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Profª Drª CAMILA PASQUAL

REALISMO/ NATURALISMO (1881-1900)

CONTEXTO-HISTÓRICO:
O Realismo foi o estilo de época que predominou, na literatura, durante a segunda metade do século XIX, um
período rico em acontecimentos.
A Revolução Industrial já se encontrava em seu segundo momento, transformando o sistema capitalista e fazendo
surgir uma nova burguesia e uma nova elite, que passaram a ocupar papel de destaque no cenário histórico desse
período. Além disso, com a abolição da escravatura, duras condições de trabalho nas fábricas e salários miseráveis eram
impostos ao proletariado, o que gerou grandes movimentos sociais e políticos, tais como o Socialismo, o Comunismo e
o Anarquismo.
As descobertas científicas e as novas doutrinas criavam inusitadas referências para toda a sociedade. O mundo
conhecia a luz elétrica, o automóvel, isto e, uma outra realidade. Desenvolveram-se várias correntes de pensamento no
campo da Filosofia, da ciência, da Economia e da Psicologia.
- Segunda Revolução Industrial1.
- Guerra do Paraguai.
- Movimento abolicionista e republicano.
- Tendências científicas e filosóficas: Positivismo(Augusto Comte); Evolucionismo, (Charles
Darwin);Determinismo ( Hypolite Taine); Socialismo científico ( Karl Marx).

POSITIVISMO

Corrente de pensamento fundada por Augusto Comte (1789-1857), só admite as verdades positivas, ou seja, as
científicas, aquelas que provêm do experimentalismo, da observação e constatação. Para Comte, só cinco ciências
eram relevantes: a Astronomia, a Física, a Química, a Fisiologia e a Sociologia, assim enumeradas em ordem de
importância. Esta última, pela sua complexidade, permitiria reformas sociais.
Comte afirmava que a finalidade do saber científico é a previsão: “saber para poder”. No âmbito social e econômico, o
filósofo propõe uma organização racional, que se direcione para os interesses coletivos, neutralizando assim os motivos
de guerra e discórdia entre as nações. Comte acreditava que se pode alcançar qualquer objetivo, desde que se saiba
também imprimir às situações as causas necessárias à obtenção dos objetivos desejados.

DETERMINISMO
Essa corrente foi desenvolvida por Hipólito Adolfo Taine (1828-1893), que aplicou o método experimental das Ciências
Naturais às diversas produções do espírito humano. Taine afirmava que o comportamento humano era condicionado
pelas influências da raça, do contexto histórico e do meio ambiente.

EVOLUCIONISMO
A teoria da evolução das espécies foi elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1862), que retomou a
teoria da evolução das espécies de Lamark (1744-1829), apoiando-se ainda em experimentos de seleção da cultura de
plantas e da criação de animais. Darwin elaborou a teoria da seleção natural, defendendo que a concorrência entre as
espécies eliminaria os organismos mais fracos, permitindo à espécie inteira evoluir, graças às heranças genéticas
favoráveis dos indivíduos mais fortes e mais aptos. Darwin demonstrou cientificamente que os seres humanos e os
macacos têm um antepassado em comum - questionando assim a existência de Deus, fato que criou um escândalo na
sociedade da época.

1 A Primeira etapa da Revolução Industrial: Entre 1760 a 1860, e ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. Houve o
aparecimento de indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nessa época o aprimoramento das máquinas a vapor
contribuiu para a continuação da Revolução.
A Segunda Etapa da Revolução Industrial: A segunda etapa ocorreu no período de 1860 a 1900, ao contrário da primeira fase,
países como: Alemanha, França, Rússia e Itália também se industrializaram. O emprego do aço, a utilização da energia elétrica e dos
combustíveis derivados do petróleo, a invenção do motor a explosão, da locomotiva a vapor e o desenvolvimento de produtos
químicos foram as principais inovações desse período.
A Terceira Etapa da Revolução Industrial: Alguns historiadores têm considerado os avanços tecnológicos do século XX e XXI
como a terceira etapa da Revolução Industrial. O computador, o fax, a engenharia genética, o celular seriam algumas das inovações
dessa época.

