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Licenciatura em Teatro

módulo
história da arte –
educação 2 16
AUTORES DO PROJETO

Itamar Alves Leal dos Santos Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

José Mauro Barbosa Ribeiro Universidade de Brasília (UnB)

Leda Maria de Barros Guimarães Universidade Federal de Goiás (UFG)

Lygia Maria Maurity Sabóia Universidade de Brasília (UnB)

Raquel Helena de Mendonça e Paula Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Sheila Maria Conde Rocha Campello Secretaria de Estado da Educação do DF (SEDF)/


Universidade de Brasília (UnB)

Suzete Venturelli Universidade de Brasília (UnB)

Terezinha Maria Losada Moreira Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

AUTORAS DO MÓDULO

Luciana Hartmann Universidade de Brasília (UnB)


Taís Ferreira Universidade de Pelotas (UFPel)

COORDENADORES DO CURSO

Ângela Maria Cavalcante Coelho Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Arão Nogueira Paranaguá de Santana Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Eny Arruda Barbosa Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Jorge das Graças Veloso Universidade de Brasília (UnB)


Licenciatura em Teatro

módulo
história da arte –
educação 2 16
EQUIPE EDITORIAL
Conselho editorial: Eny Arruda
Izabel Costa
Lilian Ucker
Maria de Fátima Burgos
Nely Matter
Suzete Venturelli

Organizadores: Jorge das Graças Veloso


Luzirene do Rego Leite

Projeto gráfico: Mario Luiz Belcino Maciel


Coordenação de programação visual: Bruno Ribeiro Braga
Equipe de programação visual: Amanda Priscilla Moreira
André Ramalho Maciel
Daniela Barbosa
Lauro Gontijo
Mariana Rausch Chuquer
Ronaldo Ribeiro da Silva

Designer Educacional: Susy Batista Dias de Araújo

Colaboradores: Samanta Maciel de Lima


Stephanie Pellucio

LGE EDITORA LTDA.


CNPJ: 03.307.528/0001-04, CF/DF: 07.399.790/001-14
SIA Trecho 3, Lote 1.760, CEP: 71200-030, Brasília-DF
Tel.: 61 3362-0008, Fax: 61 3233-3771
Site: www.lgeeditora.com.br
E-mail: lgeeditoral@lgeeditora.com

FICHA CATALOGRÁFICA

HARTMANN, Luciana; FERREIRA, Taís

Módulo 16:História da Arte-Educação 2.


Brasília: LGE Editora, 2009
74p.
ISBN: 978-85-7238-424-7

1. Pedagogia do teatro 2. Teatro na educação 3. Recepção teatral


SUMÁRIO

06 UNIDADE 1 – O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

07 INTRODUÇÃO

08 O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

12 OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS

23 TEORIAS, MÉTODOS, TÈCNICAS SOBRE O ENSINO / APRENDIZAGEM DE TEATRO

38 A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS

43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

48 UNIDADE 2 – O QUE É UM ESPECTADOR? DOS MODOS DE CONSTITUIR-SE DEN-


TRO E FORA DA AULA DE TEATRO

49 INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?

52 A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO


COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA

58 ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE

61 PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPEC-


TADOR

63 MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA

68 LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEA-


TRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?

72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Unidade 1

O Lugar da Arte-Educação no
Brasil Contemporâneo
Luciana Hartmann
INTRODUÇÃO
Antes de iniciar nosso percurso pela segunda etapa
da história da Arte-Educação no Brasil, quero saudá-
los e desejar a todos uma ótima jornada. Espero que
a leitura deste texto produza não apenas novos co-
nhecimentos, mas satisfações, inquietações e, sobre- 7
tudo, o desejo de continuar aprendendo, sempre.

Inicialmente faremos uma contextualização do lugar


da Arte-Educação no Brasil contemporâneo, ainda
sob uma abordagem mais ampla, da Arte (com “A”
maiúsculo) englobando as quatro linguagens: Ar-
tes Visuais, Dança, Música e Teatro. Num segundo
momento faremos um levantamento das avaliações
críticas – positivas e negativas – que os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino do Teatro
vêm sofrendo por parte de professores e pesquisa-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


dores da área. Na sequência trataremos das teorias
e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de
processos criativos realizados por artistas, docentes
e pesquisadores, como jogo teatral, jogo dramático,
peça didática, pedagogia do oprimido, drama como
método de ensino, etnocenologia, antropologia te-
atral, etc. Finalmente avaliaremos as novas perspec-
tivas teóricas e práticas relativas ao ensino/aprendi-
zagem do teatro, nos diversos ambientes (escolar e
não-escolar), com um enfoque privilegiado para a
discussão dos usos e significados da nova terminolo-
gia utilizada para designar nosso campo de saber: a
Pedagogia do Teatro.

Imagem disponível em: http://www.


passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/
teatro/imagens/teatro_brasil.jpg
O LUGAR DA ARTE-
EDUCAÇÃO NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
No Brasil e no mundo a Educação pela Arte ou Arte-
Educação vem conquistando um relevante espaço de
ação e discussão, tanto dentro quanto fora do am-
biente escolar formal. Não temos a pretensão de es-
tabelecer “o” lugar que a Arte-Educação ocupa na
contemporaneidade, mas apresentar brevemente o
contexto de inserção dessa forma de conhecimento
lúdica, criativa, onírica e sinestésica, para dizermos
o mínimo, na sociedade brasileira nos dias de hoje.

Conseqüência de vitórias em lutas travadas em dife-


rentes instâncias ao longo de, pelo menos, os últimos
quarenta anos, a Arte-Educação no Brasil conta atu-
almente com um discurso sólido, fundamentado, em
grande parte, nos resultados oriundos das reflexões
ocorridas em reuniões e congressos da Associação e
da Federação de Arte-Educadores Brasileiros (FAEB).

Grande parte desse discurso amadureceu e se trans-


formou ao longo do tempo, acompanhando com jus-
teza as transformações sociais, políticas e ideológicas
sofridas pelo Brasil nesse período. Assim, da crença
na educação como uma forma neutra de transmis-
são e construção de conhecimentos, passamos pela
crise das ideologias e pela compreensão de que toda
atitude, postura ou comportamento – inclusive dos
docentes – será sempre parcial. Chegamos no perí-
odo que a profa Sandra Mara Corazza, do Departa-
mento de Educação da UFRGS, chama de “desafio da
diferença pura” (Corazza, 2003). Segundo esta pro-
fessora, a educação em tempos pós-modernos se vê
obrigada a confrontar os currículos, as didáticas e as
metodologias com elementos mais culturais e menos
escolares. Este é um ponto fundamental, que deve
ser lembrado para pensarmos nesse novo lugar que
a Arte, e sobretudo o Teatro, ocupa na contempora-
neidade: não se pode mais buscar respostas ou solu-
8 ções absolutas, pois nossas questões e problemas não
são, definitivamente, os mesmos. E esta percepção
de que somos sujeitos, produtos e produtores de cul-
turas, sociedades, tempos, espaços geográficos, reli-
giões, economias, sistemas políticos, não pode mais
estar separada de nossa atuação docente.

Podemos aproveitar essa discussão para inserir em


nossa discussão a questão da educação multicultu-
ral. Diferentemente da interdisciplinaridade, que 9
prevê o relacionamento entre diversas disciplinas e
a execução de projetos comuns, nos quais as fron-
teiras entre as áreas de conhecimento são rompidas,
a multidisciplinaridade contempla os trabalhos en-
tre disciplinas, sem que estas, no entanto, percam
suas especificidades.

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


Imagem disponível em: http://3.bp.blogspot.
com/_UbYo9I1p9Kw/SdccmHsZ6aI/
AAAAAAAAAQc/rw5fXQX9Yug/s320/
Multiculturalidade.bmp

Já o Multiculturalismo, que parte do mesmo prefi-


xo (multi), está calcado, na perspectiva da arte-edu-
cação, no respeito às tradições culturais, artísticas e
estéticas dos estudantes, ou seja, na contextualiza-
ção de suas origens e de seus grupos sociais. Tam-
bém entendido como pluralidade cultural, este é um
dos temas transversais previstos nos PCNs. O concei-
to chega ao Brasil através de discussões iniciadas nos
EUA e na Europa, relativas aos seus problemas sociais
(preconceito racial, étnico, etc.). Aqui vai encontrar
reverberação nestas e em outras questões, como a
desigualdade social e a discriminação, encobertas,
por exemplo, pelo “mito das três raças”1.

Imagem disponível em: http://blast-illustration.


blogspot.com/2008/05/multiculturalidade.html

A necessidade de contextualização, que é fortemen-


te defendida por algumas das principais correntes da
educação contemporânea, é também uma das gran-
des – e talvez principais – bandeiras da antropologia.
Sem contextualização não há possibilidade de com-
preensão dos processos sociais, e sem essa compre-
ensão não há possibilidade de se atingir uma comu-
nicação democrática e produtiva entre as diferentes
culturas. Transportando essa idéia para a sala de aula,
podemos pensar que se para a antropologia a idéia
de educação pode compreender os processos formais
e informais pelos quais a cultura é transmitida aos
indivíduos, a Educação Multicultural seria o processo
pelo qual uma pessoa desenvolve competências em
múltiplos sistemas de perceber, avaliar, acreditar e
fazer (Richter, 2007: 86). A compreensão destes pro-

10 1 
Idéia bastante difundida a partir do final do século XIX e consagrada por pen-
sadores como Gilberto Freyre, este “mito” ou “fábula”, no sentido pejorativo,
pretende uma participação igualitária das três raças, européia (português), negra
(escravo africano) e indígena (nativo) na formação da sociedade brasileira.
cessos por parte do docente de arte e sua introdução
no ambiente de ensino-aprendizagem permite maior
riqueza no desenvolvimento das atividades didáticas,
ao mesmo tempo em que democratiza e valoriza o
conhecimento prévio de cada aluno. Nesta proposta,
o aluno deixa de ser visto como uma tabula rasa a ser
preenchida e passa a ser respeitado como um sujei- 11
to que pode compartilhar, dar e receber saberes de
ordens diversas. Como observa Clarice Cohn em seu
livro Antropologia da Criança:

(...) ao invés de se estabelecer um apreciação gene-


ralizante e universalizante sobre os conhecimentos
e os modelos de ensino e aprendizagem, devemos
observar contextualizadamente concepções, meios
e processos: em cada caso, uma concepção de pes-
soa, criança, e aprendizagem conformará um mo-
delo específico de transmissão e apropriação de co-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


nhecimentos. (COHN, 2005: 38,39)

Antes de adentrarmos no campo de avaliação da po-


tencial eficácia dos PCN, será importante revermos
a própria relação entre o Teatro e a Educação e os
múltiplos significados que têm sido atribuídos a ela.
Somente a partir do estabelecimento de um “chão
comum” em relação aos conceitos é que poderemos
avançar no debate e implementar propostas mais afi-
nadas com as reflexões que vem sendo produzidas na
Arte-Educação contemporânea.

Historicamente os fundamentos do Teatro na Educa-


ção foram estabelecidos sob a perspectiva da educa-
ção. No entanto, atualmente essa relação se inverte,
pois são os conteúdos e metodologias específicas do
Teatro que direcionam nossa reflexão e prática teatral
em sala de aula. A partir da reestruturação da relação
entre a arte e a educação passamos da denominação
Educação Artística para Arte, de mera atividade edu-
cativa atingimos o estatuto de disciplina e do Teatro-
Educação chegamos à Pedagogia do Teatro.

Esse processo de mudança conceitual, da mesma for-


ma que reflete uma transformação nas posturas em
relação ao ensino-aprendizagem de Teatro, também
deve refletir, influenciar e gerar novas abordagens
nesse campo de atuação. Portanto, fique atento para
essa nova terminologia – Pedagogia do Teatro – pois
ela propõe novas posturas e novos sentidos para nos-
so papel como educadores de/em Teatro.
OS PRESSUPOSTOS CURRICU-
LARES PARA O ENSINO DO
TEATRO – PRÓS E CONTRAS
Embora se tenha notícia do uso do teatro na educa-
ção formal e, num sentido mais amplo, nos processos
informais de aprendizagem no Brasil, desde o início
de sua colonização, a presença efetiva do teatro na
escola só ocorreu de fato a partir da lei 5692/71, que
estipula a obrigatoriedade da Educação Artística.
Uma ação concreta no sentido de definir as especifi-
cidades do ensino de Teatro, no entanto, só ocorre a
partir da instauração dos novos PCN, no ano de 2000.2

Em texto de 2001, os professores Arão Paranaguá de


Santana, da UFMA, e Yara Rosas Peregrino, da UFPB,
desenvolvem uma elucidativa análise crítica da pro-
posta dos PCN. Um dos primeiros aspectos – negati-
vos – considerados pelos autores é que as considera-
ções introdutórias da parte de teatro, no documento
para as séries iniciais, são muito vagas, podendo ser-
vir para qualquer outra área de conhecimento. Por
outro lado, os autores vêem como positiva a preo-
cupação dos PCN em ressaltar a importância que o
conhecimento específico das etapas do desenvolvi-
mento da linguagem dramática e sua relação com o
processo cognitivo têm para o ensino de teatro – que
não ocorre, por exemplo, em relação às outras áre-
as, como Artes Visuais, que em geral determinam as
perspectivas de abordagem em artes. No entanto,
é criticada a falta de contextualização desta opção
epistemológica que, para os autores, parece aproxi-
mar-se do construtivismo, ignorando, portanto, ou-
tras trajetórias da teoria curricular contemporânea
(PEREGRINO; SANTANA, 2001: 99). Outro aspecto
levantado pelos autores é a falta de definição das
vertentes teóricos e metodológicas que orientam a
inclusão dos jogos na prática educacional em teatro.
Neste sentido, ofereceremos adiante algumas sínte-
ses de propostas contemporâneas de utilização de
jogos, improvisações, dramatizações, desenvolvidas
por diferentes autores, professores ou pesquisadores
no ensino/aprendizagem do Teatro.

Ainda em relação aos PCN, um aspecto positivo res-


12 saltado pelos autores, nas propostas para os diferen-

2 
PCN-Arte I e PNC-Arte II.
tes níveis, diz respeito à orientação no sentido de
aproximar a vivência do aluno de sua prática em sala
de aula, ou seja, a contextualização dos conteúdos
curriculares de Arte/Teatro de acordo com a realida-
de sócio-cultural dos alunos. Embora partindo desta
necessária contextualização, que permite que os con-
teúdos adquiram significado, os PCN não restringem 13
o processo educacional em Arte a este aspecto, pro-
pondo também que se oportunize aos alunos experi-
ências artísticas diferenciadas, permitindo a amplia-
ção de seu universo de apreciação e a conseqüente
produção de um pensamento crítico.

