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C L U B E D E MÃES: E S P A Ç O PARA INTERVENÇÃO E M

SAÚDE DA MULHER*

Patricia Alves de Senna**


Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca***

SENNA, P.A. de; FONSECA, R.M.G.S. da Clube de mães: espaço para intervenção em saúde da
mulher. Rev.Esc.Enf.USP, v.29, n.l.p.34-46, abr. 1995.

O artigo relata uma pesquisa realizada junto a mulheres integrantes de Clu-


bes de Mães do Distrito Sanitário de Perus, no Município de São Paulo. Teve como
objetivos conhecer o seu perfil organizacional, a articulação que mantêm com as
instituições de saúde municipais da região e com outros movimentos de mulheres.
Ao lado disto pretendeu-se conhecer as concepções de saúde-doença das suas inte-
grantes para verificar as possibilidades para intervenção em saúde coletiva. Os re-
sultados indicam que estas instituições têm um caráter fundamentalmente
assistencialista e conservador, revelado também nas concepções de saúde-doença
das suas integrantes. Observam-se no entanto, espaços para intervenção no sentido
de ampliar a consciência das mulheres acerca da sua identidade social e da saúde
da mulher.

UNITERMOS: Mulher. Movimento popular. Saúde da Mulher

* Pesquisa financiada parcialmente com recursos do programa USP/CNPq


** Aluna do 8º semestre do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista de Iniciação Científica
do Programa USP/CNPq.
*** Professor Doutor do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de
Enfermagem da USP. Orientadora de Bolsa de Iniciação Científica do Programa USP/CNPq.
()s CM c o m e ç a r a m a sor o r g a n i z a d o s c o m o u m a en!.re as v a r i a s ativi-
d a d e s das C o m u n i d a d e s Krlesiais de Mase (TKHs) ligadas à Igreja í-alólica
Apostólica Romana, pela preocupação das mesmas com as mulheres, que cons-
t i t u í a m a maior p a r t e dos seus p a r t i c i p a n t e s .
As C o m u n i d a d e s Eclesiais de Base s u r g i r a m nos anos 60, como conse-
qüência d a s Diretrizes do Concilio Vaticano II (1966-1968), p o s t e r i o r m e n t e
t r a b a l h a d a s p a r a a América Latina, n a Conferência Episcopal de Medellin
(1982). Na época, "a Igreja Católica iniciou u m a profunda transformação e
renovação i n t e r n a que deu origem a formas novas de ser cristão, levando a
r e p e n s a r as relações com a comunidade e a refletir sobre a c a m i n h a d a do
povo de Deus, até chegar à Teologia da Libertação e à opção preferencial
pelos pobres. As CEBs foram então organizadas p r i n c i p a l m e n t e nos bairros
periféricos, n a s favelas, em pequenos sítios da á r e a r u r a l à beira das cidades
que fornecem mão-de-obra ao campo."(VIEZZER, 1989)
N a década de 70, os CM j á se faziam p r e s e n t e s em v á r i a s l u t a s sociais.
Por exemplo, foi em a l g u n s deles, localizados em regiões da Zona S u l de São
Paulo, que teve origem o Movimento do Custo de Vida que, p o s t e r i o r m e n t e ,
se a l a s t r o u pelo p a í s e que c o n s t i t u i u u m dos m o v i m e n t o s sociais m a i s
a b r a n g e n t e s até 1978.(VIEZZER, 1989)
Apesar dos CM advirem das CEBs, não a p r e s e n t a m o mesmo tipo de
evolução, considerando que não se pode p e n s a r nos mesmos como u m a reali-
dade homogênea. Assim como a l g u n s deles continuam, até hoje, executando
p r i m o r d i a l m e n t e s u a s atividades iniciais relacionadas à realização de traba-
lhos m a n u a i s , estudos bíblicos ou orações, existem outros que se e n c o n t r a m
buscando objetivos mais relacionados à vida como um todo, engajados em
u m a v e r d a d e i r a busca pela eqüidade social, participando com o r e s t a n t e da
