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XII Curso de Atualização em

Pediatria de Londrina -
Módulo 03

Febre de origem indeterminada e


síndromes febris periódicas

Tony Tannous Tahan


Coordenador do Serviço de Infectologia Pediátrica
do Departamento de Pediatria HC-UFPR
FOI e síndromes febris periódicas

Introdução

• Febre é uma das principais queixas no pronto-atendimento


pediátrico

• Febre: elevação da temperatura corpórea para um valor


acima da variação normal de temperatura
– Temperatura axilar > 37,8ºC (muito variável na literatura)
FOI e síndromes febris periódicas

Introdução

• Febre de origem intederminada (FOI): temperatura axilar


maior do que 37,8ºC em pelo menos 2 ocasiões, pelo
tempo mínimo de três semanas, em pacientes a princípio
não imunocomprometidos, sem diagnóstico firmado após
avaliação inicial detalhada

– Febre sem foco: febre com duração inferior a uma semana,


sem causa definida após investigação inicial adequada

Mulders-Manders et al. Clin Med 2015;15(3):280-4


FOI e síndromes febris periódicas

Introdução

• Febre de origem intederminada (FOI): temperatura axilar


maior do que 37,8ºC *em pelo menos 2 ocasiões, pelo
tempo mínimo de três semanas, em pacientes a princípio
imunocompetentes, sem diagnóstico firmado após
avaliação inicial detalhada
* Na definição original, em 1961, constava 38,3oC de temperatura oral (equivalentes)

– Febre sem foco: febre com duração inferior a uma semana,


sem causa definida após investigação inicial adequada

Mulders-Manders et al. Clin Med 2015;15(3):280-4


FOI e síndromes febris periódicas

Introdução
• Houve febre de fato?
• Como foi feita a aferição?
• Alguém além do cuidador verificou a temperatura?

Duração da febre/idade de início


Resposta a anti-térmicos e AINES
Sintomas precedentes ou associados
Intolerância ao calor? Sudorese? Anidrose?
PONTOS IMPORTANTES Viagem/exposição/procedimento recente?
Etnia/história familiar/background genético
Status nutricional/DPE/DNPM
Fáscies típica/anormalidades anatômicas
Estigmas de atopia
Padrão da febre
Pasic S, Minic A, Djuric P, et al. Acta Paediatr 2006;95:463.
Etiologias da febre sem foco
Principal causa (80%):
 Doenças virais e auto-limitadas
 Fase prodrômica de doenças em geral benignas

Identificar doenças bacterianas (20%):


 Infecção do trato urinário
 Bacteremia oculta
 Pneumonia, otite
 Meningite, artrite, osteomielite

Brook, 2003 ; Gilio,2009


Febre – Causas Virais
Vírus Respiratórios
 Influenza, Parainfluenza, Adenovírus, Vírus Sincicial Respiratório

Enterovírus - Echovirus, Coxsackie

HerpesVírus ( 1,2, 3, 4 (EBV), 5 (CMV), 6)

Flavivírus
 Dengue, Febre amarela

Outros
Etiologias Bacterianas

Diminuição de doenças bacteriana nas FSSL


 Pós introdução de vacinas anti-pneumocócicas e anti-
meningococicas e HiB

S. pneumoniae
Escherichia coli
Haemophilus influenzae
Staphylococcus aureus
Neisseria meningitides
Salmonella sp, Listeria sp
Streptococcus grupo B (neonatologia) Baraff, 2008
Investigação
de Febre sem Foco
Hemograma – leucocitose / bastonetose / granulação
Fita urinária / Parcial de Urina / Urocultura
Radiografia de Tórax
Punção Liquórica

Culturas

Provas de fase aguda


 VHS
 Proteína C Reativa
 Procalcitonina - mais sensível para doença bacteriana
Gomez B. Pediatrics. 2012 Nov;130(5):815-22
Luaces-Cubells C. Pediatr Infect Dis J. 2012 Jun;31(6):645-
Fluxo de Febre sem Foco
Sem Toxemia
0 – 1 mês internar todas

1 – 3 meses investigar
Rochester todas

3 – 36 meses investigar
Baraff
o
se temperatura maior que 39

> 36 meses expectante


FOI e síndromes febris periódicas

FOI

• Padrões de febre prolongada

Vírus
REMITENTE
Linfoma
Febre tifóide Malária
Endocardite
Tifo
SUSTENTADA RECIDIVANTE
Borreliose
Brucelose Linfoma

Bactérias Disfunção SNC


Tuberculose Imunodeficiências
INTERMITENTE
Linfoma FEBRE RECORRENTE
Metabólicas
AIJ* Autoinflamatórias

*Artrite idiopática juvenil


FOI e síndromes febris periódicas

Introdução

Infecções Doenças auto


auto--
Neoplasias
imunes

Síndromes
Distúrbios
febris Imunodeficiências
metabólicos
periódicas

Disúrbios do Anormalidades
Drogas
SNC anatômicas

Pasic S, Minic A, Djuric P, et al. Acta Paediatr 2006;95:463. 



