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Delicadas texturas da cena, por Nina Caetano

Sobre o palco, um círculo de cetim vermelho, margeado por quatro cadeiras:


duas de frente para a platéia e duas de costas. Para estas últimas, foram conduzidas
duas mulheres do público. Ao fundo, em cada ponta do palco desnudo, duas noivas,
cujos véus se misturam em uma nuvem de tecidos que está entre elas. No alto, sobre
o círculo vermelho, bandeirolas de chita. A cenografia-figurino, assinada por Ella Melo
(em diálogo com a atriz Jandira Testa), é simples, mas de forte impacto visual. Aliás,
essa será uma característica do que ocorrerá em cena: as imagens poéticas.
Inspirado na história das duas gêmeas siamesas que, no início do século XX,
foram protagonistas da primeira cirurgia de separação realizada no Brasil, Equal é um
work in progress, ou seja, um trabalho em processo de construção que, tendo se
iniciado com 15 minutos, atualmente tem cerca de meia hora. Dirigido por João
Henrique Bernardi e realizado pela Theatro Fase 3 – companhia integrada por 10
senhoras de mais de 60 anos – ele foi pensado, inicialmente, para se apresentar fora
do país, no Transit VI, promovido pelo Odin Teatret, o que imprime outra característica
ao espetáculo: um texto verbal composto por poucas frases. Estas vão ajudar a
desenhar a atmosfera melancólica e como que em suspensão, de Equal. Atmosfera
marcada, também, pela bela trilha sonora, na qual se misturam às canções antigas,
outras que, saídas da tradição popular, sublinham a relação entre as duas irmãs. É o
caso da cantiga Caicó (na bonita interpretação de Maria João) e do ponto de umbanda
de Cosme e Damião, médicos que, não por acaso, são irmãos gêmeos como as
personagens.
O espetáculo se inicia, justamente, com o ponto de umbanda, ao som do qual
as duas senhoras, vestidas de noiva, se movem em gestos rituais. Ao término, as duas
se dirigem, com seus buquês vermelhos, para as duas mulheres do público que estão
sentadas no proscênio. Retiram os véus, que agora se estendem pelo palco, para
prendê-los à cabeça delas (as mulheres permanecerão, durante todo o espetáculo,
estáticas em suas cadeiras, quase objetos desse figurino- cenografia). Em seguida, as
duas senhoras carregam suas pequenas malas para as cadeiras posicionadas de frente
para a platéia.
Aqui, pela primeira vez, seus gestos não ecoam. Maria senta-se na cadeira e
retira da mala uma espécie de mortalha, um véu negro que costura. Rosalina senta-se
no chão, em frente à cadeira, e retira da mala uma caixa – que deixa de lado – e uma
laranja, que começa a descascar. As ações das duas serão simples e remeterão ao
universo da relação familiar e às memórias das duas atrizes, Jandira Testa e Carmen
Mattos: descascar a laranja, oferecer à irmã a tampa, dar milho às galinhas, rever
antigas fotos, pintar os lábios de vermelho, enfeitar-se, dançar, deitar-se para morrer.
Em nós, espectadores, delicadas emoções são despertadas por essas imagens poéticas
que compõem a textura cênica.
O espetáculo fecha com uma imagem belíssima, plena poesia visual: Rosalina,
deitada com a cabeça sobre sua mala, é coberta, por Maria, com o véu negro-
mortalha. Maria, então, se dirige ao centro do círculo de cetim vermelho e o veste:
palco-saia. Semelhante a um monumento, estátua, ela arremessa pedrinhas brilhantes
no ar. Sementes de futuro? Momentos perdidos no tempo, memórias? Ao fim da cena,
também nós, como as pedrinhas lançadas, estamos em estado de suspensão.

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