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SOCIALISMO CIENTÍFICO OU MARXISMO

Em 1848, os economistas e filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) publicaram o
Primeiro Manifesto Comunista, destinado, sobretudo, à classe operária, pretendendo despertar a consciência de classes-
pregava-se uma revolução internacional que derrubasse a burguesia, o sistema capitalista, e implantasse o comunismo.
A pedra fundamental do marxismo está na ideia de socialização dos meios de produção. Em O Capital, obra de Karl
Marx, estão os principais conceitos do marxismo.

MARCO INICIAL:

Realismo: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)- romance de Machado de Assis.


Naturalismo: O mulato (1881) - romance de Aluísio Azevedo.

CARACTERÍSTICAS:

REALISMO:
1) Objetividade: verossimilhança, fidelidade do real. Aparece como negação ao subjetivismo romântico e nos mostra o
homem voltado para aquilo que está diante e fora dele, (o não- eu;) o personalismo cede terreno ao universalismo. O
materialismo leva à negação do sentimentalismo e da metafísica.
2) Impessoalidade: atitude neutra (aparente)- aproxima-se do homem comum, e seus contrastes.
3) Análise psicossocial da personagem: comportamento do personagem (o fraco- a prostituta.)
4) O presente e o contemporâneo: preocupa-se com assunto de sua época.
5) Detalhismo descritivo: apresentação minuciosa das personagens e ambientes. (O escritor realista e/ou naturalista
procura selecionar detalhes que retratem fielmente a realidade.)
6) Lentidão narrativa: por causa do detalhismo descritivo. (A preocupação de apresentar a história, a cena, a
paisagem, a coisa enfim como é na realidade).
7) Sensorialismo: exploração dos sentidos. (O homem uma peça crítica do presente. Nada de passado ou de futuro, a
vida é o presente, revelando a miséria moral ou econômica.)

NATURALISMO:
1) Determinismo: personagem condicionado pelos três fatores: " raça-meio-momento".
2) Cientificismo: aplicação do método experimental à literatura. (Os naturalistas procuravam observar o homem
objetivamente, considerando-o como um caso a ser pensado).
3) O patológico: destaque às situações e personagens anormais, doentios, desequilibrados, mórbidos. (Procurando
comprovar suas teses deterministas, os naturalistas preferiam personagens mórbidas, adúlteras, psiquicamente
desequilibradas, assassinos, bêbados, miseráveis, doentes prostitutas, etc...)

DIFERENÇAS ENTRE REALISMO E NATURALISMO

Os escritores realistas propunham-se a fazer o “romance de revolução”, pretendiam reformar a sociedade por
meio de literatura crítica. Preferiam trabalhar com um pequeno elenco de personagens a analisá-los psicologicamente.
Esperavam, com isso, que os leitores se identificassem com as personagens e as situações retratadas e, a partir de uma
autoanálise, pudessem transformar-se.
Já os naturalistas estavam comprometidos com a ótica cientificista da época, objetivavam desenvolver o
“romance de tese”, no qual seria possível a demonstração das diversas teorias científicas. Os naturalistas retratam
preferencialmente o coletivo, envolvendo as personagens em espaços miseráveis, corrompidos social e/ou moralmente,
pois acreditavam que a concentração de muitas pessoas num espaço desfavorável fazia aflorar os desvios
psicopatológicos, um alvo de interesse desses escritores. Os naturalistas veem o mundo com olhos biológicos, reduzem
o homem à condição animal, fazendo prevalecer o instinto sobre a razão. Os aspectos desagradáveis e repulsivos da
condição humana são valorizados, como uma forma de reação ao idealismo romântico.
Sob essa ótica o Homem se comporta como um animal, ou seja, não usa a razão, pois os seus instintos
naturais são mais fortes. Ainda sob esse ponto de vista, o comportamento humano nada mais é do que o reflexo do
meio em que o homem vive (Esse meio é composto por educação, pressão social, o próprio meio ambiente etc.). Um
bom exemplo disso, é o personagem “Pombinha”, da obra “O cortiço”, de Aluísio Azevedo. No início do romance ela
era uma jovem cheia de virtudes e destinada ao casamento. No entanto, devido às influências do seu meio, cedeu ao
homossexualismo e à prostituição.

