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Walnice Nogueira Galvao - Folha Explica Guimaraes Rosa (PDF) (Rev)
Walnice Nogueira Galvao - Folha Explica Guimaraes Rosa (PDF) (Rev)
E X P L IC A
GUIMARÃES ROSA
W A L N IC E N O G U E IR A G A L V Ã O
GUIMARÃES ROSA
CONSELHO EDITORIAL
http://groups.google.com/group/digitalsource
FOLHA
EXPLICA
GUIMARÃES ROSA
Editor
Arthur Nestrovski
Assistência editorial
Paulo Nascimento Verano
Capa e projeto gráfico
Silvia Ribeiro
Coordenação de produção gráfica
Marcio Soares
Revisão
Mário Vilela
Fotos
Folha Imagem
Editoração eletrônica Picture studio & fotolito
INTRODUÇÃO ...................................................... 7
1. O LUGAR DE GUIMARÃES ROSA
NA LITERATURA BRASILEIRA ....................... 13
2. GRANDE SERTÃO: VEREDAS .......................... 27
3. DOS PRIMÓRDIOS AOS PÓSTUMOS .............. 51
4. TRAÇOS BIOGRÁFICOS ................................. 65
CONCLUSÃO ........................................................ 69
BIBLIOGRAFIA ..................................................... 73
INTRODUÇÃO
Quando Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro,
1
M. Cavalcanti Proença, Trilhais no Grande Sertão. Rio de Janeiro:
MEC.1958.
várias línguas — que, pronunciados à brasileira, se tornam
irreconhecíveis — para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich,
ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de
criação da própria língua.
Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que
jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes
escrevendo "antenasal de mim a palmo" que "a um palmo diante do
nariz". Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo
momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em
entrevistas e declarações.
Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma
experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação.
Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em
diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e
personagens.
Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como
que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos
catrumanos dos cafundós pode aspirar às transcendências e se entregar
a especulações metafísicas sem precisar sequer saber ler.
Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor,
examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro Capítulo cuida
de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando
como sua originalidade o torna incomparável, embora tenha
precursores. O capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante
de seus livros, e único romance, Grande Sertões: Veredas (1956),
assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram
ali sintetizados.O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de
Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por
Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras
Estórias (1967), até seus dois livros póstumos. Estas Estórias (1969) e
Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do
escritor. E a conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura..
Completa este livro uma biografia de e sobre o autor, em que se
procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto
ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.
1. O LUGAR DE
GUIMARÃES ROSA NA
LITERATURA BRASILEIRA
REGIONALISMO, REGIONALISMOS
O regionalismo 2
foi uma manifestação literária que em parte
2
Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins,
1959. José Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira. São Paulo: Edusp, 1999. Ligia
Chiappini Moraes Leite, "Velha Praga? Regionalismo Literário Brasileiro". Em: Ana
Pizarro (org.), América Latina - Palavra, Literatura, Cultura. Campinas: Unicamp, 1994,
v. II.
O desenvolvimento das letras tendo por foco a Corte, posição que
o Rio de Janeiro ocupou como capital do país durante dois séculos, até
a transferência para Brasília em 1960, suscitaria reações localistas,
tanto no sul quanto no norte do país.Tais reações acusam a literatura
da Corte daquilo que hoje chamaríamos etnocentrismo, opinando que o
Brasil autêntico fica no interior e não no litoral deslumbrado pela
Europa, a quem macaqueia. E reivindicam uma expressão tanto própria
quanto autônoma de sua peculiaridade.
Assim nasceu aquilo que se conhece como o primeiro
regionalismo, subproduto do romantismo. Foi também chamado de
sertanismo, porque trouxe o sertão para dentro da ficção, onde teria
longa vida. Manifestando-se entretanto com contornos pouco precisos,
pode-se dizer que sua vigência recobre bem meio século, pelo menos
desde quando já ia avançado o romantismo, passando pelo naturalismo
até atingir o limiar do modernismo.
Nesse amplo guarda-chuva cabem pioneiros como Bernardo
Guimarães, Taunay e Franklin Távora. O próprio Alencar, de
importância seminal em nossas letras, entre as muitas obras que
escreveu procurando realizar sua ambição de cobrir o país no tempo e
no espaço, é autor de vários livros regionalistas. Para todos, o interesse
central estava no pitoresco, na cor local, nos tipos humanos das
diferentes regiões e províncias.
Anos depois surgiria um segundo regionalismo, sob o influxo do
naturalismo, em reação ao romantismo, rejeitando vários de seus
achados e propondo outras sondagens. Destacam-se Inglês de Sousa,
Oliveira Paiva, Rodolfo Teófilo, Afonso Arinos, Domingos Olímpio. A
reação contra o romantismo precedente implicou em busca de descrição
desapaixonada dos fatos, preocupação com os determinismos e com a
ciência, frio diagnóstico, pessimismo e fatalismo. Generalização
entretanto injusta para com alguns livros que, ao alcançar um nível
mais alto de elaboração literária, escapam parcialmente ao bitolamento
naturalista, como Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, e Pelo
Sertão, de Afonso Arinos.
