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DOS
LIMITES
O livro foi escrito por dois Coronéis da nova geração de oficiais chineses,
integrantes do PLA (People´s Liberation Army), e publicado pela editora oficial “PLA
Literature and Arts Publishing House”, em Pequim, sugerindo, desta forma, que a
sua publicação tenha sido endossada por autoridades no comando do PLA. Esta
sugestão foi reforçada por uma entrevista com Qiao Liang além de uma crítica
louvável ao livro, publicada em 28 de junho de 1999, pelo periódico oficial da Liga
Jovem do Partido o “Zhongguo Quignian Bao”.
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ÍNDICE
NOTA DO EDITOR ....................................................................................................- 2 -
ÍNDICE .....................................................................................................................- 3 -
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................- 5 -
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USANDO A ADIÇÃO PARA VENCER O JOGO ........................................................... 164
TIPOS DE GUERRA .................................................................................................. 170
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INTRODUÇÃO
Todos que viveram a última década do século XX têm uma grande percepção das
mudanças ocorridas no mundo. Não acreditamos que exista alguém que possa
alegar a existência de uma outra década na História, em que tenha ocorrido um
maior número de mudanças. É evidente, que as causas por traz dessas enormes
mudanças são inúmeras, para serem citadas, não obstante, existem algumas que
são sistematicamente mencionadas, e uma delas é a 2ª Guerra do Golfo (1990-91).
A 2ª Guerra no Golfo foi a guerra que mudou o mundo. Associar esta conclusão a
uma guerra limitada, tanto no tempo (durou apenas 42 dias), quanto à área de
operações, parece um pouco de exagero. Não obstante, os fatos corroboram essa
assertiva, bastando citar, todos os novos termos e conceitos que começaram a
surgir após 17 de janeiro de 1991, tais como: a antiga União Soviética, Bósnia-
Herzegovina, Kosovo, clonagem, Microsoft, hackers, Internet, a crise financeira do
Sudeste Asiático, o Euro, bem como a única superpotência remanescente, os
Estados Unidos. Pode-se alegar que estes termos e conceitos seriam suficientes e
constituíram, em grande parte, os principais temas na década de 80. No entanto, o
que nos propomos a afirmar, é que todos esses termos e conceitos estão
relacionados àquela guerra, quer direta, quer indiretamente.
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provocou uma completa mudança de enredo, subitamente dar-se-á conta de que, é
o último capaz de encenar aquele personagem singular. E mais ainda, que mesmo
antes mesmo dele deixar o palco, já lhe foi dito que ele não vai exercer, novamente,
o papel de protagonista, ou pelo menos um papel central, no qual ocuparia sozinho
o centro do palco. Que tipo de sentimento isso despertaria?
Possivelmente, aqueles que sentem tal condição mais profundamente são os norte-
americanos os quais, provavelmente, pensam dever ser incluídos entre aqueles
poucos que querem assumir todos os papéis, compreendendo o de salvadores, o de
bombeiros, o de polícia mundial, o de emissários da paz, etc. Ao final da
“Tempestade no Deserto” o “Tio Sam”, novamente, não foi capaz de alcançar uma
vitória convincente; e tanto na Somália, quanto na Bósnia-Herzegovina, o desfecho
foi, invariavelmente, o mesmo.
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humanos e percepção da importância da proteção ambiental. Mas é certo que a
metamorfose da guerra provocará um cenário ainda mais complexo, caso contrário,
o imortal pássaro da guerra, na eminência de seu declínio, não será capaz de
atingir o seu nirvana.
Seja qual for o nome atribuído a estas evoluções na ambiência da guerra, elas não
nos tornam mais otimistas, e isto porque a redução da natureza da guerra, em sua
essência, não significa o seu fim. Mesmo na chamada era pós-moderna, ou pós-
industrial, a guerra não deixará de existir. Ela apenas irá permear a sociedade
humana, de uma forma mais complexa, mais penetrante, encoberta e sutil. É como
Byron citou em seu poema “Mourning Shelley” “Nada aconteceu, ele apenas
passou para um outro nível de vida”.
No entanto, a despeito das formas que a violência possa assumir, a guerra continua
sendo a guerra, e as mudanças, em sua aparência externa não impedem que ela
continue a ser regida pelos Princípios da Guerra.
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tanto na guerra em si, quanto no modelo de guerra provocado por essa
transformação.
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1ª PARTE – EM UM NOVO TIPO DE GUERRA
“Apesar de Estados antigos terem sido grandes, eles,
inevitavelmente, pereceram quando se tornaram adeptos
da guerra.”
Sima Rangju
1 No livro “In Man and Technology”, O. Spengler afirma: “como Deus, nosso Pai, a
tecnologia é eterna e imutável, e como o Filho de Deus, irá salvar a humanidade, e
como o Espírito Santo, brilha sobre nós”. A adoração do filósofo Spengler pela
tecnologia, semelhante à de um teólogo por Deus, não era nada mais do que uma
manifestação de um outro tipo de ignorância, na medida em que o homem entrava
na grande era do industrialismo, que florescia de forma intensa na era pós-
industrial.
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A este respeito, o filósofo e cientista francês Jean Ladrihre tem um ponto de vista específico. Ele acredita que ciência e a
tecnologia têm um efeito, tanto destrutivo quanto orientador sobre a cultura. Sob a combinação destes dois efeitos é
muito difícil para a humanidade manter uma correta avaliação sobre a tecnologia, e assim estamos constantemente
oscilando entre dois extremos, o do fanatismo técnico e o dos movimentos “anticientíficos”. Munir-se da disposição para
ler a obra “The Challange Presented to Cultures by Science and Technology”, um texto obscuro, mas com uma linha de
raciocínio conciliadora, pode ser útil para percebermos o impacto da tecnologia sobre os diversos aspectos da sociedade
humana, a partir de uma ampla perspectiva.
3[N.T.] A alusão é feita a um balé criado por Peter Ilich Tchakovisky, compositor
russo. Ao calçar as sapatilhas de balé, a bailarina não consegue mais controlar a
sua dança, e ao final, morre de exaustão.
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Expressões como “era da máquina a vapor” e “era da eletricidade” podem ser
consideradas formulações que refletiam a realidade de suas épocas. Porém, na
atualidade, com o progresso acelerado da tecnologia, as pessoas praticamente não
dispõem do tempo necessário para reconhecer aclamar os desenvolvimentos
tecnológicos, antes que estes sejam sucedidos por tecnologias mais avançadas ou
por novas ondas tecnológicas.
A TECNOLOGIA CIBERNÉTICA
Indubitavelmente o aparecimento da tecnologia cibernética4 foi uma novidade
benéfica para a civilização. Isto se deve ao fato de na atualidade ela ser o único
recurso, capaz de amplificar a epidemia tecnológica, que parece ter sido liberada de
uma “Caixa de Pandora”, e simultaneamente, incorporar o encantamento mágico de
representar um meio de controlar essa tecnologia. A questão que permanece, no
entanto, é: Quem terá o “encantamento mágico” para controlar a tecnologia
cibernética?
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F.G.Ronge é o mais contundente dos pessimistas da tecnologia. Desde 1939, Ronge identificou uma série de problemas
que a moderna tecnologia traz embutida em si, incluindo o crescimento do controle tecnológico, e a ameaça de
problemas ambientais. Em seu ponto de vista, a tecnologia já se tornou uma força diabólica inalcançável. Ela não só
suplantou a natureza, como também eliminou a liberdade do homem. Na obra “Being and Time”, Martin Heidegger
denominou a tecnologia como um “destacado absurdo”, conclamando os homens a se voltarem para a natureza, de
modo a evitar a tecnologia, a qual representava a sua maior ameaça. Os mais famosos otimistas em relação à
tecnologia foram Norbert Wainer e Steinbuck. Nas obra de Weiner - “Cybernetics, God and Robots”, e de Steinbuck -
“The Human use of Human Beings” de Wiener, e “The Information Society, Philosophy and Cybernetics”, e outros
trabalhos semelhantes, pode-se identificar as brilhantes perspectivas que eles descrevem para sociedade humana,
motivadas pela tecnologia.
Por outro lado, as perspectivas otimistas que a tecnologia cibernética apresenta são
significantemente sedutoras, para uma humanidade ávida de progresso tecnológico.
Afinal de contas, suas características singulares de facultar a troca e o
compartilhamento entre diferentes áreas da tecnologia, representam um facho de
inteligência, que esperamos, oriente a humanidade no seu afastamento do
barbarismo tecnológico, muito embora, esta perspectiva ainda não seja suficiente
para nos compararmos aos futuristas, que ao verem algumas árvores não
vislumbram a floresta a que elas pertencem, e assim, usam o enunciado tecnologia
cibernética para rotular toda uma era.
Não obstante, este predomínio tende a não ocorrer, porque característica intrínseca
da tecnologia cibernética, que é proporcionar a inteiração entre outras tecnologias
é, precisamente, o fator que a impede de substituir as diversas tecnologias que já
existem, estão emergindo, ou estão ainda por surgir. Ou seja, por ser um elemento
de ligação ela não subsiste isolada. Por exemplo, a biotecnologia, a tecnologia de
materiais, e a nanotecnologia, têm uma intensa relação de simbiose promovida pela
tecnologia cibernética, da qual dependem para promover umas às outras.
A RAMIFICAÇÃO TECNOLÓGICA
Nos últimos 300 anos, as pessoas vêm adquirindo o hábito de aderir cegamente às
novas tecnologias, descartando-se do que é velho. A interminável busca por uma
nova tecnologia tornou-se a panacéia para resolver todas as difíceis questões
relativas à existência, e envolvidas por esta perspectiva, as pessoas têm
gradualmente perdido o seu próprio rumo.
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outros problemas5. Como por exemplo, o automóvel, que foi desenvolvido para
tornar-se um meio de transporte mais conveniente. No entanto, na esteira deste
desenvolvimento, surgiu uma longa lista de problemas: a mineração e a fundição; o
processamento mecânico; a prospecção e refino de petróleo; a industrialização da
borracha e dos sintéticos; a construção e pavimentação de estradas; e assim por
diante. Estes problemas, por sua vez, demandaram a adoção de métodos e técnicas
as quais, em última análise, produziram a poluição ambiental, o esgotamento de
recursos, a ocupação de áreas rurais, o aparecimento de acidentes de trânsito, além
de uma série de outros problemas intrincados. Apesar disso, e sob uma ampla
perspectiva, se comparados à meta original, que era o de desenvolver um meio de
transporte, esses problemas decorrentes praticamente perderam significado.
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No processo de resolução dos difíceis problemas com os quais a humanidade se
depara ao longo de sua existência, somente a partir da perspectiva da tecnologia
cibernética, poderá a humanidade perceber a essência do que é a tecnologia
uma ferramenta e somente então, poderá evitar escravização pela tecnologia.
Nenhuma força militar que aspire por modernização pode ser bem sucedida, sem
desenvolver novas tecnologias, sendo que, neste sentido, a guerra tem sido o berço
destas novas tecnologias. Durante a 2ª Guerra do Golfo, mais de 500 itens
representativos da nova e avançada tecnologia da década de 80 estiveram em cena,
6 Em sua obra “In The Age of Science and the Future of Mankind” E. Shulman
enfatiza que “no dinâmico desenvolvimento da cultura moderna, o qual é baseado
no explosivo desenvolvimento da moderna tecnologia, nós estamos continuamente
nos deparando com a cooperação multidisciplinar... é impossível para um ramo
específico da ciência, guiar nossa prática científica de uma forma suficiente“.
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e marcaram a sua presença, transformando a guerra num painel de demonstração
dos novos sistemas de armas.
No entanto, o aspecto que chamou a atenção de forma mais contundente, não foi o
novo armamento em si, e sim, a tendência à sistematização no desenvolvimento e
emprego dos sistemas de armas. Como exemplo tem o sistema “Patriot”, empregado
para interceptar os mísseis “Scud”.
O que parecia uma ação local de tiro ao alvo, na realidade, envolvia um conjunto de
sistemas interligados, cobrindo praticamente metade do globo terrestre, ou seja: um
satélite DSP7 identificava o alvo, enviava um sinal de alarme para uma estação
receptora na Austrália; esta por sua vez retransmitia o sinal para um Posto de
Comando localizado em território norte-americano, e a partir deste, o sinal era
enviado para o Comando das forças norte-americanas em Ryadh, deste Posto é que
saia o comando de disparo para as baterias de mísseis “Patriot”. Somente após este
trâmite, que durava apenas 90 segundos, os mísseis “Patriot” eram lançados
configurando o que se poderia dizer “um disparo ouvido no mundo inteiro”.
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norte-americana em atuar como uma “polícia mundial” e, portanto, alterou a
configuração estratégica mundial? Deveriam as análises das ações em uma guerra
enfocarem os meios? Ou os resultados?
É óbvio, que raciocinando com a definição tradicional de guerra, não há mais como
responder estas questões. Ao nos darmos conta, de que todas essas ações de não-
guerra podem tornar-se os elementos constituintes de uma guerra no futuro,
concluímos que devemos criar uma nova designação para este novo tipo de guerra:
uma guerra que transcenda todas as fronteiras e limites, em resumo a Guerra
Além dos Limites.
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CAP. 1 — A REVOLUÇÃO NOS ARMAMENTOS -
INVARIAVELMENTE A PRIMEIRA A OCORRER
“Tão logo os avanços tecnológicos possam ser aplicados às
metas militares, ou já estejam em uso para fins militares,
quase que imediatamente, tornam-se obrigatórios, e
freqüentemente, contrariam a vontade dos Comandantes
no sentido de provocar mudanças ou até mesmo
revoluções nos modos de combate.”
Engels
Segundo Engels, “Na época do barbarismo o arco e flecha ainda era uma arma decisiva, assim como a espada de aço
numa era não civilizada e as armas de fogo na era da civilização.” (Collected Works de Marx e Engels, Vol. 4, People’s
Press, 1972, p.19) Com relação a como o estribo modificou o modo de combate, citamos o comentário e tradução de Gu
Zhun de um artigo intitulado “Stirrrups and Feudalism Does Technology Create History?”. “Os estribos....tornaram
imediatamente possível o combate direto “mão a mão” e este era um modo revolucionário de combate....freqüentemente
apareciam invenções tão simples quanto o estribo, mas raramente, elas tiveram um papel tão catalisador na história
quanto esta”.”O estribo provocou uma série de revoluções militares e sociais na Europa” (Collected Works of Gu Zhun,
Guizhou People’s Press, 1994, p293-309).
Os canhões usando a pólvora negra que foram o berço de uma completa gama de
novas táticas de guerra; e quando as balas e os fuzis2 chegaram aos campos de
batalha, como a vanguarda da uma nova era tecnológica, as armas passaram, a
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guerra. Ao passo que, atualmente, é necessário o desenvolvimento de diversos tipos
de armas, que vão interagir para compor sistemas que possam produzir um efeito
sensível numa guerra, criando assim, um paradoxo, inerente ao relacionamento
entre as armas e a guerra, qual seja: quanto maior o número de armas inventadas, e
quanto maior a tecnologia envolvida, menor tem sido sua importância relativa numa
guerra.
Desta forma, com a exceção das armas nucleares, (cujo emprego improvável poderia
designar uma guerra nuclear), nenhuma arma atual por si só, mesmo aquelas
consideradas as mais revolucionárias, possui a magnitude e a perenidade para
rotular uma guerra do futuro.
Possivelmente, este seja o motivo para que se tenham desenvolvido novas formas de
identificação, tais como “g
guerra de alta-tecnológia” ou “g
guerra cibernética,” com a
intenção de utilizar designações tecnológicas ou científicas, de natureza ampla e
vaga, ao invés de designações específicas, baseadas em armamentos.
Se não considerarmos as opiniões de Wiener a respeito das máquinas de jogos de guerra, como as primeiras
referências às “armas cibernéticas”. Um comentário feito por Tom Luona em 1976, descrevendo a “guerra cibernética”
como “uma luta entre sistemas de tomadas de decisão”, torna-o o primeiro a mencionar “guerra cibernética” (Douglas
Dearth “Implications, Characteristics and Impact of Informations Warfare”). Através de pesquisa independente, em 1990,
Shen Weiguang, um jovem estudioso chinês, com mais de dez anos no serviço militar ativo, publicou um trabalho
denominado “Information Warfare”, o qual pode ser considerado, provavelmente, a mais antiga monografia sobre “guerra
cibernética”. No bojo de sua Terceira Onda, em um outro “best-seller” intitulado “Power Shift”, Tofler conferiu à “guerra
cibernética” um caráter global, enquanto que a 2ª Guerra no Golfo, ocorrendo em paralelo, tornou-se a propaganda
perfeita para esta nova concepção de combate. À época, a discussão em torno do tema “guerra cibernética” tornou-se
um modismo.
Sob o ponto de vista da lógica, o termo “alta” é relativo e, portanto, impreciso, por
depender de uma avaliação por vezes subjetiva. Este aspecto, por si só, não o
credencia para designar um fenômeno como a guerra, cujo próprio dinamismo já se
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constitui num considerável problema, que é inerente às tecnologias passíveis de
evolução, qual seja, a fixação de um conceito no tempo.
Portanto, no processo dinâmico que caracteriza a guerra, cada arma pode passar da
condição de ponta para a condição de obsoleta, a qualquer momento e em qualquer
lugar. E como, independentemente de local, a marcha do tempo não se deterá,
nenhuma arma poderá ocupar, por muito tempo, o trono da “a
alta-tecnologia”.
Aceitando-se essa premissa como verdadeira, a que tipo de tecnologia a designação
“g
guerra de alta-tecnologia” poderia se referir?
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Desta forma, a expressão “a
alta-tecnologia” não poderia ser considerada como um
rótulo para a um tipo de guerra do futuro, assim como qualquer expressão derivada
de “ttecnologia cibernética” — uma das formas de alta-tecnologia da atualidade,
ocupando uma posição de destaque no projeto de todos os sistemas de armas
atuais.
Com relação à definição de guerra cibernética até os dias de hoje (1999) ainda não há um consenso. De acordo com a
definição adotada pelo Departamento de Defesa dos EUA— “são as ações tomadas para interferir com a capacidade
cibernética de um inimigo compreendendo o processamento de informações, os sistemas de informações, as redes de
computadores, visando obter a superioridade cibernética sobre o inimigo, ao mesmo tempo em que visam, também, à
proteção das nossas informações, sistemas associados e redes de computadores".
“De acordo com o manual do Exército norte-americano FM-106, o entendimento do Departamento de Defesa relativo à
guerra cibernética enfoca os efeitos da cibernética no âmbito dos conflitos atuais, ao passo que o entendimento do
Exército é de a cibernética já permeia todos os aspectos, desde a situação de paz até a situação de uma ação militar
numa guerra global” (Military Science Publishing House, tradução chinesa, pp. 24-25).
George Stein, um professor da Universidade da Força Aérea dos EUA, propõe a definição a seguir para “guerra
cibernética”: “Num sentido genérico, a guerra cibernética compreende ações que utilizam a informação para a
consecução dos objetivos nacionais.”, e esta definição reflete uma opinião de alguma forma mais ampla que a do
Exército.