IDEOLOGICAMENTE: os autores desse período são antimonarquistas, assumindo uma defesa clara do
ideal republicano; negam a burguesia a partir da célula-mãe da sociedade- a família; eis por que a insistência nos
triângulos amorosos, formados pelo pai traído, a mãe adúltera e o amante, que é normalmente um "amigo da casa"; são
anticlericais , destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia de velhas beatas. Nesse particular,
merece destaque o romance O mulato, de Aluísio Azevedo, no qual, em meio à sociedade conservadora e

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preconceituosa de São Luís do Maranhão, move-se com desenvoltura a diabólica figura do padre Diogo, o grande vilão
da história, que tem sobre suas costas o peso de duas mortes.

ROMANCE REALISTA
Cultivado por Machado de Assis, é uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo críticas
à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. Por outro lado, o romance realista analisa a
sociedade "por cima", ou seja, seus personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante. O romance realista é
documental, retrato de uma época.

ROMANCE NATURALISTA

Cultivado no Brasil por Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Domingos Olímpio, Inglês de Sousa e
Manuel de Oliveira Paiva, o romance naturalista é marcado por forte análise social a partir de grupos humanos
marginalizados, valorizando o coletivo. É tradicional a tese de que, em O cortiço, o principal personagem não é João
Romão, nem Bertoleza, nem Rita Baiana, mas sim o próprio cortiço, devidamente antropomorfizado. Por outro lado, o
Naturalismo apresenta romances experimentais; a influência de Charles Darwim se faz sentir na máxima naturalista
segundo o homem é um animal; portanto, antes de usar a razão, deixa-se levar pelos instintos naturais.

MACHADO DE ASSIS

- Romancista, contista, poeta, crítico literário, cronista e teatrólogo.


- Liderou a fundação da Academia Brasileira de Letras e foi seu presidente perpétuo.

Romances da fase romântica:


Ressurreição, A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia.

Romances da fase realista:


Memórias Póstumas de Brás Cubas(1881): (narrado em 1ª pessoa. O defunto autor Brás Cubas escreve sua
autobiografia, na qual expõe e analisa impiedosamente o comportamento humano e suas secretas e mesquinhas
motivações. Sua amante Virgília, mulher de Lobo Neves. O reencontro com o ex-colega Quincas Borba, filósofo do
Humanitismo. Humanitismo- caricatura que Machado de Assis criou para retratar a religião -positivista-

Quincas Borba(1891): (narrado em 3ª pessoa. História de Rubião que herda os bens do amalucado filósofo Quincas
Borba, junto com seu cão também chamado Quincas Borba. Vai Morar no Rio de Janeiro. Provinciano Rico e ingênuo,
cai na mão de Camacho e do casal Sofia e Palha, que o deixam na miséria. Vai ficando louco volta para Barbacena,
MG, onde morre pobre e demente).
Dom Casmurro(1899): narrado em 1ª pessoa por Bentinho, que rememora seu namoro e casamento com Capitu. A
separação do casal, motivada pela certeza que Bentinho diz ter de que ela o havia traído com Escobar, um amigo do
casal. E a prova seria a semelhança física que haveria entre o filho deles, Ezequiel e Escobar.)

Outros romances da fase realista: Esaú e Jacó(1904), Memorial de Aires( 1908)


Características: ruptura da sequência linear do enredo (interferência do narrador; multiplicidade e fragmentação dos
episódios, ênfase nos aspectos psicomorais); o adultério; a loucura; a hipocrisia; o humor irônico e o pessimismo.

Os principais Contos de Machado de Assis: Histórias da Meia-Noite (1873), Papéis Avulsos (1882), Histórias sem
Data (1884), Páginas Recolhidas (1899), Várias Histórias Completas (1901), Relíquias da Casa Velha (1906).
Teatro: Tu, Só Tu, Puro Amor... (1881).