coletividade em questões mais amplas, relacionadas à melhoria da qualidade
de vida da população, não deixando de lado a importância da articulação
política em seu meio.
Esta m e s m a diversidade ou heterogeneidade na c a m i n h a d a dos diver-
sos CM, reflete-se nos aspectos relacionados às questões da m u l h e r . E n q u a n -
to em a l g u n s destes Clubes, as atividades se direcionam no sentido de refor-
çar os papéis socialmente impostos à mulher, em outros, a reflexão se faz
p r e s e n t e no sentido de c o n s t r u i r uma identidade feminina mais liberta des-
tes grilhões.
Descobrir-se m u l h e r e l u t a r pelos seus direitos de cidadania não é ta-
refa fácil de assumir, porque o cenário social é s u s t e n t a d o pela ideologia
a n d r o c ê n t r i c a e p a t r i a r c a l difundida nos âmbitos educacionais, religiosos,
científicos e c u l t u r a i s da sociedade, cujo objetivo é m a n t e r a m u l h e r subordi-
n a d a socialmente ao homem.
Assim, se a trajetória de muitos CM está i n t r i n s i c a m e n t e ligada à Igre-
ja Católica que é a instituição que os m a n t ê m t a n t o financeira como ideologi-
c a m e n t e é de se e s p e r a r que a ideologia que eles refletem também seja da
m e s m a n a t u r e z a e que propicia muito mais a alienação das m u l h e r e s que a
sua emancipação.
Da mesma m a n e i r a , a s a ú d e da m u l h e r pode ser e n c a r a d a de diferen-
tes formas nestes espaços, seja vinculada a u m a visão mais ampla de integri-
dade biológico-social, seja dicotomizada ou parcializada.
No e n t a n t o , por ser um espaço que m u t u a l m e n t e propicia às m u l h e r e s
a troca de experiências, m u i t a s oportunidades podem surgir relacionadas às
possibilidades de ampliação da sua consciência sobre a própria vida, e nela
sobre a s u a saúde.
Por a c r e d i t a r n e s t a possibilidade, a finalidade deste trabalho foi desco-
brir as possibilidades de intervenção, j u n t o às m u l h e r e s i n t e g r a n t e s destes
CM, p a r a a m p l i a r a sua visão de saúde-doença e, i n d i r e t a m e n t e , a visão da
sua condição social da mulher.
P a r a alcançar esta finalidade, os objetivos traçados foram: conhecer o
perfil organizacional dos CM no que sé refere aos objetivos e prioridades que
direcionam suas ações, bem como o conteúdo das mesmas e a forma de orga-
nização do movimento; conhecer as concepções de saúde-doença p r e s e n t e s
e n t r e as s u a s i n t e g r a n t e s , verificar a articulação que os CM m a n t ê m com as
instituições de s a ú d e municipais da região e com outros movimentos de mu-
lheres. P r e t e n d e u - s e também a n a l i s a r estes dados de acordo com as possibi-
lidades a p r e s e n t a d a s p a r a a ampliação ou redução da consciência da m u l h e r
em relação à sua identidade social.

2 METODOLOGIA

2.1 A População do Estudo

A população de estudo foi constituida por m u l h e r e s i n t e g r a n t e s de sete


dos oito CM existentes no Distrito Sanitário de P e r u s , da Administração Re-
gional de Pirituba - Perus (ARS-8) da Secretaria Municipal de Saúde. Esta
região foi escolhida em v i r t u d e de ser o espaço onde se desenvolve um Proje-
to de I n t e g r a ç ã o Docente Assistencial e n t r e a Escola de Enfermagem da USP
e a Prefeitura do Município de São Paulo, a t r a v é s da Secretaria Municipal
de Saúde.
Foram e n t r e v i s t a d a s especialmente dirigentes destas e n t i d a d e s , uma
vez que o esperado 6 que estas seriam as m u l h e r e s capazes de fornecer os
dados da pesquisa.
2.2 A coleta dos dados