Considerando isso, pode-se afirmar que a chamada


Abordagem Triangular sistematizada e difundida no
Brasil por Ana Mae Barbosa (1991), formada pelos ei-
xos produção, apreciação e reflexão, está contempla-
da nos PCNs para o ensino da arte, porém, na propos-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


ta de Teatro para o Ensino Fundamental (PCN-Arte
I), Peregrino e Santana (2001: 104) observam que os
conteúdos não estão situados claramente em cada
um dos eixos, o que pode dificultar uma condução
sistemática destes por parte do professor. Já no do-
cumento relativo ao Ensino Médio, as especificidades
da linguagem estão contempladas, pois os conteúdos
encontram-se relacionados de maneira mais direta
aos três eixos norteadores, cujos conceitos, embora
alterados neste nível de ensino para produção, apre-
ciação e contextualização, não diferem sensivelmen-
te em seu conteúdo semântico e função.

Não se pode ignorar, no entanto, que a adoção da


Abordagem Triangular como suporte pedagógico
para o ensino de Artes tem encontrado algumas res-
salvas, especialmente no que tange ao ensino de Te-
atro, visando sobretudo não torná-lo excessivamente
explicativo e pouco prático/vivencial.

Uma alternativa para a questão pode ser encontrada


na proposta do prof. Graça Veloso (2008), de abor-
dagem do ensino-aprendizagem especificamente
voltada para as Artes Cênicas. Nesta, a triangulação
é pensada sob a perspectiva das práticas cênicas, fa-
cilitando o estabelecimento de uma relação mais di-
reta com os conteúdos curriculares de Teatro e suas
possibilidades de trabalho em sala de aula, nos mais
diversos níveis de aprendizagem.

Ao enfocar as práticas cênicas em sua multiplicidade


e multiculturalidade, o prof. Graça chama a atenção
para a necessidade de olhar para o Teatro não mais
a partir da visão linear e historicista vigente nas ma-
trizes curriculares brasileiras, ampliando o campo de
atuação do professor disposto a repensar os sentidos
de fazer e ensinar teatro no século XXI.

Historicamente o ensino de Artes no Brasil esteve


pautado, em grande medida, numa produção rela-
cionada às Artes Plásticas (desenho, pintura, escultu-
ra, etc.). A própria idéia de polivalência trazida pelos
cursos de Educação Artística, implementados a partir
de 1971, resultou numa proposta dificilmente aplicá-
vel, que teve como conseqüência prática a prioriza-
ção, por parte da grande maioria dos professores, do
ensino de Artes Plásticas. Como esta é uma área que
tem uma longa e sólida tradição de ensino e pesqui-
sa, é natural que acabasse se estabelecendo como re-
ferência para as demais linguagens artísticas. No en-
tanto, diante da insatisfação gerada por esta ênfase
e da lacuna deixada no que diz respeito ao espectro
da aprendizagem de Arte na escola, são implantados,
em 1998, os novos PCN, que reconhecem as especi-
ficidades dos demais campos de saber da área: Dan-
ça, Música e Teatro, juntamente com as Artes Visuais,
como linguagens artísticas. É neste sentido que tor-
na-se importante que trabalhemos na perspectiva de
sistematizar os conhecimentos da linguagem teatral,
para que possamos melhor compreender as especifi-
cidades de nosso campo de atuação.

Nesta necessária problematização do PCN, a profa.


Ingrid Koudela, do Depto. de Artes Cênicas da USP,
aponta que os Parâmetros para a área de Arte, ao
incorporarem como eixos de aprendizagem a apre-
ciação estética e a contextualização, somadas à ex-
pressividade/produção de arte pela criança e pelo
jovem, representam um grande avanço. De acordo
com ela, “essa proposta vem promovendo o poten-
cial do Teatro como exercício de cidadania e o cres-
cimento da competência cultural dos alunos” (2002:
234). A profa ressalta a importância da inclusão do
eixo “apreciação”, a partir do qual a questão do pa-
pel do receptor e da relação dialógica gerada atra-
vés da obras de arte são particularmente valorizadas.
Dessa forma, o Teatro no processo educacional passa
a ser pensado não apenas enquanto produção (exer-
cícios de improvisação, jogos, montagens de espetá-
14
culos), mas também como recepção (assistir espetá-
culos, analisá-los, criticá-los). Koudela aponta ainda
que o efetivo deslocamento para o teatro – sala de
espetáculos – permite aos alunos uma experiência
estética diferenciada, pois os coloca em contato di-
reto com a totalidade dos elementos que compõem
um espetáculo: iluminação, sonoplastia, cenografia,
maquiagem, atuação, dramaturgia, direção, entre
outros. Vale lembrar que todos estes elementos po-
dem ser, na volta à sala de aula, ricamente aproveita- 15
dos como objetos de análise. E na medida em que os
alunos tenham experiências estéticas diferenciadas,
maior será sua compreensão e domínio da lingua-
gem teatral. No entanto, embora pretenda oferecer
uma referência completa, para o professor, ao ensino
e estudo das artes na escola, o PCN-Arte não explo-
ra o potencial que o fazer artístico, em suas diversas
instâncias, oferece para o desenvolvimento cognitivo
e emocional de crianças e jovens.

Neste sentido, seria importante reforçar a necessida-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


de, mais premente a cada dia dessa “pós-modernida-
de” em que nos encontramos, de rompimento com
a relação hierárquica tradicionalmente estabelecida
tanto na prática quanto no ensino do Teatro, que
posicionava ora o dramaturgo, ora o diretor, e mais
contemporaneamente, o ator, no topo da escala. As
metodologias de trabalho em teatro / com teatro,
não deveriam pautar com exclusividade a formação
Imagem disponível em: do ator, mas acolher a riqueza pertinente à teatrali-
http://www.mz-ir.com/tim/ dade em toda a sua abrangência, como uma arte que
RAO2007/imgconteudo/foto_ congrega outras artes (dança, canto, música, literatu-
sustentabilidade_06_05.jpg ra, artes visuais, etc.).

Ainda nesta linha de reflexão, podemos também


pensar nas consequências geradas pela ênfase do
trabalho teatral, especialmente em sala de aula, no
processo – expressivo – não no produto dramático.
Para a profa. Biange Cabral, do Departamento de Ar-
tes Cênicas da UDESC, esta perspectiva de trabalho,
obscureceria a idéia do teatro como “arte e ofício”.
Para além da crítica, que será problematizada abai-
xo, a proposta de relacionar arte a trabalho, a um
saber específico, é valiosa e pode/deve ser utilizada
na busca pela legitimação do teatro – e de suas espe-
cificidades – no ambiente escolar.

Os processos de ensino/aprendizagem em Teatro e,


sobretudo, de troca e conhecimentos que marca o
desenvolvimento destes em sala de aula, só tem a ga-
nhar com essa abordagem mais igualitária e equili-
brada de seus componentes. Com isso, nossos alunos,
dos 8 aos 80 anos, se sentirão mais livres e confiantes
para se aventurar no maravilhoso e multifacetado
universo do Teatro.

Imagem disponível em:


http://voluntariado.fb.org.br/
NR/rdonlyres/25E18418-49B4-
463C-8B14-9F311A747851/0/
L2_Cultura_TeatroEscola.gif

A profa. Biange também propõe uma reflexão crítica


sobre a atual configuração dos parâmetros curricu-
lares relacionados à área de teatro no ensino funda-
mental, no ensino médio e no ensino superior. Para
ela, a discussão dos PCNs para o ensino superior deve
partir da constatação das necessidades do ensino
16
fundamental e das “pedagogias invisíveis” (Cabral,
2000) que orientam as atividades escolares e a práti-
ca teatral em sala de aula e na comunidade. Ao cha-
mar a atenção para o fato de que existem múltiplas
pedagogias e que nem todas são evidentes ao olhar
menos atento, a autora aponta para a importância
da promoção da sensibilidade do professor para que
essas pedagogias possam se tornar visíveis e, sobre-
tudo, objetos de análise, avaliação e, se for o caso,
revisão e transformação. 17

Muitas destas pedagogias invisíveis se configuram


como reproduções de comportamentos, normas e
valores culturais que são naturalizados e, por esse
motivo, não são percebidos nem problematizados
pelos professores. Como exemplo poderíamos pensar
no vocabulário que por vezes vem à tona em aulas
de Teatro, quando o professor valoriza o “talento”
de um aluno, comparando-os aos demais e posicio-
nando-o numa escala hierarquicamente superior em
relação aos demais colegas. Comparar desempenhos

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


de alunos em aulas de Teatro envolve uma comple-
xa reflexão que tem relação direta com os proces-
sos avaliativos previstos ao longo de uma disciplina
de Teatro. O que e como avaliar devem ser questões
norteadas, antes de tudo, pelos objetivos da discipli-
na e não pelo aparecimento aleatório de “talentos”
individuais. O Teatro, sobretudo na sala de aula, na
contemporaneidade, deve fundamentalmente ser in-
clusivo e não discriminatório e excludente.

Imagem disponível em:


http://teatroeducacional.
zip.net/images/teatro-
especial.jpg

Embora saibamos que o eixo “produção” foi aque-


le que historicamente mais recebeu atenção dos
estudos teatrais, e que o eixo “contextualização” seja
fundamental para a construção do conhecimento em
Arte – e aqui podemos pensar no desenvolvimen-
to de novas sub-áreas como a “Etnocenologia”, os
“Estudos de Performance”, entre outros (que serão
retomados adiante) – é no eixo “recepção” que ve-
mos atualmente, no campo do teatro, talvez a maior
proliferação de estudos, pesquisas e publicações.

A importância conferida ao espectador de teatro, a


partir do início do século XX, estimulada por estra-
tégias como a “quebra da quarta parede” e a reve-
lação de todos os elementos cênicos (preparação do
ator nas coxias, contra-regragem visível, recursos de
iluminação e sonoplastia tornados explícitos, etc.)
denota uma busca, por parte dos encenadores, em
despertar na platéia uma participação efetiva e não
mais de assistência passiva, submetida a uma preten-
sa ilusão criada pela cena e incólume aos fragmentos
de vida representados no palco (ver quadro abaixo).

SAIBA MAIS:

Alguns encenadores/pesquisadores da primeira metade do século


XX exerceram papel fundamental na instauração deste processo.
Vale ressaltar alguns deles: Meyerhold (1874-1940), contemporâneo
de Stanislavski, nega o distanciamento entre a cena e a platéia e é
responsável pela eliminação da quarta parede; Artaud (1896-1948),
totalmente contra o uso do palco italiano, propõe o envolvimento
físico, direto do espectador com a encenação, na qual passa a ocupar
um lugar central – literalmente, pois deve estar posicionado no
centro do palco; Brecht (1898-1956), considera que o teatro deve
provocar no espectador possibilidades de reflexão crítica, para isso
utiliza processos de “distanciamento” que estão constantemente
lembrando ao público que o que está sendo visto é teatro e não
a vida real; Living Theatre, grupo de teatro norte-americano que
inicia suas atividades logo após o término da Segunda Guerra
Mundial, parte da vontade revolucionária de mudar a sociedade a
partir da transformação dos espectadores. Levam o teatro para a
rua e para espaços alternativos e provocam o público a participar
diretamente das encenações; no Brasil, já na segunda metade do
século XX, Augusto Boal sofre influência direta tanto do Living
Theatre quanto de Brecht, a partir da qual desenvolve seu Teatro
do Oprimido e técnicas como o Teatro do Invisível.

A revolução operada pela nova relação estabelecida


com o espectador representou uma mudança de para-
digma não apenas no sentido da construção da cena
(no âmbito da dramaturgia, do espaço, tempo e repre-
sentação), mas também na própria função do teatro.
Embora ao longo do século XX este processo tenha se
intensificado na cena teatral, o mesmo não se refletiu
18
no trabalho nas salas de aula, que durante o mesmo
período, em larga escala, esteve calcado na produção
de pequenos espetáculos que poderiam “abrilhantar”
eventos comemorativos de datas cívicas.

19

Imagem disponível em:


http://camas.ca/files/images/
ws_paradisenow3.jpg

É no sentido de aproximar o ensino/aprendizagem de

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


teatro da reflexão suscitada por este novo paradigma
que autores como Flávio Desgranges vêm desenvol-
vendo seu trabalho. Partindo da constatação de que
o teatro possui uma dimensão pedagógica intrínseca,
este autor vê no espectador o protagonista das novas
relações instituídas pelo processo de desconstrução das
ilusões cênicas. É a partir de uma “Pedagogia do Es-
pectador” que estas relações podem ser conhecidas e
aprofundadas, permitindo o desenvolvimento de uma
arte do espectador, na qual este seja sujeito de um ato
criativo, produtivo, autoral. Para ele, se a atuação do
espectador precisa ser tomada a partir de uma perspec-
tiva artística, precisa-se também afirmar a necessidade
de formação desse espectador – já que a capacidade
de analisar (e, podemos pensar, fruir) uma peça teatral
não é somente um talento natural, mas uma conquis-
ta cultural. (Desgranges, 2006: 37) A relevância deste
novo enfoque fica evidente na reflexão e no exemplo
fornecidos pelo autor, citados abaixo:

A conquista da linguagem teatral pelo espectador


implica o desenvolvimento de um senso estético e
um olhar crítico – olhar armado, exigente, atento à
qualidade do espetáculo, que reflete sobre os fatos
apresentados e não se contenta em ser apenas em
ser o receptáculo de um discurso monológico, que
impõe um silêncio passivo. A aquisição da linguagem
teatral capacita o espectador a interpretar a obra,
desempenhando uma efetiva participação no fato
artístico e assumindo a autoria da narrativa apre-
sentada, mantendo viva sua possibilidade de cons-
trução e reconstrução da história.
Uma pesquisa realizada, na década de 1990, com
crianças extremamente desfavorecidas do subúr-
bio da cidade de Lion, na França, mostrou que uma
das principais características dessas crianças, que se
sentiam fracassadas pessoal e socialmente, era a ab-
soluta incapacidade de pensar numa história, a sua
história (Meirieu, 1993). A investigação ressalta ainda
que nas conversas travadas com essas crianças, que
tinham entre seis e doze anos, em que lhes foi pe-
dido para contar a própria vida, a própria história,
pôde-se perceber a grande dificuldade que demons-
travam em se referir ao passado, mesmo recente. Foi
possível perceber que elas utilizavam constantemen-
te o “você” e o “a gente”, e quase nunca o pronome
“eu”, e que se mostravam incapazes, mesmo as mais
velhas, de utilizar “estas pequenas expressões tão
fundamentais para dar sentido à vida, que são: ‘foi a
partir deste momento que eu compreendi’, ‘teve um
momento em minha vida que aconteceu isto e me
levou a decidir isto’, ‘eu descobri que’, etc. (ibidem,
p. 15). A pesquisa ressalta ainda o fato de que, dentre
as crianças entrevistadas, as habituadas a frequentar
salas de teatro e cinema revelavam a maior facilida-
de em utilizar esse tipo de discurso narrativo, apon-
tando para a conclusão de que aprender a assistir e
interpretar uma história é aprender a contar e cons-
truir a própria história. (Desgranges, 2003: 172, 173)
Como a profa. Taís desenvolverá com maior profun-
didade em seu texto, a preparação de espectadores,
embora não haja regras explícitas – e nem mais cor-
retas que outras – é um dos grandes desafios que se
colocam para o professor de Teatro no contexto atu-
al. A idéia de que o professor exerce um papel im-
portante como mediador nesse processo impõe sua 21
presença nesta reflexão. E tanto maior será o desafio
quando se considera a heterogeneidade das encena-
ções teatrais contemporâneas, que não tomam mais
como premissa a narratividade – ou o drama – em
cena. O “pós-dramático” – denominação que pre-
tende olhar as especificidades do fenômeno pós-mo-
derno no campo teatral – concorde-se ou não com
o conceito3, se impõe e temos que lidar com textos
não-dramáticos em cena, jogos entre ficção e reali-
dade, interpretações das mais variadas naturezas (do
ultra-naturalismo ao expressionismo ou às partituras

