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GOMES, Angela M. de Castro. Política: História, Ciência, Cultura etc. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.

9, n°
17, 1996, p. 59-84.

> “Este texto tem como objetivo básico realizar o arriscado exercício de pensar como, no Brasil das últimas décadas, se
desenvolveram o que se irá chamar de ‘estudos políticos. […] Este tipo de produção tem profundas raízes na tradição
intelectual brasileira, marcada por um vigoroso ensaísmo histórico-sociológico (que é político), desde o início do século”
(GOMES, 1996, p. 59).

> Certo acúmulo de textos identificados como de ciência política (a grosso modo) começa a circular o país, mas isso “só
acontece […] a partir dos anos 1960, tendo a ver com a disseminação dos cursos de ciências sociais (graduação e pós-
graduação) nas universidades” (GOMES, 1996, p. 59-60).

> “No que se refere à história política, também no Brasil a tradição historiográfica é fortemente marcada por uma
produção de história político-administrativa, com o predomínio de uma narrativa povoada de acontecimentos, grandes
vultos, batalhas, etc. […] Em oposição a essa ‘velha’ história, que se transformou, a partir da crítica e da prática da
escola dos Annales, na síntese de todos os males da disciplina, também se desenvolveu uma ‘outra’ história, que se
caracterizou por ser econômico-social e voltada para as estruturas, os atores coletivos, as metodologias quantitativas
etc” (GOMES, 1996, p. 60).

> “por uma ausência de trabalhos sistemáticos de reflexão sobre a historiografia brasileira, e pela solidificação do tipo
de visão acima enunciada, acabamos por delinear uma tradição disciplinar por demais heterogênea e dominada pela
‘velha’ história político-administrativa, a partir da qual se definiu a estratégia de combate, renovação e afirmação dos
‘novos’ estudos sociais e econômicos […] Tal perspectiva, é interessante registrar, só iria se disseminar bem mais
tarde, guardando intrínsecos contatos com o crescimento das análises de orientação teórica marxista já nos cursos
universitários de história e ciências sociais” (GOMES, 1996, p. 61).

“Um olhar relâmpago para o que ocorria nos recentíssimos estudos na área de ciências sociais, em São Paulo, em
especial, onde haviam sido criados, após 1932, a Escola Livre de Sociologia e Política e o curso de ciências sociais
da Universidade de São Paulo, mostra a presença da sociologia norte-americana de Chicago e da antropologia de
Lévi-Strauss, por exemplo. […] O que se está procurando encaminhar, neste sentido, é uma tentativa de
compreensão de algumas das causas do descompasso, desde os anos 1950, entre a produção intelectual na área
de história e na área de ciências sociais/políticas, em que a primeira fica nitidamente em desvantagem em termos
de autores e obras preocupados em interpretar o país” (GOMES, 1996, p. 62).

> “a década de 1960 constitui como que um ponto de inflexão cujos desdobramentos frutificam de forma plena nos anos
1970, e daí prosseguem num crescendo. São várias as razões que podem ser citadas para justificar esta transformação
ampla e significativa, muitas delas, não por acaso, já arroladas em artigos que discutem especificamente a renovação
ocorrida no campo disciplinar da história no plano internacional, com suas repercussões no Brasil” (GOMES, 1996, p.
62-63).

> “A revitalização dos estudos de história política, ou que tem sido chamado de o ‘retorno’ da história política, guarda
relações profundas com as mudanças de orientações teóricas que atingiram as ciências sociais de forma geral”
(GOMES, 1998, p. 63). A crise dos paradigmas estruturalistas então vigentes que se apresentavam nesse momento
(marxismo, funcionalismo, e até o de uma vertente da escola dos Annales), marcada por uma “recusa de explicações
determinísticas, metodologicamente quantitativistas e pela ‘presença’ de atores coletivos abstratos, não localizáveis no
tempo e no espaço, teria impactado o campo das ciências humanas forçando-as a rever suas ambições totalizadoras e
suas explicações racionalistas/materialistas” (GOMES, 1998, p. 63).

> “de um lado, desestruturam-se referenciais explicativos e uma certa hierarquia nos campos do conhecimento da
realidade social, instaurando-se a ‘incerteza’ e a ‘fragmentação’, sobretudo no interior da história. […] de outro lado, a
crise obriga o desencadeamento de um processo de reflexão sobre a natureza e a especificidade do trabalho
historiográfico, bem como suas relações com as ciências sociais, destacando-se os temas do estatuto da ‘nova’ história
política; da incorporação do tempo presente à história; e das relações política-cultura nas sociedades contemporâneas”
(GOMES, 1996, p. 64).

