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Sobre a formação do profissional de arquitetura e urbanismo

“Deve ser verdadeira a afirmação de que devemos escolher entre a ética e a estética, mas qualquer que seja a
escolha, encontraremos o outro no final da estrada.” Jean-Luc Godard

O caminho do arquiteto e urbanista é contínuo, não tem conclusão, se renova sempre e não tem
volta. É acumulativo, sempre uma somatória de experiências, leituras e observações. Vai se
constituindo e transformando ao longo da vida.

Muitas são as urgências do nosso tempo, e de uma maneira constante deveria nos acompanhar
a idéia da utopia como esforço para criar uma sociedade melhor, de busca pela felicidade, igualdade
e eliminação dos maus sociais. Nós arquitetos devemos sempre sonhar.

Ocorre que nos deparamos há algum tempo com a descoberta de nosso declínio como
ideólogos ativos. Diante das enormes possibilidades tecnológicas para racionalizar as cidades e
territórios, do espetáculo diário de seus resíduos, do fato de que os métodos específicos de projeto
tornam-se superados antes mesmo que seja possível verificar suas hipóteses no real, nos vemos em
uma atmosfera de grande ansiedade. Presente no horizonte há ainda o pior dos maus, o declínio do
status profissional do arquiteto e a redução do papel ideológico da arquitetura.

Habitamos cidades que consomem a maior parte dos recursos disponíveis, concentram grande
população e ocupam apenas 3 a 4% do território do planeta. Entre o vazio absoluto do indivíduo e
a passividade do comportamento coletivo, a metrópole pode se tornar o lugar da alienação absoluta
diante do excessivo desgaste dos recursos disponíveis, do ambiente construído e da desigualdade.

Nossa ação, poderia dizer, tem paralelo com o mais conhecido slogan ambientalista: “Pense
Globalmente, Aja Localmente”. Nossa escala de pensamento é macro, é abrangente, ultrapassa a
especificidade da nossa denominação profissional e exige multi/inter/trans-disciplinaridade para
uma ação local e específica que seja coerente e informada.

A compreensão da necessidade de integração das várias disciplinas deve ser uma base para o
ensino da arquitetura, tudo faz parte de um todo. Aspectos técnicos são indissociáveis de aspectos
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formais, estrutura é arquitetura, instalações hidráulicas e elétricas são arquitetura, detalhes
construtivos são arquitetura. Esta compreensão pode ser promovida através da aproximação com
o saber fazer, com a construção, com o cotidiano do canteiro de obras bem como pelo entendimento
dos fluxos de forças e energia através destes elementos (transferência de energia para atingir estado
de equilíbrio).

Para compreensão e aproveitamento desta abrangência de conhecimentos é primordial que se


promova a busca por um método de projetar, de pensar a arquitetura. Um método que permita a cada
um encontrar o fio condutor de seu desenvolvimento como arquiteto.

É sobretudo também importante saber expor uma idéia. Saber desenhar, expressar-se
graficamente, seja pelo mais singelo croqui até o mais sofisticado desenho gerado pelo computador.
Ensinar a expor as idéias sem reservas, a ser criticado sem sentir-se atacado pessoalmente, e
defender uma proposta com segurança e embasamento. Metodologia de pesquisa, sistemática de
registro das informações são elementos fundamentais para tanto, assim como clareza e objetividade
nas proposições, tempo e planejamento.

Diversidade: sempre se deve manter em perspectiva a existência de múltiplas expressões,


idéias, formas de pensar, sem preconceito, pois como dizia Nelson Rodrigues: toda a unanimidade
é burra.

Diferentes contextos (ambientais e culturais) demandam diferentes soluções. A relação do


desenho arquitetônico com modelos vernáculos (aprender, interpretar e reordenar seus componentes
em uma linguagem arquitetônica contemporânea) possibilita a recuperação do senso local de
espaço, dando continuidade a certas tradições, como escreveu Lúcio Costa sobre o ensino da
arquitetura: “...Interessa, antes de mais nada, conhecer como, em condições idênticas ou
diferenciadas de época, de meio, de material e de técnica ou de programa, os problemas da
construção foram arquitetonicamente resolvidos no passado...”.

Outro aspecto importante da diversidade é o conceito do desenho universal, inclusivo, a


arquitetura deve atender às demandas de todos na sua dimensão técnica, de uso e acessibilidade.

Naturalmente o debate e a reflexão acerca do meio ambiente e das conseqüências de nosso


modo de vida e organização social devem permear todos os aspectos do ensino da arquitetura.
Deve-se investir na pesquisa e desenvolvimento de uma Arquitetura Ambiental não apenas como
inclusão da sustentabilidade ambiental no conceito de arquitetura (operacionalmente falando) mas
como representação estética desta sustentabilidade ambiental em busca de um novo contrato entre
a arquitetura e a natureza (Hagan, 2001).

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Somos muitos, cada vez mais de nós habitam este pequeno planeta aonde o espaço é precioso.
A utopia de hoje está diretamente ligada à restauração planetária (ambiental, social, humana), à
idéia de sustentabilidade.

A formação do arquiteto deve transmitir o sentimento de que a expressão através da arquitetura


compõe o registro de um pensamento, de uma maneira de ser, transforma-se em uma memória do
que somos, “...na sua forma mais autêntica, o impulso arquitetônico parece associado a um desejo
de comunicação e comemoração, uma ânsia de nos declararmos ao mundo por meio de um registro
não verbal, por intermédio da linguagem dos objetos, cores e tijolos: uma ambição de deixar que
os outros saibam quem somos – e, nesse processo, lembrar de nós mesmos.”(Botton, 2007)

Imagens: Bruegel, Torre de Babel, 1563/Michael Wolff, Architecture of Density, 2006/Rodrigo Mindlin Loeb
arquiteto, Projeto Livramento, Alcântara-Maranhão, 2004/Frank Loyd Wright, Broadacre City

Bardi, Lina Bo. Contribuição Propedeutica ao Ensino da Arquitetura. FAUUSP, São Paulo, 1957.
Borsi, Franco. Architecture and Utopia. Pocket Archives, Éditions Hazan, Paris,1997.
Botton, Alain de. A Arquitetura da Felicidade. Rocco, Rio de Janeiro, 2007.
Hagan, Susannah. Taking Shape. Architectural Press, Oxford, 2001.
Tafuri, Manfredo. Architecture and Utopia, Design and Capitalist Development. The Massachusetts Institute
of Technology Press, 1976.
Xavier, Alberto, org. Lúcio Costa:Sôbre Arquitetura. Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura,
Porto Alegre, 1962.

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