terapêutica. Ontem, eu trabalhei com ela e eu sabia das
conseqüências, é claro.

Mas eu não interfiro. Eu só parei e esqueci dela. Eu não cuidei mais, não no sentido de que eu
não me preocupei mais . Ontem eu trabalhei com ela ( e apontou outra mulher), eu parei e
esqueci-a.Eu não fiquei preocupado, porque eu confio – alguma coisa acontecerá. Há forças
maiores operando aqui. Nesta manhã esta outra mulher veio aqui e estava pronta para mais um
pouco de trabalho. Eu trabalhei com ela e não achei uma solução – superficialmente nós não
achamos uma solução – e eu parei. Após um tempo ela parecia feliz. Eu não sabia porque, eu
não perguntei também. Para mim aquilo estava terminado. Não é mais meu assunto e não é
mais da minha conta.

Agora ela veio por si mesma, porque a interrupção de ontem liberou algo em sua alma. Ela veio
aqui e eu confrontei-a com suas conseqüências. Quantos de vocês ficaram chocados com o que
eu disse a ela? Aquilo foi chocante. Mas foi verdade. É a verdade e não se pode brincar com ela.
Aquilo é o que acontece se alguém deseja a morte de sua mãe.

Então eu tentei algo mais e não achei solução. Eu estava preparado para parar sem fazer mais
nada. Eu não me preocupei. Então Harald me apontou algo. OK, havia uma outra oportunidade.
Eu tomei-a e nós achamos uma solução. Agora, quem achou a solução? A grande alma achou a
solução. A grande alma me dirigiu e a ele, a ela e ao grupo como um todo.

Estas mulheres aqui na constelação , elas foram boas? Elas foram inteligentes? Elas foram
competentes? Não , elas foram guiadas por algo que veio de muito além delas mesmas. Elas
apenas e permitiram serem movidas. Isto é o porque de nós termos achado uma solução. Mas
não houveram bons terapeutas aqui, nem mesmo Harald foi um bom terapeuta, nem eu fui um
bom terapeuta. Nós estivemos em sintonia com algo maior. E esta é nossa grandeza. Você vê
quanta confiança é exigida para trabalhar desta forma? Quão cuidados nós temos que ser todo o
tempo para que nada interfira (como nossas idéias ou intenções) neste trabalho?

Se você tem esta atitude sem nenhum medo e sem nenhuma intenção pessoal e só se permite
ser guiado por algo maior, então você pode fazer este trabalho. Porque não é mais você , é algo
além de você e de mim.

Tradução do inglês para o português com permissão expressa de Bert Hellinger por Décio Fábio
de Oliveira Júnior.

Palestra de
Hellinger em SP
Muita gente julga que o amor tem o poder de superar tudo, que é preciso apenas amar bastante
e tudo ficará bem. Contudo, a experiência mostra que isto não é verdade. Muitos pais são
forçados a experimentar que, apesar do amor que dão a seus filhos, estes não se desenvolvem
como eles esperavam. São forçados a ver seus filhos adoecerem, se drogarem ou suicidarem,
apesar de todo o amor que lhes dão. Para que o amor dê certo, é preciso que exista alguma
outra coisa ao lado dele. É necessário que haja o conhecimento e o reconhecimento de uma
ordem oculta do amor.

Ordem e amor

O amor preenche o que a ordem abarca.


O amor é a água, a ordem é o jarro.

A ordem ajunta,
o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.

Como uma linda canção obedece às harmonias,


assim o amor obedece à ordem.
Assim como o ouvido dificilmente se acostuma
às dissonâncias, mesmo quando são explicadas,
assim também nossa alma dificilmente se acostuma
ao amor sem ordem.

Muita gente trata essa ordem


como se ela fosse uma opinião
que se pode ter ou mudar à vontade.

Contudo, ela nos preexiste.


Ela atua, mesmo que não a entendamos.
Não é inventada, mas encontrada.
É por seus efeitos que a descobrimos,
Como descobrimos o sentido e a alma.

Muitas dessas ordens são ocultas. Não podemos sondá-las. Elas atuam nas profundezas da
alma, e freqüentemente as encobrimos com pensamentos, objeções, desejos e medos. É preciso
tocar no fundo da alma para vivenciar as ordens do amor.

Tomar a vida

Direi primeiro alguma coisa sobre as ordens do amor entre pais e filhos e, do ponto de vista da
criança, isto é, do filho para com seus pais. Aqui menciono algumas verdades banais. Elas são
tão óbvias que eu quase me envergonho de citá-las. Não obstante, são freqüentemente
esquecidas.

O primeiro ponto é que os pais, ao darem a vida, dão à criança, nesse mais profundo ato
humano, tudo o que possuem. A isso eles nada podem acrescentar, disso nada podem tirar. Na
consumação do amor, o pai e a mãe entregam a totalidade do que possuem. Pertence portanto à
ordem do amor que o filho tome a vida tal como a recebe de seus pais. Dela, o filho nada pode
excluir, nem desejar que não exista. A ela, também, nada pode acrescentar. O filho é os seus
pais. Portanto, pertence à ordem do amor para um filho, em primeiro lugar, que ele diga sim a
seus pais como eles são -- sem qualquer outro desejo e sem nenhum medo. Só assim cada um
recebe a vida: através dos seus pais, da forma como eles são.
Esse ato de tomar a vida é uma realização muito profunda. Ele consiste em assumir minha vida
e meu destino, tal como me foi dado através de meus pais. Com os limites que me são impostos.
Com as possibilidades que me são concedidas. Com o emaranhamento nos destinos e na culpa
dessa família, no que houver nela de leve e de pesado, seja o que for.

Essa aceitação da vida é um ato religioso. É um ato de despojamento, uma renúncia a qualquer
exigência que ultrapasse o que me foi transmitido através de meus pais. Essa aceitação vai
muito além dos pais. Por esta razão, não posso, nesse ato, considerar apenas os meus pais.
Preciso olhar para além deles, para o espaço distante de onde se origina a vida e me curvar
diante de seu mistério. No ato de tomar os meus pais, digo sim a esse mistério e me ajusto a ele.

O efeito desse ato pode ser comprovado na própria alma. Imaginem-se curvando-se
profundamente diante de seus pais e dizendo-lhes:"Eu tomo esta vida pelo preço que custou a
vocês e que custa a mim. Eu tomo esta vida com tudo o que lhe pertence, com seus limites e
oportunidades". Nesse exato momento, o coração se expande. Quem consegue realizar esse
ato, fica bem consigo, sente-se inteiro.

Como contraprova, pode-se igualmente imaginar o efeito da atitude oposta, quando uma pessoa
diz: "Eu gostaria de ter outros pais. Não os suporto como eles são." Que atrevimento! Quem fala
assim, sente-se vazio e pobre, não pode estar em paz consigo mesmo.

Algumas pessoas acreditam que, se aceitarem plenamente seus pais, algo de mau poderá
infiltrar-se nelas. Assim, não se expõem à totalidade da vida. Com isto, contudo, perdem também
o que é bom. Quem assume seus pais, como eles são, assume a plenitude da vida, como ela é.

E algo que é próprio

Mas aqui existe ainda um mistério que não posso justificar. Com efeito, cada um experimenta
que também tem em si algo de único, algo que é inteiramente próprio, irrepetível, e não pode ser
derivado de seus pais. Isso também ele precisa assumir. Pode ser algo de leve ou de pesado,
algo de bom ou de mau. Isto não podemos julgar.

A pessoa que encara o mundo e sua própria vida com olhos desimpedidos pode ver que tudo o
que ela faz obedece a uma ordem. Tudo o que ela faz ou deixa de fazer, tudo o que ela apoia ou
combate, ela o realiza porque foi encarregada de um serviço que ela própria não entende.
Aquele que se entrega a tal serviço, experimenta-o como uma tarefa ou como um chamado, que
não se baseia nos próprios méritos nem na própria culpa (quando for algo de pesado ou cruel).
Ele foi simplesmente tomado a serviço.

Quando contemplamos o mundo desta maneira, cessam as diferenças habituais. Costumo


descrever isto com o dito seguinte:

O mesmo

A brisa sopra e sussurra,


A tempestade varre e se enfurece,
E no entanto
é o mesmo vento,
o mesmo canto.
A mesma água
nos tira a sede e nos afoga,
nos carrega e nos sepulta.

Todo ser vivo se desgasta,


se mantém vivo e se aniquila.
Em ambos os casos,
a mesma força o impele.

Ela é que conta.

A quem servem então as diferenças?

Falei até aqui sobre a ordem fundamental da vida. Foi-nos concedido termos pais e sermos
filhos. E temos também algo de próprio.

Aceitar tudo o mais que nossos pais nos dão

Na verdade, os pais não dão aos filhos apenas a vida. Eles nos dão também outras coisas:
alimentam-nos, educam-nos, cuidam de nós e assim por diante. Convém à criança que ela tome
tudo isso, da forma como o recebe. Quando a criança o aceita de bom grado, costuma bastar.
Existem exceções, que todos conhecemos, mas via de regra é suficiente. Pode não ser sempre
o que desejamos, mas é o bastante.

Nesse particular, pertence à ordem que o filho diga a seus pais: "Eu recebi muito. Sei que é
muito, é o bastante. Eu o tomo com amor". Então ele se sente pleno e rico, seja qual for a
situação. Então ele acrescenta: "o resto, eu mesmo faço". Isto também é um belo pensamento.
Finalmente, o filho ainda pode dizer aos pais: "E agora eu os deixo em paz". O efeito destas
frases vai muito fundo: agora o filho tem seus pais e os pais têm o filho. Pais e filho estão
simultaneamente separados e felizes. Os pais concluíram sua obra e a criança está livre para
viver sua vida, com respeito pelos seus pais mas sem dependência.

Imaginem agora a situação contrária, quando o filho diz aos pais: "O que vocês me deram foi
errado e foi muito pouco. Vocês ainda estão me devendo muito". O que esse filho tem de seus
pais? Nada. E o que têm dele os pais? Igualmente nada. Esse filho não consegue soltar-se de
seus pais. Sua censura e sua reivindicação o vinculam a eles, mas de uma forma tal que ele não
os tem. Ele se sente vazio, pequeno e fraco.

Esta seria a segunda lei do amor entre filhos e pais.

O tamanho de criança

Existe algo que os pais adquirem por mérito pessoal. Se a mãe, por exemplo, tem um dom
especial - suponhamos que ela seja pintora e pinte quadros maravilhosos - então isso pertence a
ela e não ao filho. Este não pode reivindicar ser também um bom pintor, a não ser que o tenha
merecido por dotação própria e dedicação pessoal.

A mesma coisa vale para a riqueza dos pais. O filho não tem o direito de reivindicá-la, como é o
caso da herança. O que ele vier a receber será puro presente.
Isto vale ainda para a culpa pessoal dos pais. Também esta pertence exclusivamente a eles.
Com freqüência, uma criança presume, por amor, tomar sobre si essa culpa, carregá-la em
nome dos pais. Também isto vai contra a ordem. A criança se arroga um direito que não lhe
compete. Quando os filhos querem expiar pelos pais, estão se julgando superiores a eles. Os
pais passam a ser tratados como crianças, cuidadas por seus próprios filhos, que assumem o
papel de pais.

Uma senhora, que recentemente participou de um grupo meu, tinha um pai cego e uma mãe
surda. Os dois se completavam bem, mas a filha achava que devia cuidar deles. Quando montei
a constelação de sua família, ela se comportou como se fosse ela a pessoa grande. Porém sua
mãe lhe disse: "Esse assunto com seu pai eu resolvo sozinha". E o pai lhe disse: "Esse assunto
com sua mãe eu resolvo sozinho. Não precisamos de você para isso". Aquela senhora ficou
muito desapontada, porque foi reduzida ao seu tamanho de criança.

Na noite seguinte, ela não conseguiu dormir. Aliás, ela sentia uma grande dificuldade para
adormecer. Perguntou-me se eu podia ajudá-la. Respondi: "Quem não consegue dormir talvez
esteja pensando que precisa vigiar". Contei-lhe então a história de Borchert sobre o menino de
Berlim que, no fim da guerra, tomava conta de seu irmão morto, para que os ratos não o
comessem. O menino estava esgotado, porque achava que devia ficar vigiando. Nisto, passou
por ali um senhor simpático que lhe disse: "Mas os ratos dormem à noite". E a criança
adormeceu.

Na noite seguinte, aquela senhora dormiu melhor.

Portanto, a ordem do amor entre filhos e pais estabelece, em terceiro lugar, que respeitemos o
que pertence pessoalmente a nossos pais e o que eles podem e devem fazer sozinhos.

Receber e exigir

A ordem do amor entre pais e filhos envolve ainda um quarto elemento. Os pais são grandes, os
filhos pequenos. Assim, o certo é que os pais dêem e os filhos recebam. Pelo fato de receber
tanto, o filho sente a necessidade de pagar. Dificilmente suportamos quando recebemos algo
sem dar algo em troca. Mas, em relação a nossos pais, nunca podemos compensar. Eles
sempre nos dão muito mais do que podemos retribuir.

Alguns filhos querem escapar da pressão de retribuir e dos sentimentos de obrigação ou de


culpa. Eles dizem então: "Prefiro nada receber, assim não sinto obrigação nem culpa". Esses
filhos se fecham para seus pais e, nessa mesma medida, sentem-se pobres e vazios. Pertence à
ordem do amor que os filhos digam: "Eu recebo tudo com amor". Assim, eles irradiam
contentamento para os pais, e estes percebem a felicidade deles. Esta é uma forma de receber
que é simultaneamente uma compensação, porque os pais se sentem respeitados por esse
receber com amor. Eles dão, então, com um prazer ainda maior.

Quando, porém, os filhos dizem: "Vocês têm que me dar mais", o coração dos pais se fecha. Por
causa da exigência do filho, eles não podem mais cumulá-lo de amor. Este é o efeito de tais
reivindicações. Esse filho, por sua vez, mesmo quando recebe alguma coisa, não consegue
tomar o que exigiu.

A equiparação
A verdadeira equiparação entre o dar e o tomar na família consiste em passar adiante o dom.
Quando a criança diz: "Eu tomo tudo, e quando eu crescer, eu darei por minha vez", os pais
ficam felizes. A criança, no seu dar, não olha para trás, mas para a frente. Os pais fizeram o
mesmo. Eles receberam de seus pais e deram a seus filhos. Justamente pelo fato de terem
recebido tanto, sentem-se pressionados a dar, e podem igualmente fazê-lo.

Até aqui, falei das ordens do amor entre filhos e pais.