“Nesse sentido, é possível entender que a ‘área de aproximação’ entre historiadores e cientistas sociais é
assinalada tanto pela presença de questões de interesse comum – como os temas político-culturais –, sobretudo
vivenciados no ‘tempo presente’, quanto por um novo papel assumido por estes intelectuais, cada vez mais atuantes
na mídia” (GOMES, 1996, p. 64).

> “alguns acontecimentos […] impõem aos intelectuais, e em particular àqueles cuja tarefa é interpretar a realidade
política, a escolha de ‘novos’ objetos e métodos, ou pelo ‘retorno’ de ‘velhos’ objetos, revigorados por ‘novas’
abordagens. […] é tão impossível compreender os movimentos da história e da ciência política no Brasil sem uma
remissão aos debates interdisciplinares travados no nível internacional quanto sem uma clara referência ao impacto
dramático trazido pelo restabelecimento do autoritarismo e da aberta repressão política, particularmente desde fins da
década de 1970” (GOMES, 1996, p. 65).

Não é casual que os anos 1970 seja marcado por um florescimento de uma literatura que “expandiu” o
entendimento de política brasileira e o elegeu como seu centro nervoso, incorporando à história, definitiva e
legitimamente, o tempo presente como um período primordial de análise, girando em torno da compreensão do
fenômeno do autoritarismo e do golpe de 1964 (GOMES, 1996, p. 65).

> “Nesta investida, os cientistas sociais saíram na frente, abrindo-se rapidamente ao estudo do passado para o
entendimento do presente, seu território cronológico pro definição. Os historiadores – e não só os brasileiros, é óbvio –
foram muito mais resistentes, insistindo na desconfiança quanto a estudos que não oferecessem o recuo imprescindível
à objetividade e impedissem o acesso prioritário a fontes arquivísticas escritas” (GOMES, 1996, p. 66).

“Para além, contudo, das questões das fontes, é conveniente ressaltar que a precedência das análises dos
cientistas políticos brasileiros também tem a ver com a maior multiplicidade de orientações teóricas presentes em
seus estudos. Ou seja, […] no âmbito da história a força de um marxismo determinista e reducionista dificultou,
praticamente até fins dos anos 1970, a eleição de temas políticos, associando-se à resistência ao estudo do tempo
presente, […] nesta disciplina o ritmo foi mais lento, o que se traduziu por uma produção historiográfica mais tardia
comparativamente” (GOMES, 1996, p. 66-67).

> “Os estudos políticos em perspectiva histórica realizados por cientistas sociais e historiadores, que serão aqui
destacados como particularmente significativos na produção brasileira a partir de fins dos anos 1960, poderiam ser
entendidos, no geral, como uma retomada dos objetos clássicos da ‘política’: são análises de instituições como partidos,
sindicatos e forças armadas, estudos de períodos governamentais e de algumas políticas públicas, em especial. […] Os
atores coletivos que se impunham como objeto de tal análise eram aqueles que mais drasticamente estavam envolvidos
na crise de 64: os militares e o Exército; os políticos/parlamentares do Congresso; o Executivo federal; as lideranças da
classe trabalhadora e os sindicatos, entre os mais expressivos (GOMES, 1996, p. 67-68).

“Alguns desses ‘novos’ objetos encontravam referências na produção da ‘velha’ política – concentrada em temáticas
institucionais-administrativas e marcada por um acento juridicista – e também na tradição do ensaísmo social e
político brasileiro […] Contudo, como já ressaltado, o esforço de releitura da história política recente do país
traduziu-se na inovação profunda da construção dos temas e em escolhas teóricas e metodológicas claramente
interdisciplinares” (GOMES, 1996, p. 68).

> “Assim, a produção realizada entre fins de 1960 e inícios dos anos 1970, de forma muito geral e abarcando textos
com temáticas bem amplas, ao procurar compreender o colapso de 1964, aprofundou o que se tem hoje chamado de
uma ‘ideologia antipartidária’” (GOMES, 1996, p. 68).