SÍNDROMES SÍNDROMES
FEBRE DE ORIGEM
FEBRIS AUTO-
INDETERMINADA
PERIÓDICAS INFLAMATÓRIAS
FOI e síndromes febris periódicas

Caso clínico

• WSS, masculino, 14 anos

• Quadros recorrentes de febre desde os 8 anos, que


duram de 1 a 3 dias, de periodicidade irregular

Exantema erisipela-like
Poliartrite
• Sintomas associados
Dor abdominal + peritonite
Dor torácica

Todos os sintomas com resolução espontânea

Caso acompanhado no ambulatório de reumatologia pediátrica do IPPMG da UFRJ


FOI e síndromes febris periódicas

Caso clínico

LABORATÓRIO (ALTERAÇÕES) SOROLOGIAS Negativas


VHS elevado INFECÇÃO
HEMOCULTURA Negativa
INFLAMAÇÃO
PCR elevado
Leucocitose
Plaquetose DOENÇAS AUTO-IMUNES
AUTO-ANTICORPOS Negativos

SEROSITE
ECOCARDIOGRAMA Pericardite

LAPAROTOMIA BRANCA
DOENÇA INTRA-ABDOMINAL

Caso acompanhado no ambulatório de reumatologia pediátrica do IPPMG da UFRJ


FOI e síndromes febris periódicas

Na prática...
Diferentes
médicos no
PA

Especialistas
Pediatra geral
pediátricos

FOI
Febre sem foco
Sorologias
Hemograma Culturas
PCR/VHS LDH
PU/URC Auto-anticorpos
Rx tórax Ig, complemento
LCR? Painel linfocítico
Eco, TC, RNM
FOI e síndromes febris periódicas

Na realidade...
FOI e síndromes febris periódicas

Diagnóstico diferencial

INFECÇÕES Doenças auto


auto--
Neoplasias
imunes

Distúrbios Síndromes
febris Imunodeficiências
metabólicos
periódicas

Disúrbios do Anormalidades
Drogas
SNC anatômicas

Pasic S, Minic A, Djuric P, et al. Acta Paediatr 2006;95:463. 



FOI e síndromes febris periódicas

Diagnóstico diferencial

Necessidade
Maior conhecimento
de diagnóstico
das doenças? “palpável"?

Síndromes
Melhores recursos? febris Novas drogas?
periódicas

Avanços e maior
acessibilidade em
genética?

Pasic S, Minic A, Djuric P, et al. Acta Paediatr 2006;95:463. 



FOI e síndromes febris periódicas

Definição

• Grupo de doenças hereditárias da imunidade inata

• Episódios de inflamação recorrentes não provocados

• Acometimento de múltiplos órgãos e sistemas

• Amiloidose AA: complicação tardia temida

Glomérulo
(síndrome
nefrótica)

Cantarini et al. Frontiers in immunology 2013;(4)96


FOI e síndromes febris periódicas

Suspeita clínica

• Características clínicas:

• Flares inflamatórios multissistêmicos

• Período intercrítico assintomático + normalização de


provas inflamatórias (maioria)

• Ausência de patógenos, de clones de linfócitos


autorreativos e de autoanticorpos

Jesus, et al. Annu Rev Immunol, 2015;33:823-74


FOI e síndromes febris periódicas

Suspeita clínica
Sinovites
• Combinação de: Serosites
Mialgia VHS
Rash cutâneoPCR
• Dados clínicos Conjuntivite/uveíte
SAA
Corticóides
Complemento
AINES
• Reagentes de fase aguda Imunossupressores

• Resposta clínica a determinadas drogas


MEFV
TNFRSF1A
• Identificação de mutações genéticas específicas MKV
NLRP3
• Crescimento e desenvolvimento geralmente inalterados

Jesus, et al. Annu Rev Immunol, 2015;33:823-74


FOI e síndromes febris periódicas

Tipos de imunidade

Resposta imune inata Resposta imune adaptativa


• Mediada por células fagocíticas e • Mediada por linfócitos e outras de
outras de linhagem mielóide linhagem linfóide
• Rápido início de ação • Lento início de ação
• Usa receptores padrão de • Usa receptores de antígenos/
reconhecimento anticorpos muito específicos

Delves PJ, Roitt I. N Engl J Med. 2000;343:37-49.Parkin J, Cohen B. Lancet. 2001;357:1777-1789.