Em artigo na edição do verão 1997 do periódico “Joint Forces Quarterly,” o Coronel Brian Fredericks propôs que: “a
‘guerra cibernética’ é um assunto em nível nacional, que está além da abrangência da defesa nacional, e provavelmente,
esta seja a descrição mais precisa de ‘guerra cibernética’ num sentido amplo”.
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— armas cibernéticas — assim como não se poderia designar a guerra que os
emprega como sendo uma “guerra cibernética”.
Contrariando a tendência de uma abordagem cada vez mais genérica dos conceitos relativos à “guerra cibernética”,
alguns oficiais mais jovens nas forças armadas dos EUA questionam, cada vez mais, o conceito de “guerra cibernética”.
O Tenente-Coronel da Força Aérea James Rogers frisa que “a ‘guerra cibernética’, na realidade, não é uma novidade...
...queira ou não, aqueles que afirmam que as técnicas e estratégias associadas à ‘guerra cibernética,’ inevitavelmente,
substituirão a guerra com armas , estão com uma autoconfiança um pouco exagerada.” (revista U.S. Marines, abril,
1997). O Capitão-Tenente da Marinha Robert Guerli propôs que “as sete áreas de mal entendimento com relação à
‘guerra cibernética’ são: (1) o uso excessivo de métodos análogos; (2) o exagero na ameaça; (3) superestimar a própria
força; (4) a relevância histórica e a precisão; (5) evitar a crítica relativa a tentativas anômalas; (6) conjecturas
completamente infundadas; e (7) definições não padronizadas.” (revista U.S. Events, edição de Setembro de 1997). O
major da Força Aérea Yulin Whitehead escreveu na edição de outono de 1997 da revista Air Power Journal que a
cibernética não à a toda poderosa, e que as “armas cibernéticas” não são “armas mágicas”. Os questionamentos quanto
à guerra cibernética não se restringem a opiniões de caráter pessoal, na medida em que um documento oficial da Força
Aérea dos EUA intitulado “The Foundations of Information Warfare” apresenta uma estrita diferença entre a “guerra na
era da cibernética” e a “guerra cibernética.” Este documento atesta que a “guerra na era da cibernética” e a guerra em
que se empregam armas computadorizadas, tais como o emprego de um míssil de cruzeiro para atacar um alvo,
enquanto que a “guerra cibernética” trata a informação como uma ambiência independente e uma arma poderosa. De
forma semelhante, conhecidos estudiosos também emitiram suas opiniões. O professor Eliot Cohen da Universidade
John Hopkins nos relembra que “assim como a arma nuclear não resultou na eliminação das forças convencionais, a
revolução cibernética, não eliminará as táticas de guerrilha, o terrorismo, ou as armas de destruição em massa”.
Sistemas macromoleculares projetados e produzidos usando a biotecnologia constituem a fonte de materiais para
componentes eletrônicos da mais alta-tecnologia. Por exemplo, computadores utilizando moléculas de proteína têm
capacidade de processamento e memória centenas de milhões de vezes maiores que os computadores de tecnologia
atual. (New Military Perspectives for the Next Century, Military Science Publishing House, Edição de 1997, pp142-145).
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quanto à questão atual da tecnologia cibernética crescer de maneira forte e
descontrolada, devido a sua característica de ser uma síntese de outras
tecnologias. Desde o seu aparecimento, e cada passo do seu desenvolvimento,
sempre foi um processo de mesclagem com outras tecnologias, tendo se tornado
parte integrante das mesmas e vice e versa. E esta síntese tornou-se a
característica mais fundamental da era da integração tecnológica e da globalização,
e naturalmente, assim como um selo identificador de uma peça de aço, esta
característica de integração tecnológica deixará suas impressões em cada sistema
de armas moderno.
Historicamente, uma regra geral não escrita tem sido a maior adesão ao
pensamento “g
guerrear com as armas existentes”. Na maioria dos casos, verificou-
se que somente após o desenvolvimento das armas é que se criaram as táticas para
o seu emprego, e assim, o desenvolvimento das armas sempre teve um efeito
condicionador na evolução das táticas. Coma as armas aparecendo em primeiro
lugar, sendo então acompanhadas pela evolução tática, vemos que a evolução das
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armas teve um efeito decisivo sobre a evolução da tática.
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A prática de mesclar o armamento novo com o antigo, se resultar em um perfeito
casamento com a tática, além de eliminar as deficiências originadas por uma
excessiva uniformidade do armamento, pode atuar como um fator multiplicador da
sua eficácia. A título de exemplo, o bombardeiro B-52, que de acordo com muitas
previsões já deveria ter sido desativado, teve o seu emprego operativo revigorado,
após ser adaptado para o lançamento de mísseis de cruzeiro e de armas de
precisão. O avião ataque A-10, após a incorporação de mísseis com sistemas de
orientação infravermelha, passou a dispor da capacidade para realizar operações
noturnas, (capacidade inexistente em sua versão original). O seu emprego com o
helicóptero “Apache” além de formou um eficiente binômio de ataque, passando a
ser uma importante plataforma de combate, apesar de projetada nos anos 70.
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No relacionamento entre as armas e a guerra, deve-se sempre enfatizar — que um
fato, por mais básico que seja na atualidade, não é necessariamente uma verdade
no futuro. Iniciativas intempestivas, tomadas sob condições adversas, podem
constituir linhas de ação aceitáveis para um determinado período, mas de forma
alguma podem ser tomadas como regra.
Partindo do conceito de “Air-Land Battle” o processo de desenvolvimento de armamentos empregado pelos militares
norte-americanos pode ser dividido, basicamente, em 5 estágios: especificação de requisitos; esboço de projeto;
avaliação da concepção; desenvolvimento técnico e produção; e dotação das unidades. O desenvolvimento relativo às
unidades informatizadas segue o mesmo padrão. (U.S. Army Times, Out 1995). Em Março de 1997, o Exército
Americano realizou um exercício de combate ao nível de brigada, testando um total de 58 tipos de equipamentos
digitais. (U.S. Army Times, 31 March, 7 April, 28 April 1997). Segundo John E. Wilson, Comandante do U.S. Army’s
Material Command, sua missão é a de colaborar com o Training and Doctrine Command, na idealização e
desenvolvimento de novos equipamentos, com tecnologias avançadas e que atendam as suas necessidades. (U.S.
Army magazine, October 1997).
Esta nova abordagem é uma indicação de que a condição dos armamentos, como
precursores das revoluções em assuntos militares, foi abalada. Agora, a definição
tática vem em primeiro lugar, e dela decorrem as armas, e na seqüência, uma
promove a outra, num processo de desenvolvimento baseado numa realimentação,
que se tornou a nova forma de relacionamento entre armas e tática.
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aprendida, e a idéia de se basear no desenvolvimento de sistemas de armas
tecnologicamente estanques e que poderiam isoladamente derrotar um inimigo já
está ultrapassada.
O pensamento de se “a
armas específ icas para guerrear” é uma abordagem que
possui as características da era atual, da prática e da pesquisa laboratorial, não
significando, apenas, uma opção que privilegie a inventiva ou a inovação, mas
também, a ação de se copiar e alterar eventos, com base em princípios
fundamentais.
Decorre deste fato a possibilidade de, num teatro de operações do futuro, forças
informatizadas encontre-se na situação de um “chef de cousine”, excelente no
preparo de lagostas, mas diante da guerrilha, — um freguês que come “arroz com
feijão”8 — não tenha alternativa, que não seja a de suspirar em desespero.
8 [N.T.] A tradução não foi feita de forma literal, visando o emprego de uma imagem
brasileira que resguardasse a idéia original que o autor pretendeu dar na versão em
inglês.
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tecnológico, entre forças oponentes em um teatro, maiores serão as probabilidades
de sucesso para a força mais sofisticada; na medida em que o hiato se expande,
mais difícil fica a interação entre as forças oponentes, chegando-se a ponto de
nenhuma ser capaz de eliminar a outra. Examinando exemplos específicos de
batalhas passadas, verifica-se a dificuldade que tiveram as tropas de alta-tecnologia
para lidar com a guerra não convencional ou de tecnologia rudimentar, e neste
sentido, talvez, até exista um paradoxo, mas pelo menos é um fenômeno
interessante, e que vale a pena ser estudado.
A edição nº. 11 de 1998 do “Journal of the National Defense University” traz um artigo sobre a entrevista concedida por
Philip Odeen, Chefe do ‘U.S. National Defense Panel’ a Chen Bojiang, na qual Odeen cita a expressão “guerra
assimétrica” diversas vezes, acreditando-a como sendo a nova ameaça aos Estados Unidos. Antulio Echeverria publicou
um artigo na revista “Parameters” no qual ele propõe que “na era pós-industrial, aquilo com o que será mais difícil de
lidar será guerra do povo”.
Zhao Xiaozhuo, “The New U.S. and Russian Military Revolution”, Military Science
Publishing House, Edição de 1996, p6).
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inevitavelmente, deve ser encarado no processo de desenvolvimento do armamento
tradicional.
A ARMADILHA DA ALTA-TECNOLOGIA
Para assegurar a liderança no campo dos armamentos, é necessário que seja
previsto o crescimento dos custos de desenvolvimento; o resultado da contínua
elevação no investimento é que nenhum país tem recursos suficientes para manter-
se na liderança. O resultado final deste processo é que as armas idealizadas para
defender o país poderão ser as causas de sua falência. Neste sentido, exemplos
recentes são os mais convincentes.
Orgakov prevendo que o desenvolvimento de tecnologia não-nuclear iria causar uma nova revolução no campo militar
iniciou o desenvolvimento da incorporação da tecnologia cibernética aos sistemas de armas enfocando a aquisição de
alvos de guiagem de precisão. A presunção era a de que um Exército equipado com esta tecnologia — a qual ainda
estava em seus estágios iniciais de desenvolvimento — estaria em condições de produzir armas com capacidade
destrutiva consideravelmente maior do que as armas nucleares. No entanto, a antevisão de Orgakov, com relação a uma
revolução nos assuntos militares foi por terra devido a problemas estruturais. “Se no processo de manutenção de uma
revolução em assuntos militares a um custo elevado, um país exceder os limites do que pode ser gerado pelas
condições de seus sistemas e material, e mesmo assim manter-se engajado numa disputa pelo poder militar com os
seus oponentes, o único resultado possível é que este país irá cair numa posição secundária com relação à
disponibilidade de forças militares que poderá empregar. Esta foi a sina da Rússia, tanto na era czarista, quanto na era
soviética. A União Soviética assumiu uma carga militar difícil de suportar e os militares não estavam dispostos a aceitar
a necessidade de uma nova redução estratégica.” (Steven Blank, “Preparing for the Next War: Some Views on the
Revolution in Military Affairs”, Strategic Review, primavera 1996).
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sucumbe, ele não o faz com um estrondo, mas em silêncio”.
Na medida em que a integração tecnológica alcança uma dimensão cada vez maior,
os EUA investem, cada vez mais, no decorrente desenvolvimento de armas, há um
custo, em termos absolutos, cada vez mais elevado. O desenvolvimento do F-14 e do
F-15, que nos anos 60 e 70 custou um bilhão de dólares, enquanto que o
desenvolvimento do B-2 nos anos 80 custou cerca de dez bilhões de dólares, e o
desenvolvimento do F-22 nos anos 90 excedeu a cifra dos 20 bilhões de dólares.
10 Em 1981, a Força Aérea americana estimou que poderia produzir 132 aeronaves
B-2 com um investimento de 22 bilhões de dólares. No entanto, oito anos após, com
este montante de capital só havia conseguido produzir uma unidade de B-2. Tendo-
se por base o seu valor por unidade de peso, o B-2 vale três vezes o seu peso em
ouro. (Ver Modern Military Technology, Nº 8, 1998, p33; e “Analysis of U.S. Stealth
Technology Policy” por Zhu Zhihao)
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armadilha da alta-tecnologia12, onde investimentos geram desenvolvimentos
tecnológicos que descortinam horizontes para novos investimentos. Se este fato é
real para um país rico e determinado como os EUA, até onde poderão ir os demais
países, com limitados recursos financeiros?
As armas de emprego neoconcepcional incluem, basicamente, as armas de energia-cinética, armas de ação energética,
armas subsônicas, armas geofísicas, armas meteorológicas, armas de energia solar, armas genéticas, armas de energia
cinética, armas de energia dirigida, armas subsônicas, armas geofísicas, armas meteorológicas, armas de energia solar,
armas genéticas, etc. (“New Military Perspectives for the next Century”, Military Science Publishing House, Ed de 1999,
p3).
ARMAS NEOCONCEPCIONAIS
12 [N.T.] Devido aos gastos militares com a Guerra do Iraque (2003) os EUA
enfrentam, na atualidade, o maior déficit orçamentário de sua história.
31
abstrato, lúcido e perspicaz, não sendo este o ponto forte dos norte-americanos,
cujo raciocínio é condicionado e circunscrito à metodologia tecnológica.
É inegável o fato de alguns fenômenos, que atualmente podem ser induzidos pelo
homem, podem ser classificado como “armas de emprego neoconcepcional”, e que
estas apresentam enormes diferenças em relação aos artefatos que formalmente
designamos como “armas”; mesmo assim, continuam sendo “armas”, cujos
propósitos imediatos são o de matar e destruir, estando ainda relacionadas aos
assuntos militares, como estão os soldados e diferentes tipos de munição. Desta
forma, não constituem nada além do que armas dotadas de características e
mecanismos não-tradicionais e cujos poderes de destruição foram ampliados
muitas vezes.
No entanto o conceito de “a
arma neoconcepcional” é diferente, sendo completamente
ama de emprego neoconcepcional.”
distinto do que denominamos “a
Na perspectiva de “a
armas neoconcepcionais,” qualquer coisa que possa beneficiar o
ser humano também pode prejudicá-lo, ou seja, qualquer coisa neste mundo pode
ser transformada numa arma, e esta possibilidade requer que o nosso
entendimento e percepção, do que vem a ser uma arma, ultrapasse todas as
fronteiras. Neste sentido, o desenvolvimento tecnológico, impulsionando o processo
de diversificação de armas, proporcionará uma abertura ao nosso raciocínio,
permitindo o entendimento e a percepção dessa nova realidade, rompendo de uma
vez por todas, o campo de domínio do conceito tradicional das armas.
As “a
armas neoconcepcionais” têm proporcionado uma orientação para o
desenvolvimento das “a
armas de emprego neoconcepcional”, enquanto que estas
32
proporcionam uma forma de materialização das primeiras. Com relação ao
continuado desenvolvimento de “a
armas de emprego neoconcepcional”, é importante
assinalar, que a tecnologia já não é mais o fator preponderante, e que o fator
comum em relação a estas armas é o caráter inédito da sua concepção de emprego.
O que deve ser bem entendido, e de maneira bastante clara, é que o processo de
desenvolvimento das “a
armas neoconcepcionais” está intimamente ligado à vida
comum das pessoas.
Com relação às “a
armas neoconcepcionais” podemos inferir que: em primeiro lugar
elas colocarão a guerra num patamar difícil de ser vislumbrado, tanto por leigos,
quanto pelos militares; e em segundo lugar, algo que nos deixa atônitos, que as
coisas que considerávamos comuns do dia-a-dia, e que estão ao nosso alcance,
podem ser transformadas em armas de guerra.
33
pela primeira vez na história, havia excesso de poder letal.
Princípios filosóficos dão conta de que, sempre que algo atingir o seu ponto
máximo, voltar-se-á na direção oposta. Nesse sentido, a invenção do armamento
nuclear, esta arma “u
ultra-letal”14 que pode aniquilar toda a humanidade, colocou a
própria humanidade numa espécie de armadilha existencial criada por ela mesma.
34
Aspectos como os direitos humanos e outras novas concepções políticas; a
tendência de integração da economia mundial; o entrelaçamento de interesses e
posições políticas, envolvendo as diversas forças políticas e sociais; a concepção da
“derradeira preocupação” com a ecologia e meio-ambiente; e em particular a
valorização da vida humana; têm influenciado preocupações relativas à matança e à
destruição, dando berço a uma nova concepção de guerra e a uma nova ética na
condução da guerra.
15 O termo “suave” refere-se ao fato de que estas armas reduzem o grau da matança
e o nº de vítimas colaterais.
35
envergadura podem proporcionar resultados estratégicos notáveis. Por exemplo,
através do emprego de um míssil, rastreando o sinal de um telefone celular, os
russos conseguiram calar o incomodo e ameaçador discurso de Dudayev de forma
permanente, e ao mesmo tempo, eliminar um enorme problema que havia sido
desenvolvido pela minúscula Chechenia.
A edição de Abril de 1993 do periódico britânico “International Defense Review” revelou que os EUA estavam
empreendendo intensas pesquisas em uma grande variedade de armamentos não-letais, compreendendo: armas
ópticas; armas de microondas de alta energia; armas de raios acústicos; e armas a laser. A edição de 6 de março do
periódico “Jane´s Defense Weekly” relata que um comitê de alto nível relacionado a armas não-letais, no âmbito de
Departamento de Defesa, já formulou uma política regulando a demanda, o desenvolvimento e o emprego de tais tipos
de armas. Além disso, de acordo com as p521-522 da edição de 1997 do “World Military Yearbook” o departamento de
Defesa dos EUA formou um grupo pioneiro para pesquisa de armamentos não-letais, cujo propósito é o de providenciar
para que as armas não-letais sejam incorporadas, o mais breve possível, no inventário de armamentos. [F1] Comentário: Mobilidade,
Contramobilidade e Proteção.
Conflito do Iraque: “...se isto é um ataque cirúrgico, eu não queria estar nessa mesa
de operações...”.
36
Para neutralizar a capacidade de combate de um tanque, podemos atingi-lo com
canhões ou mísseis, ou podemos, através de um feixe laser neutralizá-lo,
destruindo os seus equipamentos ópticos ou cegando a sua tripulação. Num
campo de batalha, alguém que esteja ferido demanda maior cuidado que outro que
esteja morto, e neste sentido, armas não tripuladas, progressivamente, prescindem
de blindagem e estruturas de proteção. Certamente, aqueles que se dedicam ao
desenvolvimento de “a
armas suaves” já contabilizaram o custo e benefício relativo a
estes aspectos. A ocorrência de vítimas pode eliminar a capacidade de combate de
um inimigo, levando-o ao pânico e perda da vontade de lutar, e isto pode ser
considerado como um meio extremamente válido de se alcançar a vitória.
As “a
armas suaves”, que só poderiam nascer numa era de integração tecnológica,
podem constituir a tendência mais promissora no desenvolvimento de armas, e ao
mesmo tempo, desvendar formas de guerra e revoluções em assuntos militares,
inimagináveis ou imprevisíveis nos dias de hoje. Estas armas representam uma
mudança com profundas implicações sobre a história da guerra, constituindo o
divisor de águas entre as antigas e as novas formas de guerra. E isto se deve ao
37
fato de sua aparição ter sido suficiente para relegar as guerras das armas frias e
quentes à era “antiga”.