Pode-se ainda afiliar a esse segundo regionalismo de recorte
naturalista alguns tardios, já pré-modernistas, sobretudo paulistas,
focalizando a cultura caipira, como Monteiro Lobato e Valdomiro
Silveira. Contemporâneo deles é um gaúcho dedicado às histórias e às
figuras de seus pagos, Simões Lopes Neto. A relevância de sua reduzida
obra, embora com resultado diverso, é algo que partilha com Valdomiro
Silveira, e reside prioritariamente na criação de uma "fala" própria em
primeira pessoa e em sua atenção à mimese da oralidade.
A essa altura, entre a primeira e a segunda leva regionalista, já
estavam completados, e foi tarefa levada a cabo com empenho e
escrúpulo por pelo menos duas gerações de escritores, tanto o
mapeamento da paisagem e das condições sociais, quanto o inventário
dos tipos humanos que se espalhavam pela desconhecida vastidão do
país: o caipira, o bandido, o jagunço, o caboclo, o cangaceiro, o
vaqueiro, o beato, o tropeiro, o capanga, o garimpeiro, o retirante.
Não se pode minimizar na seqüência dos regionalismos o
impacto da publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em 1902.
Certamente filiado aos padrões estéticos do naturalismo, embora
matizado de parnasianismo e até de romantismo, sua sombra pairou
sobre a literatura brasileira com uma intensidade que excedeu de muito
a seu tempo.
No entanto, o filão regionalista mostrava-se tão rico que ainda
não se esgotara e voltaria com forças renovadas após o modernismo dos
anos 20. Este, no seu afã de desprovincianizar-se e alçar-se ao patamar
das vanguardas européias, apesar de todo o seu nacionalismo torcera o
nariz para o regionalismo e o decretara de má qualidade estética, bem
como inteiramente equivocado quanto aos propósitos de dar a conhecer
o Brasil. O melhor exemplo é Macunaíma (1928), de Mário de Andrade,
teórico e principal artista da escola, que esboça o panorama do Brasil
em sua totalidade mas deliberadamente confunde as diferentes regiões
e aquilo que as caracteriza, praticando o que chamava de
"desgeograficação".
O REGIONALISMO DE 30 E O ROMANCE
SOCIAL NORTE-AMERICANO
3
Antonio Candido A Revolução de 1930 e a Cultura". Em: A Educação Pela Noite
de esquerda e, se não revolucionários, ao menos reformistas. Praticando
uma literatura empenhada, tiveram enorme divulgação e repercussão
em seu tempo, em seu próprio país e além fronteiras, inclusive na
exigente Europa. Faziam uma literatura mais fácil de ler do que aquela
das vanguardas (por exemplo, James Joyce), nisso já pressagiando a
indústria cultural. Esta optaria sempre em favor do mais fácil, do
simplificado, relegando a alta literatura - aquela cuja forma é
esteticamente informativa — a um pequeno círculo de leitores
sofisticados, cada vez mais exíguo. Sintonizavam com pelo menos parte
do público à época, na tomada de consciência quanto à miséria.
Reivindicavam reformas que minorassem os sofrimentos dos pobres e
oprimidos. Acusavam os ricos e poderosos das condições iníquas da
sociedade. Mostravam-se mais despreocupados com a forma e mais
preocupados com os conteúdos.
O impacto que causaram pode ser medido pelo número de
prêmios Nobel que conquistaram. Sinclair Lewis (1930) foi o primeiro
norte-americano a ser agraciado com esse galardão, que depois coube a
Faulkner (1949), Hemingway (1954), Stembeck (1962). Com os quais, se
juntarmos em registro parcialmente diferente e para cima o notável
dramaturgo Eugene 0'Neill (1936) e em plano inteiramente diferente e
para baixo a romancista popular Pearl S. Buck (1938), teremos uma
boa avaliação do peso das letras dessa nacionalidade no período. Depois
dessa constelação, a premiação americana minguará outra vez.
Foi a primeira vez que a cultura norte-americana suplantou a
européia em nosso país. E nunca mais a Europa retomaria sua
ascendência perdida.
Quanto aos nossos autores, hoje é quase dispensável apresentá-
los, tal a hegemonia exercida durante longo tempo pelo regionalismo de
30, desde que se tornou a vertente dominante na prosa brasileira. O afã
ao mesmo tempo cosmopolita e nacionalista do modernismo, que afinal
se encenara todo no eixo São Paulo-Rio, somado a sua altíssima
qualidade estética, fora incapaz de impedir um novo surto regionalista.
Ao contrário do modernismo, que privilegiava a poesia, a voga em
ascensão investe tudo no romance, gênero certamente mais popular,
mais impermeável a vanguardismos e menos requintado. Com
instrumentos mais aguçados que os regionalismos anteriores, tinha
todo o ar, devido a sua simultaneidade, impressionante volume e
ineditismo, de ser propriamente uma escola, e vinda dos estados do
Nordeste.4
Historiadores e críticos são concordes em considerar como
marco inaugural A Bagaceira (1928),de José Américo de Almeida, da
Paraíba. Ali já se notam certas coordenadas que se farão recorrentes,
desde o entrecho que expõe um drama humano local, até a presença de
coronéis, de retirantes, da seca, da paisagem característica e das
relações sociais. Em rápida seqüência, estrearão e dominarão com seus
romances a cena literária por vários decênios, com apogeu nos anos 30
e 40, Rachel de Queiroz, do Ceará, José Lins do Rego, da Paraíba,
Graciliano Ramos, de Alagoas, e Jorge Amado, da Bahia, afora uma
verdadeira plêiade de autores menores.