Os dados foram coletados por meio de e n t r e v i s t a s diretivas, com rotei-


ro (anexo I). As e n t r e v i s t a s foram g r a v a d a s , p o s t e r i o r m e n t e t r a n s c r i t a s e
a n a l i s a d a s , com o objetivo de se buscar os dados referentes às variáveis que
c o m p u n h a m o estudo.
As p e r g u n t a s foram precedidas de u m a explicação a respeito da pes-
quisa e n q u a n t o s u a s finalidades e objetivos.
O roteiro foi pré-testado com u m a dirigente de um Clube de Mães loca-
lizado em u m a outra região da cidade (Zona Leste) e modificado de acordo
com a necessidade.

2.3 As variáveis estudadas

P a r a alcançar os objetivos propostos, as variáveis e s t u d a d a s foram as


seguintes:

2.3.1 Caracterização institucional


- entidade mantenedora
- caracterização da sede
- m a n u t e n ç ã o financeira
- objetivos do movimento
- prioridades
- histórico
- motivação inicial
- forma de organização
- avanços e dificuldades do movimento
- atividades desenvolvidas
- articulação com outros movimentos de m u l h e r e s
- articulação com recursos de s a ú d e

2.3.2 Caracterização das p a r t i c i p a n t e s


- idade
- sexo
- papel na instituição
- estado civil

2.3.3 E n t e n d i m e n t o sobre a s a ú d e da m u l h e r
2.4 As etapas do trabalho

O t r a b a l h o foi realizado percorrendo as seguintes e t a p a s :

- identificação dos Clubes de Mães existentes na região delimitada


• contato com as dirigentes com o objetivo de m a r c a r e realizar
as e n t r e v i s t a s
- realização das e n t r e v i s t a s (coleta dos dados)
- transcrição das entrevistas
- tabulação e análise dos dados
- elaboração do relatório final da pesquisa

3 RESULTADOS

Foram e n t r e v i s t a d a s 7 m u l h e r e s , r e p r e s e n t a n t e s de 7 Clubes de Mães