De qualquer forma, não podemos nos deixar levar por fantasias românticas a
respeito de tecnologia, acreditando que a partir de agora a guerra tornar-se-á um
confronto semelhante a um jogo eletrônico. Até nas guerras simuladas, realizadas
em complexos informatizados, há que haver como premissa, a capacidade real dos
países envolvidos, pois mesmo que se desenvolvam dez planos para uma guerra
simulada, ainda assim, não será o suficiente para deter um inimigo real, que seja
mais poderoso em termos de força. A guerra ainda é uma arena de vida e morte,
uma área de destruição e sobrevivência, que não comporta uma ação cometida de
forma inocente.
38
CAP. 2 — A FACE DO DEUS DA GUERRA
TORNOU-SE INDISTINTA
“Através de todo o curso da história, a Guerra sempre tem
mudado.”
André Beaufre
O homem, desde o tempo em que caçava animais, até os dias de hoje, em que
pratica a matança de sua própria espécie, tem equipado o gigantesco monstro da
guerra para entrar em ação, e o desejo de atingir objetivos diversos têm mantido os
militares envolvidos em conflitos sangrentos.
Tem sido universalmente aceito, por milhares de anos, que a guerra é um assunto
restrito aos militares e que os três elementos básicos de hardware da guerra são: o
soldado, o armamento e o campo de batalha. E permeando estes três elementos o
quarto elemento básico de software, o propósito. Até agora, não se havia
questionado que estes constituíam os elementos básicos da guerra.
Nossos ancestrais talvez lutassem pelo status ortodoxo de uma seita religiosa, ou
por um espaço de terra pleno de água e de pastagem. Pode-se dizer que eles não
teriam, inclusive, escrúpulos de ir para guerra, por exemplo, por causa de
especiarias, bebidas ou um caso de amor entre um rei e uma rainha.
A Guerra do Ópio, também conhecida como a Guerra Anglo-Chinesa, é considerada a derrota mais humilhante sofrida
pela China em toda a sua história. Em resumo, nas primeiras décadas do século XIX a Inglaterra praticava
intensamente o tráfico de ópio, o qual era produzido na Índia e comercializado para a China na cidade de Canton
(Guangzhou) em troca de chá e bens manufaturados. Este tráfico de ópio produziu milhares de viciados em toda a
China, com conseqüências devastadoras para o país, sendo que e as autoridades chinesas em Canton eram
subornadas pelos ingleses para que facilitassem a entrada da droga. Em face disso, o Governo Chinês tornou o tráfico
de ópio ilegal em 1836, iniciando uma intensa política de repressão a essa atividade, e já em 1839, toda a atividade dos
traficantes fora sensivelmente reduzida. Não obstante, desentendimentos entre os governos chinês e inglês com
relação ao tratamento dado aos comerciantes ingleses envolvidos no tráfico de ópio precipitou uma crise e em
decorrência a guerra entre os dois países. A 1ª Guerra do Ópio ocorreu entre 1839 e 1842. Em 24 de agosto de 1842 foi
assinado o tratado de Nanking, pelo qual a China cedeu Hong-Kong para os ingleses; abriu o comércio através dos
portos de Canton, Amou, Fuochow, Ningpo e Shangai. Pagou ainda uma indenização de 20 milhões de dólares. A 2ª
Guerra do Ópio ocorreu entre 1856 e 1860, onde novamente os chineses foram derrotados e pelo Tratado de Pequim,
(18/10/1860), houve a cessão de Kowloon (território continental, fronteiro a Hong Kong assim como outra pesada
indenização).
40
lado, e o de “conter a expansão do comunismo”, de outro, constituíam
chamamentos à ação, que evocaram inúmeras respostas. Mas com o término da
Guerra Fria, e o decorrente colapso da “Cortina de Ferro” que dividia o mundo em
campos opostos, aqueles apelos perderam a sua razão de ser e eficácia. A era em
que havia dois lados perfeitamente definidos estava terminada. Quem seriam os
nossos inimigos? Quem seriam os nossos amigos?
41
mais a incerteza resultante da dissolução de alguns interesses conhecidos,
simultaneamente com a emergência de outros.
A razão para iniciar-se uma guerra pode ser qualquer uma: a disputa por um
território, ou por recursos; diferentes crenças religiosas; rancor derivado de
divergências tribais; diferenças ideológicas; disputa sobre participação nos
mercados financeiros; distribuição de poder e autoridade; sanções comerciais; ou,
uma disputa decorrente de um desequilíbrio financeiro.
42
Posicionamento Avançado Projeção de Poder
Bases Avançadas Bases Domésticas
Apoio do País Hospedeiro Baseada na própria Força
2 [N.T.] Uma alusão ao premiado filme “Dança com Lobos” em que um soldado do
exercito norte-americano se tornou amigo e aliado de uma tribo indígena, na época,
tradicionais inimigos do Exército norte-americano.
43
E até os franceses, tardiamente, enviaram tropas para o Golfo, visando a preservar
um pouco de sua tradicional influência no Oriente Médio.
Desta forma, com esta diversidade de interesses condicionantes, não há como uma
guerra possa ser conduzida sob um único propósito.
ONDE LUTAR?
“Avante jovens! Aos campos de batalha!”. Sob um fundo musical heróico, um jovem
com uma mochila nas costas, deixa para traz sua família, filhos e parentes, e todos
o vêem partir com lágrimas nos olhos. Esta é uma cena clássica dos filmes de
guerra. O jovem pode estar partindo montado a cavalo, num trem, num navio ou
num avião; isto não é relevante, o que importa, é que o seu destino é sempre o
mesmo — um campo de batalha envolto pelas chamas da guerra.
44
CAMPOS DE BATALHA DA ANTIGUIDADE ATÉ A IDADE MODERNA
Durante um longo tempo, antes do advento das armas de fogo, os campos de
batalha eram pequenos e compactos. O enfrentamento a curta distância entre dois
Exércitos poderia ser executado em uma pequena área de terreno plano, podendo
desdobrar-se por trilhas entre montanhas ou, para dentro dos limites de uma
cidade. Na perspectiva militar atual, aquele campo de batalha que extasiava nossos
antepassados, representa uma locação pontual no âmbito de um mapa militar, sem
ter muita relevância.
45
bidimensional para a tridimensional não levou tanto tempo para ocorrer, como pode
ser suposto. Pode-se dizer que, em cada caso, um determinado estágio na evolução
já trazia consigo o seu sucessor.
Quando o ronco dos motores inaugurava a era dos tanques passando sobre as
trincheiras, já apareciam nos céus os primeiros aviões equipados com
metralhadoras, e já era possível o lançamento de bombas por dirigíveis.
Erich Lunderdoff foi outro estrategista que tentou mudar radicalmente a natureza
do campo de batalha, idealizando o conceito de “guerra total”, que combinava os
elementos do campo de batalha a outros não pertencentes a este cenário,
integrando-os num só conjunto orgânico. Não obstante, ele não conseguiu
implantar sua concepção ou testemunhar o seu sucesso, pois estava predestinado a
travar as batalhas do seu tempo, em teatros como o de Verdun e dos Lagos
Masurios. Ainda assim, ele foi o precursor de uma doutrina militar que lhe
sucedeu por mais de meio século.
Neste sentido, o destino de um soldado é determinado pela era em que ele vive.
Naquele tempo, a amplitude das asas do Deus da guerra estava limitada ao alcance
de uma peça de artilharia fabricada pela Krupp, o que tornava impossível o disparo
de um projétil, cuja trajetória parabólica atingisse o inimigo, além de suas linhas de
frente e de retaguarda.
Hitler teve mais sorte que Lunderdoff. Passados 20 anos, ele tinha armas de longo
alcance à sua disposição. Empregando bombardeiros propulsados por motores
Mercedes, e os foguetes V1 e V2, ele conseguiu quebrar a tradição das Ilhas
46
Britânicas, de nunca terem sido constrangidas por qualquer invasor5. Hitler, que
não era um estrategista e tão pouco um tático, confiando apenas em sua intuição,
conseguiu ultrapassar os espaços que demarcavam a linha de frente e a
retaguarda; ele jamais entendeu, realmente, o significado revolucionário do
rompimento da configuração espacial que separava os elementos integrantes e não
integrantes do campo de batalha. Provavelmente, este conceito estava além do
alcance da percepção de um completo maníaco quanto à guerra, além de ser um
estrategista simplório.
Essa revolução, todavia, logo estará entre nós com sua força máxima. No momento,
a tecnologia novamente está avançada em relação ao pensamento militar. Ainda
que nenhum estudioso militar tenha apresentado qualquer conceito novo e
extremamente amplo sobre o campo de batalha, a tecnologia está se esforçando
para expandir o campo de batalha para uma dimensão que é virtualmente
ilimitada; existem satélites no ar, submarinos nas profundezas dos mares, mísseis
balísticos que podem atingir qualquer ponto do globo, e a guerra eletrônica, que
explora o invisível espectro eletromagnético.
Até mesmo o último refúgio da raça humana — o mundo interior do ser humano —
não está livre dos ataques da guerra psicológica. Existem redes integrando
sistemas nos cercando por cima e por baixo, de modo que uma pessoa não tem
mais como escapar.
5 [N.T.] Não foi considerada a invasão das Ilhas Britânicas em 1066 por Guilherme
o Conquistador, Duque da Normandia (região ao norte da França),.
47
convencional de sua dimensão “mesoscópica” convencional (isto é entre a
microscópica e a macroscópica).
O espaço das redes interativas7 (ou ciberespaço)8 atualmente desperta uma ampla
atenção entre os militares modernos. Este “espaço tecnológico” foi criado por uma
48
singular interação entre a tecnologia eletrônica, a cibernética e sua aplicação em
projetos específicos. Considerando que uma guerra dentro deste espaço tecnológico
ainda pode ter os seus resultados controlados pelo homem, então, o “espaço
nanométrico”, que já se manifesta no rastro das redes interativas, pode representar
um claro indício da completa realização do sonho humano — a guerra sem o
envolvimento direto de seres humanos.
Em um número cada vez maior de situações, estas guerras irão ocorrer em paralelo
às guerras tradicionais. Ambos os campos de batalha, o tecnológico e o
convencional, irão sobrepor-se e interagir de forma mutuamente complementar, na
medida em que cada um se desenvolve da sua própria maneira.
49
onipresente, ou seja, é possível iniciar-se uma guerra, que irá destruir um inimigo,
a partir de uma central de processamento de dados, ou do recinto de uma bolsa de
valores. Assim, haverá algum espaço que não seja um campo de batalha?
Se àquele jovem soldado com a mochila nas costas, a que nos referimos no início
deste capítulo, fosse perguntado, hoje: Onde é o campo de batalha? A provável
resposta seria: Em todos os lugares.
Segundo diversos analistas militares, o fator motivador desta tendência mundial foi
a situação pós-Guerra Fria, na qual nações que anteriormente se defrontavam ,
agora estavam ansiosas por usufruir os dividendos da paz. Na realidade, estes
analistas não se deram conta de que este fato é apenas a ponta de um iceberg, e
que os verdadeiros determinantes desta redução de efetivos não estão limitados a
esse aspecto em particular.
Uma razão mais profunda para essas reduções de efetivos refere-se ao fato de que o
incessante crescimento da tecnologia cibernética exige um significativo esforço de
readaptação, numa escala grandiosa, de militares que foram criados e formados
dentro de uma concepção da guerra mecanizada. É precisamente por este motivo,
que algumas nações com visão prospectiva, ao invés de única e simplesmente
priorizarem os cortes de efetivos, estão enfatizando: a elevação da qualificação
técnica do seu pessoal; o incremento do nível de tecnologia avançada e semi-
avançada incorporada ao seu armamento; e a atualização do pensamento militar e
doutrinário.
De acordo com o “U.S. Department of Defense – National Defense Report for the fiscal year of 1998” , o número de
militares norte-americanos sofreu um corte de 32% desde 1989. Adicionalmente, os EUA desativaram uma grande
quantidade de equipamentos obsoletos, e, portanto, aumentaram a sua capacidade de combate até um determinado
nível, mesmo considerando a redução nos efetivos. O Departamento de Defesa dos EUA, na edição de maio de 1997
do “Quadrennial Defense Review” (QDR), ao enfatizar “considerar o futuro e reformular as Forças Armadas americana”
advoga a continuidade dos cortes de pessoal, concomitantemente à capacitação dos militares norte-americanos, de
acordo com as novas teorias em assuntos militares. Além disso, também propugna por gastos comparativamente
maiores na obtenção de equipamentos.
50
A era dos “fortes e valentes soldados defensores da nação” já está ultrapassada.
Num mundo em que até mesmo a guerra nuclear talvez se torne um jargão militar
obsoleto é bem provável que um jovem pálido e franzino, usando um par de óculos
de grau, esteja mais bem preparado para ser um soldado moderno do que um jovem
forte e musculoso. A maior evidência desta assertiva, talvez seja o relato de uma
ocorrência que circula nos meios militares ocidentais. Como parte de um exercício
de segurança, um tenente da Força Aérea dos EUA, utilizando um computador
doméstico ligado à Internet através de uma linha discada comum, conseguiu
penetrar na rede de computadores do Comando Combinado do Atlântico, colocando
uma divisão naval inteira de joelhos.
Este fato apareceu, pela primeira vez, no jornal “British Sunday Telegraph”. De acordo com a reportagem, os militares
norte-americanos realizaram um exercício combinado do tipo “Joint Warrior” no período de 18/09/1995 até 25/09/1995,
com o propósito de testar a segurança dos seus sistemas eletrônicos de defesa nacional. Durante este exercício, um
oficial da Força Aérea conseguiu penetrar com sucesso no sistema naval de comando. Existem muitas ocorrências
similares, mas existem, também, alguns estudiosos militares que acreditam que estas ocorrências constituem o caso
de “jogar areia para cima para ofuscar a visão dos outros”.
51
afastadas de qualquer campo de batalha. Esta capacidade possibilita atacar um
inimigo que esteja muito além do alcance visual, evita a interação com o ambiente
sangrento que decorre de um confronto frente a frente.
Na obra “War and Anti-War”, Alvin e Heidi Toffler escreveram: “Se as ferramentas da guerra não são mais tanques e
artilharia, e sim vírus de computador e microrobótica, então não podemos mais dizer que as nações constituem as
únicas entidades armadas, ou que os soldados são os únicos a terem a posse dos instrumentos da guerra. “ Em seu
artigo, intitulado “What the Revolution in Military Affairs is Bringing ― The Form War Will Take in 2020”, o Coronel
Shoichi Takama das Forças Japonesas de Auto-Defesa frisa que a tendência civilista será uma característica importante
nas guerras do século XXI.
52
que, de alguma forma, são embaraçosos. Quem será o provável protagonista no
tocante à “terra incógnita”12 da próxima guerra?
53
praticados pelos chamados “guerreiros não-profissionais”? Possivelmente, nunca
haverá uma maneira de se saber ao certo13.
13 Muitos hackers estão adotando uma nova tática que pode ser rotulada como
“guerrilha em redes de dados”.
54
que, tanto o governo da Indonésia, quanto o seu aparato militar opressor, foram
levados a julgamento para responder por questões relativas à moral e à justiça.
AS ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS
Mais incisivos que os hackers — e uma ameaça mais presente no mundo real — são
as organizações não-estatais, cuja mera menção é suficiente para abalar o mundo
ocidental.
Estas organizações, que em maior ou menor grau possuem uma determinada índole
militar, são normalmente motivadas por alguma causa ou credo extremista, tais
como: as organizações islâmicas que visam à Guerra Santa; as milícias caucasianas
nos EUA; a seita japonesa “Aum Shinrikyo”; e mais recentemente, os grupos
terroristas como aquele liderado por Osama bin Laden, o qual provocou a explosão
das embaixadas norte-americanas no Quênia e na Tanzânia.
55
Além disso, no confronto das forças armadas de um país, (atuando sob regras fixas,
com efetivos ilimitados e objetivos limitados), contra um destes tipos de
organização, (que não observam quaisquer regras, empregando meios limitados
numa guerra sem limitações), será muito difícil para os primeiros lograrem a
obtenção de superioridade ou vitória.
Pode ser uma personalidade expoente com um grande controle sobre a mídia, um
colunista famoso, ou um animador de programas de TV.
56
vivemos, que seja proporcional ao seu tamanho. Seus adversários são como
pequenos roedores, com grande capacidade de sobrevivência, e que usam seus
dentes afiados para atormentar grande parte do mundo.
57
Esta classificação, por si só, é repleta de significado. Através dela, podemos
constatar que a abordagem adotada pelos norte-americanos é significativamente
imaginativa e ao mesmo tempo extremamente prática, permitindo-nos, também, um
sólido entendimento da ótica norte-americana relativa à guerra do futuro. Com
exceção das operações combinadas, que se desenvolveram a partir de outras
concepções anteriores, as outras três formas de guerra podem ser consideradas
como o produto de um novo pensamento militar.
58
A CARACTERÍSTICA INOVADORA DAS MOOTW
No entanto, a concepção que realmente incorpora uma característica criativa, não é
a da guerra cibernética ou da guerra de precisão e sim, a concepção das MOOTW.
Esta concepção está claramente vinculada à idéia “do interesse comunitário global”,
que os norte-americanos constantemente invocam, implicando num temerário
excesso de autoridade por parte dos EUA — um caso clássico da atitude norte-
americana que pode ser representada pela frase — “eu sou responsável por todos os
lugares banhados pela luz do sol”.
23 [N.T.] O livro foi escrito em 1996, por essa razão o autor ainda se referiu ai século
XX.
59
palavras como nas frases de um “quebra cabeça”. O conceito de MOOTW pode ser
considerado, simplesmente, como uma designação para um conjunto de missões e
operações realizadas por Forças Armadas quando não há um estado de guerra
declarado. O conceito de “Operações de Guerra Não-Militares” expande o
entendimento de guerra a todos os campos da atividade humana, com uma
abrangência muito maior que o significado da expressão operações militares,
expansão esta, resultante do fato de que os seres humanos utilizarão quaisquer
meios concebíveis, para alcançar os seus objetivos.
A GUERRA COMERCIAL
Se a expressão guerra comercial, a cerca de doze anos atrás era apenas uma
expressão descritiva, na atualidade ela se tornou um instrumento disponível a
diversas nações, para empreenderem Operações de Guerra Não-Militares.
Este instrumento tem sido usado com habilidade pelos norte-americanos, que o
aperfeiçoaram até o nível de uma arte, compreendendo em seu bojo: a aplicação da
legislação comercial interna no âmbito internacional; o estabelecimento ou
eliminação arbitrária de barreiras tarifárias; a adoção intempestiva de sanções
comerciais; a imposição de embargos à exportação de tecnologias consideradas
críticas; a adoção do capítulo específico da Lei Especial 30124 ; e a adoção do
conceito de “país mais favorecido”; e etc.
60
Qualquer um destes instrumentos tem um efeito destrutivo semelhante ao de uma
operação militar, e neste sentido, o embargo de oito anos imposto pelos EUA contra
o Iraque constitui um exemplo clássico.
