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A Marinha de Guerra na

Amazônia: atuação e questões de


modernização técnica (final do
século XIX e início do XX)*
William Gaia Farias
Professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da
Universidade Federal do Pará. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Pós-Doutor
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pablo Nunes Pereira


Graduado em História pela Faculdade de História – FAHIS da Universidade Federal do Pará – UFPA. Pesqui-
sador do Grupo de Pesquisa Militares, poder e sociedade na Amazônia.

Agradecemos a Direção e funcionários do Arquivo da Marinha (sediado no Rio de Janeiro)


pela generosa ajuda na pesquisa que vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa:
“Militares, Poder e Sociedade na Amazônia”, do qual este artigo representa uma parte.

Resumo Abstract

É objetivo deste artigo analisar aspectos re- The objective of this article is to analyze relevant
levantes sobre o amplo debate acerca da mo- aspects of the great discussion about the
dernização técnica da Marinha do Brasil, so- technical modernization of the Brazilian Navy,
bretudo no que trata da Flotilha do Amazonas. specially about the Amazon Flotilla. In that way,
Neste sentido verificamos o processo interna- we verified the international process known as
cional conhecido como “corrida armamentista” “arms race” and the reflects in Brazil on issues
e seus reflexos no Brasil em questões como such as avaliations about the brazilian naval
avaliações sobre o poderio naval brasileiro, a power, the situation of the navy’s material and
situação do material e do pessoal da Marinha staff and yet the actions in order of acquisitions
e as investidas na encomenda de embarcações of ships according to the national ambitions
adequadas as ambições e condições do país, and conditions, navigation and the Amazon
navegação e segurança da Amazônia na virada security at the end of nineteenth and beginning
do século XIX ao XX. of twentieth centuries.

Palavras-Chave: Modernização técnica; KeyWords: Technical modernization; National


Segurança Nacional; Poder Naval Security; Naval Power

Na transição do século XIX para o XX, uma série de eventos alterou significativamente
os rumos da tecnologia humana. A revolução industrial, a corrida armamentista, o aperfei-
çoamento das armas e da capacidade de destruição alterariam o mundo. A relativa calma-

* Artigo recebido em 19 de maio de 2014 e aprovado para publicação em 25 de agosto de 2014.

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ria do fim do XIX e início do XX desaguaria No fim do século XIX, a Marinha brasilei-
nas maiores guerras já presenciadas.1 O ra sofreu sensível diminuição de pessoal e
progresso, o avanço e a civilidade descritos de material, sendo reduzido o efetivo da Ma-
pelo cientificismo2 e pelas políticas naciona- rinha de Guerra em Pará, Amazonas e Mara-
listas se construiriam em torno do avanço nhão. Apenas no Estado do Pará existia um
tecnológico, tornando-se forte representa- Arsenal de Marinha, situado em Belém. No
ção de poder dos estados-nação. Nesta dire- Amazonas a única unidade da Marinha era
triz a República brasileira em seu alvorecer a Capitania dos Portos, em Manaus. No Ma-
buscou se modernizar para mostrar poderio ranhão existia igualmente a Capitania dos
e pujança como de sua “grandeza”. Tal mo- Portos em São Luís e, assim como no Pará,
dernização pretendida pela Marinha tinha contava com uma Escola de Aprendizes Ma-
como modelo os navios europeus de grande rinheiros, também na capital.5
porte e armamentos, como o HMS Triumph e É evidente tal diferença também quan-
HMS Dreadnought, ambos ingleses. do verificada, por exemplo, a quantidade de
Neste contexto a Amazônia surgiu como navios encouraçados, pois estes ao longo
exceção à regra, pois suas características do período estudado neste artigo aparecem
geográficas não permitiram a modernização como os principais protagonistas na defesa
do “material flutuante” nos moldes daquilo naval do país. No entendimento de Lauro
que era previsto para o resto do país (espe- Furtado de Mendonça,6 em janeiro de 1870,
cialmente o Rio de Janeiro), bem como do em plena Guerra do Paraguai, o país con-
Programa Naval de 19043. No entanto, as tava com 16 desses navios. No entanto, no
particularidades do espaço amazônico não ano 1900, conforme o Relatório do Ministé-
impediram a região de ser alvo de discus- rio da Marinha de 1900 havia apenas cinco
sões e uma articulação diferenciada que encouraçados: Riachuelo, Aquidaban, Deo-
resultou na aquisição de modernas embar- doro, Floriano e Rio Grande. Mas é preciso
cações construídas especificamente para a considerar que os cruzadores Tamandaré e
região por estaleiros ingleses, mas não com Barroso eram referidos segundo Mendonça7
as mesmas formas dos grandes navios en- como encouraçados na Guerra do Paraguai.
couraçados. Mais do que um olhar especial, Assim podemos considerar um total de sete
seja com ou sem intenção do alto comando encouraçados.
da Armada, a Amazônia acabou se tornando Durante anos a Marinha buscou nego-
uma das principais áreas no tocante à mo- ciar a renovação do material flutuante. Sil-
dernização e sede da segunda melhor for- via Capanema de Almeida8, ao analisar a
ça naval do país, em termos quantitativos e ideia de modernização presente na Marinha
qualitativos, atrás apenas do Rio de Janeiro. brasileira no período republicano anterior
Partindo destas considerações este artigo à Revolta dos Marinheiros (1910), aponta
visa demonstrar a situação da Marinha na a necessidade de verificar a complexidade
região amazônica neste período de intensos do conceito e as discussões e contradições
debates sobre atuação, modernização da presentes na Marinha. No tocante à moder-
frota e melhor preparação do pessoal. nização de material da Marinha, há influên-
cia de duas escolas de pensamento naval à
Modernização técnica naval na época: a da França e a dos Estados Unidos.
historiografia No entendimento de Silvia de Almeida, o
modelo de guerra naval francês privilegiava
Com a corrida armamentista promovida o uso de embarcações militares de pequeno
no contexto da Era dos Impérios4 e a segun- porte que eram mais ligeiras. Este modelo
da Revolução Industrial em curso, as em- logo depois seria duramente criticado após
barcações militares e civis passaram por resultados negativos da Marinha france-
um amplo processo e substituição: da ma- sa. Já o modelo estadunidense, de acordo
deira pelos metais – especialmente o aço –, com o pensamento de Mahan9, privilegiava
da navegação à vela ao vapor e, por fim, aos os grandes navios de combate em guerras
derivados do petróleo posteriormente. oceânicas, ao invés de costeiras, sendo mui-

