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Daniela Auad
Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais –Brasil
auad.daniela@gmail.com
Resumo
O artigo apresenta argumentos para a discussão de uma pesquisa realizada em Escola
Pública, evidenciando as identidades produzidas e reveladas pela rica mistura das
especificidades das categorias sociais no âmbito das aulas de Educação Física. Nessas,
assim como em outras situações escolares, as diferenças hierarquizadas estão
intrinsecamente relacionadas aos conflitos raciais e ao modo como as/os professores
lidam, usualmente de modo desigual, com alunos e alunas. As formas como os/as
docentes separam ou misturam meninas e meninos e como sistematizam e escolhem
temas e conteúdos revelam a importância do debate tanto da heteronormatividade
quanto da exaltação de determinada raça/etnia em detrimento de outras. Assim, ao
pensar, como pano de fundo, no ardente culto aos privilégios heterossexuais e na
negação da negritude, o texto propõe reflexões que abordam tanto gênero quanto
raça como categorias que estão intrinsecamente relacionadas e que se tornam
emergentes nas políticas educacionais e nas práticas pedagógicas, a partir de
imbricado feixe de categorias sociais.
Palavras-chave: Educação Física Escolar. Política educacional. Relações de gênero.
Relações raciais.
Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.45/ p. 57-75/ Jan-Abr. 2014.
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Resumen
El artículo presenta argumentos para la discusión de una investigación realizada en
Escuela Pública, evidenciando las identidades producidas y reveladas por la rica mezcla
de las especificaciones de las categorías sociales en el ámbito de las clases de
Educación Física. En estas, así como en otras situaciones escolares, las diferencias
jerarquizadas están intrínsecamente relacionadas a los conflictos raciales y al modo
como los/las profesores lidian, usualmente de modo desigual, con alumnos y alumnas.
Las formas como los/las docentes separan o mezclan niñas y niños y como
sistematizan y escogen temas y contenidos revelan la importancia del debate tanto de
la heteronormatividad, como de la exaltación de determinada raza/etnia en
detrimento de otras. De este modo, al pensar, como paño de fondo, en el ardiente
cultura a los privilegios heterosexuales y en la negación de la negritud, el texto
propone reflexiones que abordan tanto género como raza como categorías que están
intrínsecamente relacionadas y que se vuelven emergentes en las políticas
educacionales y en las prácticas pedagógicas, a partir de un imbricado conjunto de
categorías sociales.
Palabras clave: Educación Física Escolar, Política educacional. Relaciones de género.
Relaciones raciales.
[...] falta ainda estimular debates mais ampliados na escola sobre perspectivas de
políticas e programas pedagógicos em relação às crianças e aos jovens,
considerando sua diversidade e as desigualdades, segundo raça, gênero, classe e
outras demarcações sociais. Cabe também refletir sobre como a escola lida e se
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A palavra alquimia é adotada no presente texto, inicialmente, por força da citação do texto de Mary
Castro, intitulado Alquimia das categorias sociais na produção dos sujeitos políticos (1992). Tal adoção é
potencializada e fundamentada pela ideia de mistura de elementos que, ao ocorrer, transforma cada
um deles, de modo a torná-los diferentes do que eram originalmente, antes de se terem misturado.
Para mais referências sobre esse entendimento do termo alquimia, sobre a definição de mistura e sobre
o conceito de “mixité”, pesquisar em Zaidman (1996, 2002), Hirata (2000), Auad (2004, 2006).
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cada sociedade. Em outras palavras, o gênero faz com que percebamos o sexo
biológico, pois as características e diferenças anatômicas são enxergadas e valorizadas
do modo como são, e não de outro modo, graças à existência das relações de gênero
socialmente construídas. Repetidamente praticadas, contadas e recontadas, essas
relações vão ganhando a feição de “naturais”. Tais características são construídas
historicamente, devido ao modo como as relações de poder entre alguns pares foram
e vão se engendrando socialmente (AUAD, 2006).