A GUERRA FINANCEIRA
A crise financeira ocorrida no Sudeste Asiático evidenciou em relação aos países
asiáticos, os efeitos da guerra financeira. De fato, não se trata, apenas, deles terem
sido simplesmente surpreendidos, e sim, atingidos de uma forma avassaladora e
completa.
As perdas decorrentes deste caos continuado são tão numerosas quanto as que
seriam decorrentes de uma guerra regional, e o prejuízo causado para a
organização social existente, até mesmo excede os prejuízos que poderiam ser
provocados por qualquer guerra regional.
61
A guerra financeira ocupa agora, indiscutivelmente, a função de protagonista no
cenário da guerra, posição essa que, por milhares de anos, era privativa dos
militares e dos armamentos, com sangue e morte por todos os lados.
É evidente que Soros não detêm o monopólio do uso da arma financeira para
aplicação nas guerras. Antes dele, Helmut Kohl usou o marco alemão para derrubar
o Muro de Berlim — um muro que, anteriormente, ninguém conseguiu derrubar
empregando projéteis de artilharia26.
25 Na edição de 23 de agosto de 1998 do jornal Los Angeles Times havia uma artigo
intitulado “Os Mercados Financeiros são a Maior Ameaça à Paz”. Este artigo
mencionava que na atualidade os mercados financeiros, e não os campos de
treinamento de terroristas, é que constituem a maior ameaça à paz mundial.
26 Wang Jiannan; “Who Has Joined the Fray? Helmut Kohl”; China Broadcasting
Publishing House; 1997; pp. 275, 232, 357.
62
mesmo participando indiretamente do grande festim, arrecadam todos os seus
lucros.
Disto resultou uma economia global mais austera e difícil de ser controlada, e as
chamas ofuscantes das batalhas financeiras atingiram, também, aqueles que se
aventuraram a iniciar este incêndio. Sabe-se, por exemplo, que George Soros e o
seu Fundo de Investimento “Quantum” perderam alguns bilhões de dólares
somente na Rússia e em Hong Kong28.
Temos desta forma, pelo menos, uma indicação da magnitude do poder destrutivo
da guerra financeira. Atualmente, quando as armas nucleares tornam-se elementos
decorativos de alta periculosidade, perdendo diariamente o seu valor operativo real,
a guerra financeira torna-se uma arma “hiperestratégica”, captando a atenção
mundial, por este novo tipo de guerra ser: facilmente manipulado, deflagrado de
forma sigilosa, e altamente destrutivo.
28 George Soros expõe toda a sua amargura em seu livro “A Crise do Capitalismo
Global”, onde, com base numa superficial análise de seus investimentos no ano de
1988, analisa as lições que devem ser aprendidas desta crise econômica.
63
O NOVO TERRORISMO COMPARADO AO TRADICIONAL
Devido à limitada amplitude do terrorismo tradicional, as vítimas decorrentes de
suas ações são em número bem menor do que aquele resultante das guerras
convencionais, mesmo assim o terrorismo tradicional incorpora um conteúdo mais
intenso de violência.
64
adotada pelos norte-americanos, isso não assegurará, necessariamente, a
capacitação para obter sucesso.
Seja como for, se todos os terroristas restringissem suas ações aos padrões
tradicionais, como o emprego de bombas, os raptos, os assassinatos e o seqüestro
de aeronaves, isso representaria, apenas, um nível um pouco abaixo do máximo
que o terror pode atingir. O que realmente infunde terror no coração das pessoas é
o casamento do terrorismo com os diversos tipos de alta-tecnologia32, que
propiciará o desenvolvimento de novas “super-armas”.
Neste sentido, nós já temos uma pista do que nos espera no futuro um indício
que pode causar preocupação. Quando os asseclas da Aum Shinriko lançaram gás
tóxico Sarin no metrô de Tókio, o número de vitimas representou, apenas, uma
pequena parcela da dimensão do novo terrorismo. Este acontecimento alertou as
pessoas para o fato de que a moderna tecnologia bioquímica já conseguiu forjar
uma arma mortal para emprego pelos terroristas que venham a tentar promover a
destruição em massa da humanidade33.
65
GUERRA ECOLÓGICA
A guerra ecológica constitui um novo tipo de Operação de Guerra Não-Militar onde
a moderna tecnologia é empregada para influenciar o estado natural dos rios, dos
oceanos, da crosta terrestre, das coberturas de gelo glaciais, da circulação do ar
atmosférico, e da camada de ozônio.
Talvez, em muito pouco tempo, um fenômeno do tipo “El Nino”, produzido pelo
homem, venha a representar um novo tipo de super-arma nas mãos de
determinadas nações ou organizações terroristas. É mais provável que uma
organização terrorista seja o primeiro agente a iniciar uma guerra ecológica devido à
própria natureza de sua forma de atuação, ou pelo fato de não se sentir responsável
pelas pessoas ou pela sociedade como um todo; como também, porque estas
organizações têm demonstrado, de forma consistente, a sua não disposição em
obedecer as regras do jogo.
Além disso, visto que o equilíbrio ecológico já está no limiar de uma catástrofe, pela
ação dos países na busca do desenvolvimento pela via mais rápida possível, existe o
perigo de que, uma pequena variação em qualquer das variáveis da equação
ambiental, seja o suficiente para deflagrar um holocausto ecológico.
66
tecnológica (criando monopólios através do estabelecimento de padrões
independentes), a guerra de maquinação (criando uma falsa aparência de poder real
aos olhos de um inimigo), a guerra de recursos (apoderando-se de riquezas através
da pilhagem de estoques de recursos), a guerra de ajuda econômica (concedendo
favores de forma ostensiva, encobrindo condicionantes secretas de controle), a
guerra cultural (liderando e difundindo tendências culturais, de modo a cooptar
aqueles que têm pontos de vista divergentes), a guerra de legislação internacional
(aproveitando as ocasiões mais oportunas para interpor novas regras e normas de
interesse particular), além de diversos outros tipos de guerra não-militar, num
número muito grande para serem citados.
Tendo diante de si uma diversidade infinita de opções para escolher, por que as
pessoas procuram embrenhar-se numa rede, por elas mesmas criada, para
selecionar e usar meios de guerra que estão limitados ao universo da força das
armas e do poder militar?
Os métodos que não se caracterizam pelo uso da força das armas ou do poder
militar, ou sequer pela existência de vítimas e derramamento de sangue, oferecem a
mesma, ou, até mesmo, uma maior facilidade para a consecução dos objetivos da
guerra. A propósito, esta possibilidade tem determinado uma revisão daquela
afirmação de que “a guerra é a política com derramamento de sangue”, bem como
na visão, até hoje existente, de que a guerra executada com o emprego da força das
armas é a derradeira forma de resolução de conflitos.
67
recuperar no futuro o tempo perdido. Qualquer guerra que seja iniciada amanhã,
ou mais além, será caracterizada como num sentido amplo — misturando, como
num coquetel, a guerra pela força das armas com a guerra executada por outros
meios, que não a força das armas.
O propósito deste tipo de guerra ira englobar muito mais do que simplesmente “o
uso da força das armas, para obrigar o inimigo a aceitar a nossa vontade”, e sim:
“usar todos os meios disponíveis ou seja, a força das armas e outros meios não
envolvendo a força das armas, ligados ou não poder militar e que provocam ou não
vítimas visando obrigar o inimigo a atender os nossos interesses”.
68
CAP. 3 — UM CLÁSSICO QUE DIVERGE DOS
CLÁSSICOS
[N.T.] Os “Carrier Battle Groups” (CBG) compreendem esquadras nucleadas em um porta-aviões da classe. Estes
grupamentos operativos não têm uma composição fixa, sendo estabelecida de acordo com a missão em perspectiva.
Não obstante, a composição típica de um CBG compreende: um porta-aviões normalmente da classe “Nimitz”; dois
cruzadores com mísseis sup/sup da classe “Ticonderoga”; um destróier com mísseis sup/sup da classe “Arleigh Burke”;
um destróier da classe “Spruance” e uma fragata da classe “Oliver Hazard Perry” para tarefas anti-submarino; dois
submarinos de ataque da classe “Los Angeles”; e um navio combinado de apoio logístico, suprimentos e de
reabastecimento da classe “Sacramento”.
Provavelmente, porque a vitória foi alcançada de maneira tão fácil, é que até hoje,
muito poucas pessoas, que integravam o alegre grupo do “Tio Sam”, avaliaram, de
forma precisa, o significado desta guerra.
1 Ver “The Gulf War Final Report of the Department of Defense to Congress” ;
“Defense in the New Age: Experiences and Lessons from the Gulf War” e outros
relatórios de pesquisa.
Alguns mais exaltados usaram este evento para reforçar o mito da invencibilidade
dos EUA. Outros, considerados mais moderados, e na maioria analistas e generais
que não participaram da “Tempestade no Deserto”, adotando um raciocínio
complexo e sutil, consideram que este não foi um exemplo típico, e que uma guerra
conduzida naquelas condições ideais não poderia servir como modelo.
O primeiro capítulo (“A Unique War”) do relatório de pesquisa “Military Experiences and Lessons of the Gulf War” editado
pelo “U.S. Center for Strategic and International Studies” estabelece que: “em grande parte, a singularidade da Guerra
do Golfo, não nos permite extrair lições e experiências... e de fato, exatamente o quanto, no que tange a experiências
importantes e de longo alcance, pode ser extraído da Guerra do Golfo é um tema capital.” (“The Gulf War”, Vol. 2,
Military Science Publishing House, 1992, p 155). Logo após a Guerra no Golfo, militares chineses que foram
intensamente abalados, inicialmente aceitaram o ponto de vista dos círculos militares ocidentais quase que
completamente, e atualmente alguns deles começam a reavaliar as lições e experiências da Guerra no Golfo (Conmilit,
Nov. 1998, Nº. 262).
Este tipo de comentário tem um sabor amargo, talvez desdenhoso, e de fato, sob
uma perspectiva tradicional, a “Tempestade no Deserto” não foi, em seu sentido
estrito, uma guerra clássica. Entretanto, por ter sido uma guerra que ocorreu no
momento em que atingimos o limiar da maior revolução nos assuntos militares até
os dias atuais, ela não pode ser avaliada por padrões tradicionais ou, até mesmo,
padrões já obsoletos.
70
testados. Na atualidade, ela constitui, em todos os sentidos, não somente o único
exemplo como também um exemplo clássico e, portanto, a única “maçã” que merece
um cuidadoso escrutínio.
Certamente, linhas de suprimento vitais são mais importantes do que uma levar
uma bofetada, e os EUA não tiveram alternativas que não a de encarar esta ação
com a devida seriedade, o mesmo ocorrendo com outras nações, que também se
sentiram ameaçadas pelo Iraque.
Mas o que tinham em mente a maioria dos países árabes, ao se aliarem aos EUA,
era extirpar a heresia islâmica representada por Sadam, evitando com isso o seu
fortalecimento desimpedido, o que poderia prejudicar os interesses daqueles países.
É muito difícil admitir que na realidade suas motivações fosse o restabelecimento
da justiça para o Kuwait.
A aliança anti-Saddam no mundo árabe estava centrada em torno da Arábia Saudita, Egito e Síria. De acordo com o
General Khalid, um comandante das forças aliadas na “Tempestade do Deserto”, o Iraque representava uma enorme
ameaça para eles, de modo que “nós não tínhamos nenhuma outra opção que não fosse a solicitação de apoio de forças
amigas, em particular dos Estados Unidos” (ver “Desert Warrior”; Military Translations Publishing House, p 227). Os
Norte-americanos assumiram a aliança de forma muito séria. Para maiores detalhes ver “Attachments to the Final
Report of the Department of Defense to Congress – Nº. 9 – Alliance Construction, Coordenation, and Combat”.
71
transformado em um Saladin2 moderno, cujos planos de desencadear uma Guerra
Santa contra os cristãos representaram um fracasso.
Mesmo potências como os EUA devem buscar o apoio de seus aliados, e este apoio
manifestou-se, basicamente, pela concessão de legitimidade às suas ações e em
termos de apoio logístico, não tendo havido um acréscimo substantivo de forças
militares.
A razão pela qual as diretrizes do Presidente Bush tenham conseguido obter uma
ampla aprovação do público norte-americano decorreu, em grande parte, do fato
dele ter estabelecido uma aliança internacional, fazendo com que o público norte-
americano acreditasse nas premissas de não se tratar, apenas, da resolução
problemas de outras nações, e de não serem apenas os norte-americanos a
financiarem a guerra, ou que somente eles sofreriam perdas de vidas humanas.
2 [N.T.] Nascido em Tikrit no ano de 1138, Saladin foi o primeiro Sultão dos
Ayyubid e se tornou famoso por ter recapturado Jerusalem dos Cruzados. Saladin
era de origem Kurda, e durante toda a sua carreira, só admitia entre os seus
acessores mais próximos, os que fossem de origem Kurda.
72
diversos equipamentos militares norte-americanos. Todo este esforço demonstrou a
crescente dependência dos EUA de seus aliados.
Nesta nova era, agir isoladamente, além de ser insensato, não é uma opção
realística3. Por exemplo, a aliança criou a idéia de uma necessidade comunitária. A
partir da Resolução nº. 660 do Conselho de Segurança, que determinava a retirada
iraquiana do Kuwait, e até a Resolução nº. 678 que autorizou os países membros a
adotarem quaisquer ações necessárias, a sociedade internacional, de uma forma
genérica, identificou-se com a aliança que havia sido temporariamente instituída.
Cento e dez países participaram do embargo que foi estabelecido contra o Iraque, e
mais do que trinta nações participaram da aplicação da força militar, e entre eles,
várias nações árabes! É óbvio que cada uma destas nações já havia avaliado,
antecipadamente, os seus interesses, antes de adotarem tal atitude.
73
No entanto, no que tange às tropas que desenvolveriam as ações de guerra,
nenhum detalhe poderia deixar de ser observado. De modo a evitar que soldados
norte-americanos violassem as postulações ou mandamentos islâmicos, além de ser
estipulado que deveriam submeter-se estritamente aos costumes dos países em que
estivessem aquartelados. As forças armadas norte-americanas chegaram até a
alugar o iate “Cunard Princess”, mantendo-o fundeado ao largo, para prover
recreação no estilo ocidental para as tropas norte-americanas.
Para impedir a animosidade entre as forças aliadas, que poderia ser gerada por
uma retaliação de Israel contra os ataques de mísseis “Scud”, os Estados Unidos
providenciaram meios de defesa antiaérea aos israelenses, em um grande esforço
para preservar a integridade da aliança.
Sem dúvida alguma, o fenômeno das alianças continuará a existir, mas na maioria
dos casos elas irão representar coalizões baseadas em interesses variados e de
curta duração, o que significa dizer, que não haverá mais alianças formadas,
basicamente, por questões morais, sem a presença de interesses plenamente
caracterizados.
74
forma como entre organizações transnacionais, ou, até mesmo entre forças
regionais estão se tornando, portanto, cada vez mais efêmeras. Como entoado pelo
cantor de rock Cui Jiang: “Não é que eu não esteja compreendendo, é que este
mundo está mudando rapidamente”.
A esse respeito, um fato marcante ocorreu 60 anos atrás, na guerra contra o Japão,
quando na busca de priorizar e valorizar a participação de suas respectivas forças
singulares, tanto MacArthur quanto Nimitz propuseram estratégias específicas e
diferentes, para as ações no Pacífico. Até mesmo o presidente Roosevelt, com toda a
sua sagacidade e circunspeção, teve problemas para estabelecer um equilíbrio entre
estes dois líderes militares. Um outro fato que ilustra essa disputa interna ocorreu
durante a Guerra do Vietnã. As esquadrilhas formadas para executar missões de
bombardeio, por reunirem aviões de diferentes forças singulares, tinham que
receber instruções de diversos comandos diferentes e ao mesmo tempo.
75
separados e independentes, sem uma definição clara de subordinação, e isto teve
conseqüências desastrosas para as tropas norte-americanas aquarteladas em
Beirute, provocando a morte de aproximadamente 200 fuzileiros navais.
Chega a ser irônico, que este tipo de problema, que incomodou as Forças Armadas
norte-americanas por tantas décadas, não tenha sido solucionado por generais com
grande experiência de combate ou especialistas com profundos conhecimentos em
organização administrativa e militar, e sim, por dois congressistas chamados
Goldwater e Nichols. A Lei de Reorganização do Departamento de Defesa, proposta
por estes dois congressistas em 1986, criou um instrumento legislativo para
resolver o problema do comando unificado de forças singulares, quando
empregadas de forma combinada em combate.
No relatório de pesquisa sobre a Guerra do Golfo, elaborado para a Câmara dos Deputados por L. Aspin e W. Dickinson,
a “Lei de Reorganização do Departamento de Defesa” é bastante elogiada, sendo citado que “esta Lei assegurou que as
três Forças Singulares norte-americanas iriam unir-se para lutar a mesma guerra”. O mencionado Relatório também
citou o Secretário de Defesa Cheney quando este declarou que “é a legislação que tem o impacto de maior alcance no
âmbito do Departamento de Defesa, desde a “Lei de Segurança Nacional”“. Os oficiais generais, no âmbito das Forças
Armadas, também elogiaram bastante o a “Lei de Reorganização do Departamento de Defesa”, tendo o Almirante
Owens, que tinha exercido o cargo Vice-Chefe da Junta de Chefes do Estado-Maior declarado: “a Lei de Reorganização
do Departamento de Defesa de Goldwater e Nichols é uma das três grandes revoluções em assuntos militares ocorridas
nos Estados Unidos”; “esta lei estipulava que em qualquer conflito, a guerra seria conduzida por Forças Combinadas”, e
“os Chefes de Estado-Maior das Forças Singulares não eram mais Comandantes Operativos”. Os Comandantes
Operativos são os 5 Comandantes-em-Chefe de Teatros (Journal of the National Defense University; Nº. 11, 1998, p 46-
47. Conmilit; Nº. 12, 1998; p 24).
76
Reorganização, e ao mesmo tempo, tornaram-se os dois mais poderosos generais da
história militar norte-americana.
Esta condição permitiu que ele exercesse a plena autoridade, que lhe foi conferida
pela Lei de Reorganização do Departamento de Defesa, sobre todas as Forças
Singulares, sempre que necessário e sem quaisquer dúvidas. Por exemplo, quando
os Comandantes de Unidades de Fuzileiros Navais na linha de contato4 solicitaram
a realização de um desembarque anfíbio nas costas do Kuwait, Schwarzkopf
examinou a situação como um todo, e de forma decidida, exerceu o seu poder de
veto. Na ocasião, optou por prosseguir na concentração de meios para a operação
“Left Hook” que integrava o seu plano de ação geral desde o início das ações.
A aplicação inconteste de uma lei, que ainda não havia sido aplicada, decorridos
cinco anos de sua criação, em uma guerra que ocorreu na mesma época, só pode
ser explicada pela mentalidade de comprometimento de uma sociedade,
estabelecida em bases legais, como é a norte-americana. A nova estruturação de
comando, que derivou da aplicação desta legislação, tornou-se, além disso, o mais
bem sucedido e lógico sistema de comando militar, desde a criação de Forças
Singulares independentes. O seu resultado direto foi a redução dos níveis de
77
comando, o incremento da confiabilidade no comando, e a transformação da antiga
e profundamente enraizada estrutura militar de comando em uma estrutura em
rede interativa, permitindo, como efeito colateral, que um maior número de
unidades de combate, pela primeira vez, compartilhasse as informações do teatro
de operações.