O grupo familiar

Entretanto, nossa vinculação não se limita aos pais. Pertencemos também a um grupo familiar, a
uma estirpe, um sistema maior. O grupo familiar se comporta como se fosse dirigido por uma
instância comum e superior. Ele é comparável a um bando de pássaros em formação. De
repente, todos mudam a direção do vôo, como se tivessem sido movidos por uma força superior
comum.

No grupo familiar, essa instância superior atua quase como um comando (Gewissen) interior
partilhado por todos, e que atua de modo amplamente inconsciente. Reconhecemos as ordens a
que obedece pelos bons efeitos de sua observância e pelos maus efeitos de sua violação.

Quero citar, para começar, o círculo de pessoas que são abarcadas e dirigidas por esse
comando interior (Gewissen), cuja amplitude podemos reconhecer por seus efeitos. Estão nele
incluídos:

* Todos os filhos, inclusive os que morreram ou foram abortados;


* Os pais e todos os seus irmãos;
* Os avós;
* Eventualmente, algum bisavô ou até mesmo um antepassado ainda mais distante,
principalmente se teve um destino mau.
* Incluem-se ainda pessoas sem relação de parentesco, a saber, aquelas de cuja morte ou
infelicidade pessoas da família se beneficiaram, como são, por exemplo, antigos parceiros dos
pais e dos avós.

O direito de pertencer

No interior de cada grupo familiar, vale a ordem básica, a lei fundamental: todas as pessoas do
grupo familiar possuem o mesmo direito de pertencer. Em muitas famílias e grupo familiares,
determinados membros são excluídos. Alguns dizem, por exemplo: "Esse tio não vale nada, ele
não pertence a nós", ou então: "Dessa criança ilegítima nada queremos saber". Com isso,
recusam a essas pessoas o direito de pertencer.

Existem também os que dizem: "Sou católico, você é evangélico. Como católico, tenho mais
direito de pertencer que você". Ou inversamente: "Como protestante, tenho mais direito, porque
minha fé é mais verdadeira. Você é menos crente do que eu, portanto tem menos direito de
pertencer". Isto não é hoje tão freqüente como antigamente, mas ainda acontece.

Ocorre ainda, quando um filho morre prematuramente, que seus pais dão seu nome ao filho
seguinte. Com isto, estão dizendo ao primeiro: "Você não pertence à família. Temos um
substituto para você". Assim o filho morto não conserva nem mesmo o seu próprio nome. Com
freqüência, não é mais contado nem mencionado. Assim lhe é negado e retirado o direito de
pertencer.

O excesso de moral de alguns, que se sentem melhores e superiores a outros, na prática


significa dizer-lhes: "Tenho mais direito de pertencer que você". Ou, quando alguém condena
uma pessoa ou a considera má, praticamente está lhe dizendo: "Você tem menos direito de
pertencer do que eu". "Bom" significa então: "Tenho mais direitos", e "mau" significa: "Você tem
menos direitos".

Os excluídos são representados

Essa lei fundamental, que assegura a todos o mesmo direito de pertencer, não tolera nenhuma
violação. Quando isso acontece, existe no sistema uma necessidade inconsciente de
compensação, que faz com que os excluídos ou desprezados sejam mais tarde representados
por algum outro membro da família, sem que essa pessoa tenha consciência do fato.

Quando, por exemplo, um homem casado se relaciona com outra mulher e diz à própria esposa:
"Não quero mais saber de você", inventando falsas razõ es e cometendo injustiça contra ela, e
depois se casa com a segunda mulher e tem filhos com ela, sua primeira mulher será
representada por um desses filhos. Uma menina, por exemplo, combaterá o pai com o mesmo
ódio da parceira rejeitada, sem que tenha a menor consciência dessa representação. Aqui atua
uma força secreta de compensação, para que a injustiça feita à primeira pessoa seja vingada por
uma segunda.

Muitos acontecimentos infelizes na família como, por exemplo, desvios de comportamento dos
filhos, doenças, acidentes e suicídios acontecem pelo fato de que um filho inconscientemente
representa um excluído e quer dar-lhe reconhecimento. Nisso se revela ainda uma outra
propriedade da instância superior. Ela faz reinar justiça para com aqueles que vieram antes e
injustiça para os que vêm depois.

A solução

A solução de um tal emaranhamento torna-se possível quando a ordem básica é restabelecida,


isto é, quando os excluídos voltam a ser acolhidos e respeitados. Neste caso, por exemplo, a
segunda mulher deveria dizer à primeira: "Eu tenho este homem às suas custas. Eu honro isto e
reconheço que foi feita injustiça a você. Por favor, queira bem a mim e a meus filhos". Desta
forma, a primeira mulher é respeitada. Nas constelações familiares, pode-se perceber então
como se relaxa o rosto da primeira mulher, como ela se torna amigável pelo fato de ser
respeitada. Com isso, é reconhecido o seu direito de pertencer.

A solução exige também que a menina, que imita essa mulher, lhe diga interiormente: "Eu
pertenço apenas à minha mãe e ao meu pai. Aquilo que se passou entre vocês adultos não tem
nada a ver comigo". Ela diz a seu pai: "Você é meu pai, e eu sou sua filha. Por favor, olhe-me
como sua filha". Então o pai não precisa mais ver nela sua ex-mulher, não precisa mais
defrontar-se com o ódio ou a tristeza que ela possa ter. Ou, se ele ainda a ama, não precisa ver
a criança como sua amante, mas apenas como sua filha. Então a criança pode ser a filha, e o pai
pode ser o pai.

A criança precisa também dizer ao pai: "Esta aqui é a minha mãe. Com sua primeira mulher não
tenho nada a ver. Eu tomo esta como minha mãe. Esta é para mim a certa". E então ela precisa
dizer à mãe: "Com a outra mulher eu nada tenho a ver". De outra forma, essa criança se tornará
uma rival da mãe, e não poderá ser filha. Talvez a mãe veja nela inconscientemente a outra
mulher, e então mãe e filha entram em conflito como se fossem duas amantes rivais. Mas
quando a criança diz: "Você é minha mãe e eu sou sua filha, com a outra não tenho nada a ver.
Eu tomo você como minha mãe", então a ordem é restabelecida.

Existem contudo emaranhamentos bem mais complicados. Quando, por exemplo, numa família,
um filho morre prematuramente, os filhos sobreviventes carregam muitas vezes um sentimento
de culpa pelo fato de estarem vivos, enquanto seu irmão está morto. Acreditam que, por estarem
vivos, possuem uma vantagem sobre o irmão falecido. Então eles querem compensar isto, por
exemplo, deixando-se ficar mal, adoecendo ou mesmo desejando morrer, sem que saibam por
quê.

Aqui pertence à ordem do amor que eles digam interiormente ao irmão morto: "Você é meu
irmão (minha irmã). Eu respeito você como meu irmão (minha irmã). Você tem um lugar em meu
coração. Eu me curvo diante do seu destino, da forma como lhe aconteceu, e digo sim ao meu
destino, da forma como me foi determinado". Então a criança morta é respeitada, e a outra pode
permanecer viva sem sentimento de culpa.

A imagem mágica do mundo e suas conseqüências

Por trás da necessidade de compensação, que faz adoecer, atua uma fantasia mágica, a saber,
que eu posso salvar uma outra pessoa de seu pesado destino, desde que eu tome também algo
de pesado sobre mim. É o caso da criança que diz à mãe gravemente doente: "Antes eu adoeça
do que você. Antes morra eu do que você". Ou ainda, quando a mãe quer abandonar a vida, um
filho se suicida, para que a mãe possa ficar viva.

Um exemplo disto é a magreza compulsiva. O anoréxico vai se tornando cada vez menor,
desaparece, por assim dizer, até a morte. Em sua alma, essa criança diz a seu pai ou a sua
mãe: "Antes desapareça eu do que você". Aqui atua um amor profundo. Mas quando a criança
morre, qual é o efeito desse amor? Ele é totalmente inútil.

Quando trabalho com uma pessoa com essa compulsão, faço que olhe nos olhos de seu pai ou
de sua mãe e diga: "Antes desapareça eu do que você". Quando ela os encara nos olhos a
ponto de realmente os ver, ela não consegue mais dizer essa frase, porque percebe que o pai ou
a mãe não aceitará isto dela. É que o amor mágico desconhece o fato de que também a outra
pessoa ama e que ela recusaria isto, independentemente da inutilidade de tal amor.

Quando a mãe morre no nascimento de uma criança, é muito difícil para essa criança tomar a
sua vida. Ela precisaria encarar a mãe nos olhos e dizer: "Mamãe, mesmo por este alto custo eu
tomo esta vida e faço algo de bom com ela, em sua memória. Você precisa saber que não foi em
vão". Isto é amor, num nível mais elevado. Ele exige o abandono da fantasia mágica de poder
interferir no destino de outra pessoa e mudá-lo. Ele exige a passagem de um amor que faz
adoecer para um amor que cura.

A fantasia do amor mágico está associada a uma presunção, a um sentimento de poder e


superioridade. A criança realmente acha que, através de sua doença e de sua morte, pode
salvar da morte outra pessoa. Renunciar a essa idéia só é possível pela humildade.

Até aqui falei da ordem do amor na relação entre filhos e pais.


Homens e Mulheres

Quero também dizer mais alguma coisa sobre a ordem do amor na relação do casal. Este tema
nos fala mais de perto. Muitos se envergonham disso, como se fosse algo que a gente deveria
ocultar. Aquilo que diferencia os homens das mulheres, que realmente os diferencia, é
escondido. Ou, pode-se dizer também, é protegido. Pois é o lugar onde cada um é mais
vulnerável. É o lugar próprio da vergonha. Vergonha significa, neste contexto, que eu guardo
alguma coisa, para que nada de mau aconteça. E é o lugar onde nos sentimos mais entregues.

Alguns falam depreciativamente do instinto sexual e esquecem que ele é a força real e mais
profunda, que tudo mantém unido e dirige, que toma cada pessoa a seu serviço, sem que ela
possa se defender. Pela pura razão, ninguém se casaria ou teria filhos. Só esse instinto
consegue isso. É através dele que estamos em sintonia mais profunda com a alma do mundo.
Esse instinto é o que existe de mais espiritual. Todo entendimento e toda consideração racional
empalidecem diante da força que atua por detrás desse instinto.

A ordem do amor entre homem e mulher exige portanto, em primeiro lugar, que o homem admita
que lhe falta a mulher, e que ele, por si só, jamais poderá alcançar o que uma mulher tem. E
exige igualmente que a mulher admita que lhe falta o homem, e que ela, por si só, jamais poderá
alcançar o que o homem tem. Então ambos se experimentam como incompletos e admitem isto.

Quando o homem admite que precisa da mulher e que só através dela se torna um homem, e
quando a mulher admite que precisa do homem e só através dele se torna uma mulher, então
essa carência os liga um ao outro, justamente pelo fato de a admitirem. Então o homem recebe o
feminino como presente da mulher, e a mulher recebe o masculino como presente do homem.

Imaginem agora um homem que desenvolve em si o feminino e uma mulher que desenvolve em
si o masculino, como muitos consideram ideal. Se esse homem quiser se ligar a essa mulher,
qual será a profundidade dessa relação? No fundo, eles não precisam um do outro.
Inversamente, quando o homem renuncia ao feminino e a mulher ao masculino, então eles
precisam um do outro e isto os mantém juntos.

O vínculo

Quando o homem e a mulher se aceitam mutuamente como tais, a consumação de seu amor
cria um vínculo. Esse vinculo é indissolúvel. Isto nada tem a ver com a doutrina moral da Igreja
sobre a indissolubilidade do matrimônio. A realização do amor cria uma ligação,
independentemente do casamento e de qualquer rito externo.

A existência de uma tal ligação é percebida pelos seus efeitos. Por exemplo, o homem que se
separa levianamente de uma parceira a quem estava vinculado dessa forma pela consumação
do amor, via de regra não conseguirá conservar uma segunda parceira num outro
relacionamento. Pois esta percebe o seu vínculo com a parceira anterior, e não ousa tomá-lo
plenamente. Quando um homem abandona uma mulher e se casa de novo, talvez sua segunda
mulher se considere melhor que a primeira e diga: "Agora eu o tenho para mim". Ela entretanto o
perderá. Nesse próprio triunfo o perde, pois reconhece o vínculo desse homem com a sua
primeira mulher.

Então ela não o assumirá completamente. Nas constelações familiares, pode-se perceber que
uma segunda mulher se distancia um pouco do homem. Ela não ousa colocar-se perto dele, pelo
fato de não ser sua primeira ligação, mas a segunda.

A profundidade de um tal vínculo pode ser avaliada pelo seu efeito. A separação do primeiro
amor é a mais difícil de se conseguir. É a mais dolorosa. Quando uma segunda ligação se
desfaz, a dor é menor. Numa terceira, é ainda menor.

Essa ligação não é porém sinônimo de amor. O amor pode ser pequeno e o vínculo profundo.
Inversamente, o amor pode ser profundo e a ligação pequena. O vínculo se origina do ato
sexual. Por isto, ele também nasce de um incesto ou de um estupro. Para que mais tarde uma
nova ligação seja possível, é preciso que a primeira seja corretamente resolvida. Ela é resolvida
quando é reconhecida e quando é honrado o respectivo parceiro. Quem amaldiçoa o primeiro
vínculo impede uma ligação ulterior.

A ordem de precedência

O fruto do amor entre o homem e a mulher são os filhos. Também aqui é importante observar
uma ordem do amor, uma ordem de precedência no amor. Ela se orienta pelo começo. Isto
significa que o que vem antes tem, via de regra, precedência sobre o que vem depois. Numa
família, existe primeiro o casal homem-mulher. Seu amor funda a família. Por isso, seu amor
como homem e mulher tem precedência sobre tudo o que vem depois, portanto, sobre seu amor
de pais por seus filhos. Muitas vezes acontece nas famílias que os filhos atraem sobre si toda a
atenção. Então os pais não são antes de tudo um casal, mas pais. Com isto os filhos não se
sentem bem.

Quando a relação do casal tem prioridade, o pai diz a seu filho: "Em você, eu respeito e amo
também a sua mãe". E a mãe diz ao filho: "Em você, eu respeito e amo também o seu pai". E a
mulher diz ao homem: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". E o homem diz à mulher:
"Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". Então o amor dos pais é a continuação do amor
do casal. Este tem a prioridade. Os filhos então se sentem muito bem.

Várias famílias são segundas e terceiras famílias, quando o homem e a mulher já eram casados
anteriormente e trouxeram filhos do matrimônio anterior. Como é então a ordem de precedência?