RAUL POMPÉIA

Romance principal- O Ateneu: de fortes traços autobiográficos, é narrado em 1ª pessoa por Sérgio, personagem-
narrador que, adulto, rememora criticamente suas experiências e impressões de estudante no Colégio Ateneu, dirigido
por Aristarco. A crítica ao universo escolar amplia-se numa crítica ao universo social e político do Brasil daquela época.
Romance classificado como misto de realista e impressionista. Linguagem muito trabalhada.

ALUÍSIO AZEVEDO
Principais romances: O mulato(1881), Casa de Pensão(1884), O cortiço(1890).
O cortiço (sua obra-prima): história da origem e evolução de uma habitação coletiva onde vivem operários, lavadeiras,
funcionários humildes, gente simples e desafortunados, num ambiente de miséria, promiscuidade e violência. Estes

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personagens eram explorados pelo português João Romão, dono do cortiço e do armazém. Destacam-se os personagens:
a negra Bertoleza, Jerônimo, Firmo e Rita Baiana.

OUTROS ROMANCISTAS E NATURALISTAS


Inglês de Sousa: O cacaulista; Histórias de um pescador; O coronel sangrado, O missionário (romances)
Adolfo Caminha: A normalista, O Bom Crioulo; Tentação (romances)
Júlio Ribeiro: A carne; Padre Belchior de Pontes.
Manuel de Oliveira Paiva: Dona Guidinha do Poço; A afilhada.
Domingos Olímpio: Luzia-Homem.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA MACHADIANA

Enquanto outros renomados escritores limitaram-se a descrever externamente as atitudes e ações de suas
personagens, Machado de Assis foi além, ocupou-se principalmente das classes alta e média urbanas, mais precisamente
do Rio de Janeiro, e penetrou-lhes na consciência, examinou-lhes o mundo interior, analisou-as pelo avesso,
apresentando um conhecimento profundo da complexidade e das contradições não só dessas personagens, mas também
da personalidade humana.
A obra de Machado de Assis traz aventura, emoção e suspense, mas tudo diluído em duas prioridades: a análise
psicológica e a especulação filosófica acerca da condição humana.

1) PERSONAGENS MACHADIANAS
O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem. Penetrando na consciência das personagens. Machado
mostra-nos, de maneira impiedosa e aguda, a vaidade, a futilidade, a hipocrisia, a ambição, a inveja, a inclinação ao
adultério. Como este escritor capta sempre os impulsos contraditórios existentes em qualquer ser humano, torna-se
difícil classificar suas personagens em boas ou más.
Escolhendo suas personagens entre a burguesia, que vive de acordo com o convencionalismo da época, Machado
desmascara o jogo das relações sociais, enfatizando o contraste entre essência (o que as personagens são) e aparência
(o que as personagens demonstram ser): o caráter relativo da moral humana, as convenções sociais e os impulsos
interiores, a normalidade e a loucura, o acaso, o ciúme, a irracionalidade e a crueldade.
As personagens machadianas podem ser transplantadas para qualquer época, pois são pessoas comuns, movidas pelo
egoísmo e por uma vaidade ridícula  que faz com que não se perceba a precariedade da condição humana. Machado
acreditava realmente que "o homem é o lobo do homem".
O sucesso financeiro e social é, quase sempre, o objetivo último dessas personagens.