Examinando a Lei de Reorganização sob uma perspectiva mais ampla, vemos que
esta reestruturação não se deu por uma coincidência fortuita, e sim, em
conformidade às exigências naturais de uma nova era impondo-se às antigas
relações militares de comando. Uma revisão no comando da estrutura militar, que
se encontrava disperso entre as várias forças. Uma revisão, implicando na criação
de uma “superautoridade”, englobando a autoridade das Forças Singulares, e que
estaria empenhada na consecução de determinados propósitos temporários, e assim
sendo, compatibilizaria as diversas tarefas a serem executadas em qualquer Teatro
de Operações.
O Combate Integrado Ar-Terra foi incorporado pelo Exército dos EUA em 1982, e tem sido a principal doutrina militar nos
últimos 20 anos. Esta doutrina prescreve o emprego de uma força combinada com meios aéreos e terrestres, com uma
grande ênfase na cooperação interforças. O propósito desta doutrina é o de impedir que as forças de segundo escalão
reforcem a frente de combate de um inimigo, atacando-as em pontos de passagem obrigatórios como pontes e túneis.
Neste contexto, as forças terrestres engajam o primeiro escalão das forças inimigas, e as unidades aéreas engajam as
forças de segundo escalão do inimigo, por traz das linhas inimigas. Durante a 2ª Guerra do Golfo a cidade de Basra foi
considerada como um ponto de passagem obrigatório para os reforços iraquianos.
78
físicas do teatro de operações, [bem como a força inimiga], eram um pouco
diferentes daquelas para as quais a concepção do “Combate Integrado Ar-Terra”
havia sido desenvolvida.
O General Merrill McPeak, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea durante a Guerra do Golfo, declarou: “esta foi uma
guerra que envolveu um massivo emprego do poder aéreo, e uma vitória das unidades das Forças Aéreas dos EUA e
demais países”, e que “tratava-se, também, da primeira guerra na história na qual o poder aéreo fora empregado para
derrotar forças terrestres” (Air Force Journal (U.S.) Maio, 1991). Em uma declaração anterior à Guerra do Golfo, o seu
antecessor, Michael J. Dugan observou que “a única maneira de evitar muito derramamento de sangue numa guerra
terrestre e utilizando-se a Força Aérea”. Embora tenha sido considerado que Dugan se excedeu eu sua autoridade,
tendo por isso sido removido de seu cargo, suas observações não estavam de todo erradas.
Quer sobre o Kuwait, quer sobre o Iraque, nenhuma ação aérea configurou os
galantes duelos pela supremacia aérea, mas sim, uma campanha aérea que
combinou todas as formas de emprego do poder aéreo, tais como: reconhecimento,
alarme aéreo antecipado, bombardeio, “dogfight”5, comunicações, ataques
eletrônicos, ações de comando e controle, etc., incluindo, também, a luta pela
ocupação do espaço cósmico e do ciberespaço.
79
muito além daquilo que foi inicialmente imaginado, e que inclui as ambiências
terrestre, marítima, aérea, e do ciberespaço.
Embora ainda seja necessário algum tempo para que os resultados da Guerra do
Golfo sejam assimilados, este conflito já está destinado a tornar-se o ponto de
partida para a teoria do “c
combate omnidimensional”, proposta pela elite do Exército
norte-americano, quando esta subitamente passou a encarar a realidade. O mais
interessante é que, embora pareça que os norte-americanos chegaram tardiamente
a esta conclusão, isto não teve qualquer efeito na antecipação que demonstraram
ao utilizarem a chave “c
combate omnidimensional”, as famosas “o
ordens de missão
aérea 6”.
As “o
ordens de missão aérea” constituíam um documento diário de quase 300
páginas, elaborado de forma combinada pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, [e
Corpo de Fuzileiros]. Este documento permitia que Schwarzkopf, o comandante
supremo das forças aliadas, mesmo sendo um Oficial do Exército, a emitisse ordens
de comando para toda a Força Aérea aliada.
As “o
ordens de missão aérea” foram a alma de toda a campanha aérea, e diariamente
selecionavam os melhores alvos para serem atacados por todas as aeronaves, em
obediência a um planejamento operacional geral de ataque.
Na visão da Marinha dos EUA, este sistema de comando estava sob forte influência
da Força Aérea, e devido a isso, adotou o procedimento de manter algumas
aeronaves sob seu controle direto e exclusivo de modo a poder empregá-las, quando
80
surgisse uma oportunidade de realçar a atuação isolada da Marinha. Esta
oportunidade nunca ocorreu. Em última análise, o sistema de “o
ordens de missão
aérea” organizou a maior e mais complexa campanha aérea na história da guerra.
Enquanto que uma pessoa que cometa um erro pela primeira vez seja digna de
pena, uma segunda pessoa, que cometa o mesmo erro, é simplesmente
inacreditavelmente estúpida, principalmente se for o caso de cometer um mesmo
tipo de erro por falta de previsão. O que é lamentável é que na história da guerra
existam exemplos freqüentes deste tipo de falha, ou seja, agir sem pensar.
81
nível anterior à guerra, com a colocação dos helicópteros num segundo plano.
quando deveriam, por todos os motivos, emergir daquela guerra como o sistema de
armas em evidência.
Comenta-se que, durante toda a fase terrestre da guerra, a não ser por uma
desesperada ação desencadeada pela Divisão Blindada “Medina”, pertencente à
Guarda Republicana, quando se viu cercada, ao sul de Basra pelo 7º Corpo de
Exército norte-americano, praticamente não houve nenhuma interação entre
tanques digna de menção.
De acordo com previsões de especialistas militares russos e ocidentais, “a expectativa de sobrevivência de um tanque
como um alvo individual, em um campo de batalha é de, no máximo, 2 a 3 minutos, e sua expectativa de sobrevivência,
estando integrado a uma unidade blindada do porte de Batalhão ou Companhia é de 30 a 50 minutos”. Esta é a
estimativa de especialistas, apesar de a maioria dos países ainda terem nos tanques suas armas principais. (Soldier
(Rússia) Nº. 2, 1996). Em um artigo titulado “The Future of Armored Warfare”, Ralph Peter declara que “tanques
voadores constituem algo que se tem desejado há muito tempo, mas quando se considera o uso racional de
combustível, além dos fatores físicos e psicológicos em uma batalha, a necessidade do futuro ainda é por sistemas
terrestres. Tendo em vista que os helicópteros de ataque já são uma concentração de várias características que foram
vislumbradas para os tanques voadores, nós acreditamos que os helicópteros de ataque possam complementar os
veículos blindados, mas não substituí-los.” (Parameters; Outono; 1997).
82
No entanto os norte-americanos, que até então tinham dado vazão a todo o seu
espírito criativo, não demonstraram qualquer originalidade quanto ao emprego de
seus helicópteros. Do mesmo modo que os franceses procederam na Segunda
Guerra Mundial ao dispersarem seus tanques entre as unidades de infantaria, os
norte-americanos empregaram os seus helicópteros como um elemento
subordinado e de apoio às unidades mecanizadas e outros elementos da Força
Terrestre. Felizmente, os helicópteros, que estavam destinados a marcar a sua
presença nesta guerra, não permitiram que o seu posicionamento secundário
cerceasse o seu magnífico desempenho.
83
numa operação de apoio logístico do tipo “leapfrog7”, cobrindo o maior alcance na
história da guerra, estabelecendo uma base de operações avançada para os
helicópteros “Cobra”(AH-1H), a mais de 100 km no interior do território iraquiano.
Subsequentemente, a partir desta base avançada, foi possível interromper a única
rota de fuga para as tropas iraquianas, que estavam dispersas na região do vale do
Rio Eufrates, bem como, interceptar as tropas iraquianas que fugiam pela estrada
Hamal. Esta foi, definitivamente, a mais importante operação tática da fase
terrestre de toda a guerra, tornando-se a constatação de que, a partir daquele
momento, os helicópteros eram perfeitamente capazes de conduzir, de forma
independente, operações de grande envergadura.
Devido a esta evolução nas ações no campo de batalha, Schwarzkopf teve que
antecipar a ofensiva do 5º Corpo do Exército em 15 horas. No entanto, ainda que
sob o comando do General Franks, a velocidade de avanço através do deserto
tenha sido superior àquela alcançada por Guderian, que se notabilizou em sua
época, ao lançar a “blitzkrieg”, Franks não obteve o mesmo reconhecimento
histórico ou reputação. De fato, ele foi repreendido por “mover-se lentamente, passo
a passo, como uma senhora idosa”.
84
capacidade de combate8. Na verdade, nem aqueles que criticaram, ou os que
refutaram as críticas, tinham percebido da verdadeira essência do problema. A
razão pela qual a mobilidade dos tanques sob o comando do General Franks foi
criticada decorre, precisamente, de uma comparação com os helicópteros. Até os
dias de hoje, não ocorreu um exemplo de combate, em que qualquer tipo de tanque
tenha conseguido igualar a velocidade de engajamento em combate de um
helicóptero.
8 “Into the Storm: A Study in Command” é o livro que o General Franks escreveu
depois de ter ido para a reserva, no qual ele menciona que a velocidade com que o
VIIº Corpo de Exército se deslocou não se constituiu num erro, e que as críticas
oriundas de Rhiadh não eram justas. (Ver Army Times (U.S.), 18 de agosto de
1997).
85
De fato, tanques e helicópteros são inimigos naturais, mas o tanque está muito
longe de ser um competidor do mesmo nível que um helicóptero. Até mesmo o
obsoleto AH-1H “Cobra”, (para não mencionar o AH-64 “destruidor de tanques”)
destruiu mais de cem tanques durante a Guerra no Golfo, sem sofrer nenhuma
perda. Diante da poderosa capacidade de ataque dos helicópteros, quem ainda
poderia afirmar que “a melhor arma para se encarar um tanque é um tanque?”9.
Em muito pouco tempo o slogan, “vencer uma batalha terrestre a partir do ar”,
tornar-se-à, cada vez mais, uma realidade, e um crescente número de
Comandantes de forças terrestres estão atingindo um consenso quanto a este
aspecto. Mais ainda, as novas concepções de “Exército aéreo” e da “guerra terrestre
aérea”, nas quais o helicóptero é a arma principal, poderão vir a ser jargões
militares comuns, constantes em qualquer glossário de termos militares.
86
pessoas comuns podem assistir. Desta forma, a mídia de forma imediata, passou a
ser parte integrante da guerra, não sendo mais um mero veículo que
proporcionava apenas informações oriundas de um distante campo de batalha.
87
Imediatamente após a invasão do Kuwait pelo Iraque, rapidamente surgiram
notícias, nos diversos canais de mídia, dando conta de que uma imponente força
norte-americana estava sendo enviada para a Arábia Saudita. Estas notícias
criaram hesitação entre as forças iraquianas que estavam posicionadas na fronteira
entre o Kuwait e a Arábia Saudita, provocando o seu recuo.
Do mesmo modo, sem o realce proporcionado pela mídia, nenhuma das chamadas
armas de alta-tecnologia, enviadas para a 2ª Guerra do Golfo, seriam tão
maravilhosas como as pessoas foram levadas a crer. Ao longo das 98 conferências
com a imprensa, realizadas durante todo o curso da guerra, as pessoas viam
imagens de mísseis de precisão penetrando em edifícios através de aberturas de
ventilação para explodir em seu interior; mísseis “Patriot” interceptando mísseis
“Scud”; além de inúmeras outras imagens que causaram uma profunda impressão
favorável.
Tudo isso representou um imenso choque visual para o mundo inteiro, incluindo
para os iraquianos. Esta ação da mídia gerou um mito no tocante aos poderes
inigualáveis das armas norte-americanas, gerando, desta forma, a crença de que o
“Iraque iria inevitavelmente perder a guerra, e que os Estados Unidos estava
destinados a serem os vencedores”.
Parece que nos conflitos do futuro, além das ações militares básicas, a mídia tende
88
a representar um ator a mais na guerra, e irá desempenhar um papel comparável
ao das operações militares, na determinação do curso das guerras.
No Golfo, da mesma forma que as forças aliadas lideradas pelos EUA privaram o
Iraque de seu direito de falar em termos militares, a poderosa mídia ocidental
privou-o, também, politicamente, do direito de falar, de se defender, e, até mesmo,
do seu direito de merecer manifestações de simpatia e apoio. Se comparada à fraca
voz da propaganda iraquiana, que retratava Bush como o “grande Satan”, dotado de
uma maldade além da possibilidade de perdão, a imagem de Saddam, como um
agressor ensandecido pela guerra, foi difundida de uma forma mais convincente.
Foi precisamente a assimetria de força da mídia adicionada à assimetria de força
militar que, como numa seqüência rápida de golpes de boxe, atingiu o Iraque, tanto
no campo de batalha, quanto moralmente, com isso determinando a derrota de
Saddam.
No entanto, os efeitos da ação da mídia têm sempre representado uma faca de dois
gumes. Isso significa que, na medida em que ela é direcionada contra um inimigo,
simultaneamente, em outra frente, ela pode se tornar uma espada afiada
apontando para você mesmo. Com base nas informações obtidas após a guerra, a
razão pela qual a ação terrestre foi abruptamente interrompida depois de 100
horas, decorreu do fato de Bush ter sido influenciado por análises precipitadas,
divulgadas na televisão por um oficial de assessoria do controle de imprensa no
campo de batalha. Com base naquelas informações, Bush foi levado a tomar uma
decisão, também precipitada, “encurtando dramaticamente o processo de tomada
da decisão estratégica com vistas à conclusão da guerra”12.
89
Em decorrência desta decisão, Saddam, que estava com os seus dias contados,
escapou da morte certa, e também ficou um rastilho de operações inacabadas
vieram a constituir bombas de efeito retardado para Clinton, que posteriormente
assumiu o governo.
O impacto da mídia na guerra é cada vez mais amplo e direto, a ponto de até as
decisões de alto nível, tomadas pelo Presidente de uma superpotência, tal como os
EUA, e que determinou a cessação de hostilidades, serem, em grande parte,
originadas da reação a um simples programa de televisão. A partir deste fato, pode-
se perceber o quanto de significado que a mídia tem na vida social de hoje.
A partir desta constatação, pode-se dizer, sem qualquer exagero, que um rei sem
coroa tornou-se, agora, a principal força para se vencer qualquer batalha. Depois
que a “Tempestade no Deserto” varreu o Golfo, não será mais possível confiar
apenas na força militar, sem que ocorra o envolvimento da mídia, para se obter a
vitória em uma guerra.
90
despesas militares da guerra, os Estados Unidos proporiam um programa de
“responsabilidade compartilhada”. Criava-se, assim, uma nova forma de repartição
dos custos de uma guerra internacional lutando juntos e dividindo a conta.
Mesmo que não sejamos homens de negócio, temos que admirar este espírito de
“Wall Street”.
A Seção 16 do “Apêndice ao Relatório Final do Departamento de Defesa ao Congresso”, contem uma análise relativa ao
tema “responsabilidade compartilhada”. Ao contrário da crença geral, a principal razão que levou os EUA repartir com
seus aliados, os custos da guerra, não foi um fator econômico, e sim, considerações de ordem política. No livro “21st
Century Rivalries” Lester Thurow observa que, em relação aos 61 bilhões de dólares correspondentes ao custo da
guerra, “se comparados com o seu PIB anual de 6 trilhões de dólares, esta despesa nem vale ser mencionada. O motivo
para eles quererem que aqueles países que não enviaram forças de combate para a guerra provessem assistência
financeira era exclusivamente o de convencer o público Americano de que a guerra não era apenas americana, e sim
uma operação combinada”.
13 Na revista “Special Operations” o Major Jake Sam (como foi publicado) revê as
circunstancias que determinaram a condução das ações de guerra psicológica pelo
“4th Psyops Group” durante a Guerra do Golfo (Ver “Special Operations”. Outubro
1992). Na edição de Dezembro de 1991 do periódico Americano “Journal of Eastern
Europe and Middle Eastern Military Affairs” há, também, um artigo dirigido às
ações de guerra psicológica durante a Guerra no Golfo.
91
Quando a guerra começou, o A-10 era visto pelos norte-americanos como uma
aeronave de ataque obsoleta. Mas o seu emprego combinado com o helicóptero
“Apache”, formando a chamada “união letal”, não só provocou a eliminação, em
larga escala, de tanques iraquianos, como também, protelou a desativação do A-10,
que chegou a alcançar a condição de um dos astros da guerra.
McPeak como Chefe do Estado-Maior da Força Aérea advogou o emprego de “alas aéreas mistas”, formadas por
diversos tipos de aeronaves, para substituir as alas aéreas formadas por um único tipo de aeronave. Em suas palavras,
“se tivéssemos que fazer alguma coisa a mais na Arábia Saudita hoje, não empregaríamos mais alas aéreas obsoletas,
integradas por 72 aeronaves F-16, mas sim, uma ala aérea integrada por alguns aviões de ataque, aviões de defesa
aérea, e aviões de bloqueio eletrônico voando fora da zona de defesa aérea. “Wild Weasels”(designação operacional
dada aos aviões empregados para localizar e destruir sistemas de defesa anti-aérea inimigas, atualmente atribuída aos
F-16C), aviões de reabastecimento, e etc. Esta disposição tática pode ser útil quando um conflito armado irromper em
alguma região do mundo.” (Air Force Journal, Fevereiro 1991).
92
O Secretário da Força Aérea, Donald Rice, afirma que “a Guerra no Golfo explicou este ponto (experiência) de forma
completa: o Poder Aéreo pode representar a maior contribuição durante um planejamento integrado e unificado de
operações de combate.”. O General Michael Lowe (como publicado), comandante do Comando Aéreo Tático, salientou
que “o uso de terminologias tais como “estratégia” e “tática” para limitar os tipos de aeronaves e suas missões, está
ameaçando os esforços para o desenvolvimento do Poder Aéreo, e em relação a este aspecto, nos temos que realizar
reformulações organizacionais e estruturais”. (Ver o Manual da Força Aérea AFM1-1 “Basic Aerospace Theories of the
US Air Force” , p329, Nota de Rodapé n 8). O Vice-Chefe de Estado-Maior para Programas e Operações, Jenny V.
Adams (como publicado) acredita que a lição a ser extraída da Guerra do Golfo é a de “modificar, ao contrário de rever,
nossos regulamentos de combate”. O Vice-Chefe de Estado-Maior da USAF para Logística e Engenharia, Henry
Weiqiliao (como publicado) também aprova a realização de reformas para reduzir os elos fracos na área de apoio. Ver
Jane´s Defense Weekly, 9 de Março de 1991.
No entanto, para os que estavam à margem da Guerra do Golfo, é muito mais difícil
obter qualquer tipo de esclarecimento ou as lições decorrentes deste processo e,
etc.