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


cênicas desconectadas do texto), espacialidades não-
convencionais, etc. Embora o teatro infantil – aquele
apresentado às crianças, nossos alunos – ainda mante-
nha uma estrutura de encenação mais convencional,
também nele os reflexos desta implosão dos padrões
cênicos já podem ser sentidos. Diversas estratégias
metodológicas tem sido pensadas no sentido de via-
bilizar esta mediação do professor e desenvolvimento
da capacidade de apreciação e avaliação dos alunos.
Como exemplo podemos citar algumas propostas fei-
tas por Robson Rosseto (2008: 80, 81):

As atividades em sala de aula que visam preparar o


aluno para assistir a um determinado espetáculo, cer-
tamente, estarão atuando e interferindo no seu hori-
zonte de expectativas. Nesse caso, o objetivo é prepa-
rar e instaurar um clima de expectativas com relação
ao espetáculo que os alunos irão assistir, por meio da
utilização de algum elemento representativo deste
espetáculo. Por exemplo, explorar o tema, focos das
ações principais, imagens (de movimento/imobilida-
de, multidão/solidão, silêncio/barulho, luz/escuridão),
dentre outras. Poderão acontecer improvisações ao
utilizar o tema central a partir de algum adereço ou
objeto, dos ruídos e de outras possibilidades por meio
da utilização de alguma referência do espetáculo
escolhido, visando a uma aproximação prévia como
universo cênico constituinte daquela encenação. O
objetivo não é “traduzir” ou “explicar” o espetáculo,

3 
Para maior aprofundamento na discussão sobre a “operacionalidade” do con-
ceito “pós-dramático” ver FERNANDES, S. (org.), 2008.
pelo contrário, o intuito é de familiarização sobre
um determinado elemento utilizado pela encenação,
para provocar expectativas sobre o espetáculo. (...)
Posterior à ida ao espetáculo, ao se trabalhar com jo-
gos dramáticos, jogos de improvisação, o professor
estará percebendo a recepção do aluno, sob o foco
de captar as impressões, dúvidas, preconceitos, e etc.

A sistematização da abordagem da arte teatral pelo


professor de teatro, através da implementação de um
discurso teórico, histórico e técnico a seu respeito, per-
mite instrumentalizar jovens e crianças para que pos-
sam participar/ter acesso à cultura teatral de maneira
mais completa, abrangente e inclusiva. Para o desen-
volvimento mais eficaz de qualquer tipo de constru-
ção de conhecimento é necessária a união entre teoria
e prática, forma e conteúdo, ação e reflexão.

22
TEORIAS, MÉTODOS,
TÉCNICAS SOBRE O ENSINO/
APRENDIZAGEM DE TEATRO
Neste momento, adotando como cenário a discussão
23
introdutória feita no texto sobre o lugar da Arte-
educação no Brasil contemporâneo e a reflexão so-
bre os Parâmetros que regem os currículos escolares
da área de Arte na atualidade, trataremos mais es-
pecificamente das teorias e propostas metodológicas
desenvolvidas a partir de processos criativos reali-
zados por artistas, docentes e pesquisadores, como
jogos improvisacionais, jogo teatral, jogo dramático,
peça didática, pedagogia do oprimido, drama como
método de ensino, etnocenologia, antropologia tea-
tral e os estudos da performance. Estas não esgotam

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


as possibilidades de trabalho prático e de reflexão
sobre o Teatro como Pedagogia, porém são repre-
sentativas de algumas das principais tendências de
abordagem da linguagem teatral nos últimos cin-
qüenta anos.

Imagem disponível em: http://


www.ronaldperet.com.br/
blog/220520095858bk.jpg

xx Jogos Improvisacionais: denominação genérica


para aqueles exercícios teatrais em que um ou
mais jogadores-atores executam uma cena de
maneira improvisada, ou seja, sem ensaio. A cena
pode ser improvisada a partir de uma breve com-
binação estabelecida pelos jogadores-atores, ou
mesmo sem nenhuma combinação prévia, partin-
do-se de uma proposta dada pelo coordenador
do processo. Os demais integrantes do grupo se
colocam, geralmente, como jogadores-espectado-
res da cena apresentada. O exercício continua até
que todos os integrantes do grupo apresentem as
suas cenas. Normalmente, depois da apresentação
das cenas, o grupo conversa e analisa a experiên-
cia. (Desgranges, 2006: 87)

Exemplo de jogo improvisacional:

A professora divide a turma em grupos e orienta a


improvisação de cada grupo a partir de uma propos-
ta temática, como ditados populares: “Água mole
em pedra dura tanto bate até que fura”, “Olho por
olho, dente por dente”, “Quem com ferro fere, com
ferro será ferido”. Os grupos dispõe de um breve
tempo para estruturar a improvisação, de acordo
com o significado que atribuem ao ditado. Após a
apresentação do exercício de improvisação de cada
grupo, o restante da turma deve tentar descobrir
qual o ditado foi encenado. No final da aula a pro-
fessora coordena um debate sobre as possibilidades
de interpretação e, consequentemente, de repre-
sentação teatral de cada ditado.

Imagem disponível em: http://4.


bp.blogspot.com/_urY4ARLLTj0/Sikf6-
hLfI/AAAAAAAAADs/Ae2kL6Nq7JA/
s200/improvisa%C3%A7ao.jpg

xx Jogo Dramático: embora tenha como principal re-


ferência a obra de Peter Slade, O Jogo Dramático
Infantil (1978), esta modalidade de jogo não se
constitui como uma estrutura metodológica rígi-
da, pois permite aos professores utilizarem-no de
diferentes formas, a partir de sua realidade e de
acordo com suas demandas. Slade compreende o
jogo como um comportamento natural dos seres
humanos. O jogo seria “a maneira da criança pen-
sar, comprovar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar,
experimentar, criar e absorver.” (op. it.: 18). Carac-
terizado, portanto, como um comportamento es-
pontâneo, o jogo dramático só se aproxima do te-
atro através do uso que dele possa fazer o adulto/
professor, embora seu principal objetivo não seja
24 a inserção da criança no universo do teatro pro-
priamente dito e sim o desenvolvimento de sua
personalidade. Já o Jogo Dramático de linhagem
francesa (jeu dramatique), ao contrário, se conec-
ta de maneira mais direta à prática teatral, pro-
pondo que seus participantes, sem perderem a es-
pontaneidade característica do jogo, “conquistem
a capacidade de criar, organizar, emitir e analisar
um discurso cênico” (Desgranges, 2006: 94). Nesta
última acepção, vale ainda salientar, os papéis dos 25
jogadores e dos espectadores aparecem bem de-
finidos e alternam-se ao longo das atividades, en-
quanto na primeira o grupo todo pode se consti-
tuir como jogador, sem que haja uma platéia que
o observe e avalie. Podemos citar como uma das
maiores referências da tradição francesa o autor
Jean-Pierre Ryngaert, que teve recentemente seu
livro clássico sobre o tema, Jogar, Representar –
práticas dramáticas e formação, traduzido para o
português, e no Brasil as professoras Olga Rever-
bel e Maria Lúcia Pupo. Como exemplo de uma es-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


tratégia de trabalho com o jogo dramático, além
da descrição oferecida abaixo, trago uma reflexão
de Ryngaert (2009: 236):
Quando uma oficina de jogo não fornece modelos
de imitação, impõe ‘padrões’ a serem reproduzidos,
ela conta com a invenção. Apesar disso, essa inven-
ção potencial está contaminada pelas idéias que os
jogadores têm da estética teatral e daquilo que se
diz e se faz nos teatros. A improvisação não é ga-
rantia de um produto original, saído inteiramente
pronto da imaginação do improvisador; como já dis-
semos, muitas vezes a improvisação se limita a es-
quemas familiares e a estereótipos. Como poderia o
jogador ser capaz de um ato criativo se ele vive uma
espécie de aprendizagem e se, dentro de um perí-
odo, segundo a tradição, ele deve imitar modelos
antes de sonhar com obras pessoais?

Exemplo de jogo dramático com crianças de 11 a


13 anos (in Slade, 1978: p. 66)

Para principiantes
Se as crianças forem inexperientes comece construin-
do uma história ou situação com idéias reunidas en-
tre as crianças e as suas; essas naturalmente serão
“mais velhas” do que as mostradas nos exemplos do
curso primário.
Exemplo – Alguém sugeriu uma estação ferroviária:

Professor: “Que tipo de gente aparece numa estação?”

Ao nível do pré-primário, a resposta esperada seria


“trem”, “homem com bandeirinha”, etc. Aqui com
as crianças maiores, elas são:
hh Uma velha senhora cansada;
hh Um passageiro irritado e apressado que perdeu a
passagem;
hh Um cachorro amedrontado.

Podemos ajudá-las a adquirirem mais senso de carac-


terização e de situação, e maior observação do dra-
ma cotidiano da vida.

Toda sala de aula ou salão pode então ser transfor-


mado numa estação de estrada de ferro; mais tarde,
quando já se ganhou alguma prática de ser essa gen-
te, pode-se introduzir uma situação simples, como por
exemplo, alguém furtando a bolsa da velha senhora,
ou o cachorro assustado latindo para um velho, etc.
Essas cenas precoces podem ser bem curtas, mas po-
dem ser feitas em sucessão bem rápida. Mantenha as
coisas em andamento para que a cena não morra.

xx Jogo Teatral: sistematizados pela norte-americana


Viola Spolin na década de 40, os Jogos Teatrais
passaram a ser amplamente conhecidos no Brasil
a partir da publicação do livro Improvisação para
o Teatro, traduzido por Ingrid Koudela e Eduardo
Amós, em 1984. Também chamados de “Jogos de
Regras”, estes se caracterizam pela divisão do gru-
po de participantes entre os que jogam e os que as-
sistem, pela clareza e objetividade na transmissão
das regras e pelo foco preciso na resolução do pro-
blema a que se propõe cada exercício. Spolin inicia
seu livro dizendo: “Todas as pessoas são capazes
de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de
improvisar. As pessoas que desejarem são capazes
de jogar e aprender a ter valor no palco.” (2001: 4)
Ou seja, para a autora o importante é o processo
de desenvolvimento pessoal e de grupo que os jo-
gos podem gerar: “Aprendemos através da experi-
ência, e ninguém ensina nada a ninguém” (idem).
Através dos jogos esta educadora propõe aos par-
ticipantes um mergulho de corpo-mente na lingua-
26
gem do teatro, não apenas como atuantes, mas
também como espectadores críticos. A partir de jo-
gos pautados em perguntas como: QUEM?, ONDE?,
O QUE?, diferentes elementos constituintes da lin-
guagem teatral são explorados (personagens, es-
paços cênicos, conflitos – ações dramáticas, etc.). A
proposta de Spolin é composta de três aspectos que
se completam: a Solução de Problemas – através de
instruções precisas dadas por um professor aos jo-
gadores, um problema de natureza cênica deve ser 27
experimentado e solucionado na área de jogo; o
Ponto de Concentração – direciona os participantes
a cumprir determinado objetivo, como por exem-
plo criar um objeto, um personagem ou um lugar
através da sua fisicalização (mostrando e não con-
tando); a Avaliação, que é realizada inicialmente
pelo grupo que assiste e num momento seguinte
por todo o grupo – os espectadores, desta forma,
assumem um papel ativo. Apesar de enfatizar a im-
portância de o professor ter claro e sistematizado
o método com o qual está trabalhando, a autora

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


também insiste no cuidado que se deve ter para
evitar um enrijecimento demasiado deste sistema.
Tratando de chamar a atenção para que o modo de
ação planejado possa continuar sendo livre, a au-
tora desafia o leitor-professor de teatro: “nenhum
sistema deve ser um sistema” (Spolin, 2001: 17).

Exemplo de uso de Jogo Teatral


(in Spolin, 2001: 57-58):

Jogo da bola:
hh Introdução do exercício: o grupo é dividido em dois,
um que joga e outro que observa. O primeiro grupo
que sobe ao palco decide sobre o tamanho da bola
(imaginária) e, depois, os membros jogam a bola de
um para o outro. Uma vez começado o jogo, o profes-
sor-diretor dirá que a bola terá vários pesos.
hh Ponto de concentração: no peso e no tamanho da bola
hh Instrução: A bola é cem vezes mais leve! A bola é cem
vezes mais pesada! A bola é normal novamente!
hh Avaliação: todos os jogadores se concentraram no peso
da bola? Eles mostraram ou contaram?

Pontos de observação:

1. observe os alunos que usam o corpo para mostra o


relacionamento com a bola. O corpo tornou-se leve
e flutuou com a bola mais leve? O corpo tornou-se
pesado com a bola mais pesada? Não chame a aten-
ção dos alunos para isso até que o problema tenha
sido trabalhado. Se a Avaliação for dada antes que
todos tenham ido ao palco, muitos tentarão agradar
o professor e representarão leveza ou peso ao invés
de sustentar o Ponto de Concentração (que produz
espontaneamente o resultado que procuramos)

2. junto com este exercício, faça com que o grupo


jogue beisebol, pingue-pongue, basquete, etc.

xx O Drama como Método de Ensino: pesquisado


e utilizado no Brasil especialmente pela profa.
Biange Cabral, da UDESC, a partir do modelo de
drama-processo inglês, desenvolvido por Dorothy
Heathcote e Gavin Bolton, este se constitui numa
subárea do fazer teatral e está baseado num pro-
cesso contínuo de exploração de formas e conte-
údos relacionando-se com um determinado foco
de investigação (selecionado pelo professor ou
negociado entre professor e aluno). Caracteriza-
do como uma “prática sobre a pesquisa” (e não
como ocorre mais comumente, uma pesquisa so-
bre a prática), o drama se identifica pelo grau de
visibilidade no foco de pesquisa, que torna evi-
dente as questões que estão sendo investigadas
e as suas múltiplas formas de resposta (Cabral,
2006). Embora envolvendo processos bastan-
te distintos, o Drama e o Sistema de Jogos Tea-
trais se assemelham na preocupação que tem
com o foco do trabalho e com a ênfase na pos-
sibilidade de múltiplas respostas às questões que
surgem no decorrer do jogo: não há um modo
certo ou errado de solucionar os problemas, a
solução se dá na relação, na dinâmica instituída
pelo próprio jogo entre os atores sociais/alunos.
Como processo, o drama articula uma série de epi-
sódios, os quais são constituídos e definidos com
base em convenções teatrais criadas para possi-
bilitar seu seqüenciamento e aprofundamento.
Algumas características básicas são associadas ao
drama como atividade de ensino: contexto e cir-
cunstâncias de ficção, que tenham alguma resso-
nância com o contexto real ou com os interesses
específicos dos participantes; processo em desen-
volvimento através de episódios, um pré-texto
que delimite e potencialize a construção da nar-
rativa teatral em grupo; e a mediação de um pro-
fessor-personagem, que permite focalizar a situa-
ção sob perspectivas e obstáculos diversos. Entre
28 as estratégias que articulam essas características,
algumas, de acordo com Cabral (2006: 12) são fun-
damentais: as convenções teatrais que identificam
formas distintas de ação dramática, a quantidade
e a qualidade do material oferecido aos partici-
pantes, a delimitação e ambientação cênica.