do D i s t r i t o de P e r u s . A p e s a r de m u i t a s t e n t a t i v a s n ã o foi possível ser
contactada a pessoa, do oitavo Clube, a ser e n t r e v i s t a d a .
Destas e n t r e v i s t a d a s , 6 eram coordenadoras e a p e n a s 1 era participan-
te, sem cargo diretivo.
Q u a n t o à caracterização, a idade das p a r t i c i p a n t e s variou e n t r e 15 e
70 anos, com u m a concentração maior na faixa e n t r e 40 e 50 anos. Q u a n t o ao
estado civil, em apenas um deles a totalidade das p a r t i c i p a n t e s era casada,
a p e s a r dos demais terem relatado que a maioria das p a r t i c i p a n t e s t i n h a m
esta condição marital.
Q u a n t o à caracterização institucional, todos os Clubes eram vincula-
dos à Igreja Católica Apostólica Romana, 6 possuíam sede própria e 1 ocupa-
va um espaço cedido por u m a escola infantil.
Q u a n t o aos objetivos, p a r a quase todos os Clubes, e r a m de c a r á t e r
assistencialista, referindo-se principalmente à promoção de ações ligadas à
realização de trabalhos m a n u a i s ou à ajuda h u m a n i t á r i a às pessoas, no sen-
tido de alívio da pobreza. Apenas um preocupava-se em realizar trabalhos
destinados à ampliação da consciência da m u l h e r a respeito do seu papel
social, referindo-se como objetivos "formar a consciência da m u d a n ç a do papel
da m u l h e r , envolver a m u l h e r na política, na religião e em todos os setores, e
conhecer os direitos da mulher".
A listagem dos objetivos dos Clubes de Mães estudados 6 m o s t r a d a a
seguir, a p e s a r de nas falas das mulheres, às vezes, os mesmos se confundi-
rem com as ações executadas.
OBJETIVOS DOS CLUBES DE MÃES
-costurar roupas, e n s i n a r trabalhos m a n u a i s
- c o n v e r s a r , o r i e n t a r , a j u d a r a c o m u n i d a d e , a j u d a r as m ã e s
pobrezinhas
-aprender a se defender do marido
-trazer pessoas p a r a a comunidade
-ligar as m u l h e r e s à Igreja
-trazer as m u l h e r e s p a r a o Clube de Mães
-formar a consciência da m u d a n ç a do papel da m u l h e r
-envolver a m u l h e r n a política, n a religião e em todos os setores
-conhecer os direitos da m u l h e r
É i n t e r e s s a n t e notar que u m a m u l h e r relatou que no Clube de Mães
podia " a p r e n d e r a se defender do marido", sem que no e n t a n t o t e n h a referido
o u t r a s questões a r t i c u l a d a s a esta.
Estes objetivos direcionavam as prioridades no sentido de realizarem
e m p r e e n d i m e n t o s da mesma n a t u r e z a , ou seja, assistencialistas e h u m a n i t á -
rios, como por exemplo: a realização de b a z a r e s (2), a compra de m á q u i n a s
p a r a a m o n t a g e m de u m a oficina (1), a realização de cursos de p i n t u r a e
costura (1).
A e n t i d a d e que t i n h a objetivos que m o s t r a v a m a s u a a d e r ê n c i a a u m a
política p a r t i d á r i a de esquerda, indicou que s u a prioridade de ação referia-
se à reivindicação por escolas, creches e saúde, r e l a t a n d o o desejo, inclusive,
de a r t i c u l a r - s e aos Conselhos Gestores das U n i d a d e s de Saúde da Região, n a
luta pela melhoria da assistência à saúde da população. U m a das entrevista-
das não respondeu a esta p e r g u n t a , por não compreendê-la.
O histórico destas instituições foi buscado a t r a v é s da verificação do
tempo de existência e da motivação inicial p a r a o e m p r e e n d i m e n t o . O tempo
de existência variou de 2 meses a 16 anos, sendo que 3 deles t i n h a m 2 anos
ou menos de existência e 3, 10 anos ou mais. É i n t e r e s s a n t e n o t a r que o
Clube que t i n h a objetivos mais voltados p a r a a emancipação da m u l h e r era o
mais antigo. P a r a um deles não foi possível saber o tempo de existência.
A motivação inicial p a r a a formação do movimento, em 3 casos, foi ar-
ticulada à pessoa fundadora do Clube, como mostram as falas abaixo:

"...no início, o Frei convocava as coordenadoras da comunidade que no caso


sou eu, a Maria de Lourdes e pediaprágente convocar as mulheres prágente
conversar com as mulheres, prá saber o que elas queriam..."
"Iniciou pela Jandira. Ela chamou agente lá prá costurar roupa, fazer cro-
ché e ensinar as outras mães que não sabem. A Jandira que teve a motivação
prá começar. A maioria das mulheres do Clube de Mães são da comunida-
de. "
"O início foi assim como eu já te falei. Algente fez uma rifa, fez um bingo e a
gente comprou todas as coisas que a gente precisava para trabalhar e agente
continuou. As coisas que a gente faz, a gente vende e vai continuando. A
idéia partiu da primeira coordenadora."

D u a s m u l h e r e s desconheciam como o Clube havia se iniciado e o u t r a s