Seria injusto, por não ser nordestino e pouco ter de rural, ao
contrário erigindo romance após romance um painel da pequena
burguesia urbana gaúcha, bem como uma saga da colonização do
extremo sul arrancando do campo, deixar de citar Erico Veríssimo.
O fato é que essa safra de ficção ao rés-do-chão, aspirando ao
documentário, constituiu um cânone ainda vigente em nossos dias,
impondo a norma à literatura brasileira, impedindo por longos períodos
que houvesse percepção estética de autores que não atuassem dentro
de seus ditames.
E, porque coincidiu com a formação de um mercado editorial e
de um público leitor, também explica em parte a persistência das
ramificações do naturalismo como principal programa estético-literário
entre nós.
4
Sérgio Miceli, Intelectuais e Classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel,
1979
A OUTRA FACE DA MOEDA: A "REAÇÃO
ESPIRITUALISTA" 5
5
Alceu Amoroso Lima, "A Reação Espiritualista". Em: Afrânio Coutinho (org.),
Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986, v. IV, 3. ed., revista e
atualizada.
endogamia e consangüinidade, patriarcalismo incontrastado com
opressão de filhos e mulheres, estados mórbidos, crimes, taras e
perversões, mostrando-se afim ao naturalismo.
Os romances dos discípulos desses autores, além de
reivindicarem com ênfase uma espiritualidade que supunham perdida
ou pelo menos extraviada no panorama artístico nacional, apregoavam
o Mistério, assim com letra maiúscula. Suspensos entre o pecado e a
graça,escrevendo aborda do inefável,sustentando que os problemas
materiais — miséria, injustiça, opressão -nada significam quando
comparados à salvação ou perdição da alma, esses escritores e seus
escritos operam por dentro de uma introspecção levada ao limite. Tudo
se passa como se quisessem perquirir uma imensa problemática
espiritual, encenando-se no íntimo de cada um, enquanto recuperavam
a dimensão da subjetividade — mas uma subjetividade bem singular,
vivendo o drama católico.
Em suas obras vamos nos deparar com os embates entre o Bem
e o Mal, a escuridão da alma, a obsessão com a transcendência, o senso
do enigma latente na existência, a onipresença do pecado em meio à
demanda desesperada da perfeição, confrontada com a abolição dos
limites. De um lado, o confinamento na problemática cristã resulta no
ensimesmamento trazido por uma busca incansável do sobrenatural.
De outro, desemboca na angústia da cisão entre o apelo místico e o
aprisionamento na vileza da carne. Tudo isso num clima de pesadelo,
facultando os vários rótulos atribuídos a essa linha literária, como os de
romance de atmosfera, ou intimista, ou introspectivo, ou de sondagem
interior.
Seja como for, certamente encarna com vigor uma reação contra
a particularização do regionalismo: esse romance é universalizante.
Por isso, seus autores manifestam horror à cor local, ao
pitoresco, à exuberância dos trópicos, ao típico, à imanência de um
mundo sem Deus. Nisso, dessolidarizam-se dos regionalistas de 30 no
que estes têm de ateus ou agnósticos, abstendo-se de tocar em assunto
religioso, a não ser para zombar abertamente do caráter interesseiro do
clero e da beatice dos fiéis, denunciando a cumplicidade da hierarquia
da Igreja com os opressores.
É de se notar que, enquanto o modernismo se dá como um
fenômeno primordialmente paulista, passando-se em São Paulo entre
escritores paulistas, e o regionalismo de 30 é coisa de nordestinos,
como vimos, já essa outra face da moeda do romance de entreguerras
tem seu chão no Rio de Janeiro, seja entre os nascidos ali mesmo, como
Octavio de Faria, ou perto, como Cornelio Pena em Petrópolis, migrados
de Minas, como Lúcio Cardoso, ou da Bahia, como Adonias Filho. Na
capital do país, aproximam-se todos do grupo católico liderado por
Tristão de Athayde, pseudônimo do influente crítico e teórico Alceu
Amoroso Lima, que organizou o ideário e escreveu sobre o romance
espiritualista, e pelo pensador católico Jackson de Figueiredo, criador,
em 1922 — ano da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido
Comunista —, do Centro Dom Vital, no Rio, de reavivamento católico.
Quando Jackson de Figueiredo morre em 1928,Tristão de Athayde
coincidentemente se converte e assume a direção daquele Centro.
Todos gravitavam na órbita da revista católica A Ordem. Esse
caldo de cultura, muito influente à época, também produziu, além dos
romancistas, importante poesia e ensaio. Os citados são apenas os
autores de maior renome, havendo um número respeitável de escritores
à época que se pautavam pelo mesmo ideário.