Esta forte tradição intelectual pode ser pensada em dois tempos (GOMES, 1996, p. 68-69):

o O primeiro (<1950) sendo aquele dos pensadores mais autoritários clássicos, como Oliveira Viana, Francisco
Campos e Azevedo Amaral, afirmando o amorfismo da nossa vida social e postulando o papel organizador do
Estado, propondo uma alternativa corporativista e/ou carismática, entendendo os partidos como organizações
inadequadas e indesejáveis.
o O segundo (1950/60), num esforço de sistematização meio forçado, é representado por Raimundo Faoro e
Maria Isaura Pereira de Queiroz, que insistiam na construção da dicotomia entre o peso da burocracia estatal
e a força da política de clientela no curso da história do Brasil; ou seja, a dualidade público/privado,
ideologia/clientelismo.

O diagnóstico básico de análises era o de uma sociedade civil fraca e que não se representava perante um Estado
hobbesiano que “cooptava” e “manipulava” elites e massas, praticamente vislumbrando a impossibilidade da liberal-
democracia no Brasil, inclusive e principalmente pelo artificialismo dos partidos (GOMES, 1996, p. 69).

> “convivendo com esta linguagem interpretativa muito disseminada e por isso muito difícil de ser localizada mais
especificamente, começaram a desenvolver estudos políticos que procuravam romper com seus postulados em pontos
centrais (1960/70) […] no que se poderia chamar ‘sociologia política’, […] Esses trabalhos iriam fundamentalmente
começar a questionar, através de pesquisas documentais de tipo survey, a afirmação ‘naturalizada’ de que a marca da
história política brasileira era uma espécie de relação patológica entre o público e o privado, materializada no poder do
Estado, na artificialidade dos partidos políticos e na irracionalidade dos eleitores/cidadãos” (GOMES, 1996, p. 69-70).

“Tais estudos começavam por assinalar que as lideranças ‘populistas’ do período possuíam bases sociais
diferenciadas e assumiam feições ideológicas diversificadas: sendo assim, era extremamente simplista
compreender sua ação política e também o comportamento eleitoral dos brasileiros como redutível a manobras
clientelísticas ou apelos demagógicos […] Ou seja, afirmava-se, nesta produção, a existência de uma relação de
representação política em que os eleitores (não as ‘massas’) aderiam às propostas políticas dos candidatos,
inclusive e até principalmente, às dos líderes ‘populistas’” (GOMES, 1996, p. 70).
> “Dois livros importantes, neste contexto, foram Brasil em perspectiva, organizado por Carlos Guilherme Motta (1968),
que, situando-se claramente no campo da história, trazia artigos sobre história do tempo presente e sobre história
política; e Estado e partidos políticos no Brasil, de Maria do Carmo Campello de Souza (1976), cientista política que
produziu um texto tipicamente interdisciplinar. A tese da autora, destacando os laços entre o sistema partidário dos pós-
45 e o período do Estado Novo, apontava para a necessidade de se historizar as análises sobre partidos, relativizando
as rupturas (inclusive com períodos ditatoriais) e valorizando os graus de institucionalização alcançados por estas
organizações no Brasil” (GOMES, 1996, p. 71).

“A questão da descontinuidade no tempo de nossas formações partidárias impunha-se à observação dos analistas,
forçando uma reflexão sobre as ‘dificuldades’ dos partidos políticos em se solidificarem como organizações e em se
comunicarem, criando fidelidades, com seus eleitores” (GOMES, 1996, p. 71).

> “A longa e diversificada tradição de estudos político-culturais que insiste no amorfismo da vida associativa em nosso
país, e na exclusiva e/ou dominante existência de laços sociais de natureza privada/pessoal/clientelística/fisiológica
(com tais deslocamentos embutidos), é a mesma que, descrendo dos partidos, encontra e propõe a alternativa e a
conveniência da organização sindical corporativa. Neste sentido, […] nossa tradição analítica não situa nunca a
possibilidade de uma escolha entre representação mais pertinente, et pour cause, mais eficiente no Brasil. Daí a
centralidade do tema do corporativismo e de seu vínculo umbilical com a questão sindical” (GOMES, 1996, p. 72).

“Assim, durante décadas de crítica à liberal-democracia – que pecaria por excesso durante a Primeira República, na
ótica dos intelectuais dos anos 1930 e 40, e por carência no período de 1945-64, segundo os analistas dos anos
1950 e 60 –, os partidos seriam ‘desvalorizados‘, e os sindicatos e outros agentes organizadores da sociedade
seriam considerados mais convenientes e desejáveis” (GOMES, 1996, p. 72).