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to mais ofensivo e representativo de uma daqueles, 14813. Quanto ao tempo de viagem


perspectiva de supremacia naval. entre Belém e Manaus que era de doze dias
O modelo de embarcação apontado como em embarcação à vela, para se fazer o mes-
ideal pelo Relatório Ministerial de 1905 foi o mo percurso, o vapor reduziu o tempo em
navio inglês HMS Dreadnought, lançado em aproximadamente três dias. Aliada à moder-
1906, gerando a compra dos navios de mes- nização, a abertura do Rio Amazonas para
mo padrão como foram os casos do Minas navegação (1866) permitiu também um pe-
Gerais e São Paulo, em 1907, além de um cuja ríodo de intensificação de companhias de
compra não se concretizou: o Rio de Janeiro. navegação e de monopólio, analisando tam-
No mesmo Relatório Ministerial fica evidente bém a potência das embarcações vindas
que a, partir do resultado do programa naval com a finalidade comercial: José Antonio
de 1904, o Brasil passou a seguir o modelo de Miranda construiu navio de 24hp (1858);
norte-americano, embora a corrida arma- entretanto, foi com a introdução da Compa-
mentista tenha deixado tais embarcações nhia de Navegação e Comércio do Amazo-
defasadas. Por fim, sobre a questão do mate- nas (1852) e da Companhia Fluvial do Alto
rial flutuante, Almeida afirma que “quanto às Amazonas (1866) que gerou uma grande
encomendas de navios, faziam parte de um circulação de capitais e maior número de
projeto elogiado e aplaudido por diversas ca- embarcações para essa finalidade, sendo
tegorias da sociedade, mas também revelava que esta última teria “oito vapores, 3 de 200
as dificuldades de afirmação da jovem Repú- cavalos, 3 de 100 e 2 mais pequenos”14, sen-
blica brasileira no quadro internacional”.10 do ambas compradas pela Amazon Steam
Acevedo Marin11 ao analisar a lógica de Navigation Company posteriormente.
transporte e ocupação da Amazônia em
dois momentos distintos, o pós-1850 e o A formação dos oficiais e o Lloyd
pós-1950, verificou o modelo de civilização Brazileiro em 1902
construído sobre este setor. O primeiro é o
da “civilização do rio” e o segundo, “civiliza- O aviso no 331 de 21 de março de 190215
ção da estrada”. A questão dos transportes da 2a seção do Quartel General da Armada
em sua obra não se restringe ao meio de autorizou o 2o Tenente Henrique Melchiades
circulação de pessoas e mercadorias, mas Cavalcanti para realizar viagem de instrução
sim a toda uma perspectiva de integração, em paquetes do Lloyd Brazileiro. No Relató-
modernização e ocupação diferenciada do rio Ministerial da Marinha do mesmo ano16,
território a partir deles. De acordo com Ace- há informação de que, devido a tal autori-
vedo Marin, “na Amazônia é o barco a vapor zação, diversos militares da Armada foram
que moderniza o transporte, movimento que destacados para o Lloyd com a finalidade
acelera a ocupação da fronteira,”12 além do de praticarem e complementarem sua for-
estabelecimento do cabeamento de telégra- mação principalmente nas longas viagens
fos submarinos e de bondes, iluminação e empreendidas como, por exemplo, de Ma-
distribuição de água em Belém e Manaus. naus, no Estado do Amazonas, a Rosário,
Argumenta que esse foi o fator de recupe- na Argentina. Este fato ratifica a importân-
ração econômica do pós-cabanagem e que cia das companhias de navegação fluviais
essa modernização modelou trapiches, cais para a Amazônia, não apenas no sentido de
e permitiu a construção de armazéns e pré- integração e dinamismo da economia regio-
dios ligados a atividades econômicas. Dois nal, mas também da inserção de inovações
pontos fundamentais da modernização pelo técnicas e do transporte de conhecimentos,
vapor são a capacidade de carga e o tempo uma vez que a confiança depositada pela
de viagem. A respeito da capacidade de car- Marinha demonstra a necessidade de atua-
ga, entre 1864-1865, 122 barcos entraram no lizar os novos oficiais às mais modernas tec-
porto de Belém, dos quais 82 eram à vela, nologias da época. É válido notar que mui-
o que representava apenas 20% do total de tos desses navios já eram construídos com
cargas adentradas, isto porque a capacida- os materiais novos, e muitos eram adquiri-
de destes era de até 18 toneladas, enquanto dos pela Marinha brasileira para servir ao

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país, como é o caso dos vapores de guerra: vegação privada, exercia a função de tropa
Belém17, Commandante Freitas e Andrada. É auxiliar da Marinha. No ano em questão
importante enfatizar que o Lloyd Brazileiro, foram destacados para esta companhia os
além de ser forte como companhia de na- seguintes marinheiros:

Quadro 1 – Militares destacados para o Lloyd Brazileiro

Nome Patente Destacado para o Lloyd em:


Mario Carlos Lahmeyer Primeiro-Tenente 06/10
Theodoro Jardin Primeiro-Tenente 28/01
Joaquim Buarque de Lima Primeiro-Tenente 05/04
Candido de Andrada Dortas Primeiro-Tenente 08/05
Priamo Muniz Telles Primeiro-Tenente 23/08
Pedro Manot Sarrat Primeiro-Tenente 06/10
João Jorge da Fonseca Primeiro-Tenente 09/12
Herman Carlos Palmeira Primeiro-Tenente 18/12
Carlos Augusto Caston Lavigne Segundo-Tenente -
Henrique Melchiades Cavalcante Segundo-Tenente 22/03
Raul Romero Leite de Araujo Segundo-Tenente 01/04
Marcio Monteiro Segundo-Tenente 07/04
Hemeterio de Souza da Silveira Segundo-Tenente 07/04
Benjamin Goulart Segundo-Tenente 13/03
Luiz Clemente Pinto Segundo-Tenente 13/03
Luiz Hygino Duarte Pereira Segundo-Tenente 22/05
Alcibiades de Andrade Machado Segundo-Tenente 04/07
Plinio Justiniano da Rocha Segundo-Tenente 11/09
Miguel de Castro Caminha Segundo-Tenente 23/08
Jorge Henrique Meller Segundo-Tenente 13/10
José Machado de Castro e Silva Segundo-Tenente 20/09
Paulo Pires de Sá Segundo-Tenente 20/09
Torquato Diniz Junqueira Segundo-Tenente 17/12
Geraldo Candido Martins Segundo-Tenente 17/12
Americo Vieira de Mello Segundo-Tenente 10/11
Antonio da Motta Ferraz Segundo-Tenente 10/11
Nicanor Justino de Proença Segundo-Tenente 09/12
Frederico de Sá Castro Menezes Guarda-Marinha 06/10
Leopoldo Nobrega Moreira Guarda-Marinha Não seguiu
Aristides Chlorino Fialho Guarda-Marinha 04/11
Oscar de Mello Guarda-Marinha 07/11
Alvaro da França Mascarenhas Guarda-Marinha 12/12
Augusto Pacheco Alves de Araujo Guarda-Marinha 28/07
Mario Rocha de Azambuja Guarda-Marinha 03/12
Aarão Reis Filho Guarda-Marinha 03/12
Oswaldo de Murat Quintella Guarda-Marinha 03/12
Benedicto Ernesto Nunes Leal Guarda-Marinha 09/12
José Pereira de Lucena Guarda-Marinha 10/11
Frederico Garcia Soledade Guarda-Marinha 05/03
Alberto Fomm Guarda-Marinha 05/03