FOI e síndromes febris periódicas

Auto--inflamação x auto
Auto auto--imunidade

DOENÇAS AUTO-INFLAMATÓRIAS DOENÇAS AUTO-IMUNES

Tipo de
Inata Adaptativa
imunidade

Hiperativação da imunidade Falha na distinção do


Defeito
inata na ausência de antígenos próprio/não próprio

Auto-anticorpos Ausente Presente

Linfócitos T auto-
Ausente Presente
reativos
FOI e síndromes febris periódicas

Síndromes febris periódicas

• Herança poligênica multifatorial: Síndrome de febre


periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA)

• Herança monogênica familiar:

 Febre familiar do Mediterrâneo (FMF)

 Síndrome periódica associada ao receptor do fator de


necrose tumoral (TRAPS)

 Deficiência de mevalonato quinase (MKD)

 Síndrome periódica associada à criopirina (CAPS)

Rigante, et al. Autoimmunity Rev, 2014;13(2014):892-900 e Jesus, et al. Annu Rev Immunol, 2015;33:823-74
Periodic
Fever
Aphtous stomatitis
Pharyngitis
Adenitis
FOI e síndromes febris periódicas

PFAPA

• Doença auto-inflamatória mais comum da infância

• Mutações desconhecidas

• Diagnóstico clínico de exclusão

• Início antes dos 5 anos

• Resolução espontânea até 10-12 anos

Terreri MTRA, Bernardo WM, Len CA et al. Diretrizes de conduta e tratamento de síndromes febris periódicas:
síndrome de febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite. Rev Bras Reumatol 2016;56(1):52.
FOI e síndromes febris periódicas

PFAPA
Mais de 3 picos febris
• Critérios diagnósticos: com duração de 2-8
dias e recorrência de 2-
12 semanas.
1. Episódios de febre regularmente recorrente de início
precoce (< 5 anos)
2. Sintomas constitucionais na ausência de infecção do
trato respiratório superior associados a pelo menos um
dos seguintes:
a. Estomatite aftosa Neutropenia
b. Faringite EXSUDATIVA OU NÃO imediatamente antes
c. Linfadenite cervical MÓVEL E INDOLORou durante os surtos
3. Exclusão de neutropenia cíclica
4. Período intercrise assintomático
5. Crescimento e desenvolvimento normais

Hernández-Bou S et al. Allergologia e Immunopathologia 2003; 13(4):238


FOI e síndromes febris periódicas

PFAPA

• Afastam PFAPA

• Tosse • Rash

• Coriza • Sintomas
neuromusculares
• Artrite
• Provas inflamatórias
persistentemente
• Dor abdominal
elevadas
importante

• Resposta pobre ao
• Diarréia
corticóide

Adachi M, Watanabe A, Nishiyama A, et al. J Pediatr 2011;158:155.


FOI e síndromes febris periódicas

PFAPA

Fotos do ambulatório de reumatologia pediátrica da UFRJ (cedidas pelo dr. Flávio Sztajnbok)
FOI e síndromes febris periódicas

PFAPA
• Laboratório: inespecífico Leucocitose
VHS e PCR
Plaquetose discreta
Normal no período intercrise

• Tratamento:

• Crise: corticóide (resposta drástica)

• Cimetidina? Colchicina?

• Estudos experimentais com drogas anti-IL-1

• Amigdalectomia

Adachi M, Watanabe A, Nishiyama A, et al. J Pediatr 2011;158:155. 



FOI e síndromes febris periódicas

Gengivoestomatite

• Infecção comum na infância

• Autolimitada na grande maioria

• Agentes:

• Herpes, Cocksakie, Candida, Infecção bacteriana secundária

• Tratamento : aciclovir em casos mais intensos, VO ou EV

• Métodos alternativos
Familiar
Mediterranean
Fever
FOI e síndromes febris periódicas

FMF
• Herança autossômica recessiva: MEFV 16p13.3

• Proteína codificada: pirina

• Até 10 anos de idade, 60% terão sintomas; até 20 anos, 90%

• Ascendência mediterrânea

• Geralmente assintomáticos no período intercrise

• Gatilhos: infecção viral, atividade física intensa, extremos de


temperatura, menstruação

Kucuk A, Gezer IA, Ucar R, Karahan AY. Acta Medica (Hradec Kralove) 2014;57:97.
FOI e síndromes febris periódicas