29

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


Imagem disponível em: Exemplo de processo de Drama
http://www.dac.ufsc.br/fotos/ (in Cabral, 2006: 45-56):
teatro_transito_024.jpg
Cavernas

O tema cavernas foi escolhido pela atração que gera


na infância, com imagens de mistério, de esconderi-
jo, de tocas de animais selvagens, de minas de pedras
preciosas ou tesouros de épocas passadas e também
pela possibilidade de, a partir dele, serem abordadas
questões de preservação do meio ambiente, ecossis-
tema, turismo predatório, etc.

Pressupostos teóricos (o pré-texto): “geólogos” (re-


presentados por professores e monitores) apresen-
tam a turma o relato de expedições anteriores num
congresso nacional, formado pelo restante da classe.
Através de um vídeo, apresentam às “autoridades”
um vídeo sobre a exploração de cavernas recém-des-
cobertas, além de mapas e desenhos do material ob-
servado e coletado.
• Estrutura narrativa:
Esta experiência foi realizada em quatro etapas, com
uma hora e meia de duração cada encontro. O pro-
cesso envolveu a leitura e construção de imagens em
cada etapa – leitura do material apresentado, das
histórias ouvidas e das apresentações dos colegas;
construção de imagens a partir do material observa-
do, das narrações dos monitores, das suas vivências
anteriores.

Os alunos trabalharam em equipes de oito, com dois


monitores cada equipe e especialidade diferenciada:
exploradores de cavernas subterrâneas, com estalac-
tites e estalagmites (equipe 1), exploradores de ca-
vernas com inscrições rupestres (equipe 2), e explo-
radores de oficinas líticas e inscrições em pedras na
região litorânea (equipe 3).

O primeiro encontro – introdução do tema e do


contexto
• Atividades:
1. compartilhando o que sabemos – o tema é “caver-
nas” é introduzido e os alunos contam o que conhe-
cem sobre o assunto, vêem um vídeo sobre a explo-
ração de cavernas mineiras e fotos de outros tipos de
cavernas. Estimula-se o debate sobre o tema.

2. Transformando-se em “geólogos” – o tema “ex-


ploração de cavernas” é introduzido: as funções do
geólogo e do espeleólogo são comentadas e dis-
cutidas. O tema “teatro” é introduzido e os alunos
são convidados a vivenciarem um processo de teatro
“como se” fossem espeleólogos. A classe é dividida
em três grupos, cada um com dois alunos de Artes
Cênicas e orna-se especialista em um tipo de caver-
na. Os grupos passam a criar a história de sua equipe
e de uma descoberta e exploração de uma caverna
que os tornou famosos. Cada grupo cria as evidências
desta expedição anterior, através de desenhos, ma-
pas) e dá nome à expedição e à caverna descoberta.

3. Preparando-se para atuar – um jornalista (profes-


sor de teatro: professor-personagem) visita cada la-
boratório e/ou escritório, entrevista e fotografa as
equipes de espeleólogos para a Revista da Ciência.
Um representante da Fundação do Meio Ambiente
de SC (FATMA) visita cada equipe para convidá-la a
participar de importante encontro sobre preservação
do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecos-
sistema das cavernas.
30
O segundo encontro constitui-se pela construção de
personagens, o terceiro é chamado “a expedição” e
o quarto é a apresentação das descobertas.
Ao final de cada processo de trabalho, são levanta-
dos Pontos de Reflexão, principalmente aos coor-
denadores do processo. No caso do exemplo dado,
concluiu-se que o processo gerou aprendizagem em
três áreas distintas: na linguagem teatral, na espe-
leologia (ou no tema “cavernas”) e na preservação
e proteção do meio ambiente. São também discuti- 31
dos possíveis desdobramentos desta atividade para
atividades posteriores, de acordo com os debates
suscitados pelos alunos. E finalmente são elencados
temas geradores para as outras disciplinas, como por
exemplo, português: um diário da expedição; mate-
mática – cálculo das distâncias das áreas pesquisadas;
geografia – mapas (reais ou não); história – os povos
das cavernas, os contrabandistas; etc.

xx Peça Didática: componente importante da obra

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


do diretor, dramaturgo e pesquisador alemão
Bertold Brecht, a peça didática propõe uma edu-
cação político-estética através de procedimentos
pedagógicos fundamentados no Teatro e no pra-
zer proporcionado por ele. Neste sentido, o autor
estava buscando um contraponto à educação bur-
guesa, que via como “a mera apropriação de um
bem cultural, ou a aquisição de uma mercadoria”
(Brecht apud Desgranges, 2006: 79). Deflagrando
um processo de democratização do teatro através
da pesquisa por novas possibilidades de espaços,
público e narrativas para o Teatro, Brecht iniciou
sua experiência com as peças didáticas sendo tra-
balhadas inicialmente nas escolas, com jovens e
crianças, ou nas fábricas, com operários.
No texto Para uma Teoria da Peça Didática (Bre-
cht apud Koudela, 2007: 16, 17), estabelecendo
como principais ferramentas didáticas o “efeito de
estranhamento” e o “modelo de ação”, o autor
fundamenta sua proposta: “A peça didática ensina

Imagem disponível em: http://1.


bp.blogspot.com/_kfXHq0xoo_c/
SOqjGydJ72I/AAAAAAAAAEU/
I92efk9REo0/s320/brecht1_1.jpg
quanto nela se atua, não quando se é espectador. Em
princípio, não há necessidade de espectadores, mas
eles podem ser utilizados.”

Exemplo de exercícios de “estranhamento” propostos


por Brecht (apud Koudela, idem: 112, 113)

hh a transposição par a terceira pessoa;


hh a transposição para o passado;
hh a verbalização de rubricas e comentários

A transposição para a terceira pessoas é recomenda-


da pro Brecht para desenvolver a atitude que torna
possível a “citação”. O atuante experimenta o seu
papel ora na primeira, ora na terceira pessoa. “Ele
levantou-se e disse, enraivecido, pois não havia al-
moçado... ou Ele ouviu isso pela primeira vez e não
sabia se era verdade... ou Ele sorriu e disse despreo-
cupadamente”.

No procedimento de trabalho com a peça didática, o


jogador/atuante encontra-se na mesma situação privi-
legiada que o ator diante da platéia. Em função da ex-
perimentação com o texto da peça didática, ele irá in-
vestigar um modelo de comportamento, atitude, gesto
e seu conteúdo de significação e efeitos históricos.

xx a Pedagogia do Oprimido: conjunto de métodos


e técnicas desenvolvidas pelo dramaturgo, ence-
nador, pesquisador e teórico brasileiro Augusto
Boal, recentemente falecido. Consagrado como
um dos mais importantes dramaturgos do em-
blemático Teatro de Arena de São Paulo (1953 –
1972), em obras como Arena conta Zumbi, Revo-
lução na América do Sul, Boal sofre duramente
com a opressão do Regime Militar pós-AI 5 (1968),
e após ser preso e torturado passa um longo pe-
ríodo de exílio em países da América Latina e
posteriormente na Europa. Sua experiência junto
aos mais diversos grupos populares e a inspiração
teórica na obra de Bertold Brecht (sobretudo nas
suas Peças Didáticas) o levaram à criação do Tea-
tro do Oprimido. Este constitui-se, de acordo com
Boal (2002: 15), como uma ferramenta de apoio –
através do teatro – às lutas dos oprimidos. Para
Boal, todos os seres humanos são atores, porque
agem, e espectadores, porque observam. Mas
32 fundamentalmente, para o autor, somos todos
“espect-atores”, ou seja, não somos espectadores
passivos, devemos e podemos agir para modifi-
car a cena – ou a vida. Neste sentido, seu método
pode ser usado tanto por atores profissionais ou
não-profissionais quanto por professores, em sala
de aula, ou ainda por grupos que desejem usar
a linguagem teatral com objetivos específicos (na
psicoterapia, na luta social ou política, etc.). Atra-
vés da Estética do Oprimido, busca-se desenvolver 33
entre os praticantes a capacidade de perceber o
mundo, por meio de todas as Artes e não apenas
do Teatro (podemos dizer que aqui o teatro fun-
ciona como um catalizador), focalizando o proces-
so no imbricamento entre Palavra (todos podem
e devem escrever poemas e narrativas), Som (in-
venção de novos instrumentos e de novos sons) e
Imagem (pintura, escultura, fotografia, etc.).
Dentre as técnicas que compõem o Teatro do Oprimi-
do encontram-se: O Teatro-Imagem, o Teatro-Fórum,

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


o Teatro-Invisível, o Teatro-Jornal, etc.

Imagem disponível em:


http://2.bp.blogspot.com/_
OLRIuwqImQQ/Sej1muRFcoI/
AAAAAAAAAFk/_Ph7-BOSyEM/
s400/Augusto+Boal.jpg

Exemplo de exercício na categoria “Sentir tudo


que se toca” (in Boal, 2002: 91,92):

Hipnotismo colombiano

Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto de


outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto
sempre à mesma distância da mão do hipnotizador,
os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso. O líder
iniciar uma série e movimentos com as mãos, retos
e circulares, para cima e para baixo, para os lados,
fazendo com qe o companheiro execute com o corpo
todas as estrutruas musculares possíveis, a fim de se
equilibrar e manter a mesma distância entre o ros-
to e a mão. A mão hipnotizadora, pode mudar, para
fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja
forçado a passar por entre as pernas do hipnotiza-
dor. As mãos do hipnotizador não devem jamais fa-
zer movimentos muito rápidos, que não possam ser
seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro
a assumir todas as posições ridículas, grotescas, não
usuais: são precisamente estas que ajudam o ator a
ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor
sentir as mais usuais. O ator vai utilizar certos mús-
culos pouco usados e a melhor sentir as mais usuais.
O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu
corpo. Depois de uns minutos, trocam-se o hipnoti-
zador e o hipnotizado. Alguns minutos mais, os dois
atores se hipnotizam um ao outro: ambos estendem
sua mão direita, e ambos obedecem à mão do outro.
• Variante:
Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta
vez, o ator dirige dois de seus companheiros, um com
cada mão. O líder não deve parar o movimento ne-
nhuma mão nem da outra. Esse exercício é para ele
também. Pode cruzar suas mãos, obrigar o parceiro a
passar por debaixo do outro (sem se tocarem). Cada
corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se
apoiar sobre o outro. O líder não pode fazer movi-
mentos muito violentos; ele não é um inimigo, mas
um aliado, mesmo se está tentando sempre desequi-
librar seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de ma-
neira que os três atores possam experimentar ser o
hipnotizador. Após uns minutos, os três atores, em
triângulo, hipnotizam-se uns aos outros, estenden-
do, à sua direita, sua mão direita e obedecendo à
mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda. (o
autor ainda oferece duas outras variantes).

xx A Etnocenologia: a linha de pesquisa chamada et-


nocenologia é uma das abordagens que pretende
dar conta da análise dos eventos “espetaculares”
como um todo. A etnocenologia surge, baseada
numa crítica ao etnocentrismo do termo “teatro”
(aplicável apenas a algumas culturas ocidentais),
como um conceito alternativo que busca contem-
plar a universalidade das práticas espetaculares.
Esta abordagem, iniciada há poucos mais de quinze
anos, especialmente por Jean-Marie Pradier (1996),
na França, vem se desenvolvendo no Brasil por
34 professores-pesquisadores-artistas como Marocco
(1996), Bião (1996), Brantes (2005), Veloso (2009),
entre outros. A etnocenologia tem como objetivo
“o estudo, nas diferentes culturas, das práticas e
dos comportamentos humanos espetaculares or-
ganizados” (tradução minha). Inspirado na obra
de John Blacking, especialmente no tocante à sua
argumentação para a criação da disciplina de etno-
musicologia, Pradier defende que a etnocenologia
vem suprir uma lacuna nos estudos da relação entre 35
corpo e produção simbólica. É aqui, então, que o
termo “espetacular” ganha espaço, definido como
“uma forma de ser, de se comportar, de se movi-
mentar, de agir no espaço, de se emocionar, de fa-
lar, de cantar e de se enfeitar distinta do cotidiano”
(PRADIER, 1998: 24). Pradier, no entanto, admite a
ambigüidade do termo e o contínuo processo de
aprimoramento de sua definição, pois as pesquisas
em etnocenologia acabarão se estendendo, bus-
cando experiências e expressões espetaculares nas
práticas, valores e símbolos também utilizados no

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


cotidiano4. Neste sentido, podemos acrescentar a
importante contribuição do prof. Armindo Bião,
do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
da UFBA, possivelmente o maior propagador das
pesquisas etnocenológicas. De acordo com ele, os
objetos originalmente descritos como “práticas e
comportamentos humanos espetaculares orga-
nizados” (PCHEO) poderiam ser divididos em três
subgrupos: artes do espetáculo, ritos espetaculares
e formas cotidianas, espetacularizadas pelo olhar
do pesquisador. (BIÃO, 2007: 26)5

xx Antropologia Teatral: as pesquisas de “teatro an-


tropológico”, realizadas por Eugênio Barba (1991,
1994, 1995) e pela equipe da ISTA (Internation Scho-
ol of Theatre Anthropology), visando a ampliação
das possibilidades de criação artística dos atores do
Ocidente, contribuíram com a sistematização de
princípios extra-cotidianos de uso do corpo seme-
lhantes e observáveis em diferentes culturas. En-
quanto a etnocenologia vai procurar estabelecer
um suporte teórico para a análise de tais manifes-
tações expressivas, a antropologia teatral vai expe-
rimentar, na prática, a comparação dos métodos
utilizados por performers de diferentes culturas.