> “os sindicatos, enquanto organizações representativas da classe trabalhadora, eram os detentores da possibilidade
de uma ação transformadora da realidade social, em distinção e em oposição às virtualidades dos partidos políticos.
Para os teóricos do corporativismo dos anos 1930, ideólogos do Estado Novo e do modelo sindical em parte até hoje
vigente, porque os verdadeiros interesses do povo manifestavam-se por meio de suas demandas profissionais,
canalizadas e reconhecidas legalmente pelo Estado, independentemente de procedimentos liberais/eleitorais, vistos
como espúrios. Para os teóricos de ‘esquerda’ dos anos 1950 e 60, porque os sindicatos eram, por definição, o lugar
das lideranças do proletariado, ator coletivo revolucionário por seu anticapitalismo e antiimperialismo” (GOMES, 1996,
p. 73).

“Ao lado desta literatura, apenas como registro, produziu-se toda uma série de textos de ensaios e memórias, de
autoria de militantes do movimento operário e sindical, que também tinham o propósito de explicar o grau de
consciência de classe dos trabalhadores. Neste caso, em geral, como seria de esperar, destacavam-se as virtudes
das lideranças envolvidas em lutas heróicas, mal conhecidas e interpretadas […] foi com um conjunto numeroso e
variado de textos, que retratava a classe trabalhadora e o movimento sindical tanto em negativo como em positivo,
que os estudos políticos tiveram que dialogar, quando começaram a ser mais sistematicamente produzidos a partir
dos anos 60.” (GOMES, 1996, p. 73).

> “Já são conhecidas e clássicas as análises que situam a produção realizada nos anos 1960 e início dos anos 70
(Viana, 1978 e 1984) e que distinguem basicamente duas vertentes interpretativas” (GOMES, 1996, p. 73-74):
o “A primeira, produzida mais em inícios dos anos 1960, procuraria as razões do comportamento político da
classe em determinantes estruturais associados ao processo de industrialização e à composição social da
classe trabalhadora. […] Nesta perspectiva, o que desarticulara o movimento sindical brasileiro a partir de
1930, e os tornara sensível aos apelos populistas, indicativos da heteronomia política dos trabalhadores, eram
fatores de natureza sociológica estrutural e não elementos de ordem político-cultural” (GOMES, 1996, 74).
o “A segunda vertente de análises, concentrada em fins da mesma década, não só realizava a constatação da
insuficiência de macrovariáveis de natureza sócio-econômica para explicar comportamentos políticos de
atores coletivos ou individuais, como postulava a necessidade de se buscar variáveis de natureza conjuntural
e política para fazê-lo” (GOMES, 1996, p. 74).

> “Toda esta produção, portanto, estava sendo realizada basicamente por sociólogos e cientistas políticos, movidos
pela questão do tempo presente, que era a de compreender como se esgotou a experiência liberal-democrática
inaugurada pela Constituição de 1946, associada ao epíteto de ‘populista’, por suas características de conservadorismo
e cooptação/manipulação das massas urbanas/trabalhadoras” (GOMES, 1996, p. 74).

> “A partir de meados da década de 1970, este quadro começou a mudar de forma significativa. De um lado, porque
sob os impactos da acelerada industrialização e da dura coerção política, impunha-se ã reflexão, e não por acaso
também dos cientistas políticos, um fenômeno sócio-político batizado como ‘novo sindicalismo’ […] assinalado pela
ascensão da liderança do sindicalista Luís Inácio (Lula) da Silva, […] As razões para tal emergência enraizavam-se nas
condições de desenvolvimento e colapso do ‘milagre econômico’ do pós-64, e o destino desta nova materialidade da
classe trabalhadora brasileira era resgatar o seu heroísmo, questionando o corporativismo sindical e lutando pela
democracia” (GOMES, 1996, p. 75).

> “Um conjunto de análises, contudo, também começou a se desenvolver desde fins dos anos 1970, como bem
assinalou Werneck Viana (1978). […] Alguns livros tiveram papel-chave por seu caráter pioneiro, tornando-se
referências necessárias para tudo o mais que se iria escrever ao longo dos anos 1980, inícios dos anos 1990. Entre
eles, cabe destacar, até mesmo por terem sido publicados no mesmo ano - 1976 - os textos do historiador Boris Fausto
e do cientista político Luís Werneck Viana. A eles se podem acrescentar, ainda em fins da década de 1970, as
contribuições de Lobo (1978), Maran, Stein, Pinheiro e Hall (todos de 1979) e, já nos anos 1980, Lopes (1976 e 1988),
Chalhoub (1986), Carvalho (1987) e Gomes (1988)” (GOMES, 1996, p. 75-76).