FMF

• Diagnóstico clínico
1 a 3 dias
Resolução espontânea
• Febre
Periodicidade irregular

• Serosite: MANIFESTAÇÃO CLÍNICA DOMINANTE =


PERITONITE

• Artralgia/artrite

• Lesões cutâneas erisipela-like PRINCIPALMENTE EM TORNOZELO

• Pode haver edema escrotal em pré-escolares

• Amiloidose AA em casos não tratados, refratários ou com


baixa adesão

Cabral M, Conde M, Brito MJ. Acta Reumatol Port 2011;36:69.


FOI e síndromes febris periódicas

FMF
• Laboratório: inespecífico PCR e VHS
Proteína amilóide A (SSA)
Fibrinogênio
Haptoglobulina
C3 e C4 (complemento)
• Tratamento:

• Colchicina gravidade e frequência das crises


Previne amiloidose secundária

• Experimentais: anti-IL-1 e anti-TNF

Kucuk A, Gezer IA, Ucar R, Karahan AY. Acta Medica (Hradec Kralove) 2014;57:97.
Outras síndromes febris periódicas:

TRAPS

MKD

CAPS
FOI e síndromes febris periódicas

CAPS

• 3 tipos: FCAS (Sd. auto-inflamatória familiar associada ao frio)

MWS (Sd. Muckle-Wells)

CINCA/NOMID Sd. Neurológica cutânea e articular crônica infantil/


Doença inflamatória multissistêmica de início neonatal

• Herança autossômica dominante: NLRP3 1q44

• Proteína codificada: criopirina

• Manifestações gerais: lesões urticariformes + acometimento ocular

Cuisset L et al. Ann Rheum Dis 2011;70:495.


FOI e síndromes febris periódicas

CAPS
• FCAS:

www.nomidalliance.org
FOI e síndromes febris periódicas

CAPS

• MWS:

www.nomidalliance.org
FOI e síndromes febris periódicas

CAPS

• CINCA/NOMID:

• Fenótipo grave da CAPS

• Início: Período neonatal

• Grave retardo do crescimento

• Risco de amiloidose: < 2% (poucos sobrevivem)

Cuisset L et al. Ann Rheum Dis 2011;70:495. www.nomidalliance.org


FOI e síndromes febris periódicas

CAPS

• CINCA/NOMID:

Fotos do ambulatório de Reumatologia da UFRJ cedidas pelo dr. Flávio Sztajnbok.


FOI e síndromes febris periódicas

Caso clínico

• WSS, masculino, 14 anos

Febre recorrente + dor abdominal + pericardite + inflamação sistêmica +


• Quadros recorrentes de febre desde os 8 anos, que
lesão cutânea erisipela-like + sintomas articulares + ausência de
duram deinfecção
1 a 3 dias, sem periodicidade
ou neoplasia ou auto-anticorposregular

Todos os sintomas recorrentes e de resolução espontânea


Exantema erisipela-like
FEBRE
• Sintomas FAMILIAR
associados DOPoliartrite
MEDITERRÂNEO
Dor abdominal + peritonite
Dor torácica

Caso acompanhado no ambulatório de reumatologia pediátrica do IPPMG da UFRJ


FOI e síndromes febris periódicas

Considerações finais

• A investigação da febre de origem indeterminada pode

trazer grande angústia tanto para os familiares do paciente

quanto para o médico assistente

• É importante buscar conhecer todos os diagnósticos

diferenciais possíveis, para melhor condução do paciente


FOI e síndromes febris periódicas

Considerações finais

• O pediatra geral deve saber suspeitar das síndromes

auto-inflamatórias para encaminhamento precoce ao

especialista para tratamento oportuno e prevenção de

amiloidose secundária

• Único medicamento anti-IL-1 disponível no Brasil é o

canaquinumabe; o melhor reconhecimento dessas

doenças aumenta o número de diagnósticos e pode

estimular a entrada de novas drogas no país


FOI e síndromes febris periódicas

Considerações finais

• As síndromes febris períodicas podem ser, inicialmente,

indistinguíveis. O tratamento, felizmente, é semelhante para a

maioria delas

• Apesar de o diagnóstico ser clínico, apenas os testes

genéticos são capazes de especificar qual é a síndrome de

febre periódica em questão


Kayla

OBRIGADO!
Agradecimento:
Dra. Gabriela Balbi e Dr. Flavio Stajbok

www.nomidalliance.org

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