4 
Inês Marocco (1996), professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cêni-
cas da UFRGS, vem desenvolvendo pesquisas nessa linha há mais de dez anos,
buscando, na lida campeira dos peões (o laçar, o pealar, o domar, etc.) e na trova,
uma análise do “gesto espetacular na cultura gaúcha”.
5 
Bião ainda acrescenta a esses três conjuntos ou subgrupos a condição de serem,
respectivamente, objetos substantivos, adjetivos e adverbiais. Para um maior apro-
fundamento nesta nova classificação sugerida pelo autor, ver Bião (2007).
Essas experiências vão ocorrer especialmente nas
reuniões anuais da ISTA, que envolvem workshops,
demonstrações e finalizam com o Theatrum Mun-
di, espetáculo onde artistas de diferentes culturas
e técnicas de performance contracenam (Skeel,
1994), e também nas trocas, nas quais os atores do
Odin Teatret, grupo dirigido por Barba, comparti-
lham suas técnicas de performance com comunida-
des de diversas partes do mundo. Barba vai argu-
mentar sobre as trocas (1991: 104): “Todos podem
dançar suas próprias danças e cantar suas próprias
canções. Aqui não existe um momento estético do
espetáculo, não existe por um lado os profissionais
que cantam, dançam e recitam e, por outro lado,
pessoas que passivamente os observam e os con-
sideram como especialistas da música, da dança e
do recital. É esta nossa ‘troca’. Não renunciamos ao
que era nosso, eles não renunciam ao que era de-
les. Definimo-nos reciprocamente através de nosso
patrimônio cultural.”

Imagem disponível em: http://pages.pomona.


edu/~tgl04747/Tom.gif

xx Os estudos da performance: originados nas pes-


quisas e práticas teatrais do diretor e professor
da New York University, Richard Schechner (1988;
1992), os estudos da performance encontram-se na
confluência entre as pesquisas teatrais e antropo-
lógicas. Schecher foi possivelmente quem melhor
(ou primeiro) fez uma adequada ligação entre am-
bas as perspectivas de análise. Para ele a perfor-
mance está enraizada na prática e é fundamental-
mente interdisciplinar e intercultural (1988: xv)6.

6 
Há uma sutil diferença, no entanto, entre a escola norte-americana dos Per-
formances Studies, desenvolvidos por Schechner, e a Etnocenologia francesa de
36 Pradier: enquanto esta focaliza o caráter êmico e individualizado das representa-
ções, aquela, ainda que também considere suas atribuições êmicas, volta-se, numa
perspectiva intercultural, para estudos comparativos, vislumbrando universais do
comportamento humano.
Considerando que os performance studies envol-
vem diversas artes, atividades e comportamentos,
Schechner organiza as atividades performativas da
seguinte maneira (1992: 273): de acordo com a re-
lativa “artificialidade” da atividade ou gênero, de
acordo com a necessidade de treinamento formal,
de acordo com o relacionamento entre “espaço 37
teatral” e “evento teatral” e de acordo com o sta-
tus social e ontológico de quem está atuando e
de quem está sendo representado. Mas, segundo
o próprio Schechner, sua taxonomia é falha, pois
freqüentemente uma performance mistura ou ex-
clui algumas destas categorias:
Performance não é fácil de definir ou localizar:
conceito e estrutura tem espalhado-se para todos
os lugares. É étnico e intercultural, histórico e a-
histórico, estético e ritual, sociológico e político.

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


Performance é um modo de comportamento, uma
abordagem da experiência; é um jogo, um espor-
te, entretenimento popular, teatro experimental, e
mais. Mas como uma ampla perspectiva a desenvol-
ver, a performance precisa ser escrita com precisão
e em total detalhamento.7

Imagem disponível em: http://2.


bp.blogspot.com/_ngADQjovV4w/
RypOzvfvLlI/AAAAAAAAC0Q/XJ_
qtGMRT0g/s400/les_indiens01.jpg

A discussão vivaz sobre os estudos da performan-


ce, suscitada por Schechner ao longo dos últimos
trinta anos, permite que ele vislumbre a amplitu-
de das questões envolvidas nesta perspectiva de
abordagem da sociedade.

7 
Tradução da autora.
A PEDAGOGIA DO TEATRO –
UMA NOVA CATEGORIA PARA
NOVAS DEMANDAS

Como já foi introduzido no início deste texto, atual- http://www.dac.ufsc.


mente a terminologia “Pedagogia do Teatro” toma br/fotos/semanateatro/
conta das discussões que ocorrem nas interfaces en- semana_teatro_
tre o Teatro e a Educação. Uma nova perspectiva de chamas03.jpg
abordagem do ensino/aprendizagem do teatro ca-
racteriza essa nomenclatura, cuja principal mudan-
ça em relação às abordagens mais tradicionais da
Arte-Educação está no fato de não separar a práti-
ca teatral que ocorre no ambiente escolar da práti-
ca que é realizada por atores ou diretores, ou seja,
por profissionais do teatro. Três autores nos ajuda-
rão a compreender essa transformação conceitual,
suas implicações na formação dos novos docentes da
área de teatro e sua reverberação nas salas de aula
e nas salas de treinamento e ensaio. São eles: Ingrid
Koudela, Biange Cabral e Gilberto Icle, todos profes-
sores, de diferentes instituições e gerações, que têm
realizado ótimas reflexões sobre o tema.

38 Comecemos com uma pequena historicização do bi-


nômio Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação.
De acordo com a profa. Ingrid Koudela (2006: 161), a
utilização da grafia Teatro/Educação, com uma barra
entre os termos, no início da década de 70, visava
deixar em aberto as relações a serem estabelecidas
entre ambos os campos de atuação. Ao longo desta
mesma década, com a tradução do termo Art Educa-
tion, em inglês, oriundo das Artes Visuais dos EUA,
a grafia Teatro-Educação passou a vigorar nos con- 39
gressos da Federação de Arte-Educadores do Brasil
(FAEB) e da Associação de Arte-Educadores de São
Paulo (AESP), nos quais a autora participara. A partir
de então o termo Arte-Educação generalizou-se en-
globando as outras áreas de conhecimento em artes,
como o Teatro, a Dança e a Música, que passaram a
ser concebidas como linguagens (o que se mantém
até os dias de hoje, como vimos, inclusive nos PCNs),
sob a égide conceitual, no entanto, das Artes Visuais.

O termo Pedagogia do Teatro é utilizado, inicialmen-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


te, em diferentes contextos, como na descrição dos
processos de aprendizagem de teatro em distintas cul-
turas, feita nas diversas obras que dão suporte à An-
tropologia Teatral de Eugênio Barba, ou na proposta
alemã de diálogo entre a pedagogia e a educação,
Theaterpädagogik. Para Koudela (op. cit. 163):

O intuito de incorporar reflexões e indagações so-


bre a Pedagogia do Teatro visou não apenas a am-
pliar o espectro da pesquisa na área, trazendo para
a discussão os Mestres do Teatro – dramaturgos, te-
óricos e encenadores –, como também fundamentar
a epistemologia e os processos de trabalho do tea-
tro, inserindo-os na história da cultura.

Já Gilberto Icle, que é ator, diretor e professor da


Faculdade de Educação da UFRGS, levanta as condi-
ções de emergência da pedagogia teatral como um
eixo teórico-metodológico que aproxima diferentes
instâncias do fazer teatral. Em sua pesquisa, o autor
considera que as principais mudanças que definiram
novas abordagens da prática teatral ocorreram não
necessariamente nos espetáculos, mas nas salas de
ensaio, escolas e laboratórios. Segundo ele, nas situ-
ações pedagógicas engrendradas por personalidades
como Stanislavski, Meyerhold, Copeau, Grotowski
ou Barba revelaram-se “a dinâmica e as relações in-
dissociáveis entre o artístico e o pedagógico.” (Icle,
2007: 1. O autor vai elencar, então, alguns elemen-
tos que caracterizam essa que pode ser considerada
uma mudança de paradigma, que ocorre no teatro
ao longo do século XX e que orienta a relação deste
com a educação. Entre estes elementos, ele inclui:
1) a instauração da improvisação como procedimen-
to criativo; 2) a conversão do diretor num “diretor-
pedagogo”, que precisa criar um “ambiente pedagó-
gico” para que consiga desenvolver seu processo de
pesquisa e criação da encenação junto aos atores e
aos demais membros da equipe; 3) a transformação
do grupo de teatro em comunidade teatral, que não
toma mais o espetáculo as ponto-chave do teatro,
valorizando o processo criativo e o desenvolvimento
de identidades teatrais localizadas social e cultural-
mente. Para Icle (2007: 4):

são nas mudanças, nas passagens, nas rupturas, nos


movimentos, nas formas distintas e “novas” de fa-
zer e pensar teatro que aquilo que chamamos de
pedagogia teatral foi se engendrando, se discipli-
nando, se constituindo como um discurso e uma
prática verdadeira.

Debruçando-se de forma mais específica na Antro-


pologia Teatral de Eugenio Barba, o autor aponta
para as contribuições que esta pode aportar para o
campo da Pedagogia do Teatro e, mais efetivamente,
no ensino do teatro. Uma das principais contribui-
ções passaria pela compreensão do conceito de pré-
expressividade, ou seja, tudo aquilo que antecede o
momento expressivo, de representação propriamen-
te dita – o que vem antes da cena, do palco, da dança.
O conceito se estrutura sobre duas categorias opostas
e complementares: o cotidiano e o extracotidiano,
que mobilizam energias distintas, já que operam no
sentido de alcançar diferentes objetivos. Barba iden-
tificou o que intitula de “princípios pré-expressivos”
semelhantes em diferentes culturas, que permitiriam
a constatação de que há uma dimensão que prepa-
ra, antecede e organiza a os corpos para o estado
de atuação e que esta dimensão não está vinculada
diretamente a um significado ou a um conteúdo. De
alguma maneira, este embasamento empírico-refle-
xivo legitima a idéia de treinamento do ator – ou do
trabalho com alunos, em sala de aula, desvinculado
da idéia de uma montagem. O desenvolvimento dos
princípios pré-expressivos com alunos e/ou atores os
tornaria potencialmente expressivos, melhor prepa-
rados, assim, para atuar em uma situação extra-coti-
diana – teatral. Respeitando o trabalho de descober-
40
ta individual de cada aluno dentro desses princípios,
o professor também estaria exercitando uma forma
de conduzir um processo no qual sua intervenção é
limitada ao apoio no desenvolvimento do potencial
criativo dos alunos.

As implicações dos conceitos de pedagogia do tea-


tro e teatro como pedagogia no âmbito do Teatro
na Educação também são discutidas pela professora
Biange Cabral. Se o primeiro identifica determina- 41
dos métodos de ensino e planejamentos, o segundo
prevê que toda atividade com a linguagem teatral
em sala de aula já configura uma pedagogia, inde-
pendente do planejamento. Para Biange (2007: 1),
embora essa abordagem acentue uma dicotomia, o
que sempre é arriscado, esse risco se justificado pois
acentua a especificidade do teatro face à função do
planejamento de ensino e à questão da aquisição de
conhecimentos próprios da área.

A autora, que tem defendido em diversos artigos a le-

Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


gitimidade e o valor do trabalho do professor de tea-
tro, ao mesmo tempo em que aponta a importância de
um planejamento que especifique os objetivos artísti-
cos a serem explorados (linguagem cênica), estéticos
(valores) e temáticos (aspectos do texto ou tema),
também lembra que o docente deve permanecer sem-
pre atento para o contexto de trabalho, considerando
sempre a possibilidade de alterar o programa do cur-
so de acordo com as demandas dos alunos. Podemos
relembrar, neste sentido, que a contextualização é um
dos eixos da proposta triangular de Ana Mae Barbosa,
apresentada no início deste texto.

Finalmente, Biange ainda traz para a discussão a pro-


posta de Henri Giroux, de uma pedagogia da possibi-
lidade. A partir do conceito-chave de resistência, este
autor propõe a autonomia dos docentes (e podería-
mos pensar no caso específico dos docentes de tea-
tro) no sentido de reagirem contra a dominação das
teorias dominantes e a reprodução pura e simples de
elementos culturais alheios à sua própria cultura. O
professor deve assumir-se como um agente que en-
cara a educação como um empreendimento político,
social e cultural.

Conquanto as abordagens pedagógicas contemporâ-


neas em arte-educação têm enfatizado que se faça
uma justa distribuição, em sala de aula, entre a cria-
ção (prática), a apreciação (formação do público) e a
contextualização (atenção às peculiaridades da cul-
tura e da sociedade em questão), é fundamental que
os modelos pedagógicos disponíveis – como os que
vimos acima, por exemplo – não se tornem demasia-
damente rígidos e distanciados das realidades locais.
Isso acabaria por inviabilizar resultados produtivos
em termos da sensibilização à linguagem teatral – e,
consequentemente, à arte e às relações humanas –
nos diferentes níveis. Comunicar – e se comunicar –
como já disse Viola Spolin, deve sempre ser mais im-
portante que o método utilizado para tanto. A nova
concepção do Teatro na Educação, neste sentido,
pela abordagem da Pedagogia do Teatro, permite
que se conheça e se contemple as riquezas culturais
dos diferentes sujeitos envolvidos nos processos de
construção de conhecimento através do Teatro. E
através do Teatro não apenas ensinamos e aprende-
mos, mas também vivenciamos, sentimos, refletimos,
imaginamos e criamos novos mundos possíveis.

42
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Unidade 1 – O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo


Unidade 2

O que é um espectador?
Dos modos de constituir-se
dentro e fora da aula de teatro
Taís Ferreira

48
INTRODUÇÃO OU O QUE O
ESPECTADOR TEM A VER COM
AS AULAS DE TEATRO?
Aprende-se a ser espectador? A escola nos ensina a
49
sermos espectadores? A aula de teatro ensina a ser
espectador de teatro? É preciso aprender algo para
ser espectador? Onde, então, aprende-se a ser espec-
tador? Que espaços-tempos e artefatos são esses que
contemporaneamente crianças e jovens usufruem e
nos quais constituem suas identidades, suas subjetivi-
dades e seu repertório de “espectar”?

A propósito: o que é um espectador? Por que falar da


parte “menos importante”, “menos tangível”, “me-
nos discutida”, “menos conhecida”, “menos glamou-

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
rosa” (não há cobertura da mídia, nem fotos, nem
livros de história, nem críticas sobre espectadores,
ainda que se reconheça o crítico como “espectador
privilegiado”), ou seja, da parte minorada do todo
que é o acontecimento teatral? E, por conseguinte:
qual a pertinência de refletir acerca de ser especta-
dor nos processos de ensino-aprendizagem teatral?

Comecemos pela palavra e alguns de seus significa-


dos, na tentativa (possivelmente inglória) de respon-
der à questão que dá título a estes escritos. Parece-
me que o dicionário sempre auxilia a construir linhas
de fuga aos significados estanques, mesmo em se
tratando de termos que são consenso notório, como
a palavra espectador. Diz-nos, portanto, o Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001): es-
pectador é “adjetivo e substantivo masculino; 1 que
ou aquele que assiste a um espetáculo; 2 que ou
aquele que presencia um fato; testemunha, presen-
te; 3 que ou aquele que observa ou examina (algo);
observador”. O homônimo expectador nos diz: “ad-
jetivo e substantivo masculino; que ou aquele que
permanece na expectativa”. Nada de novo, por en-
quanto. Mas, logo abaixo, mora o verbo espectar e
este sim abre novas possibilidades de pensar e cons-
truir o espectador na contemporaneidade. Espectar:
“verbo; Diacronismo: obsoleto. Transitivo direto;
olhar, assistir, apreciar (grifos meus)”. Pensemos, en-
tão, partindo do espectar como obsoleto.