Negritude e branquitude, juventude e velhice, riqueza e pobreza,
heterossexualidade e homossexualidade são pares comumente utilizados para revelar,
produzir e para analisar os fenômenos sociais, ao lado dos e em conjunto com os
arranjos de gênero também polarizados entre masculino e feminino. Relacionado a
essas combinações, um vasto conjunto de ideias e representações cria percepções
binárias e naturalizadas, as quais serão utilizadas para “organizar” os sujeitos de modo
a reforçar diferenças hierarquizadas, em uma desigual escala de valores. Essas
dinâmicas e processos tornam as mulheres sujeitas a vulnerabilidades específicas, as
quais correspondem a um conjunto de fatores cuja interação amplia ou reduz o risco
ou a proteção de uma pessoa ou de uma população em relação a uma determinada
doença, condição ou dano. Assim, ser menina adolescente, negra, homossexual e
moradora da periferia é um exemplo de como as vulnerabilidades podem se somar e
representar obstáculos ao pleno desenvolvimento de um grupo populacional,
causando, em última análise, e em longo prazo, um dano imenso à construção de uma
sociedade que se pretende igualitária e democrática.
Na mesma perspectiva de análise desse fenômeno, atualmente é possível
perceber um grande movimento voltado à eliminação das mais diversas
hierarquizações sociais presentes em nossa sociedade. No Brasil, o colonialismo foi um
período responsável pela criação de profundas desigualdades raciais; na sequência, as
teorias racialistas acabaram por justificar as ações colonialistas, que ainda estão
presentes nas relações sociais, mesmo que de forma velada. Após a Segunda Guerra,
muitos movimentos institucionais, como o da UNESCO, que resultou na reescrita da
História da África, se debruçaram sobre essa temática e se organizaram tendo como
principal objetivo a eliminação das profundas desigualdades raciais existentes em
nossa sociedade.
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O trabalho citado pode ser encontrado nos anais do XI Congresso Luso-Afro Brasileiro de Ciências
Sociais, realizado no ano de 2011, disponível no site http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br
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Segundo Cavalleiro (2000), o racismo é produto de uma construção histórica, iniciada no século XIX, a
partir das teorias evolucionistas, que foram responsáveis por influenciar diversas áreas do
conhecimento, como a Biologia e as Ciências Sociais. O racismo é uma ideologia que opera por meio de
relações de poder e é responsável pela dominação de um grupo sobre o outro, a partir da atribuição de
características negativas ao grupo considerado inferior.
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Por que ainda presenciamos situações de racismo na sociedade? Por que apesar
de todas as atrocidades que as teorias racialistas já promoveram para a
humanidade, ainda são presentes e ressignificadas? Qual o papel do profissional
de Educação Física sobre esse fato? Está sendo oferecido o conhecimento sobre
cultura africana e afro-brasileira nas escolas básicas brasileiras? O currículo de
Educação Física escolar atende as diretrizes da Lei 10.639/03? (JESUS, 2008, p.
172).
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Durante a maioria das aulas observadas, não foi possível perceber o tratamento
da Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Educação Física, documento
responsável por nortear as ações docentes. Com exceção de um professor que
trabalhou o Atletismo, os outros utilizaram os conteúdos sugeridos pelo
documento apenas como uma forma de solicitar trabalhos e pesquisas. (CORSINO,
2011, p. 130).
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[...] a Educação Física trata da cultura relacionada aos aspectos corporais, que se
expressa de diversas formas, dentre as quais os jogos, a ginástica, as danças e
atividades rítmicas, as lutas e os esportes. Essa variabilidade dos fenômenos
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Marta Vieira da Silva é jogadora de futebol de destaque internacional, com atuação vitoriosa em clubes
do Brasil, Europa e Estados Unidos, atualmente é atleta do Tyresö FF, da Suécia. Marta possui
premiações internacionais, com destaque para o prêmio de melhor jogadora do mundo nos anos de
2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, em evento organizado pela Fédération Internationale de Football
Association (FIFA).
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Referências
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Enviado em Julho/2013
Aprovado em Outubro/2013
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