2 revelaram um início compatível com a formação de u m a organização de
m u l h e r e s com objetivos político-partidários; p a r a a outra, a motivação inicial
foi um curso p a r a a formação de Clubes de Mães promovido pela Igreja Cató-
lica, m i n i s t r a d o por uma Assistente Social e que visava d e s e n c a d e a r um mo-
vimento com uma nova concepção de Clubes de Mães, não mais assistencialista
como era o antigo, mas como um veículo gerador de tomada de consciência
p a r a as questões femininas.
Q u a n t o às formas de organização, 5 Clubes eram constituídos por u m a
coordenadora e demais participantes, em outro, h a v i a duas coordenadoras e
as p a r t i c i p a n t e s e no sétimo, coordenadora, secretária e t e s o u r e i r a , além das
participantes.
Todos os Clubes m a n t i n h a m encontros u m a vez por s e m a n a , no perío-
do da t a r d e , onde as m u l h e r e s desenvolviam t r a b a l h o s m a n u a i s de croché,
tricô, t a p e ç a r i a e costura, mesmo aqueles que r e f e r i r a m a t i v i d a d e s com
conotação mais política. A p a r e n t e m e n t e , os t r a b a l h o s m a n u a i s constituíam
motivo p a r a r e u n i r as m u l h e r e s , i n d e p e n d e n t e m e n t e dos demais objetivos.
As reuniões na p a r t e da t a r d e eram justificadas pelo fato dos afazeres do-
mésticos das m u l h e r e s se concentrarem na p a r t e da m a n h ã .
Q u a n t o às dificuldades enfrentadas, a mais r e l a t a d a foi a financeira,
a p o n t a d a pela maioria das e n t r e v i s t a d a s . Depois, foram a p o n t a d a s o u t r a s : a
falta de i n t e r e s s e das mães em participar, o que r e s u l t a n a evasão; a falta de
meios p a r a inovação e a falta de meios p a r a a divulgação do t r a b a l h o desen-
volvido.
Por conquistas, foram referidas: creche e escola (2); ampliação do co-
nhecimento, amizade e a u m e n t o do n ú m e r o de i n t e g r a n t e s (1); realização de
bazares (1); a consecução de t r a n s p o r t e e ambulatório de especialidades mé-
dicas p a r a a região (1). Apenas uma m u l h e r referiu como conquista a ampli-
ação da consciência da m u l h e r em relação ao t r a b a l h o feminino. Três das
e n t r e v i s t a s não referiram conquistas.
Q u a n t o à vinculação a outros Clubes de Mães, a p e n a s 2 referiram esta
prática. As demais disseram que ela não existe. N e n h u m a delas referiu vín-
culo com outros movimentos de m u l h e r e s .

Q u a n t o à s a ú d e . '.\ e n t r e v i s t a d a s d i s s e r a m q u e o s ( ' l u l i e s a o s q u a i s p e r -
t e n c i a m n ã o I r a t a v a m d a s q u e s l õ e s r e l a t i v a s à s a ú d e d a m u l h e r e ouI ra r e f e -
riu n a o c o n h e c e r n a d a a r e s p e i l < i d est e I e m a . I'a ra 2 out r a s e n I r e v is 1 ac l a s . a
c o n c e p ç ã o de s a ú d e da m u l h e r r e l a c i o n a v a - s e à h i g i e n e corporal e do m e i o
a m b i e n t e , a p r e s e n t a n d o c o m o m e d i d a s i m p o r t a n t e s para a p r e v e n ç ã o | s ( ; l

d(«Miras f e m i n i n a s , a r e a l i z a ç ã o do e x a m e de l ' a p a n i c o i a u e "ir ao m é d i c o


p e r i o d i c a m e n t e " , ( a t a r a m t a m b é m a i m p o r t â n c i a da h i g i e n e m e n t a l , referin-
do-se no e n t a n t o a isto q u a s e c o m o lazer ou e s p a ç o p a r a o r e l a x a m e n t o de
t e n s õ e s q u e já referiram a própria f r e q ü ê n c i a a o (-lube c o m o forma de obten-
ç ã o d e " h i g i e n e m e n t a l " . E s t a s c o n c e p ç õ e s de s a ú d e - d o e n ç a p o d e m s e r
e x e m p l i f i c a d a s n a s falas abaixo:

"Aclio que prá gente ler uma boa saúde, tem que mauler uma higiene, um
ambiente limpo, bem arejado. as verduras lacadas, fazer 1'apanicolau Iodos
os anos. procurar um Posto de Saúde"

"...o que a gente mais faz lá (no Clube de Mães) é higiene mental, porque você
está numa roda de mulheres, você s? desliga de casa, dos problemas. Acho
que isto contribui muito para a higiene mental..."