Se considerarmos o espectador enquanto uma par-


te ativa do acontecimento teatral, ou seja, como
imprescindível ao teatro, ainda assim corremos o ris-
co de colocá-lo em um espaço minorado. O diretor, o
dramaturgo, o ator, o grupo, a peça, a performance:
todos propõem, todos lançam no espaço vazio suas
propostas criativas, suas intenções estéticas, seus pro-
cessos e seus resultados cênicos. Há espaço para o es-
pectador neste lugar tão repleto de idéias, ideais e
materiais? Ou melhor: pensa-se o espectador quando
se pensa teatro? Independente de quais e de como
são as propostas cênicas (do tradicional teatro de
texto em palco italiano às mais inusitadas propostas
performáticas), estudar, conhecer e, ousaria dizer, fa-
zer teatro implica considerar a existência do especta-
dor para além daquele que observa e espera?

Quem é o espectador? Deixemos neste instante as


subjetividades de lado, reformulemos a questão in-
tentando a (impossível) neutralidade: o que é um es-
pectador? Aquele que observa e espera (HOUAISS,
2001)? Aquele que acolhe e hospeda (DERRIDA,
2003)? Aquele que completa (ECO, 2001)? Aquele
que cria dialogicamente (BAKHTIN, 1992)? Aquele
que constitui e é constituído através da linguagem
(FOUCAULT, 2007)? Aquele que co-habita e comparte
o espaço-tempo íntimo do ato cênico do ator (GRO-
TOWSKI, 1971)? Aquele que tem seus sentidos inde-
levelmente abalados (ARTAUD, 1993)? Aquele que
age pelo e através do teatro (BOAL, 1998)? Aquele
que se posiciona (BRECHT)? Aquele que aprende
com o jogo do outro (SPOLIN, 1987)? Todas as alter-
nativas poderiam ser consideradas corretas, todas se
complementam e podem constituir uma genealogia
do espaço ocupado pelo espectador nos processos de
criação ao longo da história do teatro no século XX.

Porém, convém salientar que espectar é obsoleto:


observar, contemplar, olhar, apreciar (se forem en-
tendidos como passivos) há muito não podem ser
consideradas as únicas funções do espectador. O es-
pectador passa a ser compreendido como um co-au-
tor, ou, simplesmente, como mais um autor da obra.
É necessário que um espectador ative toda a sua
gama de repertórios de espectar (teatro, TV, música,
páginas da internet, cinema, dança, obras de arte,
vídeos, revistas, livros, outdoors, shows, entre outros)
para construir a recepção. Que não é pontual e sim
processual; que se dá antes da relação direta com o
50
artefato, durante e depois, num devir-espectador
que se constrói diferentemente a cada comunidade
de recepção a qual se pertence, a cada cenário de
recepção no qual se circula. Ser espectador é mais do
que ser receptor: é ser um inevitável produtor. De
sentidos, de significados, de sensações, de sentimen-
tos, de conhecimento.

Este texto não propõe uma pedagogia do especta-


dor8, não apresenta soluções nem metodologias pos- 51
síveis para formar espectadores. Simplesmente tenta
refletir acerca de como nos constituímos espectado-
res nos diversos âmbitos de nossas vidas contemporâ-
neas, e tenta mapear alguns espaços-tempo de for-
mação e apresentar a aula de teatro como possível
espaço deste constituir-se no teatro.

A partir destas considerações iniciais, desenvol-


verei (breve, e não exaustivamente) os seguintes
apontamentos:

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
xx entender o teatro, a produção cultural para crian-
ças e jovens, como parte de um circuito cultural de
produção, circulação e consumo, contextualizan-
do-o sócio, econômica e culturalmente ;

xx debater as pedagogias culturais, ou seja, artefatos


e seus discursos, que nos ensinam modos de ser e
estar no mundo, constituindo identidades e subje-
tividades de espectadores;

xx levantar as múltiplas mediações que atravessam e


constituem a relação dos espectadores com a lin-
guagem teatral para, finalmente;

xx apresentar linhas de fuga e pontos de encontro


que possibilitem a pedagogia teatral e a recepção
caminharem juntas.

8 
Para tal fim, ver as publicações do professor e pesquisador Flávio Desgranges,
que desenvolve estudos acerca da “pedagogia do espectador”.
A PRODUÇÃO TEATRAL
PARA CRIANÇAS E JOVENS
NA CONTEMPORANEIDADE:
TEATRO COMO PRODUTO NO
CIRCUITO DA CULTURA9

As crianças e jovens sempre foram espectadores de Figura 1. Crianças e adultos


teatro no ocidente. Há indícios de que crianças fre- assistem ao espetáculo de
qüentavam os anfiteatros gregos, havia crianças e jo- teatro de rua da Cooperativa
vens nas platéias das arenas romanas, os teatros litúr- de Artistas Teatrais Oigalê10,
gico e profano da Idade Média (realizados nas igrejas “Negrinho do Pastoreio”.
e posteriormente em vias públicas) também eram Crédito da fotografia: Kiran.
assistidos por crianças, jovens e adultos, da mesma
forma as peças das trupes mambembes da comme-
dia dell’arte italiana, o teatro elisabetano (de cunho
extremamente popular na Inglaterra do século XVI e
XVII), os autos teatrais jesuíticos que catequizavam
os índios brasileiros no século XVI, os corrales do bar-
roco espanhol também contavam com espectadores
homens e mulheres, pobres e ricos, velhos e crianças,
o teatro de bonecos indiano era teatro para adul-
tos e crianças; em todas as épocas pode-se encontrar

9 
O modelo de circuito da cultura a partir do qual discorro nestes escritos é aquele
52 apresentado por JOHNSON no artigo “O que é, afinal, estudos culturais?” (1999).
10 
Todas as fotografias que ilustram este artigo são de espetáculos da Cooperativa
de Artistas Teatrais Oigalê, de Porto Alegre/RS, e seu uso foi gentilmente autorizado
pelo grupo. Maiores informações em: <http://www.oigale.com.br/index.htm>.
registros de platéias formadas por pessoas de todas
faixas etárias. Enfim, até o século XX, crianças, jovens
e adultos iam juntos ao teatro, não havia uma produ-
ção específica direcionada à infância e à juventude,
o que não significa que estas não freqüentassem as
praças públicas e salas de espetáculos.
53
Ariès (1991) exemplifica vários aspectos da invenção
da infância moderna, ou seja, da construção cultural
(e não biológica ou imanente à raça humana) ocor-
rida em meados dos séculos XVI e XVII e que fez da
infância uma fase particular da vida, marcada pela
instituição de determinadas características posterior-
mente consideradas inerentes à condição infantil.

A partir de trechos do diário do príncipe Luís XIII


da França, escritos por seu médico, Ariès comenta a
construção do infantil e algumas práticas e dispositi-

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
vos que buscam entendê-lo, capturá-lo e discipliná-
lo. Em certos momentos, pode-se perceber a presen-
ça das crianças em manifestações artísticas e lúdicas,
que estas compartilhavam com os adultos. Narra-se
o teatro de bonecos, o teatro feito por atores e a
dança como elementos presentes na vida do peque-
no aristocrata.

Tudo indica que a idade dos sete anos marcava uma


idade de certa importância: era a idade geralmente
fixada pela literatura moralista e pedagógica do sé-
culo XVII para a criança entrar na escola ou começar
a trabalhar. (...) pois embora não brinque mais ou
não deva mais brincar com bonecas, o Delfim (Luís
XIII) continua a levar a mesma vida de antes. Ainda
é surrado e seus divertimentos quase não se alte-
ram. Ele vai cada vez mais ao teatro, chegando em
pouco tempo a ir quase todos os dias: uma prova
da importância da comédia, da farsa e do balé nos
freqüentes espetáculos de interior ou ao ar livre de
nossos ancestrais (ARIES, 1991, p. 87).

Tanto como o teatro, a literatura também não pos-


suía uma categoria distinta para as crianças, ainda
que houvesse leituras consideradas adequadas às
mulheres, às classes desfavorecidas, aos intelectuais,
aos aristocratas, não havia, até o século XVII (quando
Perrault compila alguns contos folclóricos na França
e os nomeia Contos da Mamãe Gansa, dedicando-os
a uma das pequenas princesas do país) notícias de
artefatos que pudessem classificar-se dentro da cate-
goria “literatura infantil”. Ainda seguindo Ariès, “os
mesmos jogos eram comuns a ambos, crianças e adul-
tos” (1991, p. 88), assim como os contos populares, o
teatro de marionetes, as comédias, as danças, os jo-
gos dramáticos, a música e a literatura também eram
compartilhados por crianças, jovens e adultos. “A
mudança se faz insensivelmente nessa longa seqüên-
cia de divertimentos que a criança toma emprestada
dos adultos ou divide com eles” (Id., Ibid.).

Com o andamento da modernidade (e de seus me-


canismos de disciplinamento, classificação e normali-
zação) instituíram-se fases da vida humana distintas
em obrigações e direitos: as crianças, os jovens e os
adultos passam a contar cada qual com seus próprios
artefatos culturais, voltados para seu nível específi-
co de desenvolvimento cognitivo e formação moral.
Brinquedos, literatura e roupas para crianças só po-
deriam veicular conteúdos adequados àquilo que es-
tas pudessem conhecer. Cria-se uma barreira entre o
mundo dos adultos e o mundo das crianças, que en-
volve diferenciações relativas ao poder-saber. Temas
como a sexualidade são banidos das experiências for-
mais de aprendizagem infantil das classes abastadas,
assim como aos poucos a violência, a política e a reali-
dade social. Há coisas que só os adultos podem saber.
Às crianças e aos jovens ficam destinados a inocência,
os mundos oníricos, tudo aquilo que é belo e bom.

Chegamos à segunda metade do século XX e o ad-


vento da cultura de massa e da midiatização do co-
tidiano transforma estas fronteiras entre crianças de
adultos: agora, novamente, as crianças e jovens têm
pleno e ilimitado acesso ao mundo dos adultos, atra-
vés da televisão, da internet e de outros meios.

Assim, dispomos hoje de um verdadeiro arsenal de


livros, filmes, músicas, vídeos na internet, imagens,
revistas, roupas, programas televisivos e peças de te-
atro, entre outros artefatos, perfeitamente inseridos
no circuito da cultura, impulsionando o consumo e a
circulação de bens simbólicos, cada qual voltado para
determinado grupo de idade, ainda que o controle
ao acesso seja muito problemático no caso dos “ar-
tefatos de conteúdo impróprio”. Identidades e sub-
jetividades constituem-se a partir deste consumo e o
teatro não foge à regra. Podemos, desta forma, pen-
sar na constituição de um campo específico de teatro
54
para a infância e a juventude, que aqui denominarei
como campo do teatro infantil.
Embora o teatro (campo teatral) seja considerado um
“domínio cultural nobre” (BOURDIEU), o teatro in-
fantil e as práticas nele envolvidas distinguem-se rela-
tivamente ao campo teatral em sua amplitude. Mes-
mo havendo lutas pela distinção dentro do próprio
campo (teatro comercial versus teatro experimental,
teatro clássico versus teatro contemporâneo, teatro 55
do eixo Rio-São Paulo versus teatro das outras regiões
do país e muitas outras), o teatro para crianças assu-
me certas características que lhe conferem especifici-
dade e até autonomia em relação ao campo teatral.

A intertextualidade e mestiçagem com campos como


o educacional/ escolar, o da cultura de massa e o das
culturas populares, o da literatura, o campo dos sa-
beres/ poderes relativos ao infantil e o campo econô-
mico confere-lhe peculiaridades estruturais, funcio-
nais, de conteúdo e de inserção no circuito da cultura

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
que permitem pensar a existência de um campo do
teatro infantil.

O teatro infantil goza, hoje, no Brasil, com o mérito


de ter muitas salas de espetáculo lotadas, em detri-
mento ao teatro realizado tendo como público alvo
os adultos, que acompanha uma decrescente taxa de
ocupação (com exceção do público que lota salas de
espetáculos em busca de atores televisivos e comé-
dias de costume sobre as relações da classe média).
Um grande número de crianças e jovens em idade
escolar também tem acesso aos espetáculos teatrais
através de contratos firmados entre grupos e/ou pro-
dutores e as instituições de ensino. Projetos de des-
centralização cultural de órgãos estatais também
colaboram para o número crescente de crianças e
jovens que têm contato, se não freqüente, ao menos
esporádico, com o teatro produzido para a infância
e a juventude. Portanto, estabelece-se um lucrativo
mercado para grupos e produtores teatrais.

Em decorrência disto, pode-se notar um tom pejora-


tivo na maior parte das referências relativas ao teatro
infanto-juvenil, devido justamente à ampla inserção
deste setor em circuitos comerciais de produção, cir-
culação e consumo. No entanto, discutir, reconhecer
e contextualizar esta produção teatral para infância
e juventude é um exercício que se tem mostrado ex-
tremamente profícuo ao entendimento da recepção
inserida no circuito cultural de produção e consumo.
Cabe aqui, portanto, uma breve explanação sobre os
artefatos teatrais produzidos para este público.
ARTEFATOS TEATRAIS PARA
INFÂNCIA E JUVENTUDE
As peças de teatro para crianças contam com algu-
mas características formais, estéticas e de conteúdo
peculiares. Ainda que sejam espetáculos cênicos,
que se valham de elementos componentes do pró-
prio campo do teatro, encontra-se certa recorrência
a algumas representações estereotipadas do infantil
e tentativas de busca de uma linguagem que seria
própria ao entendimento das crianças ou dos jovens.
Na maioria das vezes, estes recursos “peculiares do
infantil ou juvenil” nada mais fazem que subestimar
a capacidade de interação das crianças e jovens com
a linguagem teatral, veiculando estereótipos cultu-
rais e estéticos. Há algumas destas representações
que perpassam a maior parte dos espetáculos, mas
dentro deste universo existe uma variabilidade con-
siderável de temas abordados, técnicas e tecnologias
utilizadas, bem como inúmeras linhas de fuga: traba-
lhos que se apresentam dissidentes do corriqueiro,
das representações e dos conteúdos convencionados
como infantis ou juvenis, que não se atrelam a de-
terminadas convenções do campo, transformando-as
e outras instituindo no ato mesmo de contestá-las.
Não se nega neste espaço que haja bom teatro para
crianças e jovens, não se busca empreender juízo
de valor, e sim problematizar o que se observa com
maior freqüência no campo do teatro infantil.