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A modernização técnica dos carvão, combustível utilizado nos navios.


navios e a segurança nacional Ao fim, o programa naval constava de “3
couraçados de 12.500 a 13.000t de des-
As dimensões técnicas de uma embar- colamento; 3 cruzadores couraçados de
cação é fator indispensável para navegação, 9.200 a 9.700t; 6 caça-torpedeiros de 400t;
considerando assim as condições ambien- 6 torpedeiras de 130t; 6 torpedeiras de 50t;
tais. O calado da embarcação é a área per- 3 submarinos; 1 vapor carvoeiro, capaz de
manentemente submersa e, portanto, mede carregar 6.000t de combustível”.20
a profundidade alcançada por ela (para No ano seguinte o relatório apresentado
análise detalhada leva-se em consideração ainda seguia a mesma linha quanto ao ma-
o peso do navio, a quantidade de carga, a terial flutuante. Entretanto, foi apresentado
distribuição da mesma, volume, densidade o projeto de lei pelo Deputado Laurindo Pi-
etc.). Navios de grande calado18 não podem tta contendo o programa naval referido an-
navegar em águas rasas. O comprimento19 teriormente. Ainda eram citados os navios
do navio também deverá ser levado em con- estrangeiros: Kashima, Mikasa e Katori, do
sideração, uma vez que os rios estreitos de- Japão; Cesarevitch, da Rússia; Napoli, da
mandam navios pequenos. Itália, e é citado pela primeira vez o HMS
No Relatório Ministerial da Marinha de Dreadnought, da Inglaterra, que viria a ser
1903, o Ministro e Contra-Almirante Julio o principal modelo escolhido. Cabe lembrar
Cesar de Noronha apontou a necessidade que o conhecimento sobre as embarcações
de renovação e modernização do material estrangeiras não era aleatório, especialmen-
flutuante brasileiro. Nesse sentido, apresen- te porque a Marinha enviava militares para
tou um programa naval em que são elenca- acompanharem o conflito entre Rússia e
dos parâmetros para aquisição de navios. Japão21, além do estudo em outros países,
Na discussão principal, o navio inglês HMS como o caso do Capitão-Tenente Antonio Ju-
Triumph era considerado o mais apto a ser lio de Oliveira Sampaio, que foi adido naval
comprado, embora ainda fossem apontadas do Brasil no Japão nos anos de 1903, 1904 e
mudanças a serem feitas, pois teria pouca 1905, sendo neste último ano promovido a
espessura na sua blindagem (285mm), além capitão de corveta.
de armamento mais rápido (254mm) em Em 1905, foi estabelecida a preferência,
comparação ao Wittelsbach alemão e Regina por parte do governo em si, não necessaria-
Elena italiano (de 305mm). mente da Marinha, pela Armstrong Whtiwor-
No tocante ao suporte do navio aponta- th e parâmetros para construção de um
va-se a necessidade de provisão com torpe- novo arsenal no Rio de Janeiro com capaci-
deiros, sendo estes caracterizados em dois dade de construção naval. É perceptível a in-
grupos: os que possuíam tubos de lança- clinação para o HMS Dreadnought enquanto
mento aéreos e os subaquáticos. Há prefe- parâmetro, pois os navios do programa na-
rência dos navios com tubos subaquáticos, val já deveriam ter o deslocamento do refe-
uma vez que é levantada a possibilidade de rido navio. São citados para comparações
explosão dos torpedos lançados em tubos técnicas e modelos os navios: Almirante
aéreos. Além dos torpedeiros, foi apresen- Makaroff, Bayan, Orel e Rurik, da Rússia; Di-
tada a demanda por submarinos e navio derot, da França; Aki e Satsuma, do Japão, e
carvoeiro que serviria para transporte de o USS South Carolina, dos EUA.

Quadro 2 – Navios de grande porte de fabricação estrangeira

Nome Nacionalidade Deslocamento Comprimento Calado Motor


Cesarevitch Russo 12.912t 118,5m 7,9m 16.300hp
SS Rurik Russo 11.690t 132,6m 7,9m 20.675hp
HIJMS Mikasa Japonês 15.140t 122m - 15.000hp
HMS Triumph Inglês 11.985t 146,3m 7,6m 12.500hp
HMS Dreadnought Inglês 18.110t 160,6m - -

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Analisando características técnicas de Amazonas em duas áreas principais, embo-