Em doses diversas, e variando conforme a personalidade
artística de cada um, percebem-se todavia elementos comuns na obra
de todos eles. Uma certa vivência exasperada da derrocada, meditação
torturante da subjetividade, preocupação com a fatalidade, religiosidade
assumida ou negada que eclode em obsessão com o pecado, uma busca
da transcendência e até do sobrenatural na ficção.
A reação espiritualista no romance, a exemplo do regionalismo,
tampouco se desprende de todo do naturalismo, no fatalismo com que
abre espaço às forças atávicas e hereditárias, aos instintos, à
irracionalidade. Contribuem para esse efeito a escavação introspectiva e
o aprofundamento de certas técnicas literárias típicas do século 20,
como o monólogo interior, o fluxo da consciência, e tudo o que
desagregasse o discurso, que assim pretendia ser fiel e colado ao que se
postulava como o verdadeiro funcionamento da psique.
Nem sempre é fácil distinguir com clareza uma e outra face da
moeda, havendo de permeio um território de transição que muitos
autores perlongaram, e em que alguns perderam o rumo. E, se Lúcio
Cardoso começou pelo regionalismo, com Maleita, também Caetés e
ainda mais Angústia, de Graciliano Ramos, assim como parte da obra
de José Lins do Rego, por exemplo, têm um inegável ar de parentesco
com esse romance de atmosfera e de indagação interior. E bem mais se
pensarmos na busca de uma transcendência sem Deus.
É nesse panorama literário, basicamente bipartido, que
Guimarães Rosa vai fazer sua aparição, operando como que uma
síntese das características definidoras de ambas as vertentes: algo
assim como um regionalismo com introspecção, um espiritualismo em
roupagens sertanejas.
2. GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Quando Grande Sertão: Veredas é lançado, em 1956, já foi
O SERTÃO
6
Walnice Nogueira Galvão, As Formas do Falso — um Estudo Sobre a Ambigüidade no
Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Perspectiva, 1972.
OS JAGUNÇOS
OS HOMENS E OS BOIS
7
Oxford" vem de ox (boi) e fora (passagem, vau, trecho raso do rio).
homens livres, porque os distinguia do trabalho manual dos escravos.
Ainda mais, o cavalo é sinal de prestígio nessa sociedade rústica: "O
pobre sozinho, sem um cavalo, fica no seu, permanece, feito numa croa
ou ilha, em sua beira de vereda. Homem a pé, esses Gerais comem" (p.
351).
A PLEBE RURAL
8
M. Cavalcanti Proença, op. cit.
do romance, um de seus maiores achados sendo encarnar em
personagens esse processo histórico.
Entre os chefes de jagunços estão aqueles do bom lado, como
Joca Ramiro, ou do mau, como o arquivilão Hermógenes e seu aliado
Ricardão: todos fazem parte da habitual aliança privada para a
dominação local. Todos, salvo um, Zé Bebelo, o qual, juntamente com
Riobaldo e Diadorim, constitui o trio central do romance. Zé Bebelo
encarna o princípio da centralização nacional e a divisa da
República,"Ordem e Progresso".
A bem da ordem, almejando submeter a jagunçagem e pacificar
o sertão: "Sei haja de se anuir que sempre haja vergonheira de
jagunços, a sobre-corja ? Deixa, que, daqui a uns meses, neste nosso
Norte não se vai ver mais um qualquer chefe encomendar para as
eleições as turmas de sacripantes, desentrando da justiça, só para tudo
destruírem, do civilizado e do legal!" (p. 125). A bem do progresso,
visando a introduzir ali as benesses da civilização: "Dizendo que, depois,
estável que abolisse o jaguncismo, e deputado fosse, então reluzia
perfeito o Norte, botando pontes, baseando fábricas, remediando a
saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando mil escolas" (p. 126).
Coerentemente, fecha suas cartas com: "Ordem e Progresso, viva
a Paz e a Constituição da Lei!"(p. 312).
Embora não se contente em ser apenas altruísta e espere tirar
proveito pessoal, inclusive uma cadeira de deputado, Zé Bebelo, ao
arvorar-se em militante da modernização, conserva em mente os ideais
da nação: "Agora, temos de render este serviço à pátria... tudo é
nacional!" (p. 125). A tal ponto que Zé Bebelo vem a ser a única
personagem capaz de raciocinar em termos que não os da tradição, ou
de laços de sangue, ou de alianças privadas para dominação, mas de
República e de canais democráticos.Tem por hábito, mesmo em meio ao
fogo cruzado dos combates, fazer comícios políticos nos arraiais por
onde passa e, como se não bastasse, incita Riobaldo a discursar
também: "Ao que Zé Bebelo elogiou a lei, deu viva ao governo, para
perto futuro prometeu muita coisa republicana. Depois, enxeriu que eu
falasse discurso também. Tive de. 'Você deve citar mais é em meu nome,
o que por meu recato não versei. E falar muito nacional...'" (p. 128).
Seu empenho na imposição da lei e na pacificação do sertão é
tão acentuado que ele o manifesta aos berros mesmo enquanto atira
nos outros. Seus gritos de guerra mais usados são "Viva a lei!" e "Paz!".