Contudo, intriga-me como as crianças operam na


apreensão e na atribuição de sentidos a estes este-
reótipos, que elementos utilizam na recepção deste
“estranho mundo que a elas é mostrado e ofertado”
(ABRAMOVICH, 1983) pelos produtores culturais?

O teatro contemporâneo se caracteriza pela atomi-


zação, pela diversidade e coexistência pacífica de po-
éticas e concepções estéticas, é o “cânone da multi-
plicidade” que se faz presente. E esta multiplicidade
encontra-se tanto no teatro adulto quanto no infan-
til, no qual, a partir dos anos 80, passam a conviver
diversos gêneros, técnicas e estilos: teatro de atores,
de bonecos, de formas animadas, de sombras, musi-
cais, mímicas, danças, as linguagens circense e clow-
nesca, entre outras.
56
Quanto à dramaturgia, dentre os tipos ou estilos mais
comumente observáveis em espetáculos do campo
do teatro infantil, pode-se destacar: a) a transposi-
ção cênica de contos de fadas ou contos folclóricos
tradicionais; b) a adaptação de obras literárias des-
tinadas ao público infantil para a forma dramática
e sua encenação; c) textos dramáticos para o teatro
infantil já consagrados através dos anos por diversas
montagens, a exemplo da dramaturgia de Maria Cla- 57
ra Machado, Sylvia Orthof, Ilo Krugli, Ivo Bender e
d) os textos inéditos, de autores locais em sua maio-
ria, e as criações coletivas de grupos teatrais.

Acerca das características das encenações, destaco


o uso de recursos como bonecos e formas animadas
como freqüente nestes artefatos. A presença abun-
dante da cor e da estilização de cenários e figurinos,
na tentativa de criar universos fictícios e oníricos e
de chamar a atenção através da percepção visual das
audiências infantis é também um fato quase que

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
consensual. Efeitos tecnológicos especiais, além da
iluminação tradicional, têm sido regularmente utili-
zados; tentativas por vezes infelizes de plagiar meios
audiovisuais como a televisão e o cinema. Elemen-
tos como a música e a dança parecem ser integrantes
das características dos artefatos do campo do teatro
infantil, se pensarmos na freqüência com que apare-
cem nas cenas.

Quanto às temáticas veiculadas e abordadas nas pe-


ças, encontra-se uma ampla gama de assuntos, com
marcada presença de questões pára-didáticas varia-
das como higiene, ecologia e os temas transversais
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
para Educação Básica. Há também questões relativas
à formação moral e ética da criança, às relações fami-
liares e interpessoais e um forte resgate da ludicida-
de presente em jogos e brincadeiras tradicionais, na
poesia e sua sonoridade. A formação de uma identi-
dade regional e sentimentos de brasilidade também
estão presentes.

É possível fazer uma relação direta destes temas com


os conteúdos curriculares da maioria das instituições
de ensino fundamental do país, começando aí a cons-
tatar-se a intertextualidade com a escola que vem,
progressivamente, constituindo e caracterizando os
espetáculos de teatro infantil. A comicidade e a ins-
tauração de atmosferas lúdicas são recursos recor-
rentes, bem como jogos de pergunta-reposta, visivel-
mente inspirados nas experiências pavlovianas.
Podemos tomar como exemplo desta relação de hi-
bridização e intertextualidade com a escola e seus
conteúdos curriculares o espetáculo para “escolas e
espaços alternativos” da Cooperativa de Artistas Te-
atrais Oigalê, “A Máquina do Tempo”, sobre o qual
está informado no site do grupo:

A Oigalê propõe um trabalho de educação ambien- Figura 2. Crianças


tal através do espetáculo “A Máquina do Tempo”, assistem ao espetáculo “A
enfocando a questão do uso racional da água. Para Máquina do Tempo”, da
isso, apresenta as figuras características da família Cooperativa de Artistas
Teatrais Oigalê, nas
brasileira como pano de fundo para despertar a
dependências da escola.
população sobre a necessidade de preservação do
Crédito da fotografia:
meio ambiente.
Isabella Lacerda.
hh Espetáculo de teatro de rua, infanto-juvenil.
hh Para escolas recomenda-se 1ª a 8ª séries. Acompa-
nha CADERNO DE ATIVIDADES.
hh Pode ser apresentado em praças, parques, pátios
e espaços alternativos (apresenta-se também uma
versão para palco).

O espetáculo estreou em março de 2005, já tendo


realizado 50 apresentações para mais de 16 mil
pessoas, em diversas cidades do Rio Grande do Sul
(OIGALÊ, 2009).

58
Cumpre notar que, para além da proposta de ser um
espetáculo abertamente didático, a estética dos figu-
rinos e elementos cênicos, que podem ser observados
na foto acima, também segue algumas características
da produção teatral infanto-juvenil levantadas ante-
riormente neste texto.

Embora seja um campo relativamente recente no


Brasil (é só a partir da década de 50 que peças para
crianças e jovens concebidas por produtores adultos 59
começam a entrar em circulação, antes disto existia
um “teatro feito por crianças para crianças”, portan-
to amador), o mercado de bens simbólicos no campo
do teatro infantil é perpassado pela intertextualida-
de e articula-se com diversos campos. Isto fica explí-
cito no que concerne aos mecanismos de comerciali-
zação de seus produtos e do capital simbólico a eles
atrelado, como no exemplo acima citado de determi-
nado espetáculo da Oigalê.

Os artefatos teatrais para crianças e jovens contam,

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
em muitos casos, com forte apelo comercial: se há
anjos nas novelas televisivas, surgem espetáculos
com estes personagens; o mesmo aconteceu nos úl-
timos anos com gnomos e vampiros, ambos perso-
nagens de novelas veiculadas com grande audiência
e sucesso, principalmente entre as crianças e jovens.
Isso sem falar nos contos de fada, personagens de
desenhos animados e nas temáticas “adolescentes”
como a drogadição, problemas familiares e a sexu-
alidade (como se esses fossem os únicos assuntos de
interesse dos jovens!).

Figura 3. Grupo de jovens


diverte-se ao interagir com atriz
em perna-de-pau no espetáculo
“Deus e o Diabo na Terra de
Miséria”, da Cooperativa de
Artistas Teatrais Oigalê. Crédito
da fotografia: Kiran.

Parece-me que através de elementos estéticos, dis-


cursivos e temáticos, que se tornaram convenções do
campo, busca-se fazer do teatro infantil um misto
de teatro popular (no qual o elemento cômico e os
personagens tipificados são presenças marcantes) e
de referenciais da cultura de massa (apropriando-se
das estéticas dos desenhos animados, dos filmes da
Disney, do videogame, dos jogos de computador, dos
videoclipes, entre outros). Tudo isto sem abrir mão
do status de arte do qual goza o campo, já que inse-
rido dentro do macrocampo da arte.

E esta hibridização não somente ocorre na produção


dos bens simbólicos, dá-se também nas formas de
apropriação e consumo destes. Sendo os espectado-
res pertencentes às diversas esferas sociais e estando
eles em contato com os mais heterogêneos tipos de
artefatos e linguagens, também seu consumo e sua
recepção serão híbridos; compostos e mediados pelas
diversas possibilidades das culturas pós-modernas.
Em todas as classes podemos encontrar, misturados,
o consumo das ditas alta cultura, da cultura popular
e da cultura de massa, ainda que hoje esta divisão
seja amplamente problematizada e contestada nos
estudos de áreas como a comunicação, a educação, a
sociologia e as artes.

Algumas características acima citadas podem ser ob-


servadas em grande parte da produção teatral para
jovens e crianças e estas poderão ser (proficuamente)
levadas em consideração quando a recepção teatral
for foco de análise e debate tanto em aulas de teatro
como no âmbito das pedagogias culturais compreen-
didas de forma mais ampla, como descrevo a seguir.

60
PEDAGOGIAS CULTURAIS:
ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE
APRENDE (TAMBÉM) A SER
ESPECTADOR
61
Há, nos dias de hoje, vários espaços-tempo de apren-
dizagem. A escola perdeu seu posto de “rainha abso-
lutista” dos processos de ensino-aprendizagem: isso
é o que nos apresentam os diversos olhares sobre as
pedagogias culturais. Nestes espaços-tempo e com os
artefatos culturais não somente se aprende os conte-
údos dos currículos escolares, mas se aprende, atra-
vés da apropriação e naturalização de determinados
discursos e práticas, formas de ser e estar no mundo
contemporâneo. Modos de ser menino ou menina,
homo ou heterossexual, velho ou jovem, bonito ou

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
feio, preto, pardo, branco ou amarelo, brasileiro ou
alemão, professor ou advogado, gordo ou magro,
feliz ou deprimido, entre as infinitas possibilidades
identitárias e de subjetivação contemporâneas.

Telenovelas, desenhos animados, telejornais, ficção


científica, programas humorísticos, aventura, video-
clipes, videogames, filmes (dos mais diversos gêneros)
no cinema, espetáculos teatrais, propagandas (veicu-
ladas em diferentes suportes), HQs, Ipods, celulares,
circos com muita luz, cor e cada vez menos palhaços,
produção cultural para crianças, para adultos, para a
família, o sexo dos animais, a última descoberta cien-
tífica que revolucionará o mundo, um conto de fa-
das encenado em um cenário que lembra uma festa
rave, bruxos em crise existencial, apresentadoras de
programas de auditório loiras e sensuais, shows de
música romântica cantada por irmãos adolescentes,
artistas de rua comendo ratos, amestrando pombos,
outras crianças jogando malabares nos sinais, contor-
ções que trarão o pão...

Facilmente preencheria várias páginas citando arte-


fatos e práticas que impelem as crianças (e não só
elas) a assumirem posições de sujeitos espectado-
res na contemporaneidade. Durante horas de seus
dias e noites, as crianças e jovens, nas conjunturas
contemporâneas, encontram-se diante das telas da
televisão, do cinema e dos computadores, perante
eventos que assumem caráter de espetáculo, for-
mas tradicionais como o teatro, os artistas de rua, os
folguedos folclóricos e o circo, novíssimas invenções
digitais de complexo manuseio.

Essa imensa diversidade de artefatos, linguagens, gê-


neros discursivos e textuais, personagens, suportes
e técnicas invadem os cotidianos das mais díspares
infâncias e juventudes, desde aquelas que encontra-
mos trancafiadas atrás das grades dos luxuosos con-
domínios até as outras que correm pelas calçadas do
centro, carregando carteiras que não são suas e do-
ces da barraca da esquina. E estas formas, conteúdos
e linguagens que se apresentam a nós também não
são puras: nelas interpenetram-se e convivem tra-
ços e elementos das diferentes culturas (classificadas
como) erudita, popular e massiva. O momento his-
tórico e conjuntural que vivenciamos, e que alguns
teóricos denominam pós-modernidade, possibilita-
nos justamente esta convivência mútua (ainda que
não pacífica) entre inúmeras formas de expressão
que poderiam ser consideradas espetaculares, pelo
fato mesmo de colocarem os sujeitos em uma posi-
ção constante de espectadores.

Considerando que espectador é constituído por to-


das essas peças (suas práticas e discursos) que com-
põem seu repertório pessoal e seu universo cultu-
ral, ainda podemos pensar que aos constituir sua(s)
identidade(s) e sua(s) subjetividade(s), instáveis e
cambiantes, devemos levar em conta uma série de
atravessamentos que rasgam o espaço-tempo da re-
cepção teatral, sendo parte integrante do processo.
Chego, portanto, às mediações.

62
MEDIAÇÕES OU AQUILO
TUDO QUE ESTÁ ENTRE O
PALCO E A PLATÉIA
Se o espectador é compreendido, contemporanea-
63
mente, como parte ativa (e absolutamente necessá-
ria) dos processos de recepção, é importante pensar
o que é um espectador encaminhando a discussão
para uma outra pergunta: como se constitui um es-
pectador? Como a aula de teatro pode (e deve) ser
um espaço de constituição de espectadores (mais do
que de formação, ousaria dizer)?

E mais: quais as linhas que atravessam o espaço en-


tre palco e platéia, entre espectador e obra de arte?
Se este espaço entre pode ser compreendido como

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
o acontecimento teatral em si, que se dá no espaço-
tempo único da interação, da comunhão, que linhas
são essas, que medeiam, transformam, constituem
e determinam os processos de recepção, estes sim
acontecendo mesmo antes e também excedendo o
próprio momento (instante) efêmero do aconteci-
mento teatral?

Destarte, podemos compreender que muitas instân-


cias, artefatos, pessoas, instituições, modos e costu-
mes, classes, enfim, que uma infinidade de possibi-
lidades de lugares, de objetos, de seres, de práticas
e de discursos que nos constituem, também atraves-
sam os processos de recepção, sendo determinantes
na construção da relação que determinado especta-
dor vai estabelecer com uma obra e dos sentidos e
significados que vai conferir a cada acontecimento
teatral ou cênico com o qual se relacionar.

É pertinente que estas diversas linhas que atraves-


sam o entre do acontecimento teatral, que aqui, ins-
pirada em teóricos como Martín-Barbero e Orozco-
Goméz, nomeio como mediações, sejam percebidas e
levadas em consideração quando se pretende refletir
acerca da recepção teatral e dos processos de signi-
ficação e construção de conhecimento que envolve,
principalmente se isso for feito dentro de ambientes
pedagógicos, como a aula de teatro.

Inspirada nas teorias e propostas metodológicas dos


dois pesquisadores e autores do campo da comunica-
ção, penso que seja oportuno apresentar ao leitor uma
síntese visual de algumas mediações que poderão, en-
tre tantas outras, dependendo dos casos e situações
analisados, ser levantadas na tentativa de compreen-
der e problematizar a recepção teatral e a constitui-
ção dos espectadores na contemporaneidade.

Não irei me ater a longas digressões sobre a imagem


apresentada, que poderá ser compreendida se arti-
cularmos o que nela está proposto a tudo que foi
colocado até agora nestes escritos.
MEDIAÇÕES
REFERENCIAIS
Ç
MEDIAÇÕES MEDIAÇÕES
INSTITUCIONAIS Gênero, raça, classe SITUACIONAIS
social, idade, etc

Ç
Ç

Escola, família,
Ç Ç
Condições do
mídia, etc momento de recepção
Ç

ESPECTADOR
Ç

Características
Ç

formais, textuais Contexto sócio-


e linguísticas do
espetáculo
Ç econômico-cultural
dos receptores
Ç Figura 4. Momentos e
Capital simbólico
Ç

MEDIAÇÕES (Repertório anterior) MEDIAÇÕES instâncias relevantes aos


LINGUÍSTICAS CONTEXTUAIS
Ç processos de recepção e
MEDIAÇÕES roteiro de mediações.
PESSOAIS

É difícil conceituar com precisão o que são as media-


ções, já que os autores que propõem o termo não o
colocam como fechado e imutável, mas sim como um
conceito que se encontra sob rasura (HALL, 1997), em
suspensão, aberto à polissemia e também à discussão
teórica e metodológica. Araújo, pesquisadora que tra-
balha com o conceito de mediações, argumenta que
“mediação é uma das formas de classificar uma idéia
polimorfa, a do elemento que possibilita a conversão
de uma realidade em outra” (ARAÚJO, 2002, p. 57).