alguns desses navios poderemos ter uma ra haja muitas outras caracterizações: alto
base prática do padrão de embarcações al- Amazonas, que diz respeito à nascente, nos
mejado pela Marinha brasileira para defesa Andes até algumas áreas próximas à Ma-
do território nacional. naus e o baixo Amazonas, área mais profun-
É possível perceber uma grande incli- da, podendo ser considerada de Manaus até
nação a navios de grande porte, pesados sua foz, sendo que a região mais próxima às
e com motores potentes, com calados de nascentes, portanto às fronteiras do Brasil
grandes profundidades, o que sugere a com Peru, Colômbia, Venezuela e Bolívia,
impossibilidade de utilizá-los com total efi- tende a ser menos profunda devido às gran-
ciência em bacias hidrográficas, uma vez des altitudes que, além do mais, permitem o
que apenas os rios principais comporta- escoamento no sentido oeste-leste em dire-
riam tais dimensões. ção ao Oceano Atlântico.
Analisando alguns dos maiores navios Com relação à navegabilidade do Ama-
da esquadra naval sediada no Rio de Janei- zonas, Domínguez afirma ainda que após
ro no período 1900-1905, também podemos 1.433km de descida pela Cordilheira dos
ter noção do padrão dos principais navios Andes, o Amazonas encontra a planície,
designados ao cumprimento da segurança sendo dessa área até Pucallpa (Peru),
nacional, como os cruzadores Barroso e Re- 530km depois, navegável apenas para
publica e os couraçados Deodoro, Floriano, lanchas e pequenas embarcações de até
Aquidaban e Riachuelo, todos com calado cerca de 1 m de calado; dessa área até a
maior que 4 metros e comprimento maior confluência com o Marañón, aproximados
que 60 metros. 890 km depois, embarcações de até 200 to-
Portanto, ainda que tais embarcações neladas e cerca de 2,1m de calado podem
tivessem dimensões inferiores às estrangei- navegar; dessa confluência que ainda en-
ras tidas como modelo, podemos conside- globa os Rios Huallaga e Ucayali até Belém
rá-las navios de grande porte, adaptados à do Pará, são cerca de 3.540km navegáveis
guerra naval oceânica, mas, provavelmente, para embarcações de até 4,5m aproxima-
pouco eficientes às fronteiras e áreas flu- damente de calado. Em outro curso, de Ma-
viais do Brasil, especialmente a Amazônia. naus até Tabatinga, ambas no Amazonas,
Um bom exemplo disso foi quando durante são cerca de 1.600km navegáveis para em-
a Revolta de 11 de Junho de 1891, ocorrida barcações de até 25.000 toneladas.
em Belém, em auxílio ao governo do Esta-
do do Pará a Marinha colocou a canhoneira A modernização técnica e a
Guarany para perseguir alguns revoltosos segurança nacional na Amazônia
que a bordo de uma canoa teriam atirado
e causado danos no convés do rebocador Dadas as características naturais e hi-
Purus que por ter grande calado não con- drográficas da Amazônia, é possível per-
seguia alcançar a canoa em área de pou- ceber que o modelo de modernização ado-
ca profundidade. Na ocasião a canhoneira tado para a esquadra do Rio de Janeiro,
Guarany era a mais indicada para ação.22 aparentemente tomado como modelo geral
da Marinha do Brasil do início do século
O ambiente hidrográfico XX, não era aplicável à região. Nesse senti-
amazônico e a segurança nacional do, no Relatório Ministerial da Marinha de
1902, há uma discussão sobre a necessi-
Segundo Domínguez, a “bacia amazôni- dade de adequar os navios amazônicos às
ca oferece 50.000km de rios navegáveis para profundidades relativas à sua área de atua-
embarcações com deslocamento médio de ção. Os Avisos Tocantins, Teffé e Jutahy, to-
100 toneladas, porém cerca de 10.000km dos sediados em Manaus e componentes
desses rios podem ser navegados por navios da Flotilha do Amazonas, tinham dificul-
com deslocamento médio de 1.000 tonela- dades em cumprir a defesa da região, isso
das ou mais”.23 É possível subdividir o Rio porque o calado médio estaria entre 1,7m

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e 1,8m24, impossibilitando a aproximação truídas pela Yarrow26, que atuavam no Egito


dos mesmos às áreas de fronteira com o e possuíam calado de 0,66m.
Peru25 e a Bolívia, especialmente durante Por outro lado, o armamento também
a vazante dos rios, onde a profundidade é parecia importante na escolha de um tipo
ainda menor. Nesse sentido, há ênfase ao de canhoneira que atendesse as demandas
fato de que todo navio destinado a servir de defesa fluvial no Brasil. As canhoneiras
em regiões fluviais deveriam ter pequeno Melik eram armadas de 4 canhões de cali-
calado e armamento com boa capacidade bre até 45 (sendo 2 de cada lado) e mais 2
de defesa em todo o redor da embarcação, morteiros (12cm) e 2 canhões de tiro rápi-
sendo, portanto, capaz de cobrir as mar- do de 57mm, concluindo a análise compa-
gens e os leitos dos rios. rativa acerca do modelo mais hábil a servir
Em análise comparativa, o relatório faz nas áreas fluviais. O Relatório Ministerial
menção a dois tipos de canhoneiras france- da Marinha de 1902 aponta a perspectiva
sas atuando na Flotilha da Indochina, mas de “adquirir, pois algumas canhoneiras do
não cita o nome das mesmas. O primeiro typo Melik, que, além de tudo, dispoem de
tipo, com calado de 1,1m, e já o segundo, bons e arejados alojamentos, para a flotilha
0,8m, o que as dotavam de grande autono- do Amazonas, é collocal-a em condições de
mia em relação às dificuldades proporcio- bem desempenhar a sua missão”27. Compa-
nadas pelo ambiente hidrográfico devido rando as características apresentadas pelos
à pouca profundidade. Também tratou das avisos Jutahy, Tocantins, Juruema e Teffé
canhoneiras inglesas da classe Melik, cons- com a canhoneira Melik, temos:

Quadro 3 – Comparativo dos avisos com canhoneira Melik

Nome Calado Comprimento Arma 1 Arma 2 Arma 3


1 canhão 2 metralhadoras
Aviso Jutahy 1,7m-1,8m 29,2m -
47mm 11 mm
1 canhão 2 metralhadoras
Aviso Teffé 1,7m-1,8m 29,2m -
47mm 11 mm
1 canhão 2 metralhadoras
Aviso Tocantins 1,7m-1,8m 29,2m -
47mm 11 mm
1 canhão 2 metralharodas
Aviso Juruema 1,7m-1,8m 29,2m -
47mm 11mm
4 canhões 2 canhões de 2 morteiros
Canhoneira Melik 0,66m -
calibre 45 tiro rápido 57mm 12cm

Quadro 4 – Navios da Amazônia Oriental nas décadas de 1890 e 1900

Nome Calado Comp. Arma 1 Arma 2 Arma 3 Arma 4


Canhoneira 1 canhão 2 metralhadoras
1,75m 35,8m - -
Guarany calibre 32 25mm
Cruzador 4 canhões 3 canhões 2 tubos lança-
3,36m 52,8m 4 metralhadoras
Tiradentes 120mm 57mmm torpedos
2 canhões
Canhoneira 4 canhões
0,66m - de tiro rápido 2 morteiros 12cm -
Melik calibre 45
57mm