Se prosseguirmos nesta abordagem até o seu limite, veremos que existem ainda
inúmeras fatias nesta maçã, mas nem todos os aspectos que elas apresentam
poderão ser realçados ou circunscritos de forma específica. Para falar a verdade, os
pontos fracos e aspectos questionáveis são praticamente tão numerosos quanto os
pontos fortes.
Embora esta tenha sido uma guerra rica em implicações, ela não pode ser tratada
como a enciclopédia da guerra moderna. Pelo menos ela não nos fornece qualquer
resposta imediata ou completa com relação ao futuro da guerra.
93
CAP. 4 - O QUE OS NORTE-AMERICANOS
GANHAM AO APALPAR O ELEFANTE
“O combate aéreo foi o fator decisivo para a vitória na
guerra contra o Iraque. Armamentos de alta-tecnologia
foram eficazmente empregados, e alem de serem o
elemento chave para o notável desempenho das forças
aéreas e terrestres, representam também o principal
motivo para que as baixas entre as forças das Nações
Unidas fossem mantidas em nível tão baixo.”.
L. Aspen.
Este é um tema que requer um minucioso reexame, e não deve ser usado como
desculpa para negar o seu valor e pertinência dos estudos e relatórios em pauta.
Desta forma, inicialmente, vamos responder à questão: O que é que os norte-
americanos, afinal de contas, identificaram ao apalpar esse grande elefante?
Inicialmente, vamos examiná-lo.
A MÃO ESTENDIDA ATRAVÉS DA CERCA — CADA FORÇA VÊ A
GUERRA DE FORMA DIFERENTE.
Nos EUA a cerca erguida entre o Exército e a Marinha, desde os tempos da Guerra
da Secessão1, ao invés de ser eliminada com a criação da Força Aérea, passou a
separar estas três forças singulares. Tornou-se um mal crônico, provocando muitas
dores de cabeça, tanto para a presidência, quanto para o Pentágono.
1 [N.T.] Não foi adotada a tradução literal de “Civil War” que seria Guerra Civil,
porque não se tratou de uma guerra no âmbito civil. Foi uma guerra estritamente
militar, provocada por profundas desavenças culturais entre o Norte e o Sul dos
EUA, (o Norte anglo-saxônico e o Sul latino com descendências francesas e
hispânicas), bem como, por diferenças econômicas, (o Norte progressista, industrial,
com o trabalho remunerado e o Sul conservador, agrícola e com mão de obra
escrava).A guerra visava a definição de uma hegemonia.
95
resultante do novo posicionamento dos EUA na vanguarda de uma nova ordem
mundial, despertava sentimentos de incerteza e dúvida. Com efeito, os
Comandantes de Força norte-americanos compreenderam a urgência com que eles
deveriam tratar a reformulação de suas forças, mesmo que ainda não tivessem a
intenção de abandonar suas velhas e preconcebidas idéias. Esta compreensão ficou
evidente em cada uma das normas operativas, emitidas nos anos 1990, e que
tinham seus tópicos iniciais já baseados nas novas e recentes experiências e lições
extraídas da 2ª Guerra do Golfo.
Assim como “aos olhos de mil pessoas haverá mil pontos de vista” aos olhos das
três [quatro] forças armadas norte-americanas ocorreram três guerras diferentes no
Golfo Pérsico. Na análise deste conflito, que estabeleceu um ponto de inflexão na
história da guerra, cada uma das forças norte-americanas ateve-se às suas próprias
perspectivas e argumentos, esforçando-se para encontrar evidências que lhes
fossem mais favoráveis, não se dando conta de que, uma única mão estendida por
de trás da cerca militar, jamais poderia identificar uma parte, ou o todo, daquele
grande elefante.
96
Mesmo considerando que ao se engajar na “Tempestade do Deserto” o Exército
norte-americano estava no auge do seu prestígio, esta posição ficava mais
evidenciada pela falta de um oponente, em face do já evidente e inegável declínio do
Exército soviético. No entanto, o General Sullivan, com uma visão prospectiva,
manifestava uma apreensão em relação à opinião pública. Em sua opinião, com o
súbito fim das tensões da Guerra Fria, a estrutura do Exército começaria a exibir
sinais de envelhecimento, e nesta situação, políticos ávidos para colher os
dividendos da paz, restringiriam os recursos orçamentários para as forças armadas,
deixando o Exército sem os recursos necessários, para assegurar uma liderança
mundial, no início do século XXI.
[N.T.] Com relação a este aspecto é interessante relembrar a passagem histórica em que Cipião “o Africano”, chorou ao
ver, após a sua vitória sobre os cartagineses, Cartago sendo destruída por suas legiões. A tristeza de Cipião devia-se ao
fato de que, eliminado o seu principal inimigo, as legiões romanas iriam envelhecer e Roma perderia sua primazia como
força militar.
Para encetar uma nova dinâmica de crescimento para o Exército, seria necessário
um remédio muito forte, além de uma ampla reforma estrutural. Neste sentido, o
General Sullivan apresentou um planejamento tentativo que consistia na a
organização de um novo Exército, o — “E
Exército do Século XXI”, — que resultaria
da reestruturação do Exército norte-americano em todos os seus segmentos,
“desde as mais simples trincheiras até as mais sofisticadas fabricas de
armamentos”.
O livro “The 21st Century Army” foi escrito pelo General Sullivan. Em toda a sua gestão como Chefe do Estado-Maior
do Exército ele foi um entusiasta deste tema. Mesmo que muitos tenham relacionado o “Exército do Século XXI” com a
“Força Digitalizada”, certamente o General Sullivan não tinha esta perspectiva. Ele acreditava que o Exército norte-norte-
americano deveria promover, continuamente, reformas visando um processo integrativo, e que o “Exército do Século
XXI” deveria representar uma postura e um direcionamento e não um plano finito.
De acordo com Sullivan, “O processo integrativo do ‘Exército do Século XXI’ englobaria temas como: teoria da batalha,
sistema organizacional, adestramento, formação de oficiais para comando, temas relacionados a soldados e
equipamentos, instalações de bases, etc.” (“United States Military Theory”, Maio-Junho, 1995). De acordo com a visão
geral corrente do Exército “O ‘Exército do século XXI’ é o Exército atual dos EUA, que está realizando experiências
com operações baseadas em recursos informatizados, pesquisa teórica e planejamento de aquisição de equipamentos,
de modo a permitir que as tropas possam ser preparadas para o cumprimento de missões de agora até 2010”. (Coronel
Robert Jilibuer, “Armed Forces Journal”, Outubro 1996).
97
experiências e lições decorrentes da Guerra do Golfo, e freqüentemente era
chamada de “fforça digitalizada”.
No entanto, o que General Sullivan não deixou transparecer foi o fato de que, em
paralelo esse processo de transformação, havia uma motivação egoísta, comum no
âmbito das forças armadas, qual seja, a disputa por recursos orçamentários. Este
era um aspecto importante visto que, nas últimas décadas, o orçamento para as
forças armadas vinha sofrendo reduções, e a parcela de redução para o Exército
fora maior do que aquelas das demais forças.
O General Reimer declarou que: “A Concepção do Exército de 2010 era o elo teórico entre o ‘Exército do Século 21’ e o
‘Exército do Amanhã’. O ‘Exército do Século XXI’ é o planejamento que o Exército está seguindo agora... ‘O Exército do
Amanhã’ é um planejamento de longo prazo, e que se encontra, atualmente, e fase de deliberação... a coordenação
mutua entre os três tem determinado um conjunto completo de mudanças ordenadas e contínuas, de modo a garantir
que o Exército possa desenvolver-se de forma metódica numa direção.”(Ver o relatório “The 2010 Army Concept”, 1997).
Todos sabem que há um custo considerável para a implantação de uma força
digitalizada, mas a grande esperteza, tanto por parte do General Sullivan quanto de
seu sucessor o General Reimer, baseava-se na premissa de que — investimentos
geram a justif icativa para a obtenção de mais investimentos.
Partindo da concepção do “E
Exército do Século 21”, passando pela concepção do
“E
Exército Pós 2010” e desta para a do “E
Exército do Amanhã” foram dados dois
passos que redundaram em três saltos. Desta forma, adotando um objetivo de
98
desenvolvimento convincente como isca, o Exército conseguiu captar, além do apoio
político de “Capitol Hill5”, mais verbas militares para a reestruturação do Exército.
99
regra de 60 dias” para o desenvolvimento da tecnologia de redes. Deste
descompasso de ciclos tecnológicos, resulta ser muito difícil para a “fforça
digitalizada” concluir um projeto tecnológico, que apresente o mesmo nível de
desenvolvimento tecnológico em todos os seus componentes. Assim, a “fforça
digitalizada” torna-se uma entidade em constante mutação, devido ao contínuo
processo de mudanças para novas tecnologias. No processo de lidar com essa
dinâmica, não só o rumo a ser seguido é desconhecido, assim como nada de
concreto alcançado, porém a demanda justificada por recursos orçamentários se
mantém perene.
A renovação tecnológica é um fenômeno muito mais rápido que a evolução dos armamentos, ocultando disparidades
mais profundas. “É mais fácil que corredores de ponta fiquem para trás”. (Este aspecto pode ser verificado a partir do
desenvolvimento da indústria de telecomunicações e mudanças na área de computadores). Esta, talvez, seja,
isoladamente, a mais difícil disparidade que pode existir entre o militar profissional e a tecnologia da área cibernética
implementada nas linhas de fabricação das indústrias de grande porte. É por esta razão que os norte-americanos têm
uma sensibilidade mórbida á difusão de qualquer inovação de alta-tecnologia, tanto na área militar, quanto na área civil.
Além disso, quem ousaria, atualmente, afirmar com convicção, que nas guerras do
futuro este significativo investimento poderá se transformar em uma “Linha de
Maginot” eletrônica, cuja fraqueza se deve à excessiva dependência numa única
tecnologia?
Existe muita gente nos Estados Unidos com este mesmo questionamento. O Coronel Allen Campen acredita que
“adotando de forma intempestivas novas táticas das quais não se tem um completo entendimento e que não foram
testadas é muito arriscado” e “possivelmente transformará uma revolução militar benéfica num jogo de aposta com a
segurança nacional”. ( revista “United States Signal”, Julho 1995).
[N.T.] O General Michael J. Dugan foi exonerado do cargo de Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica em setembro de
1990 ao expor em entrevista ao Washington Post (16/09/1990) o plano de empregar poder aéreo ilimitado para destruir,
não só Saddam Hussein e sua família, como também, todo e qualquer alvo no Iraque que os militares, e em particular a
Força Aérea, achassem necessários, de modo a vencer a guerra num curto espaço de tempo. Esta declaração foi feita
exatamente uma semana antes da cerimônia de abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas. Em função desta
declaração, o General Dugan foi exonerado pelo então Secretário de Defesa Cheney.
100
Durante a 2ª Guerra do Golfo, o plano básico da Força Aérea — “Presença global -
Poder global” — foi submetido ao seu batismo de fogo. E a Força Aérea demonstrou
que pode, isoladamente, ter sucesso em qualquer missão de natureza estratégica ou
tática, em qualquer frente de batalha, e sua posição nunca foi tão prestigiada
quanto é no momento atual.
“Presença Global e Poder Global” constituiu o plano estratégico adotado pela Força Aérea norte-norte-americana após
a Guerra Fria, publicado através de em documentação oficial em Junho de 1990. Seis meses depois, os princípios
básicos deste plano foram testados e verificados na Guerra do Golfo.
A Força Aérea que foi criada 50 anos antes, a partir de um apêndice do Exército,
não era mais inexperiente e subitamente, ao tocar no “elefante” ela tinha criado
asas.
10 Ver “United States Army Magazine”, dezembro de 1996, “Army and Air Force
Joint War”.
101
A razão destes desentendimentos é bastante simples nem a Força Aérea, cujas
asas tornavam-se cada vez mais poderosas, nem o Exército, que se considerava a
autoridade número um abaixo dos céus, estavam dispostos a transferir para o outro
o direito de exercer o controle operacional.
O que deve ser ressaltado, é que após a guerra, a atitude e ações da Força Aérea
não ficaram limitadas a uma corrida pelo poder e vantagens em relação às demais
forças singulares.
11 [N.T.] Deve ser considerada a época em que a obra foi escrita, 1999.
102
campo, ao criar um centro de guerra cibernética12, antes mesmo que o General
Sullivan [no Exército] tivesse organizado a “fforça digitalizada”.
Em contrapartida, isto não evitou que os generais da Força Aérea, assim como seus
colegas no Exército, utilizassem as mudanças positivas no âmbito das forças
armadas, e as disputas, também positivas, fora do âmbito das forças armadas,
como as alavancas para levar adiante, os interesses específicos de sua própria
força.
Uma força estagnada, sem qualquer plano de renovação, é uma força que não
conseguiria captar uma boa parcela de recursos orçamentários dos congressistas.
Neste sentido, a Força Aérea dispunha de sua própria tábua de multiplicação.
Em 1997 os Estados Unidos, novamente, propuseram uma nova estratégia de desenvolvimento: Participação Global —
O Plano para a Força Aérea dos Estados Unidos no Século 21. “O nosso plano estratégico pode ser resumido em uma
frase: ‘a Força Aérea dos Estados Unidos tornar-se-á a excelência em termos de força aérea e espacial no mundo...
será uma força global, assegurando aos Estados Unidos a capacidade de mostrar-se em todos os lugares’”. ( Ver
“Global Participation ▬ The Plan for the United States Air Force in de 21st Century”).
Mesmo que o projeto “Guerra nas Estrelas” promovido pelo Presidente Reagan,
parecesse um blefe13 desde o início, e dois Presidentes mais tarde, ainda não tenha
atingido sua completa operacionalização, o entusiasmo dos norte-americanos pelo
estabelecimento de um poder de combate espacial nunca arrefeceu.
12 [N.T.] O “Air Force Information Warfare Centre” foi ativado em setembro de 1993,
aproveitando a estrutura já montada do “Air Force Electronic warfare Center” criado
em 1975.
103
Mesmo tendo o Presidente Clinton anunciado o cancelamento do plano de Guerra nas Estrelas, na realidade os militares
norte-americanos nunca reduziram o avanço do processo de militarização do espaço. A concepção da Força Aérea
norte-norte-americana — “Global Participation – 21st Century” — em particular assinala que “o primeiro passo dessa
mudança revolucionária é transformar a Força Aérea Norte-norte-americana numa força espacial, a partir daí, remodelá-
la para uma Força Aérea e espacial”. A consecução destas mudanças, obviamente, incorporaram revisões de nível
básico. O comando aeroespacial está dando uma ênfase cada vez maior no emprego de meios de vôo espacial (ver,
especificamente, Meios Militares de Vôo Espacial dos Estados Unidos e Teoria Unificada de Vôo Espacial). Em abril de
1998, o comando aeroespacial divulgou um plano de longo alcance denominado “Tentative Plan for 2020”, no qual
antecipou quatro cenários de guerra no âmbito militar aeroespacial — controle espacial; guerra global; consolidação de
força total; e cooperação global. Até 2020, o exercício do controle espacial deve alcançar os seguintes cinco propósitos:
assegurar a penetração no espaço; manter a vigilância espacial; proteção do sistema espacial dos estados Unidos e de
seus aliados; impedir a utilização, por parte de inimigos, dos sistemas espaciais dos Estados Unidos e seus aliados; e
bloquear a utilização, pelos inimigos, dos sistemas espaciais. (Ver “Modern Military Affairs”, 1998, Nº 10, p. 10-11).
Com base nesse entusiasmo, muitos Chefes de Estado-Maior da Força Aérea têm
lutado para obter a maior parcela possível de recursos orçamentários em proveito
de sua força. Provavelmente, e só Deus sabe quando, o poder aeroespacial norte-
americano irá corresponder ao que profetizou o General Howell M. Estes Jr. —
“Aquilo que os meios da força espacial demonstraram na Guerra do Golfo comprova
que eles têm o potencial para constituir uma força independente”,
Talvez seja exatamente por essa razão que, historicamente, a Marinha dos EUA
passou pela mais sofrida transformação estratégica em toda a sua história. Esta
transformação teve o seu início, já no retorno para casa daqueles orgulhosos e
arrogantes homens do mar, constrangidos que estavam por uma participação
periférica no cenário da Guerra do Golfo.
104
regiões litorâneas. Esta mudança pode ser comparada à de se retirar um tubarão de
seu ambiente marítimo, onde ele se prevalece de sua mobilidade, colocando-os em
pântanos, junto a crocodilos.
Ainda que os objetivos que a Marinha estabeleceu para si não sejam tão radicais
quanto os do Exército, nem tão ambiciosos quanto os da Força Aérea, a sua
transformação, obviamente, era de caráter mais fundamental e mais completo.
Ao avaliar os seus próprios objetivos, a Marinha, que não é nem um pouco inferior
ao Exército ou Força Aérea, pretende, evidentemente, “atingir dois pássaros com
uma pedrada só”, ou seja, realizar a transformação, e garantir a captação de
recursos orçamentários. Todavia, uma força que não teve um desempenho
significativo numa guerra de grande porte, tem que ter um plano bastante atraente
e concretizar reformas profundas, caso deseje assegurar uma fatia significativa do
bolo de benefícios do pós-guerra, assim como, ambiciosamente, almejar pela maior
fatia possível.
Assim é que, dois anos após apresentar a concepção “... From The Sea”, a Marinha
divulgou outro documento doutrinário intitulado “F
Forward... From The Sea”.
[N.T.] Esta nova concepção atualizava e expandia o conceito anterior, acrescentando a contribuição de “Forças Navais
Expedicionárias” em operações em tempos de paz, como uma resposta à emergência de crises e conflitos regionais.
Este novo documento acrescentava conceitos com forte apelo motivacional — como
por exemplo “a
a existência do Posicionamento Avançado”; “o
o desdobramento para o
Posicionamento Avançado”; e “o
o combate a partir do Posicionamento Avançado” — ao
conceito estratégico da Marinha.
105
“O documento ‘... From The Sea’, divulgado em 1992, pela Marinha e Corpo de Fuzileiros Navais, determinava
mudanças marcantes no corpo e ênfase da estratégia destas forças...; ...a ênfase na implementação do
‘posicionamento avançado’ é a principal diferença observada entre a doutrinas ‘Forward... From The Sea’
e a doutrina ‘… From The Sea’”. (Almirante J.M. Boorda, “Marine Corps Magazine”, Março 1995).
Depois que o Almirante Boorda cometeu suicídio [em maio de 1996], para redimir a
honra dos militares que ele havia prejudicado, o seu sucessor, o Almirante Jay L.
Johnson, regulamentou e promoveu as reformas idealizadas e iniciadas por ele
iniciadas. Ele prescrevia a “deterrência, a prevenção de conflitos em tempo de paz,
e a obtenção de vitórias na guerra”, como as três maiores responsabilidades da
Marinha norte-americana no século XXI.