Já os tendo ouvido, um trêmulo veredeiro se joga a seus pés e implora:
"Não faz viva lei em mim não, môr-de-Deus, seu Zebebel, por
perdão..."(p. 75). Ao que o chefe imediatamente aquiesce e o toma na
garupa para levá-lo a jantar com o bando.
Os traços positivos definidores dessa personagem introduzem a
modernidade no contexto histórico de República Velha do romance:
inteligência, sede de instrução, visão nacional.Todavia, como tudo nesse
livro, ele próprio é ambíguo e sofre o peso de traços tradicionais
negativos: a valentia acima de tudo, a ambição de poder pessoal, a
utilização de jagunços para acabar com a jagunçagem. Finda por
dobrar-se à lei do sertão, assumindo o comando de um bando que ele
próprio antes combatera, e, como se não bastasse, tendo por alvo a
execução de uma vingança privada sem qualquer ideal "nacional".
Jamais conseguirá ser deputado. Já que não morreu pelas armas, à
maneira tradicional, seu destino é degradar-se em mero comerciante.
Tudo isso faz de Zé Bebelo uma personagem que se destaca
entre os diversos chefes do romance. Enquanto os outros pairam num
plano mítico, nebuloso e grandioso, ele renuncia a ganhar a admiração
do leitor e do narrador por ser demasiado humano e muito ele mesmo
com suas manias: seu apito de comando, suas interjeições — "Maximé!"
— e xingamentos, sua tagarelice e suas veleidades de ser deputado.
Até mesmo suas ligações com o governo central, que lhe fornece
armas e financia seu bando, com o fito de acabar com a jagunçagem,
colocam-no numa esfera diferente daquela dos demais chefes, todos
pertencentes às alianças privadas de dominação.
A MATÉRIA DO SERTÃO
O PAPEL DO NARRADOR-PROTAGONISTA
O PERCURSO DE RIOBALDO
RIOBALDO E DIADORIM
9
Antônio Candido/'O Homem dos Avessos". Em: Tese e Antítese. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1964; p. 135 e 139.
3. DOS PRIMÓRDIOS
AOS PÓSTUMOS
SAGARANA
10
Saga: conjunto ou série de estórias orais; termo derivado do verbo "dizer",
portanto um índice épico.
Oswaldino Marques, um dos primeiros e mais sutis exegetas de
Sagarana, dedicou-lhe um estudo focalizando sobretudo a linguagem.
Ali examina minuciosamente os processos de criação de neologismos,
argumentando que eles não são ornamentais nem supérfluos, enquanto
procura situar Guimarães Rosa entre os escritores de língua
portuguesa: "Compreende-se, assim, que as suas exigências sejam de
natureza substancialmente qualitativa, nunca quantitativa [...] A
composição realizada [...] acabaria por impugnar toda deliqüescência
sentimental, plasmando a maneira peculiar ao escritor segundo um
anti-romantismo que é o traço que melhor o diferencia de seus pares,
aqui e em Portugal. Não é por mera coincidência que se deve creditar a
ele, de direito, a criação da prosa expressionista brasileira".11
CORPO DE BAILE
Mais dez anos sem livro, e em 1956 Guimarães Rosa surge logo
com dois, ambos volumosos, tendo Corpo de Baile precedido Grande
Sertão: Veredas por poucos meses.
Do que foi essa experiência quase enlouquecedora o escritor
deixou registro em cartas, ao confessar-se povoado por uma multidão
de personagens. Novamente, observa-se não só o pleno domínio de uma
linguagem própria, sabiamente manejada, mas, de modo semelhante, a
pluralidade de enredos.
De porte maior e mais extensas, essas novelas, como as rotulou
o autor, são bem mais ambiciosas e de densidade maior que os contos
de Sagarana. Para se ter uma idéia, aqui o tamanho das estórias varia
entre 68 ("Cara-de-Bronze") e 138 páginas ("A Estória de Lélio e Lina").
11
Oswaldino Marques, "Canto e Plumagem das Palavras". Em: A Seta e o Alvo.
Rio de Janeiro: MEC/INL, 1957; p. 26-7.
Na primeira edição preenchendo dois grossos volumes, da segunda em
diante passariam a ocupar três.
"Campo Geral", a primeira novela, tornou-se uma das mais
estimadas de suas produções, devido ao encanto do protagonista, o
menino Miguilim. É inesquecível o lance no qual, em meio a uma
tragédia familiar e às dificuldades de ser criança, dão óculos ao menino,
que não se sabia míope, e ele de repente descobre as belezas do mundo.
Costuma-se ver nisso a transposição de uma experiência pessoal do
escritor, a quem teria acontecido algo idêntico.
Em "Uma Estória de Amor", depois republicada como
"Manuelzão", o protagonista comanda uma festa de consagração da
capela que mandou erigir em sua fazenda, ponto culminante de uma
vida de trabalhos, no percurso da qual perdeu alguma coisa de
espontâneo, o que o torna ressentido e cismado.
Em "A Estória de Lélio e Lina", floresce uma amizade entre um
moço e uma velha, fonte de iluminações para ambos.