“Esta numerosa literatura iria rever e refinar uma ampla série de questões, iluminando aspectos como o das
condições de vida da classe trabalhadora; suas variadas formas de organização e orientação ideológica; o ‘lugar
político’ ocupado pela imigração e pelos imigrantes, e muitos outros” (GOMES, 1996, p. 76).

> “este esforço continua em curso nos anos 1990, havendo ainda muito a fazer. Mas há alguns pontos que poderiam
ser destacados por sua importância” (GOMES, 1996, p. 76):

o “Em primeiro lugar, a associação de estudos sobre sindicatos e partidos, em especial de trabalhadores,
revigorando as análises sobre o Partido Comunista Brasileiro (que se auto-extinguiu em 1989); sobre o
Partido dos Trabalhadores, e sobre o Partido Trabalhista Brasileiro, até 'aqui ‘desprezado’ como objeto de
estudo” (GOMES, 1996, p. 76).
o “Em segundo lugar, o próprio curso da longa transição pactada brasileira (1974-1985) e a elaboração da
Constituição de 1988 impuseram outras óticas sobre o tema do ‘novo’ sindicalismo. Neste sentido, seus
vínculos com o período do pré-64 e o apego a certos aspectos do corporativismo (como a unidade e o
‘imposto’ sindicais) têm sido mencionados, bem como questões complexas que afetam a montagem das
centrais sindicais, o desencadeamento de greves e as negociações coletivas com o Estado e o
empresariado (Rodrigues, L. M., 1988; Boito Jr. e Antunes, 1991)” (GOMES, 1996, p. 76).

> “tanto no que se refere aos estudos políticos sobre partidos quanto sobre sindicatos, os anos 1990 assinalam uma
postura teórica que recusa diagnósticos de fraqueza, heteronomia, desvio e inviabilidade. Partidos e sindicatos, como
sempre na história política do Brasil, são desafios analíticos que os acontecimentos do tempo presente continuarão a
impor aos cientistas sociais e, sem dúvida, e de forma profunda, também aos historiadores” (GOMES, 1996, p. 77).

> “Não seria possível, contudo, mapear o campo dos estudos políticos sem fazer uma menção, ainda que muito breve,
à revitalização dos trabalhos sobre o que em nossa tradição intelectual é chamado de ‘pensamento político e social
brasileiro’. De um lado, porque tal revitalização ocorreu impulsionada pelas mesmas razões teórico-metodológicas que
comandaram o ‘retorno’ do político e seu vínculo com o cultural” (GOMES, 1996, p. 77).

“A crítica a esta postura intelectual, dentro da academia, pode ser simbolicamente situada em dois trabalhos de
cientistas políticos (Lamounier, 1977, e Santos, 1967 e 1978) que não apenas historicizaram e classificaram o tipo
de análises realizadas até então, como trouxeram para a ordem do dia os estudos sobre o pensamento social e
político e, neles, sobre uma tradição política autoritária. […]A presença de autores como o antropólogo C. Geertz; os
‘sociólogos’ Bourdieu e Foucault; e os historiadores Le Goff, J. Revel, R. Chartier e R. Darnton, entre outros, nas
citações e nas interpretações que passaram a circular nesta literatura são testemunhos de sua variedade e vigor”
(GOMES, 1996, p. 78).

> “Foram, portanto, reconquistadas como temáticas de primeira linha as obras, trajetórias e contextos de produção
intelectual de pensadores como Tavares Bastos, Tobias Barreto, Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres,
Oliveira Viana, Azevedo Amaral, Alceu Amoroso Lima, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e outros. […]
Escolas e/ou estilos de pensamento têm sido estudados, bem como a trajetória de nossas elites político-intelectuais, em
abordagens mais francamente sociológicas, históricas ou literárias. Certos livros tiveram papel importante por
suscitarem debates e despertarem, por seu pioneirismo, o interesse do público acadêmico. Entre eles estão Barros
(1959), Mota (1977), Medeiros (1978), Miceli (1979) e Sevcenko (1983)” (GOMES, 1996, p. 78-79).