2) PESSIMISMO
a) O homem deforma-se por causa de um sistema social que o leva a tornar-se hipócrita para ser aceito pela opinião
pública. Daí decorre uma metáfora frequente na obra de Machado: a comparação da vida com uma peça de teatro, onde
todos representam um papel.
b) O tédio e a dor são os grandes inimigos da felicidade.
c) Todo ser humano tem de viver uma vida que não escolheu e cujo destino lhe escapa.
d) As causas nobres sempre ocultam interesses impuros.
Seu pessimismo, no entanto, não é angustiado nem desesperador. Tende para a ironia e propõe a aceitação do prazer
relativo que a vida pode oferecer, já que a felicidade absoluta é inatingível.
Os protagonistas machadianos anulam a própria existência: Brás Cubas nada construiu ou influenciou,
morrendo solteiro e sem filhos. Quincas Borba morreu semidemente, solteiro e sem filhos; Rubião, também solteiro e
sem filhos, foi trapaceado, perdeu sua fortuna e morreu na sarjeta como mendigo; Bentinho morreu só e casmurro,
acreditando até o fim que seu filho era fruto do adultério de sua esposa com o amigo Escobar; Pedro e Paulo, os
gêmeos de Esaú e Jacó, brigam até o fim, sem chegar a nenhuma conclusão. Da mesma forma, o Conselheiro Aires,
também era viúvo e sem filhos. A nenhum deles Machado concede o poder de conduzir e transformar a própria vida ou
a alheia. O capítulo final de Memórias Póstumas, o ontológico 2 das negativas, é exemplo cabal do pessimismo do
narrador.

3) TEORIA DO HUMANITISMO (ou visão irônica das teorias filosóficas e científicas da época)
Trata-se de uma teoria formulada pelo personagem Quincas Borba, que aparece em dois romances de Machado.
O Humanitismo, na verdade, é uma caricatura que Machado criou para retratar uma "religião positivista"
comum em sua época, uma crença ferrenha na capacidade da ciência em resolver todos os problemas da humanidade,
"religião" esta que pretendia salvar o mundo e o homem.

2 (em grego ontos e logoi, "conhecimento do ser") é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos
entes e das questões metafísicas em geral. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza
comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. Costuma ser confundida com metafísica. Conquanto tenham certa comunhão ou
interseção em objeto de estudo, nenhuma das duas áreas é subconjunto lógico da outra, ainda que na identidade.

4
"Quanto ao Quincas Borba, expôs-me enfim o Humanitismo, sistema de filosofia destinado a arruinar todos os
demais sistemas. [...]"  [...] Queres uma prova da superioridade do meu sistema? Contempla a inveja. Não há
moralista grego ou turco, cristão ou muçulmano, que não troveje contra o sentimento de inveja. [...] (Memórias
Póstumas de Brás Cubas, Capítulo CXVII - "O Humanitismo").

4) A IRONIA E O HUMOR.
Para exteriorizar o desencanto e o desalento ante a condição humana, Machado utilizou, sobretudo, o humor,
extremamente e marcado por cortantes ironias, revelando nítidas influências da literatura inglesa.
O humor machadiano dá um tom grave ao ridículo, acentuando-o, ou atribui leveza a coisas sérias, conduzindo
o leitor a refletir sobre a condição humana. Exemplo disso pode ser observado na forma como o narrador, em Memórias
Póstumas, indica o tempo de duração do relacionamento amoroso entre os personagens Marcela e Brás Cubas:
Ex. "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis".

5) PROCESSO NARRATIVO.
O processo narrativo nas obras de Machado de Assis apresenta, entre outras características, a digressão, a
conversa com o leitor, a metalinguagem e uma visão ao mesmo tempo trágica e irônica da vida.
Machado preocupa-se muito mais com a análise das personagens do que com a ação ao longo de seus
romances. Por isso, pode-se dizer que, em suas narrativas, pouca coisa "acontece". Em outras palavras, há poucos fatos,
acontecimentos em suas histórias, e todos são ligados entre si por reflexões profundas.
Outra característica da prosa machadiana é a conversa com o leitor e/ou diálogo com o leitor e a análise que o
autor faz da própria narrativa. Do emprego desses dois recursos decorrem as seguintes consequências:
a) A narrativa tem sua ordem cronológica frequentemente interrompida;
b) O narrador rompe o envolvimento emocional do leitor com a obra, propiciando momentos de reflexão sobre
o que se está lendo, procedimento este denominado digressão.

Ex. "Tu tens pressa de envelhecer e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente e
este livro e o meu estilo são como os ébrios: guinam à direita, à esquerda, andam, param, resmungam, urram,
gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem (...) (Memórias póstumas de Brás Cubas) [conversa com o leitor e
metalinguagem].