O que não mudava era que, da mesma forma como os seus predecessores, todos os
planos que o Almirante Johnson propôs consideravam a Marinha como o ator
principal, não admitindo exceções. Sua argumentação era a de que, para atender às
diversas tarefas de combate no exterior, e cujas responsabilidades cabiam às forças
armadas norte-americanas, o Exército precisava obter o apoio de diversas origens
para poder executar um desdobramento, e a Força Aérea era extremamente
dependente de bases aéreas em outras nações. Somente a Marinha dispunha da
liberdade para transitar em qualquer espaço marítimo, empregando múltiplos
meios de inserção num teatro de operações, e a conclusão natural era de que a
Marinha deveria ser o coração de uma força de combate conjunta.
106
Navais foram as duas forças que tiveram os menores cortes em despesas. Os
Comandantes da Marinha sempre receberam o que eles queriam14.
14 Ver o “National Defense Report” para o ano fiscal de 1998, promulgado pelo
Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
107
Aviões que custam, em média, 25 milhões de dólares cada, realizaram 11.000
ataques indiscriminados, num período de 42 dias. Nesta campanha, destruíram a
sede do renovado Partido Socialista, empregando mísseis Tomahawk que custam,
individualmente, US$ 1,3 milhões, e atingiram posições entrincheiradas com
bombas de precisão que custam dezenas de milhares de dólares a unidade.
108
[N.T.] Trecho do Apêndice F do Relatório Final sobre a Guerra no Golfo: Ainda que tenha havido alguns problemas, o
esforço logístico dos EUA e de seus aliados situa-se entre os mais bem sucedidos da história. Deslocar uma força de
combate por metade do globo, interligar linhas de suprimento que se estendiam por todo o globo, e manter níveis de
prontidão sem precedentes, constituem um tributo aquelas pessoas que fizeram o sistema logístico funcionar. O pessoal
de logística de todas as forças apoiou mais de meio milhão de militares norte-americanos com suprimentos, serviços,
facilidades, equipamentos manutenção e transporte.
Um levantamento das marcas alcançadas pelo pessoal de logística mostra que, entre outras coisas, eles:
- Mantiveram muitos dos principais sistemas de armas nos mesmos padrões ou até acima do que é previsto em tempo
de paz;
- Movimentaram mais de 1,3 bilhões de tonelada/milha de carga entre os portos e as unidades de combate;
-Embarcaram e receberam mais de 112.500 veículos com rodas e lagartas;
- Municiaram sistemas de armas com mais de US$ 2.5 bilhões em munição;
- Construíram instalações de apoio totalizando um US$ 615 milhões; e
- No pique da fase operacional, distribuíram mais de 19 milhões de galões de querosene de aviação por dia.
McNamara que foi de presidente da Ford Motor Company para a chefia do Departamento de Defesa, introduziu o
sistema de contabilidade gerencial das empresas privadas e o conceito de custo comparativo no âmbito militar dos
Estados Unidos. Ele fez com que as forças aprendessem a gastar menos dinheiro na aquisição de armas, e em
contrapartida incorporando outros padrões na forma de conduzir a guerra. “O Departamento de Defesa deve alcançar o
seguinte objetivo: alcançar a segurança da nossa nação com a menor taxa de risco, ao menor custo possível e, na
eventualidade de entrar em guerra, com o menor número de vítimas”. (McNamara, “Looking Back on the Tragedy and
the Lessons of the Vietnam War, pp 27-29).
Até mesmo o Comitê para as Forças Armadas na Câmara dos Deputados, onde
freqüentemente estabeleciam-se acalorados debates com o alto comando das forças
armadas em temas relacionados a custos, sequer expressou uma opinião em
relação às extraordinárias despesas desta guerra.
Sem considerar um possível exagero nos elogios assinalados, pode-se concluir que
são manifestações de orgulho em relação aos militares norte-americanos que, ao
derrotarem o Iraque, atingiram de forma completa, e com a ajuda das armas de
alta-tecnologia, os seus objetivos. Ou então, são baboseiras típicas, ditas por dois
indivíduos que têm opiniões categóricas relativas à capacidade da tecnologia em
produzir um sucesso. Em todo caso, essas referências não nos dão qualquer
109
indicação do real significado do estilo norte-americano de fazer guerra.
16 O Coronel Xiaochaersi Denglapu frisa que “causar vítimas é uma forma eficaz de
enfraquecer o poder norte-americano... Por esta razão, inimigos podem nos impor
vítimas lançando-se ofensivamente de forma imprudente, sem importar-se com
perdas, ou pela obtenção de uma vitória tática inútil”. (“Análise do Ponto de Vista
do Inimigo ‘Conceito de Unificação para 2010’”, “Joint Force Quaterly”, 1997-
1998, Outono/Inverno).
110
Deste modo, o uso indiscriminado de aeronaves invisíveis ao radar, de armas de
precisão, de novos tanques e helicópteros, juntamente com os sistemas de armas
para ataques a longa distância e bombardeios maciços, se justificam para validar a
existência de um duplo objetivo que não incorpore contradições a vitória tem
que ser alcançadas sem vítimas.
Uma guerra encarada sob esta perspectiva só pode ser comparada a matar-se uma
galinha usando-se um enorme machado. A alta-tecnologia empregada, os altos
investimentos, os gastos elevados e os significativos resultados pretendidos,
transformam a estratégia militar e às capacidades de combate, em aspectos de
menor importância, quando comparados aos requisitos tecnológicos de desempenho
dos sistemas de armas. As guerras que se enquadram nessas características,
mesmo que bem sucedidas, não apresentarão nenhuma batalha significativa.
Talvez, esse tenha sido, exatamente, o motivo pelo qual essa guerra não
representou uma obra prima da capacidade militar, tornando-se, ao invés, numa
suntuosa feira internacional de armamentos de alta-tecnologia, tendo os Estados
Unidos como seu principal negociante.
111
Holywood, que se baseiam em um roteiro simples, porém plenas de efeitos especiais
e cenários complexos de custos elevados.
Os norte-americanos conseguiram, desta forma, fazer com que por um longo tempo
após a guerra, não fosse possível perceber as principais nuances deste tema
complicado e, ao mesmo tempo, induziram a crença de que a guerra moderna
deveria ser conduzida seguindo, exclusivamente, este modelo, e desta forma,
deixando aqueles que não têm a possibilidade de empenhar-se em uma guerra tão
extravagante, com a sensação de impotência. É por esta razão que desde a Guerra
do Golfo, observa-se nos círculos militares, em todas as nações, o crescente
interesse por armamentos de alta-tecnologia, além de uma adesão às concepções de
guerras de alta-tecnologia.
Como resultado desta atitude, quando os sistemas de armas, cada dia mais
pesados e complexos, passam a conflitar com os princípios concisos que regem a
guerra atual, os norte-americanos, invariavelmente, adotem uma atitude em favor
das armas. Eles preferem tratar a guerra como competidores numa maratona de
tecnologia militar, e não estão mais dispostos a encará-la como um teste de moral,
de coragem, de sabedoria e de estratégia. Eles acreditam que, enquanto os “Thomas
Edson” de hoje não adormecerem, os portões da vitória estarão sempre abertos
para os norte-americanos.
112
Este tipo de sentimento de autoconfiança levou os norte-americanos a esquecerem
um fato muito simples a guerra não é uma corrida linear preestabelecida entre
tecnologias e sistemas de armas, e sim, um jogo multidimensional, com mudanças
contínuas de direção, e com a concorrência de muitos fatores imprevistos. Usar
Adidas ou Nike não significa a garantia de que uma vitória será obtida.
De acordo com o Relatório Nacional de Defesa, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, no ano fiscal de 1997,
mais de 20 itens de tecnologia avançada foram aprovados pelo Congresso — “(1) Rapid Force Delivery System; 2)
Precision Multi-barrel launch system; 3) High altitude maximum range unmanned vehicles; 4) Médium altitude maximum
range unmanned vehicles; 5) Precision target capture signal system; 6) Cruise missile defense; 7) Simulated batlefields;
8) Joint counter (submarine) mines; 9) Ballistic missile interception with kinetic energy weapon; 10) Advanced technology
utilized to formulate a high-level joint plan; 11) batlefront understanding and data transmission; 12) Anti large escale
destruction weapons; 13) Air Bases (ports) for biological weapons defense”. 14) Advanced Navigational systems; 15)
Combat discernment; 16) Joint rear service; 17) Combat Vehicles survivability; 18) Short life expectancy and low cost
medium-scale transport helicopters; 19) Semi-automatic image handling; 20) small-scale air-fired false targets.”
“Que tipo de Exército os Estados Unidos necessita no século XXI?” Esta é uma
questão que intrigou o Exército norte-americano nos últimos dez anos do século
XX.17 O fato que persistia era o de que, durante a Guerra do Golfo, a atuação do
17 “What Kind of Army Does the US Army Need in the 21st Century?”, Xiao’en Neile,
“Army Times” , 16/10/1995, apresenta uma revisão detalhada deste assunto.
113
Exército em comparação ao desempenho dos sistemas de armas de alta-tecnologia
foi medíocre. Desta forma, o Exército norte-americano que sempre foi mais
conservador do que a Marinha e a Força Aérea, finalmente conscientizou-se quanto
à necessidade de desenvolver um programa para empreender as reformas a que se
propunha [Ver pág 88 - A Percepção do Exército Norte-americano — A Força
Digitalizada] . O interessante, é que a maior resistência a este programa não
ocorreu nos escalões mais altos do Exército, e sim, no nível dos Generais de
Brigada que deixavam seus Comandos para ascenderam a cargos mais elevados e
dos novos Comandantes que os substituíam.
Após o General Sullivan ter passado o cargo, e como uma conseqüência, ocorreu
uma mudança de posição, com os conservadores voltando a prevalecer sobre os
reformistas, e o Exército, em Janeiro de 1996, transformou a Quarta Unidade
Mecanizada, na base para a organização de uma nova brigada experimental de
15.800 homens.
114
De acordo com o periódico “United States Army Times”, “Após cinco anos de estudos, análises e discussão militar
interna, as autoridades do Exército finalmente formularam um novo conceito para unidades blindadas e unidades
mecanizadas. O novo plano é chamado ‘The 21st Century Stablishment’... compreendendo um quartel general, unidades
de tropa, uma divisão blindada, duas unidades mecanizadas, unidades de artilharia (ao nível de brigada), uma unidade
de aviação, e uma unidade para serviços de retaguarda, administração e apoio. A Divisão inteira contava com um efetivo
de 15.719 homens, (incluindo 417 elementos da reserva)”. O pessoal envolvido na organização deste empreendimento
explica que: “esta recém planejada estrutura não é considerada um empreendimento extraordinário... ...ao contrário, ele
é visto como um empreendimento conservador”. (Ver Army Times, Ed de 22 de Junho de 1998)
115
determinado que todos os Generais lessem o citado livro.22 Talvez o atual Chefe do
Estado-Maior (General Reimer) possua uma intuição excepcional e reconheça que
mesmo que os pontos chave da proposta do Tenente-Coronel Maigeleige talvez não
sejam um bálsamo miraculoso para todos os difíceis problemas do exército, mas
eles podem ser considerados remédios capazes de, como num passe de mágica,
erradicar as mentalidades obsoletas daqueles velhos soldados que usam os
uniformes e as insígnias de general.
De modo a adequar-se às necessidades de uma guerra nuclear, e permitir que as tropas possam, além de combater
num campo de batalha nuclear, assegurar a sua sobrevivência, no ano de 1957 o Exército Norte-norte-americano
reorganizou as Divisões Atômicas em grupos. A Divisão inteira, com um efetivo entre 11.000 e 14.600 homens, foi
dividida em 5 grupos fortemente motorizados, e todos equipados com armamento nuclear tático. No entanto, a
capacidade de ataque da Divisão com esta organização, em um campo de batalha convencional, era relativamente
baixa.
Esta idéia de reforma foi considerada, em termos genéricos, como uma tentativa
inútil, sendo inclusive apontada como uma causa indireta do fraco desempenho
militar norte-americano na Guerra do Vietnam. No entanto, na visão de Maigeleige,
um nascimento prematuro, por vezes, pode impedir que uma criança atinja a idade
adulta. Da mesma forma que se considera não ter sido afortunado o nascimento do
“grupo”, há trinta anos atrás, o momento atual pode ser considerado como sendo o
ideal.
22 Para um ponto de vista detalhado relativo ao livro “Break Localized Fronts” ver
artigo de Xiao’em Neile, no periódico “United States Army Times”, ed de Junho de
1997.
116
No entanto, mesmo que um desenvolvimento tecnológico militar seja fruto de uma
nova alta-tecnologia, constitui-se, também, num ponto de inflexão, não é certo que
acarrete num avanço correspondente na doutrina militar ou no ordenamento e
estruturação institucional.
Um fato auspicioso pode ocultar uma centena de fatos ruins — em outras palavras,
a posição de liderança na tecnologia militar e nos sistemas de armas tem ofuscado
a visão do seguinte fato: o pensamento militar norte-americano é o mesmo, quer no
âmbito institucional, quer no universo doutrinário, e está nitidamente defasado em
relação à avançada tecnologia militar de que dispõe. Neste sentido, usando a
concepção de “G
Grupos de Batalha” para derrubar as concepções pró-Divisões e pró-
Brigadas, representa a sistemática mais prejudicial para a estruturação
institucional do Exército norte-americano, desde a Guerra do Golfo, pois ainda que
represente a nova mentalidade institucional, esta evolução não é acompanhada da
correspondente evolução doutrinária no âmbito do Exército norte-americano.
[N.T.] A origem da concepção de uma Força Aérea expedicionária data de outubro de 1994, quando forças iraquianas
sob a direção de Saddam Hussein fizeram novos movimentos ameaçadores em direção ao Kuwait. Os EUA já haviam
retirado daquele teatro, há muito tempo, a maior parte dos seus meios que haviam sido empregados na Operação
Tempestade no Deserto, e se viram obrigados a empreender um rápido reenvio de forças para o Golfo Pérsico, em
quantidade suficiente, para que, com credibilidade, pudessem deter uma intenção iraquiana de reprisar sua invasão de
1990 ao pequeno, porém rico Kuwait. O reenvio de forças, num espaço de tempo tão curto, demonstrou ser um grande
desafio, não tendo ocorrido com a agilidade e eficiência que seriam ideais.
Motivado por este evento, e aproveitando a onda de transformação em curso no âmbito da força, o General Fogleman,
Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, atribuiu ao General Joseph W. Ralston, então Comandante do Comando Aéreo
de Combate, a tarefa de desenvolver a concepção de uma força aérea expedicionária, que possuísse “a capacidade de
projetar um poder de combate de longo alcance, letal e auto-sustentável, dentro do prazo normal de planejamento de um
plano de guerra.”
Foram oficiais da 9ª Força Aérea que deram forma à concepção pretendida, divulgando-a aos comandantes de teatros.
O oficial que esteve à testa deste esforço foi o então Comandante da 9ª Força Aérea, Vice-Chefe de Estado-Maior para
Operações Aéreas e Espaciais, o Lt. Gen John P. Jumper.
117
Após a definição da concepção “Presença Global, Poder Global” como o novo
objetivo estratégico da Força Aérea, as reformas continuaram sendo processadas e
foi dado início à experimentação de um plano para a criação de uma “F
Força Aérea
Expedicionária”.
118
Desde Maio de 1992, com as operações “Ocean Risk”, conduzida pelo Comando da
Esquadra do Atlântico; “Double Assault”, conduzida pelo Comando da Esquadra do
Mediterrâneo; “Silent Killer”, conduzida pelo Comando da Esquadra do Pacífico; e
“Sea Dragon”, do Comando de Forças de Fuzileiros Navais; até as operações atuais
como a “Southern Watch” para interdição de espaço aéreo ao sul do Iraque; a
“Vigilant Warrior” para deter o ataque Iraquiano; a “Hope Renewal”, na Somália; a
“Capable Guard” em Bohei e a “Preservation of Democracy” no Haiti; em cada uma
destas operações a Marinha tem testado, de forma diligente, a sua nova
organização.
[N.T.] A “Força Naval Expedicionária” é uma concepção modular, segundo a qual forças navais norte-americanas podem
ser organizadas “sob medida”, com capacitações específicas. A força naval expedicionária, resultante desta organização
— constituída por forças navais operativas e por uma Unidade Expedicionária Anfíbia — constitui uma força altamente
flexível, aplicável em uma ampla variedade de missões, incluindo operações de ataque de longo alcance e pré-incursões
a força visando facilitar ou assegurar a vinda de forças complementares. (“Forward... From the Sea”, Department of the
Navy, Washington 19/09/1994, http://www.nwdc.navy.mil/Library/Documents/ffts.aspx)
Ver edição de Novembro de 1995 da revista “Sea Power”, “From Over the Horizon to Over the Beach: More than
Expected Budget Funds” — O Congresso Norte-norte-americano aprovou, recentemente, a alocação de recursos no
orçamento do ano fiscal de 1996 para a construção de sete unidades de ataque e múltiplo emprego anfíbio, deixando a
Marinha bastante satisfeita. Devido a limitações orçamentárias a Marinha Norte-norte-americana planeja esperar até
2001 para propor alocação para este navio.... a Marinha decidiu encaminhar a requisição orçamentária para a
construção do primeiro Navio-Desembarque Doca - LPD-17 até 1998 ao invés de 1996. No entanto, o que excedeu às
expectativas foi que o Congresso aprovou a alocação de US$ 974 milhões para este navio”.
119
FORÇAS EXPEDICIONÁRIAS — UM INSTRUMENTO DE POLÍTICA EXTERNA
120
é relativo, apenas, à sua avançada tecnologia. Quando comparado ao pensamento
dos militares de outras nações, a característica inteiramente tecnológica do
pensamento militar norte-americano lhe confere uma incontestável posição de
liderança para os combates de alta-tecnologia, que ocorrerão nas hipotéticas
guerras do futuro. Fora do âmbito dos Estados Unidos, a antiga União Soviética,
que foi a primeira a propor o conceito de uma “nova revolução militar”, seja a única
evidência de manifestação dessa tendência revolucionária.
Ainda assim, eles já obtiveram alguns resultados que são igualmente benéficos para
as suas forças, assim como, para aquelas de outros países. O primeiro destes
resultados é a concepção de “o
operação combinada”, e o segundo é consolidação da
teoria do “c
combate onidimensional”.
A concepção da “o
operação combinada” foi apresentada na publicação “Joint
Warfare of the Armed Forces of the United States — JP-1”, em Novembro de 1991,
em decorrência às instruções emanadas no documento “United States Armed
121
Forces Joint Operations”, emitido pela “U.S. Military Joint Conference”.
Ainda que as Forças Singulares tenham formalmente aceito este novo conceito,
cada uma delas ainda se apega, de forma prioritária, às suas respectivas missões
básicas, e pretende realizar uma unificação claramente delimitada, ou seja, uma
unificação que expresse com nitidez a ambiência de atuação de cada força e da
autoridade a ela relacionada, incluindo nesta demarcação regulamentos, leis, e
procedimentos específicos de honras militares.
25 [N.T.] A Guerra Cooperativa, era algo mais vago que a Guerra Contratual, sendo
definida em uma linguagem não comprometedora, utilizando expressões como: “A
Marinha procurará apoiar o Exército...”.