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É importante lembrarmos, entretanto, Ministério quanto a isso, portanto os pro-


que esses quatro navios eram os compo- blemas de ordem geográfica enfrentados
nentes da Flotilha sediados em Manaus, deveriam ser menos preocupantes. O Cru-
na Amazônia Ocidental, embora possamos zador Tiradentes apresentava-se como o
considerar apenas três, porque o Juruema navio mais bem armado da Flotilha, entre-
naufragara em 1901. No lado oriental, sedia- tanto, com o dobro de calado dos outros
dos em Belém, havia a Canhoneira Guarany navios e de comprimento, sua ação estaria
e o Cruzador Tiradentes. Esta canhoneira muito mais limitada na bacia hidrográfica
foi construída na Bahia a partir de aviso do Amazonas.
de 18/9/1879 e foi lançada em 29/12/1883, Também no ano de 1902 foi criada a Di-
provavelmente construída para a Amazô- visão Naval do Norte com o intuito de as-
nia, pois seria sediada no Pará em 1891,28 segurar a ocupação do Acre,30 sendo que
recebendo baixa em 1903. O Tiradentes foi era formada por navios que compunham
construído na Inglaterra pela Armstrong a Esquadra Brasileira (sediada no Rio de
Whitworth e serviu em outros locais do país Janeiro), sendo eles: couraçado Floriano,
antes de sediar na Amazônia, como na in- caça-torpedeiro Gustavo-Sampaio, cruza-
corporação à “esquadra legal” durante a dor-torpedeiro Tupy e o cruzador-torpedeiro
Revolta da Armada de 1893,29 e transferido Tymbira. É importante observar ainda que
ao Rio de Janeiro definitivamente em 1904. a precedência hierárquica do comando da
O quadro 4 apresenta a comparação dessas Divisão, normalmente contra-almirante ou
duas embarcações com a Melik. capitão de mar e guerra, e da Flotilha, nor-
É perceptível que a Canhoneira Gua- malmente capitão de fragata ou capitão-te-
rany, em termos absolutos de armamen- nente, acabou por subordinar esta àquela.
to, estivesse mais bem aparelhada que os Em 1904, com o início das negociações
avisos de Manaus, tendo basicamente a diplomáticas sobre a questão acreana, a
mesma profundidade de calado, apesar de Divisão permaneceu na Amazônia31 para
mais comprida que os referidos, o que su- contribuir na sua defesa até a incorpora-
gere haver limitações semelhantes, mas ção das quatro canhoneiras fluviais que
é válido perceber que Belém está situada teriam esse dever. No quadro 5 verificamos
na região da foz estuário-déltica do Ama- as seguintes especificidades técnicas dos
zonas e não há reclamações por parte do navios da dita divisão:

Quadro 5 – Navios da capital federal destacados para a Divisão Naval do Norte

Nome Calado Comprimento Arma 1 Arma 2 Arma 3 Arma 4 Arma 5


2 4 4 2 tubos
Couraçado
4,1m 81,5m canhões canhões canhões lança- -
Floriano
240mm 120mm 57mm torpedos
Cruzador- 2 4 2 2 metra- 3 tubos
Torpedeiro 3,05m 79,2m canhões canhões canhões lhadoras lança-
Tupy 100mm 57mm 37mm 25mm torpedos
Cruzador- 2 4 2 2 metra- 3 tubos
Torpedeiro 3,05m 76,1m canhões canhões canhões lhadoras lança-
Tymbira 100mm 57mm 37mm 25mm torpedos
Caça-
2 4 3 tubos
Torpedeiro
3,6m 62m canhões canhões lança- - -
Gustavo
76mm 47mm torpedos
Sampaio

62
Navigator 20 A Marinha de Guerra na Amazônia: atuação e questões de modernização técnica
(final do século XIX e início do XX)

É evidente o poder bélico dos navios da rapidas, está a flotilha do Amazo-


Divisão Naval do Norte, entretanto, o com- nas [...] apparelhada para o bom
primento destes navios e a profundidade al- desempenho do serviço que lhe
cabe nos tributarios do grande rio,
cançada também deveriam limitar a maior
que, em dadas estações do anno,
parte das ações dos mesmos pelos rios
só podem ser sulcados por embar-
da região, o que é compreensível. Porém, cações de diminuto calado.
devemos considerar o fato de que eram Aquellas canhoneiras que são
membros das divisões da Esquadra Naval em tudo semelhantes ás construí-
do Rio de Janeiro estando aptas à guerra das por Yarrow para o Almirantado
naval oceânica. britannico, dispõem de bom arma-
Em 1905 foram adquiridas quatro ca- mento de tiro rapido e até de um
nhoneiras fluviais da Yarrow Shipbuilders morteiro de 87mm para atirar so-
(construídas em 1904); Acre (que dá nome à bre as barrancas dos rios.33
classe), Juruá, Missões e Amapá32, sendo ar-
mados no Arsenal de Marinha do Pará. Apa- A região amazônica representava um
rentemente, esses navios foram comprados espaço diferenciado e privilegiado na con-
para desempenhar as funções mais impor- juntura do pensamento militar brasileiro. É
tantes de defesa da região por terem sido evidente que não devemos nos precipitar
construídos já com mentalidade e orienta- a uma generalização, especialmente pelo
ção dadas nas discussões anteriores, o que fato e pelas condições ambientais do norte
fica comprovado quando analisamos as es- do país não se adequarem ao modelo naval
pecificações técnicas do quadro 6. adotado dos navios imponentes e grandio-
É possível perceber que as canhonei- sos como o HMS Dreadnought. Notamos,
ras da classe Acre estariam, pelo menos contudo, um esforço do comando da Ma-
em parte, de acordo com as ambições da rinha em garantir a eficiência da defesa
Marinha na Amazônia, o que também é dessa área.
corroborado pela opinião apresentada no No Brasil ao longo do período abordado
relatório de 1905: havia quatro flotilhas: de Amazonas, Mato
Grosso, Alto Uruguay e Rio Grande do Sul.
Com a acquisição das canho- Em 1905, as flotilhas do Alto Uruguay e Rio
neiras fluviaes Acre, Amapá, Mis- Grande do Sul iniciaram processo de des-
sões e Juruá, tres lanchas arma- montagem, começando seus navios a migrar
das e duas outras para expedições para outras áreas, enquanto que a Flotilha de

Quadro 6 – Canhoneiras entregues pela Yarrow Shipbuilders ao Arsenal de


Marinha do Pará em 1905

Nome Calado Comprimento Arma 1 Arma 2 Arma 3


Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
0,77m 36,6m 7 metralhadoras
Fluvial Acre 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
0,77m 36,6m 7 metralhadoras
Fluvial Amapá 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
0,77m 36,6m 7 metralhadoras
Fluvial Missões 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
0,77m 36,6m 7 metralhadoras
Fluvial Juruá 87mm 57mm
2 canhões
Canhoneira 4 canhões 2 morteiros
0,66m - de tiro rápido
Melik calibre 45 12cm
57mm

63
William Gaia Farias & Pablo Nunes Pereira

Mato Grosso, também unidade fluvial, estava cado no tocante aos esforços de moderniza-
em condições precárias, com embarcações ção e, em termos quantitativos e qualitativos,
obsoletas, mesmo havendo projetos de adi- se tornaria a segunda maior unidade naval
cionar navios a ela. Ao contrário das demais, do país estando atrás apenas da Esquadra
a Flotilha do Amazonas parece ter se desta- do Rio de Janeiro em 1906:

Flotilha de Mato Grosso em 31/12/1906

Nome Tipo Lançamento Arma 1 Arma 2 Arma 3 Arma 4


Fernandes 1 canhão 1 canhão
Canhoneira 1868 - -
Vieira calibre 32 calibre 3
2 canhões 4 canhões
Iniciadora Canhoneira 1883 4 metralhadoras -
120mm 37mm
Antonio Vapor de 3 canhões 2 metralhadoras
186734 - -
João guerra 37mm 25mm
2 tubos
4 canhões 3 canhões
Tiradentes 35
Cruzador 1892 4 metralhadoras lança-
120mm 57mm
torpedos

Flotilha do Alto Uruguay em 31/12/1906

Nome Tipo Lançamento Arma 1 Arma 2


Vidal de
Canhoneira 186836 1 canhão calibre 32 2 metralhadoras 25mm
Negreiros

Flotilha do Amazonas em 31/12/1906

Nome Tipo Lançamento Arma 1 Arma 2 Arma 3


1 canhão 2 metralhadoras
Jutahy Aviso Fluvial 1891 -
47mm 11mm
1 canhão 2 metralhadoras
Tocantins Aviso Fluvial 1891 -
47mm 11mm
1 canhão 2 metralhadoras
Teffé Aviso Fluvial 1891 -
47mm 11mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
Acre 1905 7 metralhadoras
Fluvial 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
Amapá 1905 7 metralhadoras
Fluvial 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
Juruá 1905 7 metralhadoras
Fluvial 87mm 57mm
Canhoneira 1 morteiro 2 canhões
Missões 1905 7 metralhadoras
Fluvial 87mm 57mm

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Navigator 20 A Marinha de Guerra na Amazônia: atuação e questões de modernização técnica
(final do século XIX e início do XX)

Embarcações militares do Rio de Janeiro em 31/12/1906

Nome Tipo Lanç. Arma 1 Arma 2 Arma 3


Arma 4 Arma 5 Arma 6
5 tubos
4 canhões 6 canhões 15 metra-
Riachuelo Couraçado 1883 lança- - -
220mm 140mm lhadoras
torpedos
2 canhões 4 canhões 6 canhões 4 canhões
Deodoro Couraçado 1898 - -
240mm 120mm 57mm 37mm
2 tubos
2 canhões 4 canhões 4 canhões
Floriano Couraçado 1900 lança- - -
240mm 120mm 57mm
torpedos
5 tubos
10 canhões 2 canhões 10 peças de 8 metra-
Tamandaré Cruzador 1890 lança- -
150mm 120mm artilharia lhadoras
torpedos
3 metra- 3 tubos
6 canhões 4 canhões 10 canhões 4 canhões
Barroso Cruzador 1895 lhadoras lança-
152mm 120mm 57mm 37mm
7mm torpedos
4 tubos
6 canhões 4 canhões 6 metra-
República Cruzador 1892 lança- - -
120mm 57mm lhadoras
torpedos
3 tubos
Cruzador- 2 canhões 6 canhões 2 canhões 2 metra-
Tamoyo 1898 lança- -
Torpedeiro 100mm 57mm 37mm lhadoras
torpedos
3 tubos
Cruzador- 2 canhões 4 canhões 2 canhões 2 metra-
Tupy 1896 lança- -
Torpedeiro 100mm 57mm 37mm lhadoras
torpedos
2 metra- 3 tubos
Cruzador- 2 canhões 4 canhões 2 canhões
Tymbira 1896 lhadoras lança- -
Torpedeiro 100mm 57mm 37mm
25mm torpedos
4 tubos
Benjamin Navio- 4 canhões 8 canhões 4 canhões 10 metra-
1892 lança- -
Constant Escola 150mm 120mm 57mm lhadoras
torpedos
Navio-
Caravellas 1885 - - - - - -
Escola
5 tubos
Vapor de 2 canhões 2 canhões 2 canhões 4 metra-
Andrada 1890 lança- -
Guerra 120mm 76mm 57mm lhadoras
torpedos
Carlos Vapor de
189637 - - - - - -
Gomes Guerra
Cmte Vapor de 38
- - - - - -
Freitas Guerra
3 tubos
Gustavo Caça- 2 canhões 4 canhões
1893 lança- - - -
Sampaio Torpedeiro 76mm 47mm
torpedos

65
William Gaia Farias & Pablo Nunes Pereira

Nome Tipo Lanç. Arma 1 Arma 2 Arma 3 Arma 4 Arma 5 Arma 6


3 tubos
2 canhões
Silvado Torpedeiro 1894 lança- - - - -
37mm
torpedos
3 tubos
Pedro
Torpedeiro 1893 2 canhões lança- - - - -
Affonso
torpedos
3 tubos
Pedro Ivo Torpedeiro 1893 2 canhões lança- - - - -
torpedos
3 tubos
Bento 2 canhões
Torpedeiro 1893 lança- - - - -
Gonçalves 57mm
torpedes
1 tubo
Sabino
Torpedeiro 1886 lança- - - - - -
Vieira
torpedos
3 tubos
Silva 2 canhões
Iate 1893 39
lança- - - - -
Jardim 47mm
torpedos

A modernização do ensino no É necessária uma problematização com


Brasil e na Amazônia os valores expostos, isto porque os valores
efetivos de alunos apresentados nos qua-
No período estudado podemos dividir o dros se referiam à quantidade existente ao
ensino da Marinha em quatro grupos: Esco- fim do ano proposto de cada relatório, en-
la Naval, estabelecimento responsável pela tretanto algumas vezes era mencionada a
formação dos oficiais do Corpo da Armada movimentação na escola ao longo de todo o
e do Corpo de Maquinistas Navais; Escolas ano – ou seja, quantos alunos entraram na
de Aprendizes-Marinheiros, que eram res- escola, quantos foram remetidos ao Corpo
ponsáveis pela formação de praças ao Corpo de Marinheiros Nacionais, falecimentos etc.
de Marinheiros Nacionais; Escolas Profissio- O ponto mais importante é observar que,
nais, incumbidas da educação especializada embora algumas escolas tivessem cresci-
de praças e oficiais (Escola de Timoneiros, mentos razoáveis entre um ano e outro, a
Escola de Defesa Submarina, Escola de Ar- maioria não correspondia aos investimen-
tilharia e Escola de Foguistas); Escola de Ma- tos federais. O Contra-Almirante José Pinto
quinistas e Pilotos do Pará (depois Escola de da Luz, em 1900, ressaltou que um dos prin-
Marinha Mercante do Pará), incumbida de cipais motivos para o pequeno rendimento
formar oficiais especializados em navegação das escolas era o preconceito ainda exis-
fluvial para a Marinha Mercante40. tente com relação às mesmas por serem
A perspectiva apresentada pelos rela- vistas como companhias correcionais para
tórios sobre as Escolas de Aprendizes-Ma- castigos de menores infratores42. O ministro
rinheiros não era muito boa, isso porque, seguinte, Contra-Almirante Júlio Cesar de
embora ressaltada a grande importância, Noronha, em 1903, chegou à conclusão que
contavam com baixos efetivos e representa- melhor seria manter apenas 5 escolas, devi-
riam altos custos. Observemos no quadro 7 a do ao baixo rendimento das mesmas43.
relação alunos por ano x lotação no período Em 1907, porém, sob ministério do Vice-
anterior a reforma administrativa de 1907. Almirante Alexandrino Faria de Alencar, as