> “a forma como os cidadãos de um país experimentam a política – seus valores, seus medos, sua memória coletiva e
suas expectativas – pode dizer muito sobre a sociedade em que vivem e sobre o ‘lugar’ que nela têm ocupado os
intelectuais” (GOMES, 1996, p. 79).

GOMES, Angela M. de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005, pp. 17-34; 189-
236.

> “Este trabalho […] estrutura-se em torno de uma questão central, considerada de primeira ordem para o entendimento
do todo: por que no Brasil a vivência política transcorre, contraditoriamente, entre a ‘desconfiança’ nos políticos e o
culto carismático da imagem pessoal? Como se definem a cidadania e a experiência democrática? A resposta envolve a
relação simbiótica entre a ‘política’ e os ganhos de natureza social e os benefícios obtidos com a inauguração do direito
do trabalho no Brasil” (GOMES, Angela M. de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1994, p. 1).

Introdução

Quem é o operário?
É um homem honesto, laborioso e que
precisa sofrer o rigor da sorte para
sustentáculo de todas as classes sociais.
O que é operário?
É um cidadão que representa o papel mais
importante perante a sociologia humana.
O que deve ser operário?
Um homem respeitado, acatado, porque só ele
sofre para que os felizes gozem; deve ou não ser
tão bom cidadão como outro qualquer?
Tem ou não perante a lei natural ou escrita –
o direito e dever – de pugnar pelos direitos e defesa
das classes a que pertence?
É intuitivo que sim!
Echo Popular, 10 de abril de 1890

> “Este pequeno trecho de um artigo do jornal socialista Echo Popular traduz bem a questão que é o objeto deste
estudo e demarca o momento a partir do qual ela pode ser datada no Brasil” (GOMES, 2005, p. 17).

> “Se o trabalhador é o esteio da sociedade, mas não é reconhecido como tal pelas outras ‘classes sociais’, cumpre
lutar para que esta situação se transforme. Esta luta é uma luta política, pois se traduz na conquista do status de ‘bom
cidadão’, organizado e representado politicamente, já que cumpridor dos deveres e merecedor dos direitos ‘das classes
a que pertence’. […] Os fundamentos desta proposta de cidadania envolvem a construção de uma identidade social
positiva capaz de permitir aos trabalhadores se reconhecerem como classe distinta e solidária, lutando por seus direitos
perante as demais classes sociais. A maneira pela qual este processo histórico de constituição da classe trabalhadora
como ator político teve curso no Brasil é o que se deseja estudar neste trabalho” (GOMES, 2005, p. 17-18).

> “E. P. Thompson (1966), […] faz uma observação essencial à natureza de sua análise quando enfatiza que a
constituição de uma classe trabalhadora é tanto um fato de história econômica quanto um fato de história política e
cultural. W. Sewell (1981), […] afirma que, embora usualmente as explicações sobre o desenvolvimento de uma
consciência de classe entre trabalhadores atribuam um papel muito importante às relações de produção, a consciência
operária, no caso da França, se construiu muito mais segundo o ritmo da política do que do desenvolvimento
econômico do país” (GOMES, 2005, p. 18).

“Em ambos os casos, o ponto fundamental é a caracterização do processo de formação da classe trabalhadora
como um fenômeno histórico, e, mais ainda, como um fenômeno cujo compasso se liga essencialmente à história
política de cada país (Przeworski, 1977 e 1979)” (GOMES, 2005, p. 18).

> “Thompson considera que uma classe existe (acontece) quando um grupo de homens que compartilham experiências
comuns apreende estas vivências em termos políticos e culturais – ou seja, é capaz de materializá-las em tradições,
sistemas ele valores, ideias e formas institucionais. É no decorrer deste processo que se constrói uma identidade
coletiva ele interesses próprios a uma classe, distintos dos interesses de outras classes” (GOMES, 2005, 18).
> “O que fica claro nas duas análises é a força constitutiva ele um discurso capaz de ressignificar conceitos e tradições.
[…] Tal discurso lida com certos elementos básicos que demarcam o lugar do trabalhador no mundo da produção, na
sociedade em geral e diante ela política nacional em especial. Estes elementos envolvem toda uma ética do trabalho e
de valorização ela figura elo trabalhador, além ele situar a questão de suas formas ele organização profissional e
política. […] As práticas associativas são a forma de implementar um comportamento operário que abarca o trabalhador
dentro e fora de seu local de trabalho e que opera o sentimento de pertencimento que eleve marcar este ator coletivo.”
(GOMES, 2005, p. 19).