Relacionando as teorias de Martín-Barbero das me-


diações às de Foucault sobre as relações de poder,
percebo pontos de intersecção naquilo que se refere
à instabilidade das mediações e das relações de po-
der, à capacidade de transmutação e de circulação.
Assim como os sujeitos são atravessados pelas rela-
ções de poder, modificando-as e fazendo-as circular
na infinita rede, também as mediações atravessam
os sujeitos receptores; são instáveis ao mesmo tempo
64
em que são determinantes da relação a ser constituí-
da entre os receptores e os artefatos e seus discursos.
Para Araújo, “mapear estes fatores (de mediação)
representa mapear as redes de produção de sentido
que articulam e produzem as posições discursivas dos
atores sociais e, portanto, as relações de poder que
movem a sociedade” (ARAÚJO, 2002, p. 55).

Na tentativa de “trazer a teoria ao nível empírico


para que se possa pesquisar” (OROZCO GÓMEZ, 2000, 65
p. 116), é que Orozco Gómez tem traçado, em seu
percurso investigativo de estudos de recepção, alicer-
çado no conceito de mediações de Martín-Barbero,
o estudo das múltiplas mediações. Este pesquisador
vem realizando, durante as últimas três décadas,
importantes pesquisas de recepção, principalmente
junto ao público formado por crianças telespectado-
ras, ou seja, pensando as experiências constituídas
pelas crianças em relação à televisão. Sua obra tam-
bém comporta várias relações com o campo da Edu-
cação, já que Orozco Gómez é um dos percussores de

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
proposições direcionadas a uma “educação para os
meios” na América Latina.

Reproduzo aqui, com minhas palavras, a classificação


das múltiplas mediações proposta por Orozco Gómez
(1998), adaptadas a um estudo de recepção teatral,
assim como estão propostas na síntese visual.

São elas mediações:


1. Lingüísticas: elementos da linguagem teatral e das téc-
nicas envolvidas no espetáculo, bem como a trama nar-
rativa e os personagens da história, etc.
2. Situacionais: da situação na qual o espetáculo foi assisti-
do (espaço, tempo, local, entorno, outros espectadores)
e também na qual foi realizada a construção de dados.
3. Institucionais: visão de mundo, discursos e tipo de dis-
ciplinamento e regras impostos por instituições como a
escola, a igreja, a família, a mídia, etc.
4. Contextuais: ambiente sociocultural, história e tipo de
inserção social da linguagem em questão, a cidade e o
bairro, etc.
5. Pessoais: o repertório cultural anterior ao qual têm ou
tiveram acesso os espectadores, seus hábitos como con-
sumidores, etc.
6. Referenciais: são também um tipo de mediação clas-
sificada como pessoal; as referências identitárias do
espectador, tais como gênero, grupo de idade, descen-
dência étnica, nacionalidade, orientação sexual, etc.

Entretanto, a fim de tornar a análise destas me-


diações produtiva, é importante lembrar autores
como Bakhtin (1992), que levanta o conceito de um
interlocutor que assume para com os discursos com
os quais se relaciona uma “atitude responsiva ativa”,
em que o “ouvinte torna-se locutor”. Espectador tor-
na-se, portanto, ator?

Em relação ao discurso, o receptor responde-lhe e for-


mula um discurso outro, no qual articula referenciais
anteriores que possibilitaram a formação daquela res-
posta específica, um discurso próprio a partir do mes-
mo que havia sido lido/ visto/ ouvido/ recebido. Dentro
de um “processo metabólico” de ampla articulação
entre as várias práticas discursivas que compõem e re-
compõem o sujeito e sua(s) identidade(s) – ou melhor,
suas posicionalidades (mutantes) de sujeito, (HALL,
1997) – o espectador também assume a responsabi-
lidade de co-autor da obra, já que esta sem sua pre-
sença e sua ação sobre ela, junto dela, obviamente só
existiria em um plano que se apagaria nas infinitas
redes de discursos e sentidos, pois desprovida de sig-
nificado justamente por não haver dela um uso efeti-
vo. Seria objeto potente, porém morto.

Pois, fazendo uma analogia entre o pensamento de


Bakhtin (1992) e a recepção teatral, podemos depre-
ender que há vozes (ou mediações) que circulam e
atravessam o acontecimento teatral, fazendo-se ou-
vir e compondo, tornando vivos e presentes práticas
e discursos que não necessariamente emanam do es-
petáculo cênico. Mesmo que estas vozes não estejam
atualmente presentes (as do espetáculo estão), eco-
am essas múltiplas vozes (ou mediações) atravessan-
do o espaço entre. E a estas vozes atrelam-se diferen-
tes significados e sentidos, conforme os contextos e
condições de emergência em que forem articuladas,
enunciadas, ditas, colocadas em vida.

Reitero que a recepção é cultural e socialmente me-


diada. Exemplificando, ressalto que o contato coti-
diano dos sujeitos com a televisão, o rádio, os jornais,
as revistas, as propagandas, o cinema, a Internet e
toda uma gama de artefatos culturais, também for-
ma suas subjetividades e identidades, bem como se
constitui enquanto importante mediador da capaci-
dade ativa de recepção de todas as outras linguagens
e artefatos, artísticos e culturais, disponíveis na con-
temporaneidade. Muitos são os fatores de mediação:
a família, a escola, as instituições às quais está atre-
66
lado o indivíduo, a temporalidade, as conjunturas
político-sociais, a produção cultural a que tem aces-
so, entre outros. É através do manejo do corpus de
representações veiculadas por variadas instâncias das
vivências e experiências de cada sujeito que aconte-
cem as mediações.

67

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
Figura 5. Jovens e É em um processo de negociação e tensão entre as
suas reações ao Diabo representações veiculadas nas diversas instâncias de
de “Deus e o Diabo na suas experiências que o receptor confere significados
Terra de Miséria”, da e atribui determinado sentido a elas. E este sentido,
Cooperativa de Artistas em articulação com outros sentidos e significados
Teatrais Oigalê. Crédito (que compõem o repertório único de cada indivíduo),
da fotografia: Kiran.
constituirá, culturalmente, os sujeitos espectadores.

Como resultado dos complexos processos acima cita-


dos – impuros, intertextuais, fragmentados, mestiços
e repletos de tensão – provocados pelas relações de
força neles presentes, encontramos os sujeitos pós-
modernos. Os descentrados, múltiplos, plurais, mu-
tantes, fluidos, constituídos na e constituintes da cul-
tura, soma e mescla de fatores cambiantes, trocando
e ocupando diversos lugares em um “sentir/ viver o
tempo” que reformula a noção moderna de tempo-
ralidade, tempo este que passa a ser instantâneo,
percebido no ritmo frenético do zapping do controle
remoto (SARLO, 2000), das imagens de videoclipe, do
teclar nervoso diante da tela de um computador co-
nectado à rede.
LINHAS DE FUGA, PONTOS
DE ENCONTRO:
A PEDAGOGIA TEATRAL E
A RECEPÇÃO TEATRAL
PODEM CAMINHAR JUNTAS?
O teatro sempre esteve presente nas escolas, seja
como instrumento didático, em uma apropriação
utilitarista da linguagem (isso no Brasil desde os je-
suítas no século XVI), seja como espaço para a livre
expressão e exercício da tão aclamada criatividade
inata infanto-juvenil (muito mais recentemente, a
partir da segunda metade do século XX). Em espa-
ços-tempo de ensino aprendizagem informal, como
em oficinas artístico-culturais, em projetos sócio-
educativos, bem como em espaços de convívio (nos
quais também se aprende modos de ser e estar no
mundo, portanto também estes entendidos como
espaços educacionais) como centros de lazer, igrejas,
bibliotecas públicas, clubes sociais e associações de
bairro, as aulas de teatro e as apresentações teatrais
sempre tiveram sua importância garantida, tanto
pelos possíveis benefícios trazidos pela sociabilidade
como pela visibilidade que os grupos teatrais trazem
às instituições junto à comunidade, mas, principal-
mente, em relação à mídia.

E mais uma questão surge a partir da contextualiza-


ção acima: se o teatro está presente em tantas es-
feras sociais, incluindo a escola e outras instituições
notadamente educativas, por que este discurso re-
corrente acerca da precariedade ou da ausência do
ensino de teatro no Brasil?

Muitas poderiam ser as respostas a esta questão: os


professores que ensinam teatro nas escolas geral-
mente não têm formação específica na área, o ensi-
no de teatro ainda está profundamente arraigado ao
entendimento do teatro como ferramenta didática
de outras disciplinas, as escolas não oferecem estru-
tura física adequada às aulas, os alunos possuem um
repertório de experiências teatrais diminuto, muitos
ministrantes de oficinas livres de teatro não possuem
conhecimentos prático-teóricos suficientes para pro-
68
piciar uma formação significativa, há uma banaliza-
ção da formação em teatro decorrente do anseio dos
jovens em atuar nas mídias televisivas, confunde-se
educação estética com formação de atores, há mui-
tos cursos, escolas e oficinas “caça-níqueis”, já que
este é um mercado promissor nos dias de hoje, a es-
cassez de material didático sobre teatro que possa
ser usado na educação básica é notória, os produtos
são mais valorizados em detrimento dos processos
criativos e educacionais na pedagogia do teatro, en- 69
tre muitas e muitas outras possíveis justificativas.

Todo este levantamento poderia causar um grande


mal-estar, associado há certo pessimismo e falta de
perspectiva em relação ao ensino de teatro no Brasil,
tanto na formação de profissionais da área como em
relação à formação estética e aquisição de elementos
da linguagem teatral por crianças e jovens em fase
escolar. Portanto, julgo ser de extrema pertinência
discorrer acerca das diversas possibilidades que vi-
venciamos, todos nós, em nossos cotidianos, de nos

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
relacionarmos com artefatos culturais nas mais dife-
rentes linguagens, constituindo-nos como múltiplos
espectadores na contemporaneidade. E esta foi uma
das intenções deste artigo até o presente momento.

Ainda que seja senso comum que as relações de ensi-


no-aprendizagem em arte historicamente acontecem
muito mais em espaços formativos não institucionais,
há muitas tentativas de se institucionalizar o ensino
de arte no Brasil, através da criação os cursos de gra-
duação junto às universidades desde a década de 50,
da criação de escolas (as “escolinhas”) de arte junto
aos municípios e órgãos públicos, bem como com a
inserção da Arte no currículo obrigatório do ensino
básico no país. Contudo, há muitos outros lugares e
artefatos que nos ensinam teatro, que nos ensinam a
ser espectadores, que atuam produtivamente na for-
mação estética e cultural de crianças, jovens e adul-
tos na sua relação com a linguagem teatral.

No entanto, isso não quer dizer que debater a ques-


tão da recepção na pedagogia teatral nos dias de
hoje seja uma tarefa inútil, já que nos constituí-
mos espectadores em diversas instâncias para além
e aquém da aula de teatro. Muito pelo contrário,
problematizar a recepção teatral e a pedagogia do
teatro implica, necessariamente, pensar em como
têm sido desenvolvidos no ensino de teatro, tanto
formal como informal, os três vértices da proposta
triangular que permeia as diretrizes traçadas pelos
PCNs de Arte10 – Teatro, ou seja, a articulação entre
experienciar a linguagem a partir da prática teatral,
formar esteticamente através do contato com artefa-
tos teatrais e instrumentalizar a partir da aquisição
de conhecimentos teóricos e históricos da lingua-
gem, a fim de possibilitar a contextualização e a sig-
nificação críticas destes artefatos.

Fazer teatro, experienciar a prática criativa na lingua-


gem é imprescindível para a apreensão dos códigos
e convenções do campo das artes e de cada subcam-
po como a literatura, o teatro, a dança, a música, as
artes visuais, o cinema, etc. No entanto, sabe-se que
há lacunas enormes na formação de crianças e jovens
em relação as suas possibilidades como espectadores
de teatro. Se até então, neste artigo, defendi que
nos constituímos espectadores também em nossa
relação com diversas outras linguagens e artefatos,
que construímos um repertório anterior que nos pos-
sibilita construir leituras (sejam estas preferenciais,
negociadas ou de ruptura com o senso comum, con-
forme HALL, 2002), cumpre notar que para ser espec-
tador de teatro também é necessário que se adquira
um repertório de experiências em teatro: como pra-
ticante e como apreciador, além do eixo mais esque-
cido da proposta triangular no ensino das artes, que
é a instrumentalização teórica, em que elementos da
história, da estética e ética do teatro possibilitariam
uma contextualização muito mais efetiva e significa-
tiva dos espetáculos, performances e acontecimentos
teatrais nos quais os alunos estivessem envolvidos
como espectadores e/ou produtores.

Se for consenso que debater, refletir e contextualizar


o teatro (os diferentes teatros) em relação às cultu-
ras pelas quais está sendo atravessado e que também
está atravessando e constituindo, em movimento
contínuo como parte de um circuito cultural fluido
e móvel, é uma das importantes competências ne-
cessárias à construção de conhecimento em teatro, a
pergunta que emerge é: estão sendo fornecidas fer-
ramentas aos jovens e crianças para que estes possam
efetivamente dar conta desta proposta? A aula de
teatro tem desenvolvido estas ferramentas ou atém-

10 
PCN para as séries iniciais do Ensino Fundamental, PCN para as séries finais do
70 Ensino Fundamental, Orientações Curriculares para o Ensino Médio, PCN para o
Ensino Médio e PCN+ para o Ensino Médio (linguagens e suas tecnologias), todos
os documentos disponíveis na página do MEC: <http://portal.mec.gov.br/ >. Acesso
em 22 de novembro de 2009.
se a propiciar um espaço para experiências práticas
no fazer teatral (jogos, improvisações e pequenas en-
cenações, geralmente)?

Obviamente que a experiência prática na linguagem


por si só constrói conhecimentos e propicia aquisição
de elementos da linguagem, no entanto, será que 71
não se torna imperativo pensar em outras possibili-
dades para a pedagogia teatral? Em metodologias
outras, instrumentos outros, materiais didáticos e/ou
teóricos outros na elaboração e condução de aulas
de teatro que dêem conta das três dimensões de en-
sino de teatro propostas pelos PCNs?

Será que a pedagogia teatral e a recepção teatral po-


dem caminhar juntas, dentro e fora da aula de teatro?

Lanço a pergunta, no intuito de problematizar tam-

Unidade 2 – O que é um espectador? Dos modos de constituir-se dentro e fora da aula de teatro
bém como ensinamos a ensinar teatro nos cursos
de licenciatura das universidades brasileiras. Lanço
a pergunta com o desejo de que suscite idéias em
quem a estiver lendo. Lanço a pergunta para que,
como pergunta, desdobre-se produtivamente atra-
vés de quem sentir-se questionado.
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