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Um olhar sobre o ensino de Filosofia / Org.

Altair Alberto Fávero, Jaime José Rauber, Walter


Omar Kohan. Ijuí. UNIIJUÍ, 2002. Págs. 285-296.

O ENSINO DE FILOSOFIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES1

Com a aprovação da Lei de diretrizes e Bases da Educação Brasileira, lei 9394/96, em


20 de dezembro de 1996, passou-se a considerar como importantes para a formação do cidadão
a presença dos conhecimentos filosóficos, sem, no entanto, colocar esses conhecimentos com
o status de disciplina obrigatória2. Isso nos leva a uma inquietação inicial: como ter domínio
dos conhecimentos filosóficos sem condições para isso?
A orientação era que os conteúdos filosóficos fossem diluídos dentro da carga horária
das demais disciplinas. Dessa forma, os professores de Português, Matemática, Química, etc,
iriam se encarregar da tarefa interdisciplinar via conteúdos transversais.
Sobre essa proposta, os professores de Filosofia se opõem. Para eles, o caráter
interdisciplinar da disciplina não retira da mesma a sua especificidade. De acordo com o
professor Humberto Aparecido de Oliveira Guido, da Universidade Federal de Uberlândia

É inadmissível que a Filosofia seja vista como elemento de articulação do


currículo escolar (...) Os conteúdos filosóficos certamente estão presentes em disciplinas ,
tais como: matemática, gramática, história e física, porém, é a filosofia enquanto disciplina
que desvela a presença do todo”. (2000. P.86.)

A Filosofia se coloca dessa forma como uma disciplina fundamental e indispensável


para todas as pessoas que se encontram em um processo de inserção no mundo da cultura
contemporânea pois promove de forma diferenciada o pensar crítico, reflexivo e criativo, tão
necessários ao exercício da cidadania – este último objetivo maior da LDB.
Acreditam ainda os professores de Filosofia que essa área do conhecimento é aquela
que maior capacidade de interdisciplinaridade possui. Ou seja, se a Filosofia é a disciplina que
tem maior capacidade de questionar os saberes compartimentados das ciências, parece aos
professores de Filosofia que coloca esse conhecimento como aquele que deve ser tematizado
pelas ciências particulares é por o carro na frente dos bois. É a Filosofia que tem propriedade
para discutir as ciências e não o contrário.
Outra observação pertinente é o crescente interesse das escolas (sobretudo as escolas
particulares) de incluir os estudos de Filosofia no ensino fundamental, o que conduz, na visão
do autor, a uma crescente preocupação dos licenciados de Filosofia com as temáticas que tratam
das discussões acerca do ensino de Filosofia.
Dentro da problemática do ensino de Filosofia, alguns professores defendem o ensino
da cultura filosófica que parta da análise dos textos originais dos filósofos nas aulas de
Filosofia. Partindo de um tema específico, escolhe-se um texto de um dos pensadores da história
da Filosofia para que, à luz da Filosofia se alcance possíveis respostas para as questões
levantadas. Consideram ainda fundamental a discussão de conceitos e conteúdos oriundos da
história da Filosofia. Outros, no entanto, defendem o ensino de Filosofia a partir das questões
e necessidades específicas dos discentes. Deveria então o professor de Filosofia, dentro de uma
visão de ensino que considere a Filosofia como uma disciplina especifica para a formação da

1
Ester Maria Dreher Heuser.
2
A Filosofia é tornada disciplina obrigatória em todas as séries do ensino médio brasileiro com a alteração do
artigo 36 da LDB através da Lei nº 11.684/2008. Em 2017, através de uma nova reforma do ensino médio, a
Filosofia perde seu status de disciplina, retomando a condição análoga anterior a lei supracitada.
No estado do Piauí, existe uma lei estadual - Lei 5.253, de 15/07/2002, de autoria da então deputada Francisca
Trindade, do Partido dos Trabalhadores, que determina a obrigatoriedade de Filosofia em todas as séries do
ensino médio público e privado.
postura filosófica, trabalhar com base nas experiências de questões que fazem sentido nas vidas
dos alunos. O diálogo é pressuposto fundamental desta proposta que visa a formação do senso
crítico, questionador.
Lipman, que inovou ao propor uma Filosofia voltada para a formação de crianças,
defendendo programas e materiais apropriados para professores e alunos dessa faixa etária. Para
ele, os professores que abraçam a sua proposta devem, além de sólida formação nos conteúdos
filosóficos, estar dispostos para examinar ideias e comprometer-se com a investigação
dialógico - respeitando as crianças que estão sendo ensinadas. Essa metodologia deveria ser
estendida para os demais níveis de ensino de Filosofia via transformação da sala de aula em
uma comunidade de investigação filosófica.
Diante dessas formas de encarar a transmissão filosófica, o consenso que parece haver
diz respeito a uma maior preocupação com a formação dos professores de Filosofia, o que
implica em repensar os cursos de licenciatura e as práticas neles desenvolvidas. Assim, uma
maior atenção às disciplinas didatico-pedagógicas, evitando que essa discussão fique apenas no
espaço dos departamentos de educação. Referindo-se a formação de professores a portaria do
MEC diz que merecerá especial atenção as condições sob as quais o licenciado de Filosofia
será formado, não se tratando de apenas ‘agregar’ disciplinas ditas ‘pedagógicas’ a um currículo
mínimo de mínimo de disciplinas ditas ‘especificas’, mas sim de produzir um processo de
formação integrada, que prepare o licenciado para o exercício de suas tarefas didáticas na
escola. Ou seja, o professor de Filosofia deve ter compromisso com a democracia, o diálogo e
a investigação, respeitando a integralidade de seus alunos e fugindo da tentação das verdades
inquestionáveis.

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