Eles são primeiramente pai e mãe de seus próprios filhos, e só depois disso constituem um
casal. Por conseguinte, seu amor como casal não pode continuar nos filhos, pois já foram pais
anteriormente. Então, o novo parceiro deve reconhecer que o outro é, em primeiro lugar, pai ou
mãe dos próprios filhos, e que seu maior amor e sua maior força fluem para eles e, neles,
naturalmente, também para o parceiro anterior. Só então seu amor e sua força fluem para o novo
parceiro. Quando ambos os parceiros reconhecem isto, seu amor pode ser bem sucedido.
Quando, porém, um parceiro diz ao outro: "Eu tenho prioridade em seu amor, e só então vêm
seus filhos", a relação fica em perigo. Essa situação não se mantém por longo tempo.

Se eles mais tarde têm filhos em comum, então são, em primeiro lugar, pai e mãe dos filhos do
primeiro casamento; em segundo lugar, são um casal e, em terceiro lugar, são pais de seus
filhos comuns. Esta seria a ordem, neste caso. Quando se sabe disto, pode-se resolver ou evitar
conflitos em muitas famílias.

Falei até aqui sobre algumas ordens do amor na relação entre o homem e a mulher. Para
terminar, contarei a vocês uma história sobre o amor. Ela é assim:
Dois modos de ser feliz

Antigamente, quando os deuses ainda pareciam bem próximos dos homens, viviam numa
pequena cidade dois cantores que se chamavam Orfeu.

Um deles era o grande. Tinha inventado a cítara, um tipo primitivo de guitarra. Quando tocava o
instrumento e cantava, toda a natureza ficava enfeitiçada em torno dele. Animais ferozes se
deitavam mansamente a seus pés, árvores altas se inclinavam para ele: nada podia resistir a
seus cantos. Pelo fato de ser tão grande, ele conquistou a mais bela mulher. E aí começou a
descida.

Enquanto ele ainda festejava o casamento, morreu a bela Eurídice, e a taça cheia, que ele
erguia nas mãos, se partiu. Contudo, para o grande Orfeu, a morte ainda não foi o fim. Com a
ajuda de sua arte requintada, encontrou a entrada para o mundo subterrâneo, desceu ao reino
das sombras, atravessou o rio do esquecimento, passou pelo cão dos infernos, chegou vivo
diante do trono do deus da morte e o comoveu com seu canto.

A morte liberou Eurídice -- porém sob uma condição, e Orfeu estava tão feliz que não percebeu o
que se escondia por trás desse favor. Orfeu pôs-se a caminho de volta, ouvindo atrás de si os
passos da mulher amada. Passaram ilesos pelo cão de guarda do inferno, atravessaram o rio do
esquecimento, começaram o caminho para a luz, que já viam de longe. Então Orfeu ouviu um
grito - Eurídice tinha tropeçado - horrorizado, ele se voltou, viu ainda a sombra dela caindo na
noite e ficou sozinho. Esmagado pela dor, ele cantou sua canção de despedida: "Ai de mim, eu a
perdi, toda a minha felicidade se foi!"

Ele próprio voltou à luz. Entretanto, no reino dos mortos, passara a estranhar a vida. Quando
mulheres ébrias quiseram levá-lo à festa do novo vinho, ele se recusou, e elas o despedaçaram
vivo.

Tão grande foi sua desgraça, tão inútil foi sua arte. Entretanto, todo o mundo o conhece.

O outro Orfeu era o pequeno. Era apenas um cantor de rua, aparecia em pequenas festas,
tocava para gente humilde, alegrava um pouco e curtia isso. Como não conseguia viver de sua
arte, aprendeu um ofício comum, casou-se com uma mulher comum, teve filhos comuns, pecou
eventualmente, foi feliz de modo comum, morreu velho e satisfeito da vida.

Entretanto, ninguém o conhece - exceto eu!

Bert Hellinger

Sobre as
consciências
O QUE FICA E O QUE PARTE
A constelação familiar espiritual

Congresso em Reit im Winkl, Alemanha

14 a 17 de dezembro de 2006

Bert Hellinger

O QUE FICA

Tudo aquilo que fica, fica por um tempo. Muitas vezes, nos alegramos que fique porque nos faz bem e
nos presenteia com algo.

Por isso, nos alegramos quando as pessoas que amamos ficam, e nos alegramos com um sucesso
que fica.

Contudo, ninguém e nada permanecem por si mesmo. Nós mesmos precisamos fazer algo para que
fique. Fica, se fizermos algo com ele. Curiosamente, fica por mais tempo se o multiplicamos.
Permanece, quando algo é acrescentado continuamente. Por isso, o que fica está simultaneamente
em movimento.

Permanece, se nós também expandirmos com ele. Assim, uma árvore permanece enquanto cresce.
Assim, o amor permanece enquanto cresce, enquanto continua dando mais e recebendo mais.

O que acontece com aquilo que parte? Parte porque terminou, porque não cresce e não se expande
mais. Parte, porque precisa ceder espaço ao novo que se expande.

Assim também acontece com aquilo que ainda permanece, porque ainda está crescendo. Aquilo que
fica termina no momento em que não cresce mais.

O que acontece com o espírito? O que acontece com o movimento do espírito? Ele sempre fica
porque não chega a nenhum fim.

O movimento do espírito também deixa algo para trás por continuar infinitamente? Ou inclui o anterior
no movimento seguinte de modo que continue dentro dele, de uma nova maneira? Por isso, o que fica
agora também parte após um tempo para que fique de uma outra forma. Permanece, na medida em
que caminha para frente.
A DIFERENCIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

As diferentes consciências são campos espirituais. A primeira delas, a consciência pessoal, é estreita
e tem o seu alcance limitado. Através de sua diferenciação entre o bom e o mau reconhece o
pertencer só de alguns e exclui outros.

A segunda, a consciência coletiva, é mais ampla. Também defende os interesses dos que foram
excluídos pela consciência pessoal. Por isso, está freqüentemente em conflito com a consciência
pessoal. Contudo, essa consciência também tem um limite porque abrange somente os membros dos
grupos que dependem dela.

A terceira, a consciência espiritual, supera os limites das outras consciências que colocam limites
através da diferenciação entre bom e mau e da diferenciação entre pertencimento e exclusão.

A CONSCIÊNCIA PESSOAL

O vínculo

Vivenciamos essa consciência estreita como boa e má consciência. Sentimo-nos bem quando temos
boa consciência e mal quando temos má consciência.

O que acontece quando temos uma boa consciência e o que acontece quando temos uma má
consciência? O que precede à boa e à má consciência para que sintamos uma boa ou uma má
consciência?

Se observarmos exatamente, quando temos uma boa consciência e quando temos uma má
consciência, podemos perceber que ficamos com má consciência quando pensamos, sentimos e
fazemos algo que não está em sintonia com as expectativas e as exigências das pessoas e grupos
aos quais queremos pertencer e que freqüentemente também precisamos pertencer. Isso significa que
nossa consciência vela para que fiquemos conectados com essas pessoas e grupos. Percebe, de
imediato, se nossos pensamentos, desejos e ações colocam em perigo nossa ligação e nosso
pertencer a essas pessoas e grupos. Quando a nossa consciência percebe que nos afastamos dessas
pessoas e grupos através de nossos pensamentos, sentimentos e ações, ela reage com o sentimento
de medo de perdermos nossa ligação com essas pessoas e grupos. Sentimos esse medo como má
consciência.

Inversamente, quando pensamos, desejamos e agimos de uma forma que nos movimentamos em
sintonia com as expectativas e exigências dessas pessoas e grupos, sentimo-nos pertencentes e
temos a certeza de podermos pertencer. O sentimento de termos assegurado o nosso pertencer,
sentimos como benéfico e bom. Não precisamos ficar preocupados de sermos cortados, de repente,
por essas pessoas e grupos e nos experimentarmos sós e sem proteção. Sentimos como boa
consciência, o sentimento seguro de podermos pertencer.

A consciência pessoal nos liga, portanto, a pessoas e grupos que são importantes para o nosso bem-
estar e nossa vida. Contudo, porque essa consciência nos liga somente a determinadas pessoas e
grupos e, simultaneamente, exclui outros, é uma consciência estreita.

Essa consciência nos foi de suma importância quando crianças. As crianças fazem de tudo para
poderem pertencer, pois sem essa ligação e sem esse direito de pertencer estariam perdidas. A
consciência pessoal assegura nossa sobrevivência junto às pessoas e grupos que são importantes
para a mesma.. Por isso, a sua importância só pode ser altamente apreciada. Vemos também a
importância que a consciência pessoal ocupa na nossa sociedade e cultura.

Bom e mau

Neste contexto podemos observar que as diferenciações que fazemos entre bom e mau são
diferenciações dessa consciência. Elas estabelecem em que medida algo assegura o nosso pertencer
e em que medida isso o coloca em perigo.

O que assegura o nosso pertencer, vivenciamos como bom. Vivenciamos isso como bom através da
boa consciência sem que precisemos refletir muito se é realmente bom quando observado mais
exatamente a uma certa distância, ou se isso pode ser até ruim para outros. Aqui o denominado bom
é somente sentido, é sentido como algo bom.

Portanto, sentimos e defendemos o bom, de modo irrefletido, como bom, mesmo que para um
observador que está fora desse campo espiritual pareça ser algo estranho que coloca mais em perigo
a vida de muitos do que a serviço.

Evidentemente que o mesmo é válido para o mau. Contudo, sentimos o mau mais fortemente do que
o bom, porque está ligado ao medo de que percamos o pertencer e, ao mesmo tempo, também nosso
direito de viver.
A diferenciação do bom e do mau serve, portanto, à sobrevivência dentro do próprio grupo. Serve à
sobrevivência do indivíduo no seu grupo.

A CONSCIÊNCIA COLETIVA

Atrás da consciência que sentimos ainda atua uma outra consciência. É uma consciência poderosa
muito mais forte no seu efeito do que a consciência pessoal. Entretanto, em nossos sentimentos nos é
relativamente inconsciente. Por que? Porque nos nossos sentimentos a consciência pessoal tem
precedência em relação a essa consciência.

A consciência coletiva é uma consciência grupal. Enquanto que a consciência pessoal é sentida por
cada indivíduo e está a serviço do seu pertencer e da sua sobrevivência pessoal, a consciência
coletiva tem em seu campo de visão a família e o grupo como um todo. Está a serviço da
sobrevivência do grupo inteiro, mesmo que para isso alguns precisem ser sacrificados. Está a serviço
da totalidade desse grupo e das ordens que asseguram a sua sobrevivência da melhor forma
possível.

Quando o interesse de cada indivíduo se contrapõe ao interesse de seu grupo, a consciência pessoal
também se contrapõe à consciência coletiva.

A totalidade

A consciência coletiva está a serviço de que ordens, e como as impõe?

A primeira ordem, a qual essa consciência serve, é: todo membro de uma família tem o mesmo direito
de pertenc er. Se um membro for excluído, não importam quais sejam os motivos, mais tarde, um
outro membro precisa representar a pessoa excluída.

A consciência coletiva se mostra, comparada à consciência pessoal como imoral ou amoral. Isso
significa que não diferencia entre bom e mau nem entre culpado e inocente. Por outro lado, protege
todos da mesma forma. Quer proteger o seu direito de pertencer ou reestabelecê-lo se isso lhe for
negado.

O que acontece quando esse direito é negado a um membro familiar? De certa forma, ele é
reconduzido ao grupo por essa consciência, na medida em que outro membro dentro da família
precisa representá-lo, sem que esteja consciente disso.

Como essa volta se mostra? Um outro membro familiar assume o destino da pessoa excluída,
representando-a. Ele pensa como essa pessoa excluída, tem sentimentos semelhantes, vive de forma
semelhante, fica doente de forma semelhante, até mesmo morre de forma semelhante. Esse membro
familiar está, dessa forma, a serviço da pessoa excluída e representa os seus direitos. É apossada,
por assim dizer, pela pessoa excluída, entretanto, sem se perder a si mesmo. Quando a pessoa
excluída recupera o seu lugar, esse membro familiar se libera dessa pessoa.

Não é que a pessoa excluída queira que seja representada dessa forma, embora isso também
aconteça algumas vezes, se ela deseja algo de mau para alguém da família. Em primeira instância, é
essa consciência que atua e deseja a representação e o emaranhamento. Ela quer reestabelecer a
totalidade do grupo.

O instinto

Aqui, existe o perigo que nós imaginemos essa consciência como uma pessoa, como se ela tivesse
metas pessoais e as seguisse após reflexões profundas.

Essa consciência atua como um instinto. Um instinto grupal que quer somente uma coisa: salvar e
reestabelecer a totalidade. Por isso é cego na escolha de seus meios.

O pertencimento para além da morte

Podemos reconhecer as pessoas que são influenciadas e impulsionadas por essa consciência,
quando são atraídas ou não para representar membros familiares excluídos. Nesse sentido,
precisamos considerar que ninguém perde o seu direito de pertencer através de sua morte. Isso
significa que os membros familiares mortos da família são tratados por essa consciência da mesma
forma que os vivos. Ninguém é separado de sua família através de sua morte. Ela abrange igualmente
seus membros familiares vivos e mortos. Essa consciência também trazer de volta os membros
mortos para a família, se foram excluídos, sim; principalmente estes. Portanto, isso significa que
alguém, com efeito, perde a sua vida através de sua morte, contudo nunca o seu pertencimento.
Quem pertence?

Agora está na hora de eu enumerar quem pertence à família que é abrangida e conduzida por uma
consciência coletiva comum. Vou começar com os que nos estão mais próximos:

Aos membros familiares que estão sujeitos a essa consciência, pertencem:

1. Os filhos. Portanto, nós e nossos irmãos e irmãs. Aos nossos irmãos pertencem também os
natimortos, também os irmãos que foram abortados e freqüentemente também os abortos
espontâneos. Justamente aqui existe freqüentemente a idéia de que podemos excluí-los. Também
fazem parte os filhos que foram ocultos e dados.

Para a consciência coletiva todos eles fazem parte completamente, são lembrados por ela e trazidos
de volta à família. Eles são trazidos de volta cegamente, sem levar em consideração justificativas e
desejos.

2. No nível superior aos filhos fazem parte seus pais e seus irmãos biológicos. Aqui também todos
seus irmãos e irmãs, como eu já enumerei antes para os filhos.

Também os parceiros anteriores dos pais fazem parte. Se são rejeitados ou excluídos, mesmo que
estejam mortos, serão representados por um dos filhos, até que sejam lembrados e reconduzidos à
família com amor.

Só o amor libera

Agora gostaria de interromper a enumeração e falar como os excluídos podem ser trazidos de volta.
Só o amor é capaz disso.