66
Navigator 20 A Marinha de Guerra na Amazônia: atuação e questões de modernização técnica
(final do século XIX e início do XX)

Quadro 7 – Relação aluno das Escolas de Aprendizes-Marinheiros x lotação


(1900 - 1906)

Escola Lotação 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906


Maranhão 100 47 31 5 0 7 19 26
Ceará 200 126 163 20 26 7 28 84
Paraíba 100 60 69 75 26 18 13 73
Pernambuco 200 89 133 65 51 20 47 218
Alagoas 100 72 89 33 20 24 21 42
Bahia 200 162 167 43 49 40 25 94
Capital 300 223 208 111 83 36 125 207
Santa Catarina 100 82 - 5 12 16 20 61
Rio Grande do Sul 100 90 - 6 43 42 25 76
Mato Grosso 100 69 62 - 12 10 -
Sergipe - - - - - - - 100

escolas foram reorganizadas,44 de maneira Por outro lado, é importante verificar


a tornar mais eficiente o ensino. Ao invés que, para a formação de oficiais da Marinha
de 11 escolas com formação de praças, Mercante, havia apenas dois estabeleci-
as escolas foram divididas em dois gru- mentos no país: a Escola de Maquinistas e
pos: escolas-modelo e escolas primárias, Pilotos do Pará e a Escola Naval. A formação
sendo ainda criadas mais 8 escolas, todas de pessoal para a Marinha Mercante era de
divididas em quatro circunscrições, sendo: suma importância para garantir o cumpri-
Circunscrição do extremo-norte: Escola- mento do art. 87, parágrafo único do inciso
Modelo do Rio Grande do Norte e Escolas 4o da Constituição de 1891, que enunciava:
Primárias de Ceará, Piauí, Maranhão, Ama- “Concorrem para o pessoal da Armada a Es-
zonas e Pará; Circunscrição do norte: Esco- cola Naval, as de Aprendizes de Marinheiros
la-Modelo da Bahia e Escolas Primárias de e a Marinha Mercante mediante sorteio.”
Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba; Também segundo o decreto 478, de 9 de de-
Circunscrição do centro: Escola-Modelo da zembro de 1897,45 todo o pessoal mercante
Capital e Escolas Primárias de Rio de Ja- e que tivesse profissão de marítimo deveria
neiro, Espírito Santo e São Paulo; Circuns- estar matriculado junto às capitanias ou ór-
crição do sul: Escola-Modelo do Rio Grande gãos semelhantes da Marinha.
do Sul e Escolas Primárias de Mato Grosso, A Escola de Maquinistas e Pilotos do
Paraná e Santa Catarina. Pará teria função de preparar os mercan-
Dessa forma, o aluno cursaria um ano na tes para o exercício da navegação comer-
escola primária e dois anos na escola-mo- cial e para uma espécie de reserva da
delo de sua circunscrição, reduzindo a lota- Armada. Embora a escola funcionasse
ção da maioria das escolas e aumentando regularmente no Arsenal de Marinha do
significativamente das quatro principais. Ao Pará, tal como as Escolas de Aprendizes-
fim de 1907, o efetivo de alunos das esco- Marinheiros, tinha um baixo rendimen-
las ainda não era suficiente, o que pode ser to e, segundo a exposição de motivos ao
justificado pela falta de estrutura existente novo regulamento, apresentado em anexo
para a nova organização. Outro ponto que ao Relatório de 1907, em 15 anos de exis-
merece destaque é que muitas não come- tência, a escola teve apenas 59 alunos no
çaram a funcionar no referido ano, como a curso de pilotagem e 14 no de máquinas.46
Escola-Modelo do Rio Grande do Norte e as Pelo Decreto 6.388, a escola foi reno-
Escolas Primárias de Pará e Amazonas, que meada e reorganizada, modernizando o
ainda estavam em processo de montagem. ensino e passando a ser designada Escola

67
William Gaia Farias & Pablo Nunes Pereira

de Marinha Mercante do Estado do Pará, Programa Naval brasileiro, que não levaria
atual Centro de Instrução Almirante Braz em conta as suas especificidades, mas não
de Aguiar (Ciaba).47 Pelo novo regulamento, deixou de ter importância significativa para
seriam ofertados ainda os mesmos cursos a defesa nacional, exigindo uma dedicação
de pilotos e máquinas, sendo o primeiro diferenciada que mesmo outras bacias hi-
com duração de um ano e o segundo, três drográficas, como em Mato Grosso e no
anos. É interessante observar as disciplinas Alto Uruguay, não a obtiveram, fator este
dos dois cursos, uma vez que, além do en- que, consciente ou não, foi determinan-
sino técnico, foi enfatizada a instrução para te para o estabelecimento da Flotilha do
fins militares, o que indica a preocupação Amazonas como força naval importante e
em formar a reserva da Armada adequada significativa no cenário nacional. Da mes-
às necessidades em caso de guerra, como ma forma, a Amazônia teve importância na
Nomenclatura das machinas, ferramentas e reestruturação do ensino dirigido pela Ma-
das machinas empregadas especialmente na rinha com a criação das Escolas Primárias
navegação e na marinha de guerra, disciplina do Pará e Amazonas e da reorganização da
do curso de Máquinas. Escola de Marinha Mercante de Pará, úni-
co centro de formação de pilotos e maqui-
Considerações finais nistas fluviais do país.
É bem verdade que a modernização da
A região amazônica, pelo exposto, não região ainda esteve aquém dos modelos e
deve ser encarada como área estratégica dos ideais pensados por militares e políti-
na mentalidade militar brasileira apenas cos, mas é relativamente importante para
na atualidade. Para além de ideias de mera compreendermos as relações da Amazônia
dependência e periferia, consagradas por com o poder federal e seu espaço na cons-
algumas interpretações tradicionais, é pos- trução e na consolidação da Marinha e da
sível perceber que ela esteve afastada do República no Brasil.