4 ANÁLISE E COMENTÁRIOS

A análise dos resultados evidencia que o trabalho da maioria dos Clu-


bes de Mães tem um c a r á t e r f u n d a m e n t a l m e n t e assistencialista e h u m a n i t á -
rio, devendo-se isto, em p a r t e , ao fato de e s t a r e m vinculados à Igreja Católi-
ca. Há que se l e m b r a r que esta instituição religiosa, a p e s a r de conservadora,
tem d e m o n s t r a d o tendência progressista, r e p r e s e n t a d o pela p a r c e l a do clero
q u e a d v o g a os p r i n c í p i o s da T e o l o g i a da L i b e r t a ç ã o . A i n d a a s s i m ,
h e g e m o n i c a m e n t e difunde u m a ideologia de tendência androcêntrica, o que
leva a que mesmo os seus setores mais progressistas pouco possam contri-
buir p a r a a ampliação da consciência da mulher, no que se refere à s u a situ-
ação da s u b a l t e r n i d a d e social e os meios p a r a superá-la.
Neste sentido a religião, p a r a os Clubes de Mães, como p a r a toda a
sociedade, está mais voltada p a r a a m a n u t e n ç ã o da realidade, do que p a r a a
sua transformação. P a r a transformá-la, seria necessário "analisar o cotidia-
no da m u l h e r sob u m a perspectiva crítica, afim de buscar a compreensão da
relação dialética existente e n t r e o público e o privado, t r a b a l h a n d o essa rela-
ção no sentido de e n t e n d e r m o s a discriminação da mulher, como expressão
das contradições i n e r e n t e s a u m a sociedade de classes e patriarcal". (REDE
MULHER, 1988)
"As b a r r e i r a s à superação da alienação da m u l h e r não se localizam em
sua n a t u r e z a ou em sua constituição física, como p r e t e n d e o saber b u r g u ê s ,
Por serem os Clubes de Mães caracterizados como movimentos de base
popular, pouco se pode esperar, de imediato, como resultados favoráveis a
u m a a d e q u a d a ampliação da consciência das suas p a r t i c i p a n t e s , constituídos
m a j o r i t a r i a m e n t e por m u l h e r e s casadas e mães, e n c l a u s u r a d a s na "redoma
do lar" com oportunidades r e s t r i t a s de ampliação do seu saber em relação à
dimensão social da identidade feminina. Este lar, acaba r e p r o d u z i n d o o sis-
tema social na medida em que referenda a posição s e c u n d á r i a da mulher.
Isto pode ser evidenciado mesmo no t r a n s c u r s o histórico dos movimen-
tos sociais que pretendiam a superação de a l g u m a s contradições, como na
citação abaixo:
"Ao r e p r o d u z i r a e x i g ê n c i a b u r g u e s a de q u e a m u l h e r o p e r á r i a
correspondesse ao novo ideal feminino da mãe, "vigilante do lar", o movi-
mento operário obstaculizou sua participação n a s entidades de classe, nos
sindicatos e no próprio espaço de produção, d e m a n d a n d o seu r e t o r n o ao cam-
po que o poder masculino lhe circunscreveu: o espaço da atividade doméstica
e o exercício da função s a g r a d a da maternidade". (RAGO, 1987)
Desta forma, o que resta à m u l h e r é aproveitar a vivência de participa-
ção nos espaços como os Clubes de Mães a fim de a b s t r a i r , consciente ou
inconscientemente, elementos que sirvam p a r a o p r e e n c h i m e n t o de s u a tra-
jetória de vida.
No e n t a n t o , naquele espaço, as suas atividades que, g e r a l m e n t e se re-
sumem em t r a b a l h o s m a n u a i s , não podem ser vistas como um mero prolon-
g a m e n t o dos afazeres domésticos, pois contribuem p a r a um processo que se
estabelece a p a r t i r do momento em que as m u l h e r e s resolvem se r e u n i r . Tal