Que amor? O amor preenchido. Ele é sentido como dedicação ao outro, como ele é. Ele é também
sentido como luto pela perda. É sentido especialmente como dor por aquilo que porventura fizemos de
mal para o outro.
Sentimos também se esse amor alcança o outro, se o reconcilia, se o deixa em paz, se ele assume o
seu lugar, permanecendo nele. Então essa consciência coletiva também encontra a paz.

Aqui nós vemos que essa consciência está a serviço do amor, a serviço do mesmo amor por todos
que fazem parte dessa família.

Quem pertence ainda à família?

Agora vou continuar com a enumeração de quem pertence à família, porque eles também são
abrangidos e protegidos por essa consciência.

3. No próximo nível superior fazem parte os avós, mas sem seus irmãos, a não ser que eles tenham
tido um destino especial. Os parceiros anteriores dos avós também fazem parte.

4. Também fazem parte um ou outro dos bisavós, mas isso é raro.

Até agora enumerei sobretudo os parentes consangüíneos, e ainda os parceiros anteriores dos pais e
dos avós.

5. Além disso, também faz parte de nossa família aqueles que através de sua morte ou destino, a
família teve uma vantagem. Por exemplo, através de uma herança considerável. Também fazem parte
aqueles que a custa de sua saúde e vida a família enriqueceu.

6. Nesse contexto fazem parte de nossa família também aqueles que foram vítimas de atos violentos
através de membros de nossa família, especialmente aqueles que foram assassinados. A família
precisa olhar também para eles, com amor e dor.

7. Por último, algo que para alguns pode ser um desafio. Se membros de nossa família foram vítimas
de crimes, principalmente se perderam a vida, os assassinos também fazem parte de nossa família.
Se foram excluídos ou rejeitados, serão também representados por membros familiares sob a pressão
da consciência coletiva.

Talvez possa aqui chamar a atenção de que tantos os assassinos se sentem atraídos para suas
vítimas como também as vítimas para seus assassinos. Ambos se sentem totalmente inteiros quando
se encontram. A consciência coletiva também não faz diferenciações aqui.

O equilíbrio

Antes de continuar quero dizer algo sobre o equilíbrio nessas duas consciências. A necessidade do
equilíbrio entre o dar e o tomar e entre o lucro e a perda é também um movimento da consciência.

A consciência pessoal que sentimos como boa e má consciência e como culpa e inocência, vela sobre
o equilíbrio com sentimentos semelhantes, portanto também com sentimentos de culpa e inocência e
com o sentimento de uma boa e má consciência. Só que aqui sentimos a culpa e a inocência de um
forma diferente.

A culpa aqui é sentida como dever, quando eu recebo algo ou tomei algo, sem devolver com algo
equivalente. A inocência aqui é sentida como estar livre de um dever. Temos esse sentimento de
liberdade quando tomamos e também damos, de uma forma que o dar e o tomar esteja equilibrado.

Aqui devo ainda acrescentar que podemos alcançar o equilíbrio também de uma outra forma. Ao invés
de devolver com algo equivalente, como não podemos algumas vezes, por exemplo perante nossos
pais, podemos também passar adiante algo equivalente. Por exemplo aos nossos filhos.

A expiação

Nós equiparamos através do sofrimento. Isso também é um movimento da consciência. Se causamos


sofrimento a alguém, também queremos sofrer para equilibrar e depois do sofrimento temos
novamente uma boa consciência.

Essa forma de equilíbrio conhecemos como expiação. Entretanto, devemos observar aqui que é uma
auto-necessidade, porque ela não pode realmente dar algo para o outro, e com isso, equilibrando.
Contudo, através dessa expiação o outro freqüentemente não se sente mais sozinho em seu
sofrimento.

Esse maneira de equilibrar tem pouco ou nada a ver com o amor. É antes de mais nada, instintivo e
cego.

A vingança

Temos a necessidade do equilíbrio quando alguém nos fez algo de mau. Então queremos também
fazer algo de mau a ele. Aqui a necessidade de equilíbrio se transforma em uma necessidade de
vingança. Entretanto, a vingança equilibra apenas no momento, porque ela desperta em todos os
envolvidos outras necessidades de vingança, prejudicando-os no final.

A cura

Também na consciência coletiva existe o movimento de equilíbrio, contudo, está amplamente oculta
de nossa consciência. Quem precisa representar um excluído, não sabe que está equilibrando.

O equilíbrio é aqui o movimento de um todo superior que equipara impessoalmente porque aqueles
que são atraídos para equilibrar são inocentes, no sentido da consciência pessoal.

Podemos comparar essa forma de equilíbrio a um processo de cura. Aqui também algo que foi ferido
é reestabelecido sob a influência de poderes superiores. A consciência coletiva quer reintroduzir algo
que foi perdido e dessa forma trazer novamente a ordem em tudo e curar.

A hierarquia

Volto a falar das ordens da consciência coletiva e direi algo sobre a segunda ordem, que está a
serviço da consciência e que tenta restaurá-la, quando foi ferida.

Essa ordem exprime que cada indivíduo de um grupo deve e precisa assumir o lugar que lhe pertence
de acordo com a sua idade. Isso significa que aqueles que vieram antes, têm precedência em relação
aos que vieram mais tarde. Por isso, os pais têm precedência em relação aos filhos, e o primeiro filho
tem precedência em relação ao segundo. Portanto, cada um tem o seu próprio lugar que pertence
somente a ele. No decorrer do tempo ele se desloca dentro da hierarquia de baixo para cima, até que
cria sua própria família e nela assume imediatamente com seu parceiro o primeiro lugar.

Aqui se impõe uma outra ordem de hierarquia, uma heirarquia entre as famílias, por exemplo, entre a
família de origem e a própria família nova. Aqui a nova família tem primazia perante a antiga.

Esta ordem também é válida se um dos pais inicia, durante o casamento, um relacionamento com um
outro parceiro, do qual nasce uma criança. Com isso ele cria uma nova família que tem prioridade em
relação à primeira.

A família posterior não anula o vínculo com a anterior, assim como a família nova não anula o vínculo
com a família de origem. Contudo, ela tem prioridade em relação à anterior.

1. A violação da hierarquia e suas conseqüências

A hierarquia é violada quando alguém que veio mais tarde quer assumir uma posição superior a
daquela que lhe cabe de acordo com a ordem hierárquica. Essa violação da ordem hierárquica é, na
verdade, como se sabe, um orgulho que precede a queda.

As violações mais freqüentes da hierarquia observamos nas crianças. Em primeiro lugar quando se
elevam acima de seus pais. Por exemplo, quando se sentem melhores que os seus pais e se
comportam de forma correspondente. Isso é uma violação da hierarquia sem amor.

Essa hierarquia é principalmente violada quando a criança quer assumir algo pelos pais. Por exemplo,
quando ficam doentes no lugar deles e querem morrer. Aqui a hierarquia é violada com amor.
Entretanto, esse amor não protege a criança das conseqüências da transgressão da ordem.

O que existe de trágico nisso é que a criança transgride a ordem de boa consciência. Isso significa,
sob a influência da consciência pessoal a criança se sente especialmente inocente e boa, através
dessa transgressão. Isso também significa que com isso também se sente pertencente de uma forma
especial.

Portanto, aqui essas duas consciências se opõem. A hierarquia, que impõe e protege a consciência
coletiva, é violada em sintonia com a consciência pessoal. Nesse sentido ela é conscienciosa. Aqui a
consciência pessoal impele alguém a transgredir essa ordem e sofrer as consequências dessa
transgressão.

Quais são as conseqüências dessa transgressão? A primeira conseqüência é o fracasso. A pessoa


que se eleva em relação aos pais, seja sem amor ou com amor, fracassa. Isso é válido não tão
somente dentro da família, mas também em outros grupos, por exemplo, em organizações.

Muitas organizações fracassam através de conflitos internos, nos quais uma pessoa que é admitida
depois ou um departamento que é criado posterioriormente se eleva, dentro da hieraquia, em relação
a um anterior que tem precedência.

Na verdade, o fracasso, como conseqüência da violação da hierarquia é a morte. O herói trágico quer
assumir algo por aqueles que lhe precedem. Contudo, ele não apenas fracassa, ele morre.

Vemos algo semelhante com as crianças, que carregam e querem assumir algo pelos pais. Elas lhes
dizem internamente: “Melhor eu do que você.” O que realmente está contido nisso? Significa, por fim:
“Eu morro no seu lugar.”

A hierarquia é a ordem da paz. Ela está a serviço da paz na família e no grupo. Ela está, no final, a
serviço do amor e da vida.

O alcance

Até que ponto a consciência coletiva alcança? Somente os mortos que conhecemos pertencem? Ou
essa consciência quer trazer de volta também os excluídos de muitas gerações anteriores? Talvez até
nós, como éramos em uma vida anterior? Talvez até esteja a serviço de um movimento cósmico para
o qual nada pode ficar perdido, nada que tenha existido? Nós também violamos essa hierarquia
através de nossa crença de progresso como se nós fôssemos melhores do que nossos
antepassados? Como se fôssemos superiores a eles?

O que acontece conosco se nos colocarmos internamente no nosso lugar adequado, humildemente no
último lugar?

Se nós incluirmos no nosso presente todos aqueles que foram excluídos, não importam quais os
motivos e aqueles que precisaram morrer antes de ter cumprido o seu tempo total, com aquilo que
ainda lhes falta, então não estaremos também completos com eles?

A CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL

A consciência espiritual reage a que? Ela responde a um movimento do espírito, aquele espírito que
movimenta tudo, se movimenta e que movimenta tudo de uma forma criativa. Tudo está submetido a
esse movimento, não importando se isso seja ou não o nosso desejo, não importando se nos
submetemos ou resistimos a ele. A pergunta é apenas, se nós nos percebemos em sintonia com esse
movimento, se nós nos submetemos a ele de boa vontade e permanecemos em sintonia com ele, de
maneira sábia. Quer dizer, se nós somente nos movimentamos, pensamos, sentimos e agimos até o
ponto em que percebemos que estamos sendo conduzidos, levados e movimentados por ele.

O que acontece conosco quando sabemos estar em sintonia com esse movimento? O que acontece
conosco quando talvez o nosso desejo seja o de nos afastarmos desse movimento porque a sua
reivindicação nos pareça ser grande demais, nos provocando medo? Experimentamos aqui, em
relação à consciência espiritual, aquilo que podemos comparar com a consciência pessoal.

Se experimentamos estar em sintonia com os movimentos do espírito, nos sentimos bem. Sobretudo,
nós nos sentimos calmos e sem preocupações. Sabemos do nosso próximo passo e temos a força de
dá-lo. Isso seria, por assim dizer, a boa consciência espiritual.

Como em relação à consciência pessoal aqui também sabemos imediatamente se estamos em


sintonia. Contudo, esse conhecimento aqui é espiritual. A boa consciência é a entrega sábia a um
movimento espiritual.

O que é, sobretudo, esse movimento espiritual? É um movimento de dedicação a tudo, assim como é,
que está de acordo com a dedicação do espírito a tudo, assim como é.

Como é que experimentamos então uma má consciência espiritual, aqui novamente de modo análogo
ao sentimento de culpa da consciência pessoal? Como sentimos a má consciência espiritual? Nós a
sentimos como inquietação, como bloqueio espiritual. Nós não nos conhecemos mais, não sabemos o
que podemos fazer e nos sentimos sem força.

Quando é que temos sobretudo uma má consciência espiritual? Quando nos desviamos do amor
espiritual. Por exemplo, quando excluímos alguém de nossa dedicação e de nossa benevolência.
Nesse momento, perdemos a sintonia com o movimento do espírito. Estamos entregues a nós
mesmos e temos uma má consciência.

Contudo, como na consciência pessoal, a má consciência também está aqui a serviço da boa
consciência. Ela nos reconduz através de seu efeito para a sintonia com os movimentos do espírito,
até que fiquemos novamente calmos e nos tornemos um com o seu movimento de dedicação e amor
por todos e por tudo, assim como é.
AS DIFERENTES CONSCIÊNCIAS E

AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES

Quando alguém quer entender e solucionar um problema pessoal com a ajuda das constelações
familiares, um problema de relacionamento com um parceiro ou na família com uma criança,
reconhecemos imediatamente, qual é a consciência que esse problema provoca e conserva, e o que
esses problemas exigem de cada indivíduo e de sua família para uma solução. Aqui precisamos ver
as diferentes consciências unidas umas às outras no sentido de que todas estão a serviço de nossas
relações. Elas são erigidas umas sobre as outras e se complementam, de forma que precisamos ver
um problema e a sua solução relacionadas a várias consciências e por último, a todas.

Por exemplo, se alguém pede a nossa ajuda, podemos reconhecer imediatamente, quais as
consciências que estão envolvidas no seu problema e de que forma, e quais as soluções que estão
disponíveis.

Inversamente, se um ajudante tem um problema com um cliente, ele pode se perguntar, quais as
consciências relativas a ele que estão envolvidas nesse problema e o que elas também lhe oferecem
como solução.

A consciência espiritual

Em primeiro lugar, observo aqui as Constelações Familiares partindo do fim do caminho percorrido por
elas, portanto, do ponto de vista da consciência espiritual. Em retrospectiva ao caminho percorrido até
agora, reconhecemos de forma mais clara o significado das outras duas consciências. Reconhecemos
também onde é que chegam aos seus limites. A consciência espiritual nos conduz para além desses
limites.
A diferenciação das consciências

O que diferencia sobretudo as diferentes consciências, e o que lhes impõe limites? É o alcance de seu
amor.

A consciência pessoal está a serviço do vínculo a um grupo limitado, exclui outros que não pertencem
a esse grupo. Não une somente, também separa. Não ama somente, também rejeita.

A consciência coletiva vai para além da consciência pessoal, pois também ama aqueles que foram
rejeitados e excluídos dentro da família e dentro de grupos similares pela consciência pessoal. A
consciência coletiva quer também trazer de volta os excluídos, para que possam fazer parte
novamente. Por isso, o seu amor vai além. Não exclui ninguém.

Contudo, em seu campo de visão não tem tanto o bem-estar de cada um. Senão, não poderia obrigar
um inocente que não estava envolvido na exclusão, a representar um excluído, embora com isso lhe
imponha algo pesado. Aqui se mostra que essa consciência não é pessoal, mas coletiva, que deseja
principalmente a totalidade e a ordem em um grupo.

Os movimentos do espírito, ao contrário, se dedicam igualmente a todos. Quem entra em sintonia com
os movimentos do espírito não pode fazer de outra forma a não ser se dedicar igualmente a todos
com benevolência e amor, não importando qual seja o seu destino. Este amor não conhece fronteiras.
Supera as diferenciações entre o melhor ou o pior e entre o bom e o mau. Por isso, supera os limites
da consciência pessoal e os limites da consciência coletiva. Está dedicado de forma igual a cada um e
a todos em sua família e nos outros grupos dos quais faz parte.