6) A INTERTEXTUALIDADE.
Denomina-se intertextualidade à retomada de um texto em outro. Nos exemplos citados a seguir, tem-se uma pequena
ideia da forma como, nos grandes textos, Machado usa a intertextualidade.

Ex. Em Memórias Póstumas, que é o texto original, Machado enxerta referências sobre, por exemplo, Diálogo dos
Mortos, de Luciano de Samosata, que viveu no século II d. C. O personagem principal dos Diálogos é Menipo de
Gadara e a temática apresenta o personagem, após a morte, tecendo críticas ao mundo dos vivos.
Ex. Em Dom Casmurro, texto original de Machado, Há referências à tragédia Otelo, de Shakespeare (o personagem
Bentinho, inclusive, vai ao teatro assistir à peça de mesmo nome). A temática em Otelo é a do homem que julga estar
sendo traído pela esposa e pelo melhor amigo. Ciúme, paixão doentia e crime passional.
Ex. Em Esaú e Jacó, este romance de Machado apresenta referências à narrativa bíblica sobre a relação tensa e trágica
entre dois irmãos, isto é, Caim e Abel. A temática bíblica mostra dois irmãos que competem o tempo todo.

7) O FOCO NARRATIVO

a) O autor é considerado "mestre da narrativa em primeira pessoa";


b) As narrativas machadianas expõem o que o crítico brasileiro Alfredo Bosi chama de "máscaras sociais".
c) Machado costuma fazer, de forma brilhante, a exposição e análise do caráter psicológico de suas personagens.

(...) Meti-lhe na mão um cruzado de prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor
direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me
grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo: eu pagara-lhe bem,
pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os
vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado de prata. Porque, enfim, ele não levou em mira
nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício. Acresce que a
circunstância de estar, não mais adiante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo
simples instrumento da Providência; e de um outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desolado
com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi
tudo?) tive remorsos. (Memórias Póstumas de Brás Cubas. Capítulo XXI. "O Almocreve")

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No texto "O Almocreve", mostra ser de fundamental importância a narração em primeira pessoa. Ela permite
que o leitor compreenda o que se passa na mente do personagem-narrador, percebendo a falsa imagem que a
personagem constrói de si mesma, isto é, de alguém que reconhece o verdadeiro valor da ajuda do próximo. Na verdade,
a narrativa mostra o contraste entre a falsa imagem e o verdadeiro "eu" do personagem, que é mesquinho e egoísta. No
texto machadiano não se tem acesso apenas aos atos, às ações das personagens. É possível, também, acompanhar-lhes
as motivações para seus atos e as consequências dos mesmos.

QUESTÕES DE VESTIBULAR E ENEM

1) O Realismo, escola literária cujo principal representante brasileiro foi Machado de Assis, tem como característica
principal a retratação da realidade tal qual ela é, fugindo dos estereótipos e da visão romanceada que vigorava até
aquele momento. Sobre o contexto histórico no qual o Realismo esteve situado, são corretas as proposições:

I- O Brasil vivia tempos de calmaria política e social, havia um clima de conformidade, configurando o contentamento
da colônia com sua metrópole, Portugal.
II- Em virtude das intensas transformações sociais e políticas, o Brasil é retratado com fidedignidade, reagindo às
propostas românticas de idealização do homem e da sociedade.
III- O país vivia o declínio da produção açucareira e o deslocamento do eixo econômico para o Rio de Janeiro em razão
do crescimento do comércio cafeeiro.
IV- Tem grande influência das teorias positivistas originárias na França, onde também havia um movimento de intensa
observação da realidade e descontentamento com os rumos políticos e sociais do país.
V- Surgiu na segunda metade do século XX, quando no mundo eclodiam as teorias de expansões territoriais que
culminaram nas duas grandes guerras. O Realismo teve como propósito denunciar esse panorama de instabilidade
mundial.
Estão corretas:
a) Todas estão corretas.
b) apenas I e II estão corretas.
c) I, II e III estão corretas.
d) II ,III e IV estão corretas.
e) I e V estão corretas.