> “As análises de Thompson e Sewell […] constituem excelentes exemplos de como a construção de um ator coletivo –
a classe trabalhadora – foi tratada a partir de um enfoque teórico que privilegiou a presença de uma lógica simbólica.
Se ambos os autores ressaltam que a construção da identidade operária é também um fato de história econômica, que
tem a ver com a dinâmica da Revolução Industrial na Inglaterra e na França, são categóricos quando enfatizam que as
experiências materiais destes trabalhadores são apreendidas segundo modelos interpretativos que se vinculam a suas
próprias tradições políticas e culturais, bem como ao compasso da vida política de seus respectivos países” (GOMES,
2005, p. 21).

> “O trabalho de Claus Offe e Helmut Wiesenthal (1979), seguindo uma vertente mais teórica, é outro bom exemplo […]
Partindo de uma crítica ao livro de Olson, estes autores defendem a existência de duas lógicas de ação coletiva: uma
para a burguesia e outra para a classe trabalhadora. Existiria assim uma lógica da ação coletiva que procuraria superar
as dimensões individualista e utilitarista da organização de interesses olsoniana. A possibilidade de constituição da
classe trabalhadora como ator político adviria não da agregação de interesses materiais comuns, mas da superação
desta problemática” (GOMES, 2005, p. 21-22).

“O autorreconhecimento dos trabalhadores como coletividade só seria possível pela definição do que seriam os
seus interesses de classe, o que se realiza através de um discurso capaz de conformar uma identidade que supera
a presença dos interesses utilitários. Não se nega, portanto, a existência destes interesses, mas sim que eles
comandem a ação coletiva dos trabalhadores” (GOMES, 2005, p. 22).

> “Mas é Pizzorno (1976) […] quem traz uma importante contribuição. Para ele, que elaborou o conceito de identidade
coletiva, as ações que compõem um processo de formação de identidade podem comportar dois momentos. Em um
deles a lógica da ação coletiva só pode ser entendida quando se abandonam as questões do que pode ser ‘ganho’ ou
‘perda’ para os atores nela envolvidos. […] O fundamental, neste caso, são as ‘condutas expressivas’ que produzem
solidariedade. […] Em outro momento, quando a identidade coletiva é reconhecida, as ‘condutas instrumentais’ passam
a predominar e as reivindicações da ação tornam-se mais setoriais e baseadas em um cálculo de perdas e ganhos”
(GOMES, 2005, p. 22).

> “Fazendo uma leitura livre desses autores, é possível dizer que a formação de uma identidade coletiva consiste na
construção de um discurso capaz de produzir uma ‘área de igualdade’ substancial que nega as desigualdades em um
espaço definido e, dentro dele, enfatiza um conjunto de valores e tradições solidários, podendo inclusive se materializar
em formas institucionais diversas como leis, organizações etc” (GOMES, 2005, p. 22-23).

> “A literatura e a vida política brasileiras praticamente não deixam dúvidas sobre o sucesso da ‘ideologia trabalhista’. O
verdadeiro mito construído em torno da figura de seu criador – o presidente Getúlio Vargas – e a luta até hoje travada
pelo espólio do getulismo e do trabalhismo são evidências suficientes para a avaliação da profundidade e permanência
deste discurso político” (GOMES, 2005, p. 23).

“Contudo, se a bibliografia que trata do tema consagra a importância do trabalhismo e elo papel do Estado no
processo de construção da identidade política da classe trabalhadora no Brasil, a interpretação dominante é a que
vê este resultado como a quebra de um processo natural que vinha se desenrolando durante as décadas da
Primeira República, sob o comando dos próprios trabalhadores” (GOMES, 2005, p. 23-24).

> “vai-se retomar o processo histórico de construção da identidade coletiva da classe trabalhadora no Brasil para
compreender melhor as razões do sucesso do projeto trabalhista que marca a cultura política deste país até hoje. Isto
significa investigar: 1) quem foram seus principais artífices; 2) quando foi testado e implementado; 3) que recursos de
poder foram mobilizados pelo Estado; e 4) que elementos básicos este discurso trabalhista articulou” (GOMES, 2005, p.
24).