Em "O Recado do Morro", assistimos à tortuosa retransmissão
de uma suposta mensagem, prevenindo e salvando a vida de uma
personagem, enquanto paralelamente se vai compondo uma canção.
Em"Lão-Dalalão", o protagonista recebe lições de vida da esposa,
ex-prostituta que retirou da zona para com ela se casar, sem que se
proíba de ter fortes ciúmes de seu passado, que fazem de seu cotidiano
um inferno.
Em"Cara-de-Bronze", o fazendeiro a quem cabe essa alcunha
fica ancorado em casa e manda seu vaqueiro Grivo fazer o levantamento
de tudo o que existe no mundo para vir contar-lhe de volta. Ele está
interessado em conhecer "o quem das coisas".
Em "Buriti", duas moças da cidade, cunhadas, mantêm-se sob a
guarda de poderoso fazendeiro, das quais uma delas é a nora
abandonada pelo marido. Outras personagens circulam, como o chefe
Zequiel, que sofre de insônia e gasta a vigília a ouvir as vozes da noite.
Oswaldino Marques também se manifestou sobre Corpo de Baile
num pequeno artigo. Após assinalar novamente a riqueza da linguagem,
mas também a profundidade psicológica das personagens e o
aproveitamento da épica dos vaqueiros, saúda "uma obra na iminência
de se instalar na memória primigênia de um povo, reconvertendo-se [...]
em folclore. A destinação, aliás, de todas as grandes criações do espírito
humano é tender para o folclore como um limite".12
O tradutor de Corpo de Baile para o italiano, Edoardo Bizzarri,
trocaria extensa correspondência com o autor, discutindo pormenores
da tarefa. Depois publicaria as cartas de ambos em volume, elucidando
os bastidores da criação rosiana de uma maneira até então inédita. O
avanço estético do primeiro para o segundo livro é medido pela
observação de que um conto de Sagarana, que anteriormente também
traduzira, não passa de um "riachinho montano, nenhum milagre que
suas águas permanecessem limpas e claras, borbulhadas de luz". Em
contraste, o novo livro é "um bruto de um rio amazônico, cheio de
tudo".13
Se por um lado essas novelas mantêm uma unidade, fornecida
mais uma vez pelo espaço e pela linguagem, por outro lado seu elenco e
suas tramas manifestam a diversidade exigida por uma leitura de alto
teor.
PRIMEIRAS ESTÓRIAS
12
A Revolução Guimarães Rosa". Em: Oswaldino Marques, op. cit.; p. 175-6.
13
Edoardo Bizzarri (org.), J. Guimarães Rosa - Correspondência com o Tradutor
Italiano. São Paulo: Instituto Cultural Italo-Brasileiro, s/d; p. 105.
sofrimento infuso, mas permeado por epifanias desencadeadas pela
visão de duas aves, um peru no primeiro conto, "As Margens da
Alegria", e um tucano no último,"Os Cimos".
Entre valentões locais e crianças em estado de graça, além de
alguns relatos surpreendentes por seu cunho cômico, encontra-se nesse
livro pelo menos uma obra-prima, "A Terceira Margem do Rio". Nesse
conto, um homem, enigmaticamente, entra numa canoa e vai viver no
meio do rio, sem nunca mais tocar em terra, resistindo aos apelos de
sua família para que volte. Na eventualidade, seu filho permanece à
beira do rio, mas, quando convocado a substituir o pai, vacila e não
corresponde ao apelo, para ficar pelo resto da vida paralisado pelo
remorso.
Contrapõem-se aí com força duas imagens literárias: o rio,
simbolizando a continuidade, e a canoa, a descontinuidade. Ambas se
espelham, modificadas, no tempo, que é lentíssimo como o fluir
ininterrupto do rio, e na duração de uma vida humana, que é
extremamente curta. E uma nova oposição entre a fixidez das margens
e o movimento das águas remete a uma terceira margem, que nunca é
mencionada a não ser no título e que abre o relato para uma outra
dimensão, a da finitude.
Os laços de família aparecem aqui com todo o seu peso,
acentuados pelo uso do possessivo plural de primeira pessoa: nunca se
utiliza o singular, mas sempre se diz "nosso pai", "nossa mãe", "nossa
casa" etc. O pai deseja que o filho o substitua na mesma canoa, mas o
filho se assusta e refuga, desistindo de cumprir seu papel, por sua vez,
de enfrentar a finitude, à qual, como todo vivente, está de qualquer
modo condenado.
Embora essa seja a mais impressionante, Primeiras Estórias é
um livro que merece ser lido por inteiro.
Outro autor de estudos clássicos sobre Guimarães Rosa,
Benedito Nunes, nele enfatizou, entre outros méritos, a variedade a que
é submetido um tema constante em toda a obra do autor, o da viagem:
"Há também, a par de muitos périplos, andanças, partidas e chegadas
de Primeiras Estórias, a peregrinação sem horizontes, antecipação da
morte, e voluntária provação". Mas por vezes também há o seu
contrário: "no assomo de vitalidade [...] do velho de 'Tarantão meu
Patrão', que, D. Quixote 'em maluca velhice', ganha o mundo, para
pelejar a esmo, em ritmo de farsa, parodiando antigos e gloriosos rasgos
dos Roldões e pares de Carlos Magno".14
14
Benedito Nunes,"Guimarães Rosa". Em: O Dorso do Tigre. São Paulo: Perspectiva,
1969; p. 177-8.
acentuada nesse caso por se tratar de 40 estórias num livro só.