A consciência espiritual vela sobre este amor. Entra em jogo, quando nós nos desviamos dela.

As Constelações Familiares Espirituais

O que isso significa para as constelações familiares? Como esse amor se mostra nas constelações
familiares?
Em primeiro lugar, chamo a atenção para o fato de que os movimentos do espírito nas constelações
familiares se manifestam de uma forma expressiva. Eles são vivenciados e se tornam visíveis através
dos representantes, igualmente para aqueles que observam esses movimentos. Isso significa que os
movimentos do espírito são percebidos, em primeiro lugar pelos representantes e através deles
também por aqueles que observam esses movimentos e talvez eles mesmos sejam atraídos e
apanhados por eles.

Por isso, o procedimento das constelações familiares espirituais é um outro, diferente daquele que
muitas pessoas associam a elas. Aqui não se coloca mais a família de forma que alguém escolhe de
um grupo, representantes para os diversos membros da sua família e depois os coloca num espaço
uns em relação aos outros. Aqui se coloca somente uma pessoa, por exemplo, o cliente ou um
representante para ele, e talvez ainda uma segunda pessoa, por exemplo, seu parceiro. Contudo, não
que este seja colocado no sentido habitual em relação ao outro. Ele também é apenas colocado, por
exemplo, a uma certa distância em sua frente. Aqui não existem regras e intenções. O cliente ou seu
representante e as outras pessoas adicionais são apenas colocadas.

De repente, são apanhados por um movimento sem que possam conduzi-lo. Esse movimento vem de
fora, embora também seja vivenciado como se viesse de dentro. Isso significa que essas pessoas
vivenciam estar em sintonia com um movimento que coloca algo em movimento através delas.
Entretanto, isso acontece somente se ficarem concentrados, sem intenções próprias e sem medo
daquilo que talvez se mostre. Tão logo entrem em jogo as próprias intenções, por exemplo, a intenção
de ajudar alguém ou o medo daquilo que possa vir à luz e para onde isso talvez vá conduzir, a ligação
com os movimentos do espírito se perde. Também o centramento dos observadores se perde. Por
exemplo, ficam inquietos.

Após um certo tempo, através dos movimentos dos representantes mostra-se se é necessário ainda
acrescentar uma outra pessoa. Por exemplo, quando um deles olha para o chão, isso significa que
está olhando para uma pessoa morta. Então se escolhe um representante e ele é solicitado a se deitar
no chão de costas em frente ao outro. Se um representante olha intensamente para uma direção,
coloca-se alguém em frente a ele, para onde está olhando.

Os movimentos dos representantes são bem lentos. Tão logo uma pessoa se movimente depressa,
está sendo movido por uma intenção e não está mais em sintonia com os movimentos do espírito. Ele
não está mais centrado e não é mais confiável, precisamos substituí-lo por um outro representante.

Sobretudo o constelador precisa abster-se de suas intenções e interpretações. Ele também se deixa
ser apanhado pelos movimentos do espírito. Isto é, ele só age, deixando ser movimentado claramente
para um próximo passo ou para uma frase, que ele mesmo diz ou deixa que um representante a diga.

Além disso, recebe continuamente através dos movimentos dos representantes indicações daquilo
que está acontecendo dentro deles e para onde os seus movimentos conduzem ou devem conduzir.

Por exemplo, quando um representante se afasta do representante de uma pessoa morta que está
deitada à sua frente ou quer se virar, o constelador interfere, depois de um certo tempo e o conduz de
volta. Contudo, não de uma forma que, ao seguir esse procedimento, o constelador deva deixar tudo
ao critério dos movimentos dos representantes. Ele está, como eles, a serviço dos movimentos do
espírito e os segue, muitas vezes irresistivelmente, quando interfere de uma determinada forma ou diz
algo.

No final para onde conduzem esses movimentos do espírito? Eles unem o que antes estava separado.
São sempre movimentos do amor.

Esses movimentos não precisam ser levados sempre até o fim. É o suficiente quando fica visível para
onde conduzem. Por isso, essas constelações muitas vezes permanecem incompletas e abertas. É o
suficiente que tenham entrado em movimento. Nós precisamos confiar que elas prosseguirão. Pois
estes movimentos não mostram apenas algo, por exemplo, a solução para um determinado problema.
Eles já são os movimentos de cura decisivos, e como a cura, precisam, via de regra, também o seu
tempo. São o início de um movimento de cura.

As constelações familiares em sintonia com os movimentos do espírito pressupõem que sobretudo o


constelador permaneça em sintonia com esses movimentos. Isto é, que em primeiro lugar permaneça
dedicado a todos com o mesmo amor, para além dos limites da diferenciação entre o bom e o mau.
Ele só pode fazer isso, se tiver aprendido a prestar atenção aos movimentos do espírito dentro de si,
de forma que percebe imediatamente quando se desviou do amor. Por exemplo, quando quer
internamente atribuir a culpa a um acontecimento ou quando tem pena da pessoa por aquilo que ela
precisa sofrer. Desvios desse amor vivenciamos conosco continuamente. Entretanto, nós seremos
reconduzidos à sintonia com o seu movimento do amor por tudo aquilo, assim como é, depois que
tivermos aprendido a prestar atenção aos movimentos da consciência espiritual e nos sujeitarmos à
sua disciplina.

A consciência pessoal

Os limites mais estreitos contra o amor são traçados pela consciência pessoal. Pois as nossas
diferenciações usuais entre o direito de pertencer ou a sua perda são determinadas e aprovadas por
essa consciência.

É evidente, que essa diferenciação tem um significado importante para a nossa sobrevivência, não
podendo ser substituída por nada, dentro de determinados limites.

Essa consciência coloca seus limites principalmente em relação às crianças. Para as crianças, a
realização das formas de pensamento e comportamento exigidas por essa consciência é importante
para a sua sobrevivência, inclusive a desconfiança em relação àqueles que seguem uma outra
consciência pessoal, porque estão ligadas a um outro grupo, rejeitando-os e lutando contra eles.

Essa consciência, como uma boa consciência, por um lado, possibilita e assegura a sobrevivência;
por outro lado, a coloca em perigo logo que o nosso grupo entra em conflito com outros,
estabelecendo disputas mortais com eles.

Na consciência pessoal também reside a necessidade do equilíbrio. Essa necessidade é um


movimento da consciência, pois temos uma boa consciência, quando devolvemos algo equivalente
àqueles que nos deram algo, de forma que exista um equilíbrio entre o dar e o receber. Temos
também a mesma boa consciência quando não podendo devolver algo equivalente, transmitimos a
outros algo equivalente.
Em conformidade com isso temos uma má consciência, quando recebemos sem dar algo equivalente
ou quando fazemos exigências que não nos competem.

Aqui também a consciência pessoal tem uma tarefa fundamental a serviço de nossas relações. Sim,
essa necessidade é que torna isso possível. Essa necessidade também está a serviço de nossa
sobrevivência, entretanto apenas dentro de determinados limites.

Em sua função de equilíbrio, a consciência pessoal, de modo semelhante à sua função de nos ligar à
nossa família, também serve tanto à vida e à sobrevivência, como também serve ao oposto, quando
determinados limites forem transgredidos. Aqui leva também à morte.

A consciência pessoal com referência ao vínculo, foi a separação de outros grupos que pode levar a
conflitos graves, inclusive à guerra.

Com referência à necessidade do equilíbrio, é a expansão dessa necessidade de equilíbrio quanto ao


prejuízo e ofensa mútuos, chegando até à vingança mortal, por exemplo, a vingança pelo sangue.

A necessidade de expiação segue a mesma direção, quando para expiar pelo sofrimento e prejuízo
que causamos a outros, também nos inflingimos um sofrimento, nos limitamos e nos prejudicamos.

Nesse contexto pertence também a expiação substitutiva. Por exemplo, quando uma criança expia
pelos pais, mas também quando a mãe ou o pai espera de uma criança que ela expie por eles. Por
exemplo, quando fica doente ou morre no lugar deles, como podemos observar muitas vezes nas
constelações familiares. Entretanto, isso acontece de forma inconsciente de ambos os lados, pois aqui
a consciência coletiva também é importante.

Contudo, sempre se trata de um equilíbrio, que se opõe à vida, que a prejudica ou até mesmo a
sacrifica – de boa consciência ou com o sentimento de inocência.

Ao que precisamos prestar atenção nas constelações familiares, para que fiquemos dentro dos limites
da consciência pessoal que está a serviço da vida? Precisamos ter deixado para trás os limites da
diferenciação entre o bom e o mau. Se nas constelações familiares permanecermos na esfera da
consciência pessoal, por exemplo, quando junto com o cliente rejeitamos outros, estaremos a serviço
da vida de uma forma limitada. Então, como essa consciência estaremos a serviço, por um lado, da
vida e por outro, da morte.

A consciência coletiva
A que devemos prestar atenção nas constelações familiares em relação à consciência coletiva?

Em primeiro lugar, que não excluamos ninguém nem em nossa nem na família do cliente e que
procuremos na família dele e na nossa pelos excluídos, olhemos para eles com amor e os
coloquemos, com amor, em nosso coração. Podemos fazer isso somente se tivermos deixado para
trás a diferenciação entre o bom e o mau e se também colocarmos as nossas crianças não nascidas
no nosso campo de visão, mesmo que isso seja difícil para nós. Aqui é necessário tanto a coragem
como também a clareza.

Em segundo lugar, que nós nos atenhamos à hierarquia. Isto é, que em primeiro lugar fiquemos
conscientes de que através de nossa ajuda nos tornamos temporariamente um membro da família do
cliente. Contudo, nós chegamos nessa família como o último e por isso temos o último lugar dentro
dela.

O que acontece, quando um ajudante se comporta como se tivesse o primeiro lugar, até ainda antes e
acima dos pais do cliente? Ele fracassa. O cliente também fracassa, quando ele fere a hierarquia e o
ajudante talvez até o apóie nisso. Por exemplo, quando junto com o cliente de uma ou outra forma se
coloca contra os seus pais.

A violação da hierarquia algumas vezes coloca a vida em perigo também. Por exemplo, quando o
cliente assumiu algo pelos pais, o que não lhe competia, de acordo com a hierarquia. Então algumas
vezes, diz para seus pais: “Eu, no lugar de vocês...”

Também para o ajudante a violação contra a hierarquia pode ser perigoso. Por exemplo, quando ele
se arroga assumir algo pelo cliente, algo que ele precisa carregar sozinho. Então se eleva acima do
cliente, como talvez acima dos seus pais e como o ajudante tenha tentado fazer quando criança aos
seus pais. Mas, principalmente, quando o ajudante se arroga, que poderia virar o destino de um
cliente ou proteger o seu cliente.

Somente dentro da hierarquia o ajudante permanece em sua força e o cliente encontra a solução que
lhe é adequada, aqui em sentido duplo.

Com referência à consciência coletiva só precisamos ficar dentro dos limites que ela nos coloca nas
constelações familiares, pois esses limites são amplos e abertos.

CONCLUSÃO

Nas constelações familiares a consciência espiritual, através de seu amor por todos, nos conduz para
além dos limites da consciência pessoal. Também nos protege para não desrespeitarmos os limites da
consciência coletiva, pois ela está dedicada a todos da mesma forma. Ela presta especial atenção à
hierarquia porque sabemos, quando seguimos os movimentos do espírito, que somos todos iguais e
equivalentes, com todos no mesmo nível, embaixo.

Nas constelações familiares espirituais permacecemos sempre no amor, sempre no amor total.
Somente as constelações familiares espirituais estão sempre a serviço, em todos os lugares e
unicamente a serviço da vida – e do amor – e da paz.

As ordens
da ajuda

Tradução: Newton A. Queiroz

Advertência do tradutor

Acho necessário dar um breve esclarecimento prévio sobre os dois vocábulos-chave do presente
texto.

1. Ajuda, ajudante O título original do artigo é Die Ordnungen des Helfens, literalmente: As
Ordens do Ajudar, que prefiro traduzir por As Ordens da Ajuda, por ser mais consoante com
nosso uso. Assim, deve-se entender por ajuda, no presente texto, principalmente a maneira de
ajudar e a atitude de quem presta ajuda. Quem presta ajuda – no mais das vezes,
profissionalmente – é o que Hellinger denomina “der Helfer”, e que traduzimos literalmente, na
falta de termo melhor, por “o ajudante”. Nesta categoria estão compreendidos principalmente os
que profissionalmente prestam assistência a outras pessoas (o médico, o terapeuta, o assistente
social, o sacerdote...), como também aqueles que o fazem voluntariamente, em caráter não
profissional.

2. Ordens As “ordens”, no sentido típico de Bert Hellinger, são as leis, princípios ou ordenações
básicas preestabelecidas, que devem presidir nossos comportamentos. Assim, as "ordens do
amor” são as leis que devem presidir nossos relacionamentos, para que o amor seja bem
sucedido, e cujo desconhecimento ou desrespeito pode ocasionar conseqüências funestas.

No presente texto, Bert Hellinger fala das ordens que devem presidir toda iniciativa de levar
ajuda ao próximo e, de modo especial, a ação com objetivo ou efeito terapêutico.

A ajuda é uma arte. Como toda arte, envolve uma capacidade que pode ser aprendida e
praticada. E envolve empatia em relação ao objeto, a saber, a compreensão do que corresponde
a esse objeto e, simultaneamente, daquilo que o eleva, por assim dizer, acima de si mesmo, em
algo mais abrangente.

Ajuda como compensação


Nós, seres humanos, dependemos, sob todos os aspectos, da ajuda dos outros, como condição
de nosso desenvolvimento. Ao mesmo tempo, precisamos também de ajudar outras pessoas.
Aquele de quem não se necessita, aquele que não pode ajudar outros, fica só e se atrofia. O ato
de ajudar serve, portanto, não apenas aos outros, mas também a nós mesmos. Via de regra, a
ajuda é um processo recíproco, por exemplo, entre parceiros. Ela se ordena pela necessidade de
compensar. Quem recebeu de outros o que deseja e precisa, também quer dar algo, por sua
vez, compensando a ajuda.

Muitas vezes, a compensação que podemos fazer através da retribuição é limitada. Isso ocorre,
por exemplo, em relação a nossos pais. O que eles nos deram é excessivamente grande, para
que o possamos compensar dando-lhes algo em troca. Só nos resta, em relação a eles, o
reconhecimento pelo que nos deram e o agradecimento que vem do coração. A compensação
pela doação, com o alívio que dela resulta, só se consegue, nesse caso, repassando essa
dádiva a outras pessoas: por exemplo, aos próprios filhos.

