Esses também foram os círculos intelectuais e políticos que moldaram o pensamento de
Émile Durkheim, fundador da disciplina da sociologia como a conhecemos hoje e que,
de certa forma, superou Comte, ao argumentar que todos os deuses de todas as religiões sempre são projeções da sociedade - desse modo, uma religião da sociedade não seria necessária. Todas as religiões, para Durkheim, são apenas maneiras de reconhecer nossa dependência mútua uns em relação aos outros, uma dependência que nos afeta de milhares de maneiras das quais jamais temos plena ciência. "Deus" e "sociedade", no final das contas, são a mesma coisa.
O problema é que, há centenas de anos, simplesmente se assumiu que o guardião dessa
dívida que temos com tudo isso, os representantes legítimos daquela totalidade social amorfa que permitiu que nos tornássemos indivíduos, deveria ser o Estado. Quase todo socialista ou todos os regimes socialistas apelam a alguma versão desse argumento. Tomando um exemplo famigerado, era assim que a União Soviética costumava justificar a proibição de que seus cidadãos emigrassem para outros países. O argumento era sempre este: a urss gerou essas pessoas, a urss as criou e educou, transformando-as naquilo que são. Que direito têm os outros de pegar o produto de nosso investimento e transferi-lo para outro país, como se não nos devessem nada? Essa retórica, porém, não se restringe aos regimes socialistas. Os nacionalistas apelam exatamente para o mesmo tipo de argumento - principalmente em tempos de guerra. E todos os governos modernos são nacionalistas em certa medida.