2) ENEM 2010
Quincas Borba mal podia encobrir a satisfação do triunfo. Tinha uma asa de frango no prato, e trincava-a com filosófica
serenidade. Eu fiz-lhe ainda algumas subjeções, mas tão frouxas, que ele não gastou muito tempo em destruí-las.
- Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, importa não esquecer nunca o princípio universal, repartido e
resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, como se
disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e ele chupava filosoficamente a asa do frango), a fome é uma
prova a que Humanitas submete a própria víscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema,
senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola.
Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez
ou doze homens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho
náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executadas
com o único fim de dar mate ao meu apetite.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1975.

A filosofia de Quincas Borba - a Humanitas - contém princípios que, conforme a explanação do personagem,
consideram a cooperação entre as pessoas uma forma de

a) atender a interesses pessoais


b) estabelecer vínculos sociais profundos
c) erradicar a desigualdade social
d) lutar pelo bem da coletividade
e) minimizar as diferenças individuais

3) "Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o
meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram
a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para
quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também
contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: a diferença radical entre este livro e o Pentateuco."
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas).

A- o autor afirma que:


a) vai começar suas memórias pela narração de seu nascimento.

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b) vai adotar uma sequência narrativa invulgar.
c) que o levou a escrever suas memórias foram duas considerações sobre a vida e a morte.
d) vai começar suas memórias pela narração de sua morte.
e) vai adotar a mesma sequência narrativa utilizada por Moisés.

B- Definindo-se como um "defunto autor", o narrador:


a) pôde descrever sua própria morte.
b) escreveu suas memórias antes de morrer.
c) ressuscitou na sua obra após a morte.
d) obteve em vida o reconhecimento de sua obra.
e) descreveu a morte após o nascimento.

4) Assinale a alternativa incorreta a respeito de A Cartomante, de Machado de Assis.


a) Vilela e Camilo eram amigos de infância, sendo este funcionário público, e aquele, magistrado.
b) Quando da morte da mãe de Camilo, vilela e Rita se mostram extremamente preocupados em ajudar o amigo.
c) O conto inicia com Rita dizendo a Camilo que tinha consultado uma cartomante.
d) Um dia, próximo do meio-dia, Camilo recebe um bilhete de Vilela, dizendo que ele fosse à sua casa imediatamente.
e) Passando em frente à casa da cartomante, Camilo se mantém cético e não a visita.

5) O Cortiço escrito em 1890 é considerada a obra-prima de Aluísio Azevedo. Escolha nas colocações que seguem a
que melhor caracteriza a obra:
a) um dos melhores retratos que já se levantaram do Brasil do II Império, em que a sobrevivência da estrutura colonial
punha à mostra uma numerosa mostragem de portugueses enriquecidos a empolgar as posições de comando e uma
região mal definida de pretos, mulatos e brancos, em pleno processo de caldeamento e formação, constituindo o escalão
mais inferior da sociedade;
b) retrata a falência da sociedade patriarcal nordestina que, tendo por base sempre a atividade econômica açucareira,
pouco se modificara desde os fins do século XVIII;
c) reflete as transformações que afetaram a região da campanha na segunda metade do séc. XIX. Não há nele nenhum
delineamento saudosista, ao contrário de outros textos ficcionais da época;
d) no plano da temática, o rompimento com a tradição narrativa brasileira se dá pela inserção, ao longo dos relatos, de
elementos inverossímeis;
e) fixando a região de campanha, a obra descreve a crise e as divisões entre os estancieiros do sul do Brasil. O
protagonista tenta colocar em prática certas ideias reformistas, mas fracassa em seus objetivos.

6)ENEM 2015

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu
parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor
que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que
liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito cedo tinha consolidado crédito na
preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império
com seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da
cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares,
fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais
caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a pate com a sua invasão de capas
azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados
de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente,
gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Leipzig: Lípsia, cidade da Alemanha.

7
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio
demarcado pela
a) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais.
b) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional.
c) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino.
d) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares. e) cumplicidade entre educadores e
famílias, unidos pelo interesse comum do avanço social.