Portanto, o processo de tomar e de dar se processa em dois diferentes patamares. O primeiro,


que ocorre entre pessoas equiparadas, permanece no mesmo nível e exige reciprocidade. O
outro, entre pais e filhos, ou entre pessoas em condição superior e pessoas necessitadas,
envolve um desnível. Tomar e dar se assemelham aqui a um rio, que leva adiante o que recebe
em si. Essa forma de tomar e dar é maior, e tem em vista também o que virá depois. Nesse
modo de ajudar, o que foi doado se expande. Aquele que ajuda é tomado e ligado a uma
realização maior, mais rica e mais duradoura.

Esse tipo de ajuda pressupõe que nós próprios tenhamos primeiro recebido e tomado. Pois só
então sentimos a necessidade e temos a força para ajudar a outros, especialmente quando essa
ajuda exige muito de nós. Ao mesmo tempo, ela parte do pressuposto de que as pessoas a
quem queremos ajudar também necessitam e desejam o que podemos e queremos dar a elas.
Caso contrário, nossa ajuda se perde no vazio. Então ela separa, ao invés de unir.

A primeira ordem da ajuda

A primeira ordem da ajuda consiste, portanto, em dar apenas o que temos, e em esperar e tomar
somente aquilo de que necessitamos. A primeira desordem da ajuda começa quando uma
pessoa quer dar o que não tem, e a outra quer tomar algo de que não precisa; ou quando uma
espera e exige da outra algo que ela não pode dar, porque não tem. Há desordem também
quando uma pessoa não tem o direito de dar algo, porque com isso tiraria da outra pessoa algo
que somente ela pode ou deve carregar, ou que somente ela tem a capacidade e o direito de
fazer. Assim, o dar e o tomar estão sujeitos a limites, e pertence à arte da ajuda percebê-los e
respeitá-los.

Essa ajuda é humilde, e muitas vezes, em face da expectativa e da dor, ela renuncia a agir. O
trabalho com as constelações familiares coloca diante de nossos olhos o que deve exigir quem
ajuda, tanto de si mesmo quanto da pessoa que busca ajuda. Essa humildade e essa renúncia
contradizem muitas concepções usuais sobre a correta maneira de ajudar, e freqüentemente
expõem o ajudante a graves acusações e ataques.
A segunda ordem da ajuda

A ajuda está a serviço da sobrevivência, por um lado, e da evolução e do crescimento, por outro.
Todavia, a sobrevivência, a evolução e o crescimento também dependem de circunstâncias
especiais, tanto externas quanto internas. Muitas circunstâncias externas são preestabelecidas e
não são modificáveis: por exemplo, uma doença hereditária, as conseqüências de
acontecimentos ou de uma culpa. Quando a ajuda deixa de considerar as circunstâncias
externas ou se recusa a admiti-las, ela se condena ao fracasso. Isto vale, com maior razão, para
as circunstâncias internas. Elas incluem a missão pessoal particular, o envolvimento nos
destinos de outros membros da família, e o amor cego que, sob o influxo da consciência,
permanece vinculado ao pensamento mágico. O que isso significa em casos particulares eu
expus exaustivamente em meu livro “ Ordens do Amor”, no capítulo “Do céu que faz adoecer, e
da terra que cura”.

Para muitos ajudantes, o destino da outra pessoa pode parecer difícil, e gostariam de modificá-
lo; não, porém, muitas vezes, porque o outro o necessite ou deseje, mas porque os próprios
ajudantes dificilmente suportam esse destino. E quando o outro, não obstante, se deixa ajudar
por eles, não é tanto porque precise disso, mas porque deseja ajudar o ajudante. Então, quem
ajuda realmente está tomando, e quem recebe a ajuda se transforma em doador.

A segunda ordem da ajuda é, portanto, que ela se amolde às circunstancias e só intervenha com
apoio na medida em que elas o permitem. Essa ajuda mantém reserva e possui força. Há
desordem da ajuda, neste caso, quando o ajudante nega as circunstâncias ou as encobre, ao
invés de encará-las, juntamente com a pessoa que busca a ajuda. Querer ajudar contra as
circunstâncias enfraquece tanto o ajudante quanto a pessoa que espera ajuda ou a quem ela é
oferecida ou mesmo imposta.

O protótipo da ajuda

O protótipo da ajuda é a relação entre pais e filhos e, principalmente, a relação entre a mãe e o
filho. Os pais dão, os filhos tomam. Os pais são grandes, superiores e ricos, ao passo que os
filhos são pequenos, necessitados e pobres. Contudo, porque os pais e os filhos são ligados
entre si por um profundo amor, o dar e o tomar entre eles pode ser quase ilimitado. Os filhos
podem esperar quase tudo de seus pais. E os pais estão dispostos a dar quase tudo a seus
filhos. Na relação entre pais e filhos, as expectativas dos filhos e a disposição dos pais para
atendê-las são necessárias; portanto, estão em ordem.

Contudo, elas só estão em ordem enquanto os filhos ainda são pequenos. Com o avançar da
idade, os pais vão impondo aos filhos, em escala crescente, limites com os quais eles
eventualmente se atritam e podem amadurecer. Estarão sendo os pais, nesse caso, menos
bondosos para com seus filhos? Seriam pais melhores se não colocassem limites? Ou, pelo
contrário, eles se manifestam como bons pais justamente ao exigirem de seus filhos algo que
também os prepara para uma vida de adultos? Muitos filhos ficam então com raiva de seus pais,
porque preferem manter a dependência original. Contudo, justamente porque os pais se retraem
e desiludem essas expectativas, eles ajudam seus filhos a se livrarem dessa dependência e,
passo a passo, a agirem por própria responsabilidade. Só assim os filhos tomam o seu lugar no
mundo dos adultos e se transformam de tomadores em doadores.
A terceira ordem da ajuda

Muitos ajudantes, por exemplo, na psicoterapia e no trabalho social, acham que precisam ajudar
os que lhes pedem ajuda, da mesma forma como os pais ajudam seus filhos pequenos.
Inversamente, muitos que buscam ajuda esperam que os ajudantes se dediquem a eles como os
pais se dedicam a seus filhos, no intuito de receber deles, tardiamente, o que esperam e exigem
dos próprios pais.

O que acontece quando os ajudantes correspondem a essas expectativas? Eles se envolvem


numa longa relação. Aonde leva essa relação? Os ajudantes ficam na mesma situação dos pais,
em cujo lugar se colocaram com essa vontade de ajudar.

Passo a passo, eles precisam impor limites aos que buscam ajuda, decepcionando-os. Então
estes desenvolvem freqüentemente, em relação aos ajudantes, os mesmos sentimentos que
tinham antes em relação a seus pais. Assim, os ajudantes que se colocaram no lugar dos pais,
querendo mesmo, talvez, ser pais melhores, tornam-se, para os clientes, iguais aos pais deles.
Porém muitos ajudantes permanecem presos na transferência e na contratransferência da
relação entre filho e pais. Com isso, dificultam ao cliente a despedida, tanto de seus pais quanto
dos próprios ajudantes. Ao mesmo tempo, uma relação segundo o modelo da transferência entre
pais e filhos impede também o desenvolvimento pessoal e o amadurecimento do ajudante.

Vou ilustrar isso com um exemplo:

Quando um homem jovem se casa com uma mulher mais velha, ocorre a muitos a imagem de
que ele procura um substitutivo para sua mãe. E o que procura ela? Um substitutivo para seu
pai. Inversamente, quando um homem mais velho se casa com uma moça mais jovem, muitos
dizem que ela procurou um pai. E ele? Procurou uma substituta para sua mãe. Assim, por
estranho que soe, quem se obstina por muito tempo numa posição superior e mesmo a procura
e quer manter, recusa-se a assumir seu lugar entre adultos equiparados.

Existem, porém, situações, em que convém que, por algum tempo, o ajudante represente os
pais: por exemplo, quando um movimento amoroso precocemente interrompido precisa ser
levado a seu termo. Contudo, diferentemente da transferência da relação entre pais e filhos, o
ajudante apenas representa aqui os pais reais. Ele não se coloca em lugar deles, como se fosse
uma mãe melhor ou um pai melhor. Por esta razão, também não é preciso que o cliente se
desprenda do ajudante, pois este o leva a afastar-se dele e a voltar-se para os próprios pais.
Então o ajudante e cliente se liberam mutuamente.

Mediante a adoção desse padrão de sintonia com os pais verdadeiros, o ajudante frustra, desde
o início, a transferência da relação entre os pais e o filho. Pois, quando respeita em seu coração
os pais do cliente, e fica em sintonia com esses pais e seus destinos, o cliente encontra nele os
seus pais, dos quais já não pode esquivar-se. A mesma coisa vale quando o ajudante precisa
lidar com crianças ou deficientes físicos. Na medida em que ele apenas representa os pais, e
não se coloca em seu lugar, os clientes podem sentir-se em segurança com ele.

A terceira ordem da ajuda seria, portanto, que, diante de um adulto que procura ajuda, o
ajudante se coloque igualmente como um adulto. Com isso, ele recusa as tentativas do cliente
para fazê-lo assumir o papel dos pais. É compreensível que essa atitude do ajudante seja
sentida e criticada, por muitas pessoas, como dureza. Paradoxalmente, essa “dureza” é criticada
por muitos como arrogância. Quem olha bem, vê que a arrogância consistiria antes no
envolvimento do ajudante numa transferência da relação entre pais e filho.

A desordem da ajuda consiste aqui em permitir a um adulto que faça ao ajudante as exigências
de um filho a seus pais, para que o trate como criança e o poupe de algo pelo qual somente o
cliente pode e deve carregar a responsabilidade e as conseqüências. É o reconhecimento dessa
terceira ordem da ajuda que constitui a mais profunda diferença entre o trabalho das
constelações familiares e psicoterapia habitual.

A quarta ordem da ajuda

Sob a influência da psicoterapia clássica, muitos ajudantes freqüentemente encaram seu cliente
como um indivíduo isolado. Com isso, também se expõem facilmente ao risco de assumirem a
transferência da relação entre pais e filho. Contudo, o indivíduo é parte de uma família. Somente
quando o ajudante o percebe assim é que ele percebe de quem o cliente precisa, e a quem ele
possivelmente está devendo algo.

O ajudante realmente percebe o cliente a partir do momento em que o vê junto com seus pais e
antepassados, e talvez também junto com seu parceiro e com seus filhos. Então ele percebe
quem, nessa família, precisa principalmente de sua atenção e de sua ajuda, e a quem o cliente
precisa dirigir-se para reconhecer os passos decisivos e levá-los a termo. Isto significa que a
empatia do ajudante precisa ser menos pessoal e – principalmente - mais sistêmica. Ele não se
envolve num relacionamento pessoal com o cliente. Esta é a quarta ordem da ajuda.

A desordem da ajuda, neste caso, consistiria em não contemplar nem honrar outras pessoas
essenciais, que teriam em suas mãos, por assim dizer, a chave da solução. Incluem-se entre
elas, sobretudo, aquelas que foram excluídas da família, por exemplo, porque os outros se
envergonharam delas.

Também aqui é grande o perigo de que essa empatia sistêmica seja sentida como dureza pelo
cliente, sobretudo por aqueles que fazem reivindicações infantis ao ajudante. Pelo contrário,
aquele que busca a solução, de maneira adulta, sente esse enfoque sistêmico como uma
liberação e uma fonte de força.

A quinta ordem da ajuda

O trabalho da constelação familiar aproxima o que antes estava separado. Nesse sentido, ele
está a serviço da reconciliação, sobretudo com os pais. O que impede essa reconciliação é a
distinção entre bons e maus membros da família, tal como é feita por muitos ajudantes, sob o
influxo de sua consciência e de uma opinião pública presa nos limites dessa consciência. Por
exemplo, quando um cliente se queixa de seus pais, das circunstâncias de sua vida ou de seu
destino, e quando um ajudante se associa à visão desse cliente, ele serve mais ao conflito e à
separação do que à reconciliação. Portanto, alguém só pode ajudar, no sentido da reconciliação,
quando imediatamente dá um lugar em sua alma à pessoa de quem o cliente se queixa. Assim, o
ajudante antecipa na própria alma o que o cliente ainda precisa realizar na sua.

A quinta ordem da ajuda é portanto o amor a cada pessoa como ela é, por mais que ela seja
diferente de mim. Dessa maneira, o ajudante abre a essa pessoa o seu coração, de modo que
ela se torna parte dele. Aquilo que se reconciliou em seu coração também pode reconciliar-se no
sistema do cliente. A desordem da ajuda seria aqui o julgamento sobre outros, que geralmente é
uma condenação, e a indignação moral associada a isso. Quem realmente ajuda, não julga.

A percepção especial

Para poder agir de acordo com as ordens da ajuda, não é preciso qualquer percepção especial.
O que eu disse aqui sobre as ordens da ajuda não deve ser aplicado de forma precisa e
metódica. Quem tentar isso estará p ensando, ao invés de perceber. Ele reflete e recorre a
experiências anteriores, em vez de se expor á situação como um todo e apreender dela o
essencial. Por isso, essa percepção envolve ambos os aspectos: ela é simultaneamente
direcionada e reservada. Nessa percepção, eu me direciono a uma pessoa, porém sem querer
algo determinado, a não ser percebê-la interiormente, de uma forma abrangente, e com vistas ao
próximo ato que se fizer necessário.

Essa percepção surge do centramento. Nela, eu abandono o nível das ponderações, dos
propósitos, das distinções e dos medos, e me abro para algo que me move imediatamente, a
partir do interior. Aquele que, como representante numa constelação, já se entregou aos
movimentos da alma e foi dirigido e impelido por eles de uma forma totalmente surpreendente,
sabe de que estou falando. Ele percebe algo que, para além de suas idéias habituais, o torna
capaz de ter movimentos precisos, imagens internas, vozes interiores e sensações inabituais.

Esses movimentos o dirigem, por assim dizer, de fora, e simultaneamente de dentro. Perceber e
agir acontecem aqui em conjunto. Essa percepção é, portanto, menos receptiva e reprodutiva.
Ela é produtiva; leva à ação, e se amplia e aprofunda no agir.

A ajuda que decorre dessa percepção é geralmente de curta duração. Ela fica no essencial,
mostra o próximo passo a fazer, retira-se rapidamente e despede o outro imediatamente em sua
liberdade. É uma ajuda de passagem. Há um encontro, uma indicação, e cada um volta a trilhar
o próprio caminho. Essa percepção reconhece quando a ajuda é conveniente e quando seria
antes danosa. Reconhece quando a ajuda coloca tutela ao invés de promover, e quando serve
para remediar antes a própria necessidade do que a do outro. E ela é modesta.