Entre os variadíssimos entrechos desse livro, a maioria deles
tendendo para o inesperado, destaca-se "Desenredo", por sua perfeição
e malabarismo. Nesse conto temos, em resumo, a estória de um homem
que é sistematicamente traído por sua amada, que só é constante na
traição. Sempre amante e disposto a recuperar a amada, ele se entrega
à paciente operação de reinventar o passado, para desculpá-la e abrir
as vias para que ela venha de volta.
O conto é escrito com base nas construções fixas e já como que
calcificadas ou solidificadas da língua, que vai sistematicamente
desmantelando. Não contente de escrever uma estória em que desmente
o lugar-comum da tradicional honra masculina que se lava com sangue,
o discurso também se dedica a inverter os lugares-comuns da
linguagem, um após o outro. Em vez do clichê "num abrir e fechar de
olhos", temos "num abrir e não fechar de ouvidos". Em vez de "olhos de
mosca morta", temos "olhos de viva mosca". Em vez de "cor de pão de
mel", temos "morena mel e pão".
O objeto central da inversão acaba por ser o provérbio, fórmula
ossificada e conservadora. O narrador afirma que "a bonança nada tem
a ver com a tempestade"— quando a sabedoria popular garante que
"depois da tempestade vem a bonança"— ou então que "vá-se a camisa,
que não o dela dentro" (em vez de "vão-se os anéis e fiquem os dedos" e
"o homem feliz não tem camisa"). Negando os provérbios existentes, o
conto se esmera em criá-los inéditos, como: "todo abismo é navegável a
barquinhos de papel" ou "de sofrer e amar, a gente não se desafaz".
Tudo isso para narrar um caso que também é o contrário de um clichê.
No fim das contas, Tutaméia — Terceiras Estórias vem a ser o
mais minimalista dos livros de Guimarães Rosa. Suas narrativas estão
dispostas em ordem alfabética, conforme a inicial do título. Traz dois
índices — um de leitura, no início, e outro de releitura, no fim — e os
índices também estão em ordem alfabética, exceto numa pequena
alteração: quando o G e o R colocam-se fora de ordem, logo em seguida
ao J, formando as iniciais do autor.
Dele disse Paulo Rónai:
"Estonteado pela multiplicidade dos temas, a polifonia dos tons,
o formigar dos caracteres, o fervilhar de motivos o leitor naturalmente
há de, no fim do volume, tentar uma classificação das narrativas. É
provável que a ordem alfabética de sua colocação dentro do livro seja
apenas um despistamento e que a sucessão delas obedeça a intenções
ocultas. Uma destas será provavelmente a alternância, pois nunca duas
peças semelhantes se seguem. A instantâneos mal esboçados de
estados de alma sucedem densas micro-biografias; a patéticos atos de
drama rápidas cenas divertidas; incidentes banais do dia-a-dia
alternam com episódios lírico-fantásticos".15
OS PÓSTUMOS
15
Paulo Rónai,"Apêndice - Os Prefácios de Tutaméia - As Estórias de Tutaméia". Em
João Guimarães Rosa, Tutaméia -Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio,
1967 ;p. 193-201.
ocorre nesse livro, que reúne estórias que o próprio Guimarães Rosa
não quis incluir nos outros, porque não combinavam e não alcançavam
o mesmo nível. Figuram escritos que antes tinham saído em periódicos,
mais um que tinha saído num volume coletivo, e alguns inéditos, entre
eles sobras do conjunto de Contos que depois se transformaria em
Sagarana. Mas ainda são, todos, estórias.
O que resgata o conjunto é "Meu Tio o Iauaretê", uma de suas
obras-primas, relatando a trajetória de um mestiço de índio, caçador de
onças no sertão mais bravio e isolado. O entrecho é terrível: de tanto ser
maltratado pelos brancos, o onceiro acaba preferindo as onças, vivendo
entre elas e se acreditando uma. O feito lingüístico é dos mais notáveis,
porque elege uma mistura de três canais de comunicação, a saber: o
português, o tupi do índio e as onomatopéias da onça.
O segundo livro, Ave, Palavra (1970), traz ainda mais acentuado
o cunho de miscelânea. Compõem-no quase exclusivamente recortes de
jornais e revistas, incluindo crônicas, pequenas ficções, anotações sobre
zoológicos, vários poemas, fragmentos de diários, oratórios etc. São ao
todo 54 textos e, o que é mais bizarro, aqui o escritor escapa de seu
espaço por assim dizer co-natural, a quase totalidade deles tendo
cenário alheio ao sertão.
Sem a anuência de Guimarães Rosa, e três décadas após sua
morte, veio à luz o livro de poemas que vencera um concurso em 1937,
Magma, e que ele, bom juiz de sua própria obra, sempre se esquivara a
publicar.