7) (PUC-PR 2011)
Sobre o Realismo, assinale a alternativa INCORRETA.
a) O Realismo surgiu na Europa, como reação ao Naturalismo.
b) O Realismo e o Naturalismo têm as mesmas bases, embora sejam movimentos diferentes.
c) O Realismo surgiu como consequência do cientificismo do século XIX.
d) Gustave Flaubert foi um dos precursores do Realismo. Escreveu Madame Bovary.
e) Emile Zola escreveu romances de tese e influenciou escritores brasileiros.

8) Vários autores afirmam que a diferença entre Realismo e Naturalismo é muito sutil.
Um dos trechos a seguir é claramente naturalista. Assinale a alternativa em que ele aparece.
a) "Desesperado, deixou o cravo, pegou do papel escrito e rasgou-o. Nesse momento, a moça, embebida no olhar do
marido, começou a cantarolar à toa, inconscientemente, uma cousa nunca antes cantada nem sabida..."
b) "Enfim chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance
consternou a todos."
c) "Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar
das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro do café aquecia, suplantando
todos os outros..."
d) "Foi por esse tempo que eu me reconciliei outra vez com o Cotrim, sem chegar a saber a causa do dissentimento.
Reconciliação oportuna, porque a solidão pesava-me, e a vida era para mim a pior das fadigas, que é a fadiga sem
trabalho."
e) "E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria
monótono, tudo rindo, cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer
à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida."

9) Publicados quase simultaneamente, "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "O Mulato", ambos os romances
praticamente inauguram dois movimentos literários no Brasil. Num deles predomina a profundidade da análise
psicológica e, no outro, a preocupação com as leis da hereditariedade e a influência do ambiente sobre o homem.
Esses movimentos foram:
a) O Modernismo e o Pós-modernismo.
b) O Futurismo e o Surrealismo.
c) O Barroco e o Trovadorismo.
d) O Romantismo e o Ultrarromantismo.
e) O Realismo e o Naturalismo.

10) Capítulo CXIX (119)


Não faça isso, querida!
A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de
hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo. (Machado de
Assis Dom Casmurro)

Com base na leitura do capítulo acima, assinale a afirmativa incorreta.

8
a) A possibilidade de "mudar de rumo" demonstra que os fatos da narrativa são por ela criados e existem em função da
organização do que se narra.
b) As referências ao próprio livro demonstram que, na narrativa em primeira pessoa, autor e narrador constituem uma
única voz.
c) Machado de Assis, através do narrador, ironiza um tipo de leitor ingênuo, educado pelo romance de amor ao gosto do
século XIX.
d) O narrador machadiano desvela o processo ficcional através da conversa com o leitor e das referências ao objeto
livro.

GABARITO
1-D
2-B
Comentário da questão
Alternativa B. Para explicar a Brás Cubas a filosofia da Humanitas, Quincas Borba valeu-se do frango, que
pôde consumir graças a um processo de produção que envolveu o esforço e mesmo o sofrimento de inúmeras
pessoas. Essa exposição evidencia que os princípios da Humanitas mostram a cooperação como um processo que
visa atender a interesses pessoais.

3A-D
3 B- A
4-E
5-A
6-A
COMENTÁRIO: resposta correta letra A
O fragmento do romance O Ateneu, transcrito nesta questão, visa a criticar a mercantilização do ensino
[expressa nas reformas promovidas no prédio da escola, nos anúncios e na produção/comercialização do material
didático] e a vaidade do diretor da escola. Deve-se, pois, assinalar a alternativa “A”. Conteúdos abordados na
questão naturalismo
7-A
COMENTÁRIO: resposta correta letra A
O Realismo, assim como o Naturalismo, surgiu em resposta ao Romantismo, substituindo a visão subjetiva da
realidade — proposta pelos escritores românticos — pela visão que procurava ser objetiva, fiel e sem distorções.
Em vez de fugir à realidade, os realistas procuravam apontar suas falhas como forma de estimular a mudança
das instituições e dos comportamentos humanos: saem os heróis, de comportamento irrepreensível, entram as
pessoas comuns, dotadas de defeitos e limitações.

8-C
9-E
10-B

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