processo pode se e n c a m i n h a r , em maior ou menor grau, p a r a a busca da
identidade feminina, dependendo de como cada Clube faz a r t i c u l a r os seus
objetivos e p r i o r i d a d e s , direcioando s u a s ações a u m a consciência mais
transformadora.
Chega-se à conclusão de que a vivência de participação cm grupo pode
e s t i m u l a r a discussão de a l g u m a s questões r e s u l t a n t e s do e n q u a d r a m e n t o
da m u l h e r pelo sistema dominador machista. Estas questões se expressam
em dois âmbitos que se evidenciam, r e s p e c t i v a m e n t e , nos discursos das en-
t r e v i s t a d a s referentes à necessidade de "se defender do marido" e ao "medo
de falar em público", problemas estes ditos s u p e r a d o s após a participação
nos Clubes de Mães.
O primeiro problema tem suas raízes expressas nos dizeres de RAGO
(1987): "Estabelece-se então u m a relação pedagógica, p a t e r n a l i s t a , de subor-
dinação da m u l h e r frente ao homem, e x a t a m e n t e como no interior do espaço
doméstico. O pai, o marido, o líder devem ser obedecidos e respeitados pelas
m u l h e r e s , incapazes de a s s u m i r e m a direção de s u a s vidas individuais ou
e n q u a n t o g r u p o social oprimido. (...) Não r a r o a figura da m u l h e r aparece
nesta linguagem associada à da criança, na medida em que ela é infantilizada
a t r a v é s da imagem de d e s a m p a r o , de incapacidade de p e n s a r e de agir, espí-
rito servil por n a t u r e z a . A imagem da mãe-sacrifício e da criança-inocência
completam-se n u m a construção simbólica." (RAGO, 1987)
A s u p e r a ç ã o disto poderia e s t a r n a reflexão das m u l h e r e s no sentido de
reconhecer que o problema não é individual e insuperável. A troca de experi-
ências poderia também fortalecê-las p a r a e n f r e n t a r a superação da subordi-
nação.
Q u a n t o ao segundo problema, também interagir no espaço público pode
levar a m u l h e r à s u p e r a ç ã o do mesmo. Relatando um t r a b a l h o participativo
com m u l h e r e s , CARLOTO (1989) cita: "O que é muito i m p o r t a n t e n e s t e pro-
cesso é que as pessoas foram p e r d e n d o o medo de falar, de p e n s a r , pois am-
pliaram s u a visão de m u n d o , conheceram pessoas diferentes, se relaciona-
ram com técnicos, e n f r e n t a r a m a u t o r i d a d e s . Algumas se d e s t a c a r a m como
lideranças, t e n t a n d o p u x a r o movimento p r a frente fazer o grupo refletir
mais p r o f u n d a m e n t e os desafios colocados no movimento."(CARLOTO, 1989)
Reflexões da m e s m a n a t u r e z a podem ser feitas em relação à percepção
das e n t r e v i s t a d a s sobre o processo saúde-doença da mulher. Ao situá-lo, pri-
m o r d i a l m e n t e , no â m b i t o do biológico, revelam d e s c o n h e c e r a d i m e n s ã o
d e t e r m i n a n t e do social, advindo daí a mesma concepção i n g ê n u a em relação
a como c u i d a r da sua saúde.
Ao que tudo indica, este espaço de ação dos CM pouco tem propiciado
p a r a a reflexão mais profunda e a b r a n g e n t e sobre a saúde da m u l h e r , pare-
cendo a p e n a s um espaço um pouco mais ampliado do que o lar, em relação a
isto, até porque não há a p r á t i c a de interrelação com outros movimentos de
m u l h e r e s , nem mesmo da á r e a específica da s a ú d e . No e n t a n t o , pode ser um
espaço onde postas estas questões, elas consigam ser s u p e r a d a s pela reflexão
conjunta a respeito.