Observação, percepção, compreensão, intuição, sintonia

Talvez seja útil descrever aqui ainda as diferentes formas de conhecimento, para que, quando
ajudamos, possamos recorrer ao maior número delas que for possível, e escolher entre elas.
Começo pela observação.

A observação é aguda e precisa, e tem em vista os detalhes. Como é tão exata, é também
limitada. Escapa-lhe o entorno, tanto o mais próximo quando o mais distante. Pelo fato de ser tão
exata, ela é próxima, incisiva, invasiva e, de certa maneira, impiedosa e agressiva. Ela é
condição para a ciência exata e para a técnica moderna decorrente dela.

A percepção é distanciada. Ela precisa da distância. Ela percebe simultaneamente várias coisas,
olha em conjunto, ganha uma impressão do todo, vê os detalhes em seu entorno e em seu lugar.
Contudo, é imprecisa no que toca aos detalhes. Este é um dos lados da percepção. O outro lado
é que ela entende o observado e o percebido. Ela entende o significado de uma coisa ou de um
processo observação e percebido. Ela vê, por assim dizer, por trás do observado e do percebido,
entende o seu sentido. Acrescenta, portanto, à observação e à percepção externa uma
compreensão.

A compreensão pressupõe observação e percepção. Sem observação e percepção, também não


existe compreensão. E vice-versa: sem compreensão, o observado e percebido permanece sem
relação. Observação, percepção e compreensão compõem um todo. Somente quando atuam em
conjunto é que percebemos de uma forma que nos permite agir de forma significativa e,
principalmente, também ajudar de uma forma significativa.

Na execução e na ação, freqüentemente aparece ainda um quarto elemento: a intuição. Ela tem
afinidade com a compreensão, assemelha-se a ela, mas não é a mesma coisa. A intuição é a
compreensão súbita do próximo passo a dar. A compreensão é muitas vezes geral, entende todo
o contexto e todo o processo. A intuição, em contraposição, reconhece o próximo passo e, por
isso, é exata. Portanto, a relação entre a intuição e a compreensão é semelhante à relação entre
a observação e a percepção.

Sintonia é uma percepção a partir do interior, num sentido amplo. Como a intuição, ela também
se direciona para a ação, principalmente para a ação de ajuda. A sintonia exige que eu entre na
mesma vibração do outro, alcance a mesma faixa de onda, sintonize com ele e o entenda assim.
Para entendê-lo, também preciso ficar em sintonia com sua origem, principalmente com seus
pais, mas também com seu destino, suas possibilidades, seus limites, e também com as
conseqüências de seu comportamento e de sua culpa; e, finalmente, com sua morte.

Ficando em sintonia, eu me despeço, portanto, de minhas intenções, de meu juízo, de meu


superego e de suas exigências sobre o que eu devo e preciso ser. Isso quer dizer: fico em
sintonia comigo mesmo, da mesma forma que com o outro. Dessa maneira, o outro também
pode ficar em sintonia comigo, sem se perder, sem precisar temer-me. Da mesma forma,
também posso ficar em sintonia com ele permanecendo em mim mesmo. Não me entrego a ele,
mas mantenho distancia na sintonia. Com isso, ao ajudá-lo, posso perceber exatamente o que
posso fazer e o que tenho o direito de fazer. Por esta razão, a sintonia é também passageira. Ela
dura apenas enquanto dura a ação da ajuda. Depois, cada um volta à sua própria vibração. Por
esta razão, não existe na sintonia transferencia nem contratransferência, nem a chamada
relação terapêutica. Portanto, um não assume a responsabilidade pelo outro. Cada um
permanece livre do outro.

Sobre o movimento interrompido

Quando uma criança pequena não teve acesso à mãe ou ao pai, embora precisasse deles com
urgência e ansiasse por eles, por exemplo, numa longa internação hospitalar, esse anseio se
transforma em dor de perda, em desespero e raiva. A partir daí, a criança se retrai diante de
seus pais e, mais tarde, também de outras pessoas, embora anseie por eles. Essas
conseqüências de um movimento amoroso precocemente interrompido são superadas quando o
movimento original é retomado e levado a seu termo. Nesse processo, o ajudante representa a
mãe ou o pai daquele tempo, e o cliente pode completar o movimento interrompido, como a
criança de então.

Constelações em Pacientes
Psicóticos

1. Sobre a teoria e a técnica do trabalho sistêmico com constelações

O trabalho com constelações familiares é um procedimento psicoterapêutico relativamente


recente e controvertido. Ainda menos numerosas são até agora as experiências realizadas
através dessa abordagem com pessoas que exibem comportamento psicótico. Tais experiências,
contudo, são animadoras a ponto de justificar nosso relato a seu respeito. Dispensamos-nos aqui
de apresentar os principios que fundamentam esse trabalho, (“ordens do amor”, consciência
pessoal e consciência do grupo familiar, etc).[1] Apresentamos apenas uma breve introdução,
dedicando maior atenção aos aspectos que nesse trabalho com pacientes com diagnósticos de
psicose nos aparecem como especialmente importantes.

1.1. O desenvolvimento do trabalho com constelações familiares

A técnica das constelações familiares foi desenvolvida em seus elementos básicos por Bert
Hellinger, sobretudo nos anos 80 [2]. Desenvolveu-se e expandiu-se rapidamente no espaço
cultural de lingua alemã e, nos últimos anos, também em escala internacional. Tem suas raízes
na abordagem da terapia familiar através de várias gerações [3]. Abordagens da terapia familiar
orientadas para o crescimento já utilizavam há mais tempo representações espaciais para
entender constelações de relacionamentos e para estimular modificações.[4] Depois que Bert
Hellinger entrou em contato com representantes da terapia familiar, nos Estados Unidos, e com o
trabalho de escultura familiar, na Alemanha, ele começou a condensar insights sobre a dinâmica
familiar, - sobretudo os que tinham caráter estrutural e envolviam várias ge rações -, com
procedimentos da análise transacional [5], numa terapia breve de grupo, sob a condução de um
diretor. Essa terapia ele denominou “Familien-Stellen” (método de “colocar” ou de “constelar”
famílias). Esse trabalho era complementado, nas assim chamadas “rodadas”, por intervenções
hipnoterapêuticas ou outras, de que se valia Hellinger, através do humor, da confrontação ou da
narração de histórias para quebrar padrões rotineiros de pensamento e estimular novas
alternativas de ação. Infelizmente, essa técnica de rodadas, onde os participantes relatavam,
cada um por seu turno, seus sentimentos e suas questões, teve de ser abandonada quando Bert
Hellinger passou a trabalhar com grupos muito numerosos.[6]
1.2. Comprensão do sistema e dos sintomas

Numa constelação são levados em conta todos os membros de um sistema familiar no âmbito de
três gerações, de maneira a incluir os vivos e os mortos. Todos os membros da família tomam
parte numa ordem básica[7] à qual estão permanentemente vinculados. Essa ordem básica
inclui, por exemplo, o direito de todos a pertencer ao sistema e a precedência dos que vêm antes
sobre os que vêm depois. As famílias onde os sintomas aparecem estão frequentemente em
“desordem” no que toca a essas leis.

Os sintomas que estejam condicionados por implicações sistêmicas sistêmicas manifestam a


existência de um profundo amor resultante do vínculo, uma ligação inconsciente do indivíduo
com seu grupo de origem. Isto faz com que alguns repitam os destinos de outros e queiram, em
lugar deles, assumir algo de pesado, expiar ou até mesmo morrer. Tal necessidade de
compensar se radica num pensamento mágico de caráter infantil, já que tal atitude não tem o
poder de redimir essas pessoas nem de aliviar ou de anular seus destinos. Outra base para o
desenvolvimento de problemas é a perda de conexão com as fontes dos laços familiares. Isto
acontece, por exemplo, quando membros da família não são respeitados ou são esquecidos.
Além da implicação sistêmica, devem ser ainda considerados, na geração de dificuldades
psíquicas, os aspectos associados à evolução pessoal, por exemplo, a interrupção do
movimento precoce da criança, dirigido geralmente para a mãe. No presente trabalho
focalizamos preferencialmente as dinâmicas sistêmicas, dando menos espaço ao significado da
história individual da vida e do processo da aprendizagem.

1.3. O processo da constelação

Em nossos seminários, que duram de dois dias e meio a quatro dias, trabalhamos com grupos
de 12 a 14 participantes e com um máximo de 10 observadores participantes. Na constelação
familiar cada participante do grupo monta espacialmente sua imagem interna de um dos seus
sistemas (o de sua família de origem ou da atual, ou ainda de suas relações de trabalho), com a
ajuda de representantes, escolhidos entre os integrantes do grupo. Esses representantes
geralmente possuem pouquíssimas informações prévias sobre as circunstâncias da vida e da
história das pessoas representadas. O terapeuta interroga os representantes sobre suas
sensações e sentimentos nos lugares que ocupam. As percepções dos representantes fornecem
indicações importantes sobre as dinâmicas familiares e as conexões sistêmicas, pois é incrível
como refletem exatamente, muitas vezes, as pessoas representadas, que não são conhecidas
pelos representantes. O dirigente do grupo tenta a seguir mudanças de posição para os
interessados, buscando, na medida do possível, o „melhor“ lugar para cada um do sistema.
Quando se consegue isto, o terapeuta geralmente introduz o próprio cliente em seu lugar (até
então ocupado por seu representante). Em conexão com determinadas frases[8] que diz às
pessoas importantes de suas relações, ele muitas vezes experimenta de novo uma dor antiga e
emoções que aliviam, e ganha novas perspectivas. A “imagem da solução”, quando ele a
consegue acolher e interiorizar, desenvolve nele frequentemente efeitos que perduram por longo
tempo.

1.4. A inserção da constelação familiar no processo terapêutico

Evolução progressiva ou experiência de iluminação?A forte expansão do trabalho com


constelações tem despertado junto ao público, de um lado, expectativas fora da realidade e, de
outro, críticas de simplificação sem seriedade. De acordo com nossas experiências, o trabalho
da constelação familiar, justamente com pacientes que exibem comportamento psicótico, só se
recomenda no contexto de uma relação terapêutica e com uma acurada preparação. Os
pacientes se inscrevem para os seminários de forma autônoma e sob a própria responsabilidade,
mas geralmente são advertidos dessa possibilidade por seus terapeutas, que frequentemente
também os acompanham nos seminários. Não devem apresentar sintomas psicóticos agudos.
Muitos pacientes comparecem inicialmente a seminários, uma vez ou várias, como observadores
participantes, não fazendo incialmente suas próprias constelações mas presenciando as de
outros ou delas participando como representantes. Os terapeutas que lhes recomendam o
trabalho ou os acompanham nele deveriam conhecer o trabalho com as constelações e suas
premissas, e o terapeuta que conduz a constelação deveria ter experiência com pacientes
desses grupos de diagnóstico. Em seguimento a uma constelação familiar podem eventualmente
surgir no paciente reações depreciadoras ou agressivas e até mesmo episódios psicóticos. Tais
reações, que inicialmente interpretávamos como sinal de insucesso, hoje encaramos como
medidas distanciadoras, que visam restabelecer a autonomia do paciente para poder lidar com o
intenso desejo de estar próximo e de ser olhado, que se reavivou nesses seminários e foi
satisfeito apenas por um curto período de tempo. Ultimamente, justamente em seguida a tais
“pioras”, temos recebido com frequencia excelentes retornos de terapeutas relatando
desenvolvimentos positivos depois de constelações familiares.

2. Elementos terapêuticos do trabalho com constelações familiares


2.1. Esclarecimento da solicitação

Um fator importante do seminário de constelações é o esclarecimento do que se deseja do


terapeuta. Quanto mais concretamente forem formuladas as questões e os objetivos, tanto
melhor se poderá decidir qual corte do sistema deverá ser representado ou levado em
consideração. A ampla dispensa de uma anamnese detalhada e o enfoque dirigido para
soluções e recursos choca-se, às vezes com resistências, justamente por parte de pacientes
com longa história de tratamento, como se estes tivessem de “defender” seu status de doentes e
justificar seus problemas. Contudo, se os pacientes com diagnósticos de psicose recebem nos
seminários o mesmo tratamento como todos os demais, eles logo mostram, muitas vezes,
incríveis habilidades sociais e geralmente se integram em problemas ao grupo.

2.2. A representação

O que se exige dos representantes nas constelações é que se desprendam em larga medida de
suas histórias pessoais, que percebam “sem intenções” e comuniquem as reações corporais,
sentimentos ou sensações que emergem nos lugares que ocupam como representantes. Esta
exigência de deixar “de fora” a própria história e as hipóteses de uma psicologia corriqueira (por
exemplo, „Aquela pessoa está longe de mim - com ela não devo ter muito a ver), e de se
entregar sem reservas ao que se sente, oferece a cada participante um exercício de percepção
que no decurso do seminário vai sendo cada vez melhor dominado. Tem-nos surpreendido,
repetidas vezes, a maneira diferenciada e sensível que exibem, como representantes, pacientes
que antes apresentavam um comportamento psicótico. Alguns ainda precisam de uma ajuda
inicial, tanto para entrarem num papel quanto para se “despedirem” dele, mas muitos vão
apreciando cada vez mais a possibilidade de vivenciar papéis e lugares totalmente diferentes
nas famílias. Numa constelação é possível perceber onde esses pacientes frequentemente
encontram problemas: em viver relações intensas e em seguida voltar a si mesmos (quando,
depois de uma constelação, abandonam os papéis que representavam).

2.3. A vivência da imagem


Através do método de posicionar membros da família, com a ajuda de representantes,
manifesta-se um aspecto vivencial que, à exceção do trabalho com esculturas familiares,
raramente aparece em outras abordagens terapêuticas: a experiência subjetiva direta, realizada
simultaneamente em muitos canais sensórios, envolvendo o lado fisiológico, o expressivo-motor,
o emocional e então também o cognitivo. Através dessa experiência direta que envolve o corpo e
os sentidos, as imagens consteladas têm muitas vezes fortes efeitos emocionais e com isto
podem ser revividas e trabalhadas. O que se procura, em termos de imagem sensível, é um
lugar melhor para o protagonista. As mudanças nas sensações corporais e nas emoções dos
representantes e do próprio cliente servem de instrumentos para validar a solução. Na imagem
da solução ganham um lugar informações e pessoas até então excluídas. Quando o processo da
constelação, com a imagem da solução, é significativo para o cliente, ele ativa novas formas de
ver e de proceder em constelações familiares até então experimentadas como problemáticas.
Como num rito de passagem, os passos individuais (as imagens intermediárias) são
condensados numa experiência que se pode apreender e compreender.[9]

3. Experiências já resultantes do trabalho de constelações com pessoas com diagnóstico de


psicose

Em contraposição às teorias e procedimentos de abordagens terapêuticas estabelecidas,


exaustivamente formuladas e diferenciadas através de decênios, o trabalho com constelações,
especialmente com pacientes de psicoses, só apresenta algumas experiências iniciais.[10]
Essas experiências indicam que determinados padrões de relacionamento e determinadas
dinâmicas sistêmicas aparecem mais frequentemente em sistemas com pacientes de psicose do
que em outros sistemas. Isto não implica em afirmar que esses padrões estejam condicionando
o aparecimento de psicoses. Entretanto, podemos verificar que processo de trazê-los à luz e
resolvê-los através das constelações frequentemente influencia positivamente e de forma
duradoura o comportamento dos envolvidos.