“Seguir esta linha de análise é postular que o pacto entre Estado e classe trabalhadora no Brasil não pode ser
entendido apenas segundo um cálculo utilitário de custos e benefícios. Ou seja, as interpretações que assinalam a
importância da legislação do trabalho, em sentido amplo, para explicar a adesão da classe trabalhadora ao projeto
trabalhista, estão corretas, mas são insuficientes” (GOMES, 2005, p. 24).

> “A hipótese deste trabalho é que o sucesso do projeto político estatal – do ‘trabalhismo’ – pode ser explicado pelo fato
de ter tomado do discurso articulado pelas lideranças da classe trabalhadora, durante a Primeira República, elementos-
chave de sua autoimagem e de os ter investido de novo significado em outro contexto discursivo […] Como foi visto, o
processo de constituição ela classe trabalhadora em ator coletivo é um fenômeno político-cultural capaz de articular
valores, ideias, tradições e modelos de organização através ele um discurso em que o trabalhador é ao mesmo tempo
sujeito e objeto” (GOMES, 2005, p. 24).

> “A classe trabalhadora, por conseguinte, não está sendo entendida como uma totalidade harmônica, um sujeito
unívoco em busca de uma identidade. Ela é tratada através elo conjunto diferenciado de propostas que lutam e
competem pelo monopólio ‘ela palavra operária’. A multiplicidade das versões sobre o passado, presente e futuro desta
classe trabalhadora toma o que ‘efetivamente se passou’ num aspecto secundário para a análise. O primordial aqui é
sempre a proposta dos atores envolvidos no processo e – o que nos remete ele forma inevitável ao que ‘efetivamente
se passou’ – seu esforço e capacidade para transformar suas versões em ‘fatos reais’. (Lamounier, 1980)” (GOMES,
2005, p. 25).

> “É necessário e conveniente agora voltar ao artigo do Echo Popular. Lá está, em síntese, o fundamental dos
elementos-chave rearticulados pelo discurso trabalhista no pós-30: uma ética de trabalho; a figura do trabalhador como
homem honesto e sofredor; a centralidade ele seu papel econômico na criação elas riquezas do país; sua importância
na sociedade em geral, e, por fim, a naturalidade de sua cidadania” (GOMES, 2005, p. 25).

> “O processo de constituição ela classe trabalhadora no Brasil como ator político vai ser tratado como um processo
que tem como que dois movimentos principais” (GOMES, 2005, p. 25):

o “O primeiro deles é lento e toma as décadas da Primeira República, pontilhadas ele propostas políticas e de
grandes e pequenas lutas comandadas pelos próprios trabalhadores. A ‘palavra’ deste período está com
lideranças vinculadas à classe trabalhadora (intelectuais ou não), que indiscutivelmente assumem a
construção ele propostas sobre sua identidade” (GOMES, 2005, p. 25).
o “O segundo dos movimentos mencionados é bem mais rápido e, embora possa ser, grosso modo, datado do
pós-30, tem como ponto ele inflexão os anos que vão ele 1942 a 1945, já no final do Estado Novo. Neste
período, a ‘palavra’ não está com os trabalhadores e sim com o Estado. Não se trata mais da postulação de
diversas propostas de identidade da classe trabalhadora que competem em um espaço político, enfrentando
reações poderosas de outras classes sociais” (GOMES, 2005, p. 26).

> “Desde fins do século XIX – mesmo antes da abolição da escravatura – o tema do trabalho e de trabalhadores livres e
educados no ‘culto ao trabalho’ se impôs ao país. Entendia-se claramente que era preciso criar novos valores e
medidas que obrigassem os indivíduos ao trabalho, quer fossem ex-escravos, quer fossem imigrantes. A preocupação
com o ócio e a desordem era muito grande, e ‘educar’ um indivíduo pobre era principalmente criar nele o ‘hábito’ do
trabalho” (GOMES, 2005, p. 26).

> “O ponto fundamental, porém, para o qual é necessário atentar é o da dinâmica ele construção deste projeto de
identidade operária desenvolvido pelo Estado. De um lado, este discurso apaga a memória da ‘palavra’ dos
trabalhadores, arduamente estruturada na Primeira República. Tudo, literalmente tudo o que se ‘fala’ neste discurso,
ignora o passado da classe trabalhadora. Esse passado sequer é retomado para receber críticas. Ele não é
mencionado, e, portanto, não existe” (GOMES, 2005, p. 27).

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