5 POSSIBILIDADES D E ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Diante do observado neste trabalho, acreditamos que este espaço pode


ser utilizado em s a ú d e coletiva p a r a atuação em relação às questões da saú-
de da m u l h e r , especialmente em trabalhos educativos onde o conhecimento
vinculado possa i n s t r u m e n t a l i z a r as m u l h e r e s a iniciarem em u m a trajetó-
ria de compreensão e u m a possível transformação da realidade do seu pro-
cesso saúde-doença.
Na á r e a da educação em saúde têm sido m o s t r a d a s amplas oportunida-
des p a r a isto especialmente no que t a n g e aos aspectos preventivos.(CHIESA,
1994)
SENNA, P.A. de; FONSECA, R.M.G.S. da Mother's club: health-disease aspects in a women's
organization. Rev.Esc.Enf.USP. v.29, n. 1, p.34-46, Apr. 1995.

The article relats an investigation realized next to integrant of Mother's Club


of the Sanitary District of Perus, in the Municipal of São Paulo. It has how aims to
know the its organizacional shape and the relation between locals Municipals health
institutions and with other women movements. With this to intended to know the
concepts about health disease from their members to verify the possibilities of
intervention in coletive health. The results reveal in the conceptions of health-disease
of their integrants. Observe, however, spaces to intervention in the feeling to mplify
the breast-plate of the women about of the their social identity and of the woman's
health.

UNITERMS: Woman. Popular association. Woman's health.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHIESA, A.M. O uso de e s t r a t é g i a s participativas para o conhecimento das r e p r e s e n t a ç õ e s


sociais de mulheres da Região de Pirituba/Perus com resultado Classe 111 de Papanicolau.
São Paulo, 1994. 160p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Saúde Pública, Universidade
de São Paulo.

CARLOTO, C.M. et al. Construindo um movimento de s a ú d e . São Paulo, Serviço de


Orientação Familiar (SOF), 1989.

RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. 2. ed. Rio de J a n e i r o , Paz o Terra
1987.

REDE Mulher, Mulheres participando - onde?. São Paulo, 1988.

VIEZZER, M. O problema nao está na mulher. São Paulo, Cortez, 1989.


F o r m u l á r i o n" :

l.Nome do Clube de Mães:

2.Endereço:

3.Entrevistado (cargo/responsabilidade d e n t r o do movimento):

4.Entidade M a n t e n e d o r a :
pública: ( )municipal ( )estadual ( )federal
privada: ( filantrópica
religiosa: ( ), Qual?
mista: ( ), especifique
não h á : ( )
5. Caracterização física:
sede: ( )própria
( )cedida
( )alugada
( )outro(descreva):

6. Como vocês se m a n t ê m financeiramente?

7.Qual o objetivo do Movimento Popular de Mulheres?

8.Quais as prioridades desse Movimento?

9.Você pode r e l a t a r um breve histórico do Movimento?


9.1 Tempo de existência:
9.2 Início do Movimento (motivação):
9.3 F o r m a s de organização ( e s t r u t u r a hierárquica):
9.4 Avanços e principais dificuldades do Movimento:
9.5 Caracterização da população p a r t i c i p a n t e :
sexo: maioria ( )F ( )M
idade:
estado civil:

Rev.Esc.Enf.USP, v.29. n.l, p.34-46, abr. 1995 45


11.Quais as principais atividades que vem sendo desenvolvidas pelo
CM?

12. O que este CM e n t e n d e por S a ú d e da Mulher? O que vocês buscam


em termos de saúde?

13. Quais as conquistas que têm sido conseguidas? Como?

14. Existe algum vínculo deste CM com os demais Movimentos de Mu-


lheres? Como se dá tal vínculo?

15. O CM m a n t ê m algum contato com postos de s a ú d e desta região?

16. Existe algum r e p r e s e n t a n t e do CM em o u t r a s instâncias de partici-


pação popular no sistema de saúde?

17. Existe algum trabalho direcionado p a r a a conscientização dos di-


reitos da m u l h e r ? Descreva.

18. Você gostaria de dizer mais a l g u m a coisa sobre a sua experiência


neste t r a b a l h o j u n t o ao Movimento?

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