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“Sagarana”, livro exigido pela Fuvest, aponta os caminhos de Rosa – Jornal da USP 03/11/2019 15)21

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Cultura - 09/10/2018

“Sagarana”, livro exigido pela Fuvest, aponta os caminhos de Rosa


A busca do escritor entre as narrativas clássicas e a literatura de seu tempo está nos nove contos da obra

Por Leila Kiyomura

Editorias: Cultura - URL Curta: jornal.usp.br/?p=112098

Em “Conversa de bois”, o penúltimo conto de Sagarana, os animais falam e raciocinam – Foto: Cecília Araujo de Oliveir

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S
agarana, de João Guimarães Rosa, tem muitos motivos para estar entre as leituras obrigatórias da
Fuvest. É a primeira obra publicada do escritor mineiro, em 1946, que apresenta e inicia os
estudantes no universo de um sertão marcado pela lei do mais forte, pela busca da vingança e pela
traição. E, ao mesmo tempo, remete o leitor a um universo mítico-religioso de tradição clássica. O
desafio de Guimarães Rosa é encontrar caminhos para aliar as mitologias afro e indígena à mitologia grega.
E narrar, ao mesmo tempo, a realidade do sertão e o encantamento do sertanejo.

“Esse é um livro fundamental para quem quiser se iniciar na literatura de Guimarães Rosa”, orienta Luiz
Dagobert de Aguirra Roncari, professor de Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Sagarana é um livro de experiências. O autor está
buscando caminhos e tem uma ambição literária muito grande. Em cada uma das nove histórias ele
experimenta um tipo de narrativa diferente. Desde os modelos narrativos da grande tradição literária, como
os do romance greco-romano, das fábulas medievais, da sátira e da picaresca, até os da literatura mais
moderna de seu tempo.”

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“Sagarana”, livro exigido pela Fuvest, aponta os caminhos de Rosa – Jornal da USP 03/11/2019 15)21

O professor Luiz Roncari: pesquisa sobre a obra de Guimarães Rosa resultou em vários livros – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Roncari vem pesquisando Guimarães Rosa há três décadas, trabalho que já resultou em vários livros, como
O Brasil de Rosa – O Amor e o Poder e O Cão do Sertão, ambos editados pela Editora Unesp; Buriti do Brasil e
da Grécia – Patriarcalismo e Dionisismo no Sertão de Guimarães Rosa, da Editora 34; e O Brasil de Rosa II –
Lutas e Auroras, no prelo, da Editora Unesp. Em entrevista ao Jornal da USP (veja também o vídeo abaixo), o
professor orienta sobre a leitura de Guimarães Rosa. “É importante que o vestibulando leia com muita
atenção. Quando não entender, não passe batido. Recorra aos dicionários, em especial ao Léxico de
Guimarães Rosa, de Nilce Sant’Anna Martins, da Edusp (Editora da USP). Guimarães pensa e explora as
possibilidades de cada palavra, buscando tanto os seus sentidos mais arcaicos como os possíveis, virtuais.
Cada palavra é como um desafio a ser enfrentado. Diante de um termo mais estranho, o leitor deve sempre
se perguntar por que ele usou esse e não outro, mais comum.”
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Sagarana é uma palavra composta. Saga vem dos mitos germânicos e rana é um sufixo
tupi-guarani. Quer dizer semelhante, parecido com”.

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Guimarães, de certo modo, procurou sintetizar também a luta pela formação de uma nação no título do
livro. “Sagarana é uma palavra composta. Saga vem dos mitos germânicos e rana é um sufixo tupi-guarani.
Quer dizer semelhante, parecido com”, explica Roncari. “Ou seja, são histórias que parecem com uma saga.
Mas não são sagas. Guimarães Rosa explora as possibilidades literárias de diferentes tipos narrativos, e está
contando também uma espécie de formação do Brasil, tendo como um elemento marcante a violência. Ao
mesmo tempo que tem uma pretensão de fazer uma literatura grande, universal, ele reflete o lugar onde
nasceu e viveu, o da sua experiência.”

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Ilustração de Napoleon Potyguara Lazzarotto, mais conhecido por Poty, para Sagarana – Foto: Reprodução

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O professor lembra que, para chegar à universalidade, “Guimarães Rosa sabia que precisaria passar pela sua
particularidade, que é o regional e o nacional, o sertão ou o mundo de sua experiência”. Roncari explica que
a primeira versão de Sagarana é de 1937. “Porém, o livro foi publicado só nove anos depois, em um tempo
em que estudiosos como Sérgio Buarque de Holanda, Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Oliveira Vianna
se perguntavam se o Brasil iria dar sertão ou civilização. Um questionamento que já começou nos anos
1920 e se estendeu até os anos de 1960.”

Guimarães Rosa, ao contrário de Graciliano Ramos, resistiu ao regionalismo crítico e social que vinha sendo
o dominante desde os modernistas. “O Modernismo rompeu com o Parnasianismo, o Simbolismo. A meta
era uma literatura que focasse a originalidade brasileira. O escritor, no entanto, não queria uma ruptura, e
sim uma literatura que pudesse, ao mesmo tempo que a modernização, integrar também as antigas
tradições. Não era um sujeito de exclusão.”