4. TRAÇOS BIOGRÁFICOS
16
Renard Perez,"Perfil de João Guimarães Rosa1'.Em: Em Memória de João
Guimarães Rosa. Rio de Janeiro- José Olympio, 1968.Vicente Guimarães, Joãozito -
Infância de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1972.Vilma
Guimarães Rosa, Relembramentos:João Guimarães Rosa, Meu Pai. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1983.
capitão no ano seguinte. Em 1934 nasce Agnes, segunda filha do casal.
E de 1933 a 1935 trabalha no Serviço de Proteção ao índio. Na
corporação militar reencontrou outro oficial-médico, Juscelino
Kubitschek de Oliveira, futuro presidente da República, que conhecera
quando ambos estagiavam na Santa Casa de Belo Horizonte e ao qual,
muitos anos mais tarde, em 1958, deveria sua promoção a embaixador.
Em 1935 ingressa no Itamarati, sendo nomeado cônsul de
terceira classe. Sua trajetória naquele ministério está bem registrada,
17
em livro interessante, que traz alguns documentos redigidos por
Guimarães Rosa e submetidos a seu crivo antes de serem selecionados
para publicação. Dentre eles se destaca um oficio interno que tem o
requinte de limitar-se a palavras iniciadas pela letra c. Os testemunhos
convergem para delinear o perfil de um funcionário consciencioso e
trabalhador.
A carreira de diplomata, como de praxe, implicaria em
deslocamentos sucessivos. Cônsul-adjunto em Hamburgo em 1938, ali
conheceria Aracy Moebius de Carvalho, sua segunda esposa. Aproveita
a oportunidade da estada no exterior para viajar pela Europa. A
Segunda Guerra, provocando o rompimento de relações com a
Alemanha, leva-o a ser internado por quatro meses em 1942, em
Baden-Baden. Nesse ano é nomeado segundo-secretário da embaixada
em Bogotá, de onde volta em 1944, para trabalhar na Secretaria de
Estado, no Rio.
Em 1946 é nomeado chefe de gabinete do ministro João Neves
da Fontoura, com o qual desenvolveu calorosa amizade e do qual faria o
elogio protocolar ao tomar posse 20 anos depois na Academia Brasileira
de Letras, ao sucedê-lo na mesma cadeira. Viaja para Paris nesse ano,
para a Conferência de Paz ao término da guerra, como secretário de
nossa delegação. Em 1948, a mesmo título, vai à Conferência Pan-
Americana, em Bogotá. Antes do fim do ano é nomeado secretário da
embaixada em Paris, e promovido a conselheiro no ano seguinte,
17
Heloísa Vilhena de Araújo, Guimarães Rosa: Diplomata. Brasília: Ministério das
Relações Exteriores, 1987.
obtendo o cargo de ministro de segunda classe em 1951, quando
reassume seu antigo posto junto a João Neves da Fontoura, no Rio.
Dois anos depois passa à chefia da Divisão de Orçamento e em
1958 a ministro de primeira classe, ou embaixador. De 1962 em diante,
seria chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras, posto em que viria
a falecer, em 1967.
CONCLUSÃO
Embora tenha sido objeto de efêmeras polêmicas quando
18
Mais!", Folha de S.Paulo, 3 jan. 1999; p. 4-8.
"A Terceira Margem do Rio", de Primeiras Estórias etc, com resultados
variáveis. Dentre eles, o trabalho de Roberto Santos com "A Hora e Vez
de Augusto Matraga" (1965) se destaca pela qualidade.
Inúmeras montagens teatrais já foram feitas, e ainda se fazem,
adaptando obras suas. Dentre elas, teve grande repercussão aquela
dirigida por Antunes Filho sobre Grande Sertão: Veredas. Esse romance
foi igualmente objeto de uma minissérie da TV Globo.
Guimarães Rosa foi parar de um modo perceptível também na
canção popular, cujas letras influenciou fortemente, como se nota em
Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mais
ou menos inesperada foi uma assinalável — e confessada — absorção
de algumas de suas técnicas por humoristas mais cultos e sofisticados,
como Millôr Fernandes e Luís Fernando Veríssimo.
Um desenvolvimento recente tem sido a recuperação da
oralidade de Guimarães Rosa num retorno que o leva de volta a suas
raízes, mas depois de ter atravessado o patamar letrado dos livros
difíceis. (Os Miguilins, contadores de estórias originários de sua cidade
natal, Cordisburgo, estão agora decorando páginas de Guimarães Rosa
e declamando-as.)
Algo que sempre agradou aos leitores foi sua habilidade para
criar palavras, e de fato se notam em toda parte muitas escolas e
logradouros públicos batizados com invenções suas. Dentre elas, a mais
popular parece ser a palavra "Sagarana", que se encontra disseminada
pelo Brasil afora, como rua, praça, centro cultural, colégio.
Em suma, uma obra tão vasta e tão rica como essa descortina
um amplo futuro pela frente, a respeito do qual se pode prever que
ainda muito dinamizará o processo cultural.
BIBLIOGRAFIA
DE GUIMARÃES
Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar,
de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem
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