Descrevemos a seguir algumas dessas características e dinâmicas de relacionamento em


pacientes com diagnoses de formas esquizofrênicas, inclusive alguns exemplos de casos.

3.1. Fragilidade na diferenciação entre o „eu“ e os „outros“.

Nestas constelações, com mais frequência e de modo mais drástico do que em outras, os
representantes expressam percepções que, num sentido mais amplo, se relacionam ao tema da
„diferenciação entre si mesmo e outras pessoas no sistema“. Os representantes se confundem
com outros, sentem-se enredados e ligados como se fossem siameses e carecem de um espaço
próprio perceptível; ou então se sentem colocados inteiramente diante do sistema ou para fora
dele. Exprimem-se com marcada ambivalência, oscilam entre sentimentos de estarem fundidos,
amarrados e obrigados, desejando ter autonomia e espaço livre, ou então se apresentam
desorientados, desesperados ou mudos. Estas manifestações de participantes „ingênuos“ do
curso em posições de representantes correspondem às descrições da dinâmica psíquica nas
abordagens da terapia individual.[11] Nas constelações pode-se mostrar com frequencia que
esses estados psíquicos perturbadores, opacos e quase insuportavelmente contraditórios
possuem o seu equivalente em acontecimentos e processos relacionais obscuros, traumáticos e
cercados de segredos do sistema familiar, em que os interessados estão implicados de forma
muitas vezes inconsciente. Trata-se aí de dinâmicas que atuam através de gerações. Nas
constelações, o comportamento psicótico se manifesta como um esforço ativo para dominar
inconciliáveis tensões e oposições, de caráter interpessoal e intrapsíquico.

3.2. Ligação profunda e identificação

Denominamos „identificada“ uma pessoa que, de modo inconsciente, está implicada com
aspectos de um ou de vários membros da família e tenta imitar ou superar aspectos da vida
dele(s). Segundo nossa experiência, tais identificações surgem principalmente quando membros
do sistema tiveram um destino especial, ou quando não são respeitados ou foram excluídos.
Membros que se seguem no sistema familiar caem então em contextos de relacionamento em
que muitas vezes, de forma inconsciente, repetem aspectos do destino dessa(s) pessoa(s) ou
sentem a necessidade de resolver algo em seu lugar. Em famílias com formações sintomáticas
esquizofrênicas, encontramos frequentemene formas especiais de identificação que
descrevemos a seguir.

3.2.1. Identificação transsexual

Exemplo 1:

A mais velha de duas filhas desenvolvera um comportamento psicótico ao terminar seus estudos
superiores. Apaixonara-se por um de seus professores, mas também não estava certa de que
ela própria não fosse um homem, e durante semanas apresentou-se em suas aulas com trajes
masculinos. Jamais conseguira trabalhar em sua profissão. Na constelação, sua representante
se postou ao lado da mãe e o pai afirmou que não tinha nada a ver com aquilo. Através de
perguntas apurou-se que a mãe tivera um noivo e que o casamento fora impedido pelas
injunções da guerra. Durante toda a sua vida, ela rejeitara seu marido, desvalorizando-o em
presença das filhas e também idealizando o noivo por sua melhor instrução. A cliente tinha
cursara a mesma disciplina do antigo noivo da mãe e, como ela própria dizia, tomara o lugar dele
junto da mãe.

Ela se sentiu liberada quando o noivo foi introduzido na constelação e quando ela disse, tanto a
ele quanto à sua mãe, que nada tinha a ver com ele e que só queria viver a própria vida e
aceitar-se plenamente como mulher. Em seguida colocou-se junto do pai e disse-lhe que ele era
o responsável pela mãe.

Exemplo 2:

Um paciente, que vinha sendo diagnosticado como doente psíquico crônico e que fora criado
num círculo de muitas mulheres, após um seminário assumiu-se abertamente como
homossexual. A partir daí passou a mostrar sintomas bem mais raramente, completou com
acompanhamento terapêutico uma exigente formação e há dois anos exerce sua profissão.

3.2.2. Identificações duplas

Particularmente pesada é a identificação simultânea com dois excluídos. Uma forma especial
dela é a identificação simultanea com vítima(s) e autor(es).

Um exemplo:

Uma participante de um seminário, de cerca de 50 anos, com uma carreira psiquiátrica de muitos
anos, tinha um pai de mãe solteira, que entrou na policia especial nazista e mais tarde foi vigia
num campo de concentração. Através de perguntas, apurou-se durante a constelação que o pai
dele era judeu e que nada se sabia sobre seu destino. Com isto a paciente passou a
compreender melhor seus sintomas, que já duravam anos, de ser simultaneamente
simultaneamente perseguida e perseguidora.[12] Essa dinâmica foi por nós encontrada diversas
vezes, por exemplo, nos chamados doentes mentais transgressores. Seja frisado, neste
contexto, que com muita frequência tomamos à letra conteúdos de manias, que se revelam
carregados de sentido. Se alguém se sente perseguido ou envenenado, perguntamos: quem na
família foi perseguido ou envenenado? Ou, se alguém sente compulsão de lavar-se,
perguntamos: quem na família precisava lavar-se? Não dispomos aqui do espaço necessário
para entrar mais fundo nesta matéria.
3.3. Segredos e tabus

Em constelações de pacientes de psicoses pudemos verificar repetidas vezes que provocavam


perturbação nesses pacientes relacionamentos confusos e mal definidos, como paternidade
obscura, adoções mantidas em segredo, ocultação de um irmão gêmeo que morreu no parto ou
durante a gravidez,[13] causas de morte obscuras ou ocultadas (por exemplo, um suicídio
apresentado como um acidente). Devido a sentimentos de lealdade, os pacientes
frequentemente não se atrevem a comunicar as incertezas que experimentam, fazer perguntas
sobre elas ou investigá-las.

3.4. Sequelas de culpa e de violência na família

Em famílias onde há psicoses parece também haver um número bem maior de segredos de
família e de tabus relacionados com atos de violência, crimes e injustiças de que participaram,
como autores ou como vítimas, membros da famía (geralmente de gerações precedentes). A
culpa cometida ou experimentada geralmente não era encarada nem exteriorizada.

Ilustro com um exemplo de um seminário de constelações familiares:

Um homem de 33 anos, após uma grave tentativa de suicídio, procurou-me para uma terapia.
Contou que nos últimos meses, quando estava se separando de sua namorada, retraiu-se de
todo contato social e desenvolveu fantasias de perseguido e de perseguidor. Finalmente abriu a
própria veia jugular e só foi salvo devido a circunstâncias felizes. Na época do início da terapia
não mostrava sintomas psicóticos agudos, mas todos os sinais de uma grave crise de identidade
e de autovalorização. Estava fortemente deprimido e padecia de sentimentos massivos de culpa,
insuficiência e fracasso.Experimentava uma forte diminuição de seus impulsos e um
retardamento motor, falava por monossílabos e estava grandemente limitado em sua
expressão.Durante um ano de acompanhamento psicoterapêutico aconteceram vários episódios
de crise e conversas em família com o pai e o irmão mais novo, que sempre exprimiam medo de
uma recaída e pela vida dele. Ele se estabilizou, mas voltou a viver com os pais e cortou quase
todo contato com o mundo exterior. Ele mesmo se queixava de falta de acesso emocional a si
mesmo e à tentativa de suicídio, experimentava-se como se estivesse cortado de alguma coisa e
não „sentisse“ mais a si mesmo.

Sua participação num seminário de constelações familiares tinha o objetivo principal de retomar
contato com outros (interessados). No decurso do seminário ele constelou sua família de origem
(os pais, ele próprio e um irmão mais novo). Os representantes de todos eles disseram que
tinham pouco contato com os próprios sentimentos. Como o representante do pai, na
constelação da família, se virou e olhava para fora, interrogamos o cliente sobre destinos ou
acontecimentos especiais em sua família de origem. Apuramos que dois de seus irmãos
tombaram na guerra e que seu avô voltara para casa ferido por um tiro na barriga. Fizemos com
que o cliente incluísse na constelação os dois tios e o avô. Ele reverenciou cada um deles. Os
representantes dos tios se sentiram olhados e honrados em seu destino, mas o representante do
avô disse que não se devia reverenciá-lo pois cometera algo muito grave. Paralelamente já se
tinham modificado antes os sentimentos dos demais representantes da família, de forma
incomum e dramática. Todos eles se afastaram do representante do avô e mostravam um forte
medo. Respondendo às perguntas, o cliente só pôde informar que o avô tinha sido um
participante entusiasta da guerra. Experimentalmente foram então introduzidos representantes
de vítimas da guerra, que se deitaram no chão. Sua presença provocou no representante do
cliente uma veemente compaixão, enquanto o representante do avô permaneceu frio e distante.
O representante do cliente se inclinou diante das vítimas, despediu-se também do avô, que fora
colocado à parte da família, e deixou com ele a culpa. Em seguida foi colocado ao lado do pai.

Depois da constelação o cliente contou que da herança do pai ele tinha pedido para si a mochila
de guerra (na ocasião, tinha sete anos). Essa mochila continha, entre outros objetos de uso, o
livro de Hitler „Mein Kampf“ (Minha Luta) e uma velha pistola. Foi com essa arma que ele tentou
suicidar-se e só recorreu à faca quando a pistola falhou. Foi profundamente tocante, para o
cliente, sua vivência num grupo onde nem ele nem seu avô foram moralmente julgados, e no
qual ele, de forma comovente, se dirigiu a seu pai e seu pai a ele. Por desejo próprio, ele
terminou a terapia, depois umas cinco sessões adicionais, separadas por intervalos mais longos.

Dois anos depois, apareceu no consultório do terapeuta com um ramo de flores nas mãos.
Relatou que tinha prestado com êxito seus exames finais como engenheiro, assumido um
emprego e iniciado uma nova relação. Sentia que tinha „aterrissado bem na vida“. Disse que o
seminário da constelação tinha sido a coisa mais difícil que conseguira na vida, e que fora
incrivelmente importante para ele.

3.5. Outros dilemas que pesam

Certas situações se tornam também insustentáveis para tais pacientes quando, além das
implicações sistêmicas, se defrontam com vários dilemas de relacionamento. Podem estar
colocados, por exemplo, entre duas pessoas relacionadas que estejam em conflito total entre si
(por exemplo, seus pais ou a mãe e uma avó que também more em casa). Pode ser ainda que
alguém tenha colocado para eles expectativas comportamento totalmente contraditórias e
inconciliáveis, ou que várias pessoas ao mesmo tempo lhes tenham colocado expectativas
diferentes e estressantes.[14]

Isto aconteceu, por exemplo, com uma paciente simultanemente identificada com agressora e
vítima. Na constelação ela ficou em posição transversa entre a representante da mãe e a da avó
paterna, que se odiavam mutuamente. Tais triangulações adicionais marcantes dessas crianças
foram frequentemente encontradas por nós nas constelações. Suas soluções proporcionaram
claros alívios adicionais. Quando os pais provinham de países diferentes ou pertenciam a
diferentes comunidades religiosas, isto trazia aos filhos novos dilemas.

4. Conclusão

Requer-se uma grande experiência terapêutica para se lidar cuidadosamente com as


“informações” reveladas nas constelações, tomando-as, sim, a sério, não porém excessivamente
à letra. Talvez mais do que em outros métodos, existe aqui, conforme a formação e a
mentalidade do praticante, o perigo da simplificação, de uma abreviação sem seriedade e da
manipulação. Além disto, cada família tem o direito de manter seus segredos. Pode ser útil que,
depois de uma constelação, familiares acrescentem às percepções, até então tomadas como
“loucas”, informações que esclareçam os acontecimentos já registrados. Quando, porém, aquilo
que emerge nas constelações passa a ser considerado como a única verdade válida, a confusão
e as manias apenas ficam piores. Em nossa apreciação, o trabalho da constelação familiar, com
sua perspectiva sistêmica que abrange gerações e a utilização da representação espacial, é uma
complementação e um prolongamento essencial do espectro terapêutico no tratamento de
pessoas que exibem um comportamento psicótico. Nossas experiências apoiam as tentativas de
pessoas versadas em assuntos psíquicos, no sentido de buscar um entendimento de seus
sintomas aparentemente incompreensíveis como “mensagens do mundo interior”[15]. Nossa
tendência é de interpretá-los, antes, como indicações de implicações sistêmicas até então não
compreendidas.

Tradução: Newton Queiroz

Rio de Janeiro, julho 2002

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[1] Ver a respeito Weber (1993)

[2] ver Weber (1993); Hellinger (1994), (2001), Ulsamer (2001), Nelles (2002)

[3] ver Boszormenyi-Nagy e Spark (1972), Stierlin (1981) e no psicodrama de Moreno (Moreno
1959)

[4] ver Satir (1972), Scheflen (1972) , Duhl et al. (1973), Papp (1976)

[5] ver Berne (1972)

[6] Para conhecer o trabalho com rodadas, recomendamos a edição de vídeo “Wie Liebe
gelingt”(Como o amor dá certo), Carl-Auer-Systeme Verlag, Heidelberg.

[7] Ver também Hildenbrand (2002)

[8] Ver Hellinger (1995)

[9] Ver Baxa (2001)

[10] Ver Langlotz (1999), Hellinger (2001), Ruppert (2002)

[11] Ver Mentzos (19 ).

[12] Ver também relatos sobre famílias alemãs onde familiares foram envolvidos em ações
criminosas na época nazista, ou foram vítimas de crimes: Hellinger (1998 und 2001a), Ruppert
(2002).

[13] Ver também Mayer (1998)

[14] Ver também Simon et al. (1989) sobre dissociação sincrônica.


[15] Ver Stratenwerrth e Bock (1998)

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