Ilustração de Poty para Sagarana – Foto: Reprodução

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Roncari deixa clara, no entanto, a importância do movimento. “Os modernistas tiveram a grandeza, a
generosidade de procurar entender e incorporar a cultura popular, principalmente a negra. Eles valorizaram
a dança, a religiosidade, como o candomblé, o canto e o artesanato.”
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Guimarães Rosa faz uma crítica à vida e à sociedade brasileira. Mas, ao mesmo tempo,
tinha a esperança de que o Brasil pudesse vir a se constituir num espaço institucional
civilizado.”

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Sagarana traz o desafio de relatar as agruras do cotidiano do sertão, mas, ao mesmo tempo, seus sertanejos
são construídos com a referência da mitologia clássica. “Eles têm um elemento empírico, histórico, e um
mitológico que enobrece o personagem”, observa Roncari. “Guimarães Rosa faz uma crítica à vida e à
sociedade brasileira. Mas, ao mesmo tempo, tem esperança de que o Brasil possa vir a ser também algo
civilizado.”

[Livros da Fuvest] - Sagarana (Guimarães Rosa)

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Sagarana começa a sua travessia com “O burrinho pedrês”, que, segundo descreveu o próprio Rosa, nasceu
de um acontecimento real passado em sua terra, com o afogamento de um grupo de vaqueiros num córrego
cheio.

Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no
sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual. Agora,
porém, estava idoso, muito idoso.

Ilustração de Poty para Sagarana – Foto: Reprodução

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No primeiro parágrafo, está a arte de contar de Rosa, resgatando as narrativas tradicionais. “Os boiadeiros
seguem contando casos e histórias, como os peregrinos de The Canterbury Tales, de Chaucer”, explica. “O
leitor, junto com os casos contados, acompanha também um outro incubado na comitiva, o de um boiadeiro
que quer matar outro por ter roubado a sua namorada. Um caso de vingança está para ocorrer ao longo do
percurso. Uma violência está sempre prestes a explodir, como nas demais histórias.”

Ilustração de Poty para Sagarana – Foto: Reprodução

O leitor segue com “A volta do marido pródigo”, a história de um mulato que abandona o trabalho, negocia a
mulher e vai para o Rio de Janeiro. “Sarapalha” mostra uma região devastada pela malária, onde dois
primos padecem da doença e da solidão e brigam por serem apaixonados pela mesma mulher. A vingança e
a traição também estão em “Duelo“, com a história de Turíbio, que surpreende a mulher, Silvana, com o ex-
militar Cassiano. Só que, por engano, ele mata o irmão desse amante. “Minha gente” é uma história de amor
em primeira pessoa movimentada pelo clima das eleições.
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Um homem erudito vivendo a experiência de um mundo onde impera a superstição e a
crendice.”

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A travessia pelo sertão continua com “São Marcos“. “Comecei a estudar Sagarana por esse conto a que
ninguém dava muita importância”, diz Roncari. “Rosa fez e refez essa história. Tem uma característica
importante: o autor é também o narrador e o personagem.”

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Capas de diferentes edições do livro de contos de Guimarães Rosa – Fotos: Divulgação

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Em “São Marcos”, o autor deixa entrever também as suas experiências no sertão de Minas Gerais.

O conto se passa no Calango-Frito. “Todo domingo, o


protagonista saía de casa e ia para a floresta contemplar a
natureza, nos seus elementos mais comezinhos, como as ervas
daninhas, as formigas, os insetos. Um dia ele entra no fundo do
bosque e é tomado pelo terror pânico, medo comum de quem se
acredita perdido no meio da escuridão do matagal. Acreditava-se
que ele era provocado pela possessão do deus Pan da mitologia
grega, que habita no interior dos bosques que ataca e cega os
que lá se perdem.”

“Corpo fechado” conta a história de Manuel Fulô, um sujeito que


ama mais sua mula do que a noiva, cobiçada por um valentão.
Mas, para salvar a noiva, ele entrega a mula a um feiticeiro para
João Guimarães Rosa – Foto: Domínio Público via
Wikimedia Commons
fechar o seu corpo e enfrenta com êxito o valentão.

“Conversa de bois” narra a viagem de um carro de bois. Nele, o


penúltimo dos nove contos que se encontram em Sagarana, os animais falam e raciocinam.

O último conto do livro, “Hora e vez de Augusto Matraga”, foi apontado por Rosa como uma “vitória íntima”,
pois desde o começo do livro era o estilo que procurava descobrir. “Essa é uma das histórias mais
divulgadas do livro e realmente um dos contos mais bem acabados”, considera o professor Roncari.
“Augusto Matraga é um sujeito truculento, poderoso, autoritário. Um personagem que faz parte da história
do País. Quantos Matragas não estão hoje no Senado, na Câmara, no Judiciário, na comitiva da Presidência,
sem legitimidade, mas ditando as regras da política para a sociedade brasileira?”
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Conheça as outras obras exigidas na Fuvest 2019


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4/outubro/2019 13/setembro/2019 11/outubro/2018

“Para entender a poesia de Gregório de “Angústia”, de Graciliano Ramos, une Em “Mayombe”, selva faz surgir o “homem

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