1
HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios 1875-1914. 7a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 24.
2
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
3
Em 1904, foi apresentado no congresso nacional pelo Deputado Laurindo Pitta e registrado e votado como decreto
1.296 de 14/12/1904, assinado também pelo ministro da Marinha C-Alte Júlio Cesar de Noronha. Propunha a aqui-
sição de 3 couraçados de 12.500-13.000 toneladas, 3 cruzadores couraçados de 9.200-9.700t, 6 caça-torpedeiras
de 400t, 6 torpedeiras de 130t, 6 torpedeiras de 50t, 3 submarinos, 1 navio-mineiro para 6.000t de carvão e 1 navio-
escola até 3.000t como forma de aparelhar melhor a Marinha para defesa nacional, entretanto, os parâmetros do
referido Programa não se adequavam às necessidades do espaço amazônico. Cf. Relatório Ministerial da Marinha.
Ano 1904 (apresentado em 1905). Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2140/. pp. 3-7.
4
HOBSBAWM, Eric. Op. Cit.
5
FARIAS, William Gaia. A construção da República no Pará (1886/1897). Tese (Doutorado em Historia). UFF. Niterói.
2005. p. 141.
6
MENDONÇA, Lauro Nogueira Furtado de. A Marinha Imperial –1870 a 1889. História Naval Brasileira. Vol. 4. Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2001.
7
Ibid. p. 29.
8
ALMEIDA, Silvia Capanema de. “A modernização do material e do pessoal da Marinha nas vésperas da revolta dos
marujos de 1910: modelos e contradições”. Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol. 23, no 45, pp.147-169, janeiro-
junho de 2010.
9
Almirante Alfred Mahan, teria sido o responsável pelo pensamento naval estadunidense de modernização do combate
naval através dos confrontos em mar aberto com a utilização de navios de grande porte. VERGE-FRANCESCHI, Michel.
Dictionnaire d’histoire maritime. Paris: Éditions Robert Laffont, 2002. Apud. ALMEIDA, Silvia Capanema de. Op. Cit.
10
Ibid. p. 165.
11
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. “Civilização do rio, civilização da estrada: transportes na ocupação da Amazô-
nia no século XIX e XX”. In: Paper do NAEA. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/Universidade Federal do
Pará, maio de 2004. p. 3.
12
Ibid.
13
Ibid. p. 4.
14
Ibid. p. 6.
15
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1902 (apresentado em 1903). Leis, decretos, avisos e circulares pp. 140-141.
Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2138/.

68
Navigator 20 A Marinha de Guerra na Amazônia: atuação e questões de modernização técnica
(final do século XIX e início do XX)

16
Ibid. Relatório anexo. p. 70.
17
Serviu como navio-capitânia na expedição realizada pela Flotilha do Amazonas ao Acre no início de 1900.
18
A questão do ser grande ou pequeno depende do ambiente. Por exemplo, para um rio de 10 metros de profundi-
dade, uma embarcação de 11 metros de calado será muito grande.
19
Tome-se por comprimento a distância horizontal máxima do navio.
20
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1903 (apresentado em 1904). Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u2139/. p. 11.
21
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1904. Op. Cit.
22
FARIAS, William Gaia Op. Cit. p.190.
23
DOMINGUEZ, Camilo. “Importância dos rios no sistema de transporte da Amazônia”. In: ARAGÓN, Luis; CLÜSE-
NER-GODT, Miguel (Orgs.). Problemática do uso local e global da água da Amazônia. Belém: Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos/Universidade Federal do Pará, 2003. p. 162.
24
No Relatório, o valor é 1,8m, já no Repositório de Nomes dos Navios da Esquadra Brasileira, o valor é de 1,7m.
Ver: Relatório Ministerial de 1902. Op. Cit. MENDONÇA, Mario F; VASCONCELOS, Alberto. Repositório de Nomes dos
Navios da Esquadra Brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1943. p. 89.
25
É importante lembrar que o Rio Amazonas nasce no Peru.
26
Yarrow Shipbuilders foi uma companhia inglesa de construção naval que atualmente faz parte do grupo BAE
Systems, indústria de construção militar. Ver: http://archive.is/0BFtL.
27
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1902 (apresentado em 1903). Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u2138/. p. 12.
28
MENDONÇA, Mario F; VASCONCELOS, Alberto. Repositório de Nomes dos Navios da Esquadra Brasileira. Rio de
Janeiro: Imprensa Naval, 1943. p. 89.
29
Ibid. p. 192.
30
Embora alguns dos navios que a compunham pareçam ter ido à Amazônia antes de sua criação efetiva. Cf. SCA-
VARDA, Levy. História da Flotilha do Amazonas. Duque de Caxias: Imprensa Naval, 1968. p. 62.
31
Ibid.
32
Ibid. pp. 8, 14, 115 e 137.
33
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1905 (apresentado em 1906). Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u2141/. p. 13.
34
Na verdade, ele foi comprado da Companhia Fluvial de Mato Grosso neste ano. Cf. MENDONÇA, Mario F; VAS-
CONCELOS, Alberto. Op. Cit. p. 20.
35
O Cruzador Tiradentes, que já havia servido junto à Flotilha do Amazonas estava cumprindo suporte à Flotilha do
Mato Grosso, mas oficialmente pertencia à Esquadra Brasileira. Ibid.
36
Ano em que foi adquirido da França (La Seyne). Ibid. pp. 201-202.
37
Ano de aquisição junto à Companhia de Navegação Costeira, sob o nome Itaipú. Ibid. p. 52.
38
Adquirido da Companhia Nacional de Navegação Costeira, sob o nome Itapeva. Ibid. p. 56.
39
Ano de aquisição. Ibid. pp. 184-185.
40
Ressalte-se que a Escola Naval também formava oficiais para a Marinha Mercante, mas a ênfase era a navegação
marítima propriamente dita e não fluvial.
41
No Relatório Ministerial de 1902, não é especificada a quantidade de cada escola e sim a “produção” de cada uma
por ano no período 1896-1902, sendo que os valores não correspondem aos mencionados em relatórios anteriores,
o que sugere um número médio de grumetes remetidos ao Corpo de Marinheiros Nacionais.
42
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1900 (apresentado em 1901). Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2136/.
43
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1903. Op. Cit.
44
Decreto 6.582 de 1 de agosto de 1907. Apud. Relatório Ministerial d Marinha. Ano 1907 (apresentado em 1908).
Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2142/.
45
Ibid.
46
Relatório Ministerial da Marinha. Ano 1907. Op. Cit. p. 84.
47
Para mais informações, https://www.ciaba.mar.mil.br/historico.htm.

69

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