122
O Chefe da Junta de Chefes de Estado-Maior, o General John Shalikashvili,
imaginava que esta nova concepção não deveria significar, simplesmente, um
compromisso formal assumido por cada um dos então Chefes de Estado-Maior. Ao
adotar a publicação “The Plan for Joint Force in 2010 — ‘O Modelo’ para a
Orientação das Forças Armadas para as Operações Combinadas”26, o General
Shalikashvili assumiu o papel de um moderno Moisés, orientando as forças
armadas norte-americanas para o desmantelamento das cercas que as separavam,
singrando pelo difícil caminho da efetiva concretização das operações integradas e
unificadas, tudo isso envolto numa penumbra que desperta dúvidas.
Ainda que se trate dos Estados Unidos, um país que aceita e propaga, facilmente,
tudo aquilo que constitui novidade, a realidade é bem mais difícil do que o General
Shalikashvili imaginava. Após a sua passagem para a reserva as críticas ao
“planejamento combinado” para as forças armadas norte-americanas
intensificaram-se gradualmente, e o ceticismo começou a ganhar um novo alento.
123
pensamento deve ser flexível, não podendo tornar-se rígido”28. Quanto a este
aspecto, os pontos de vista da Marinha e do Exército são semelhantes, e têm poder
suficiente para destruir, instantaneamente, os diligentes esforços do General
Shalikashvili.
O que se constata neste final de século XX, como ponto fraco da concepção de
Operações Combinadas, é o pouco interesse que esta concepção despertou, mesmo
numa era em que já emergiram insinuações quanto ao significado amplo e genérico
da guerra. Neste sentido, se a concepção de “C
Combate Onidimensional” não tivesse
sido lançada em 1993 pela publicação do Exército norte-americano “The Essentials
of War”, nós estaríamos simplesmente estarrecidos com o conteúdo “anêmico”
quanto ao tema na ambiência do pensamento militar norte-americano.
28 Ver artigo titulado “Reform Will Not Be Smooth Sailing” escrito pelo Capitão de
Fragata Huofuman, publicado no “United States Naval Institute Journal” em
Janeiro de 1998.
124
O COMBATE ONIDIMENSIONAL
A décima terceira revisão da publicação “The Essentials of War”, apresenta uma
abordagem profunda quanto aos vários desafios que as forças armadas norte-
americanas poderão enfrentar nos próximos anos, e pela primeira vez, foi proposto
um conceito completamente novo de “o
operações militares não-combate”. Foi graças
a esta concepção que os norte-americanos vislumbraram a possibilidade de praticar
a “ttotal positional warf are”29, levando assim o Exército norte-americano a
encontrar uma denominação extremamente significativa para a sua nova teoria
sobre a guerra — “C
Combate Onidimensional”.
125
No entanto, a publicação, pelo menos, assinalou que o “C
Combate Onidimensional”
deveria possuir características especiais de “profundidade total, altitude total,
frente total, tempo total, freqüência total e multiplicidade de métodos”, e tal
consideração representa, precisamente, o aspecto mais revolucionário deste modelo
de combate, que nunca foi visto na história da guerra30.
Uma das divergências ao trabalho de Franks foi apresentada pelo General Holder,
um ex-Comandante de regimento subordinado ao General Franks, o qual
posteriormente assumiu o cargo de Comandante do Setor de Armas Combinadas do
Quartel-General de Doutrina e Adestramento do Exército, e que analisou
minuciosamente as idéias de seu superior. O então General de Divisão Holder já
não era mais um altivo e vigoroso coronel nos campos de batalha, agora ele
desempenhava a função de porta-voz do Exército no contexto de uma tradição
conservadora.
126
enfraquecendo, assim, a característica das forças armadas que seria a de enfatizar
os assuntos militares, podendo, também, gerar confusão na condução das
operações por essas forças”. Com a situação indo por esta vertente, a revolução
proposta pelo General Frank acabou como num aborto inevitável.
De acordo com esse princípio, não haveria mais a distinção entre operações
militares de combate e as “o
operações militares de não-combate”, e sim, a definição
de quatro tipos básicos de operações, quais sejam: Ataque, Defesa, Estabilização e
Apoio. Além disso, a conceituação de “o
operações militares de não-combate”
restringir-se-ia ao enquadramento de determinadas ações tais como, resgate e
proteção; e, ao mesmo tempo, restabelecia-se o antigo conjunto de operações típicas
de guerra, assegurando, assim, o posicionamento prioritário dos princípios de
guerra centralizada na direção correta, ao mesmo tempo em que se descartava a
Combate Onidimensional”32.
concepção de “C
Todavia, realçar a falta de visão do Exército norte-americano não significa dizer que
a concepção de “C
Combate Onidimensional” é isenta de críticas. Muito pelo contrário,
127
existem falhas conceituais evidentes nesta teoria, tanto em sua denotação 33,
Na realidade, não há quem possa conduzir uma guerra nos 360 graus de uma
ambiência tridimensional, com o tempo e outros elementos não-físicos de uma
dimensionalidade total adicionados, e da mesma forma, qualquer guerra terá
sempre uma ênfase particular, e será deflagrada e encerrada dentro de uma
dimensão também limitada. A única diferença é que, num futuro previsível, as
operações militares não constituirão mais a totalidade da guerra, e ao contrário,
formarão uma das dimensões de um espectro multidimensional.
34 [N.T.] uma sugestão de significado por uma palavra, aparte daquilo que ela
explicitamente nomeia ou descreve.
128
Mesmo incorporando as “o
operações militares de não-combate” como proposto pelo
General Franks, ainda assim não teríamos a característica onidimensional total.
Somente incorporando todas as “o
operações de guerra não-militares” em paralelo às
operações militares, o significado onidimensional da guerra pode ser atingido.
O que deve ser frisado é que, desde a Guerra do Golfo, esta ideologia não conseguiu
emergir de forma completa nas pesquisas teóricas realizadas pelos militares norte-
americanos.
Provavelmente só há um artigo, “A Military Theoretical Revolution: The Various Mutually Active Dimensions of War”,
escrito por Antuli’ao Aiquieweiliya, que assinalou que as “várias dimensões” da guerra não deveriam ser entidades como
comprimento, largura e profundidade, inerentes à teoria da geometria e espaço; e que, ao invés, deveriam ser
considerados fatores como a política, sociedade, tecnologia, combate e logística que estão intimamente relacionados
com a guerra. É uma pena, no entanto, que a visão da guerra deste autor ainda se concentre no eixo militar, não tendo
rompido com a denotação da guerra.
De nada adiante que Sullivan ou Franks tenham proporcionado algum fôlego para
as “lebres da competição”, por meio das muitas proposições que apresentaram após
a Guerra do Golfo, pois a realidade é que eles não podem permitir que as
tartarugas, que integram o mesmo time, sejam deixadas para trás.
Talvez esta seja a hora apropriada para que o Tenente-Coronel Lonnie Henley35 e
aqueles norte-americanos que questionaram a capacidade de implantação de
revoluções militares em outras nações, façam um exame de consciência.
129
Por que é que não ocorreu uma revolução?
130
PARTE 2 — UMA DISCUSSÃO SOBRE NOVOS
MÉTODOS DE OPERAÇÃO
Um exército não tem um dispositivo rígido, tanto quanto a
água não tem uma forma fixa. Aquele que obtém a vitória,
sabendo aproveitar as manobras do adversário possui
uma arte realmente divina.
Sun Zi
Pelo fato de William J. Perry, o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, ter
priorizado a tecnologia “stealth”, tendo sido denominado o “pai do stealth”, ao ser
perguntado por um professor chinês sobre “quais seriam as realizações
importantes e avanços teóricos na revolução militar dos Estados Unidos”, ele
respondeu sem hesitar: “logicamente que foram a tecnologia ‘stealth’ e a tecnologia
cibernética. A resposta de Perry traduzia o ponto de vista predominante nos
círculos militares norte-americanos — a revolução militar era uma revolução da
tecnologia militar.
De acordo com ponto de vista daqueles que pensavam como Perry, seria apenas
necessária a resolução do problema do ponto de vista tecnológico, possibilitando
que os soldados, diante de uma montanha, possam saber “o que existe do outro
lado daquela montanha” e isto seria o equivalente a realizar esta revolução militar.
Quando o Coronel Chen Bojiang, um colega de pesquisas do Instituto de Ciência Militar visitava estudiosos nos Estados
Unidos, ele conheceu um grupo de pessoas muito importantes no âmbito militar Americano. Chen Bojiang, então,
perguntou a Perry: “Quais foram as realizações e desenvolvimentos mais importantes que foram produzidos pela
Revolução Militar Norte-americana?” A resposta de Perry foi: “O desenvolvimento mais importante foi, é claro, a
tecnologia “stealth”, constituindo um avanço extraordinário. No entanto, eu gostaria de dizer que numa área
completamente diferente, algo de igual importância foi a invenção da “information technology”, que resolveu o problema
que tinha que ser resolvido pelo soldados por vários séculos, qual seja: o que é que existe além da próxima montanha?
O progresso para solucionar este problema tem sido muito vagaroso por diversos séculos. O progresso da tecnologia
tem sido extremamente rápido nos últimos dez anos, nos quais apareceram métodos revolucionários para resolver este
problema. (National Defense University Journal, 1998, Nº 11, p.44). Na qualidade de professor na Faculdade de
Engenharia da Universidade de Stanford, é natural que Perry tenha maior tendência para observar e entender a
revolução militar do ponto de vista técnico. Ele é, sem dúvida, um dos proponentes de tecnologia na revolução militar.
Este tipo de raciocínio, que iguala a revolução tecnológica com a revolução militar
foi apresentado pelo modelo adotado para a Guerra do Golfo e exerceu um poderoso
impacto com o conseqüente efeito sobre os militares em todo o mundo.
Foi assinalado no “Sumário da Situação Militar” no “1997 World Military Yearbook” que: um avanço especial na situação
militar, no período de 1995-1996, foi que algumas das nações mais poderosas começaram a priorizar “o uso de alta-
tecnologia para a construção do Poder Militar” tendo como arcabouço a qualidade da formação do militar. Os Estados
Unidos implementaram o campo de batalha digital como um objetivo da política de emprego da alta-tecnologia para a
formação do militar. O Japão formulou uma reorganização de suas tropas de autodefesa, redimensionando programas e
requisitos para o estabelecimento de uma “tropa de choque de altamente tecnológica”. A Alemanha apresentou o
Relatório Deerpei propondo avanços significativos em oito tecnologias sofisticadas. A França propôs um novo plano de
reforma, visando elevar a “qualidade técnica” de suas tropas. A Inglaterra e a Rússia também empreenderam ações
neste sentido; algumas nações de médio e pequeno portes, também adquiriram sistemas de armas avançados, numa
tentativa de reposicionar, de uma só vez, o nível técnico de seu pessoal, num nível mais elevado. (1997 “World Military
Affairs Yearbook”; “People's Liberation Army Press”, 1997, p. 2).
132
Não é possível negar que a revolução na tecnologia militar representa a base da
revolução militar, mas, ainda assim, ela não pode ser vislumbrada como sendo a
totalidade da revolução militar. No máximo, ela representa o primeiro passo do
caminho a ser percorrido por esse violento tufão.
Parte da perspectiva que equipara a revolução da tecnologia militar com a revolução militar, muitas pessoas estão ainda
mais desejosas de ver a revolução militar como o produto da combinação de uma nova tecnologia, com uma nova
estruturação da expressão militar, e com um novo pensamento militar. A título de exemplo, Steven Maizi e Thomas
Kaiweit declararam em ser relatório intitulado “Strategy and the Military Revolution: From Theory to Policy”: a chamada
revolução militar é composta por mudanças simultâneas e mutuamente promotoras de mudanças nas áreas de
tecnologia militar, sistemas de armas, métodos de combate, sistemas de organização de tropa, resultando na ocorrência
de um salto (ou mudança repentina) na eficiência de combate dos militares. (Relatório de pesquisa do Instituto de
Estratégia da Escola Militar do Exercito Norte-americano intitulado: “Strategy and the Military Revolution: From Theory to
Policy”). Em outro relatório de pesquisa relacionado ao tema revolução militar, produzido pelo do Centro Norte-
americano de Pesquisa em Estratégia e Assuntos Internacionais, é citado que a revolução militar é o resultado da
combinação de uma série de fatores. Toffler iguala a revolução militar a uma substituição de civilização, algo bastante
amplo e inexeqüível.
1 [N.T.] Uma versão mais rebuscada do adágio popular — “quem com ferro fere, com
ferro também poderá ser ferido”.
133
ocorre porque, a monopolização de um tipo de tecnologia é muito mais difícil que a
de inventar um novo tipo de tecnologia).
Tais ameaças nunca se manifestaram como nos dias atuais, porque hoje as
possibilidades são distintas e estão num processo permanente de mudanças, e isto,
na realidade, cria a impressão de estarmos vendo um inimigo escondido por trás de
cada árvore. Qualquer orientação, possibilidade, ou pessoa, tornar-se-á,
possivelmente, uma ameaça em potencial para a segurança de um país e, ainda que
possa ser possível perceber a existência da ameaça, será muito difícil sabermos,
claramente, de onde está vindo essa ameaça.
134
secundários em relação às guerras exclusivamente militares. Quanto a isto, basta a
menção dos nomes de lunáticos como George Soros, bin Laden, Escobar,
Matsumoto e Kevin Mitnick.3
É possível que já não possamos mais determinar, com precisão, o momento em que
os principais atores, responsáveis pela deflagração de guerras, deixaram de ser os
Estados soberanos e passaram a ser as organizações criminosas, as organizações
terroristas, os indivíduos do submundo com intenções malévolas, os financistas
que controlam enormes quantidades de recursos, ou indivíduos psicologicamente
desequilibrados que têm fixação por determinados alvos, personalidades
obstinadas, e de caráter resoluto, e todos dotados das possibilidades de iniciar uma
guerra militar, ou, não-militar. As armas que eles empregam podem ser
representadas por aeronaves, canhões, gazes venenosos, bombas, agentes
bioquímicos, assim como vírus de computador, navegadores de redes, e ferramentas
de ordem financeira.
A maioria desses ataques não são ações militares, mesmo assim, podem ser
encaradas como ações de guerra, que obrigam países a satisfazerem seus próprios
interesses ou exigências. Esses ataques têm uma força destrutiva idêntica, e até
mesmo superior à das guerras militares, e já criaram sérias ameaças a nossa
Segurança Nacional, diferentes daquelas do passado.
Tendo em vista este cenário, basta ampliarmos, ligeiramente, nosso campo de visão,
e entenderemos que o conceito de Segurança Nacional baseada no regionalismo já
está obsoleto. A principal ameaça à Segurança Nacional está muito longe de se
limitar, apenas, à agressão militar por forças hostis contra o território de um país.
135
Em termos de valor da redução no índice de Segurança Nacional, se compararmos
Tailândia e Indonésia, (que por diversos meses sofreram a desvalorização de suas
moedas em várias dezenas de pontos percentuais, alem de terem suas economias
próximas á falência) com o Iraque, (que sofreu duplo contingenciamento de ataques
militares e boicote econômico), parece-nos não ter havido muita diferença.
O Secretário de Defesa dos Estados Unidos mencionou as diversas ameaças com as quais defronta-se os Estados
Unidos, em cada um dos Relatórios de Defesa Nacional relativos aos anos fiscais de 1996, 1997 e 1998. No entanto,
este tipo de visão ampla não se constitui, de fato, num padrão de observação que os norte-americanos podem manter
em termos de consciência própria. Em Maio de 1997, foi frisado no “The Global Security Environment”, — a primeira
parte do Relatório de Investigação Quadrienal da Defesa, publicado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos
— que a segurança dos Estados Unidos iria defrontar-se com uma série de desafios.
Primeiro seria as ameaças vindas do Iraque, Iran, Oriente Médio e da Península Coreana; em segundo lugar seria a
difusão da tecnologia de sensores, como o radar; armamentos biológicos e químicos; assim como a tecnologia de
projeção, a tecnologia cibernética a tecnologia “stealth”, e etc; em terceiro lugar seria a atividade terrorista, comércio
ilegal de drogas, organizações criminosas internacionais, e falta de controle de imigração; em quarto lugar seria a
ameaça de armamentos antipessoal de grande poder.
“Nações que estejam capacitadas a rivalizar com os Estados Unidos não têm possibilidade de aparecer antes do ano de
2015, e após 2015, possivelmente aparecerá uma potencia regional ou um inimigo a nível global bem dotado em termos
de poder. Alguns consideram que mesmo não se conhecendo os prognósticos relativos à Rússia e à China, mesmo
assim, é possível que eles se tornem esse tipo de inimigo”.
Este Relatório que corresponde a um esforço conjunto, desenvolvido entre o Gabinete do Secretário do Departamento
de Defesa e a Junta de Chefes de Estado-Maior, evidentemente ainda está transitando no âmbito do conceito de
ameaça militar, sendo considerado em parte real, em parte imaginário. Ao analisar as ameaças especificadas na edição
de 1997 do relatório “United States National Military Strategy” , observa-se que existe uma seção especial que se refere
a “fatores desconhecidos” e evidencia que os norte-americanos estão ansiosos e receosos com relação a futuras
ameaças.
136
Na realidade, não apenas os Estados Unidos, mas todas as nações que veneram o
conceito moderno de soberania, inconscientemente já deram início à ampliação das
fronteiras da segurança, estendendo-as a múltiplas ambiências, compreendendo a
política, a economia, os recursos materiais, a nacionalidade, a religião, a cultura, as
redes interativas, a geografia, o meio ambiente, o espaço sideral e etc.
O australiano Xiaomohan Malikev assinalou que as sete tendências que irão influenciar a segurança nacional durante o
século XXI são: globalização da economia; globalização de difusão tecnológica; a maré globalizadora da democracia; a
polarização da política internacional; mudanças na configuração dos sistemas internacionais; mudanças nas concepções
de segurança; e mudanças nos pontos focais de conflitos. Os efeitos combinados dessas tendências constituem as
origens das duas categorias de conflitos que ameaçam a segurança na região pacífico-asiática. A primeira categoria é a
fonte de conflitos tradicionais: a disputa pela hegemonia pelas grandes nações; a expansão do nacionalismo por nações
bem sucedidas; disputas em relação a interesses e direitos territoriais e marítimos; competição econômica; e
proliferação de armas com alto poder de destruição. A segunda categoria é constituída pelas novas fontes de futuros
conflitos: nacionalismo (racismo) nas nações em declínio; conflitos culturais entre crenças religiosas; a difusão de armas
leves letais; disputas em torno da explotação de petróleo, da pesca e de recursos marítimos; as ondas de deslocamento
de populações e refugiados; desastres ecológicos e o terrorismo. Todas essas situações interpõem ameaças múltiplas
às nações no decorrer do século 21. A visão deste australiano, com relação à segurança nacional é um pouco mais
ampla que a das autoridades norte-americanas. (Ver a publicação “United States' Comparative Strategies”, 1997, No.
16, para maiores detalhes).
Daí decorre que a estratégia nacional capaz de garantir a consecução dos objetivos
da Segurança Nacional — isto é, aquilo que, de modo geral, é denominado Grande
137
Estratégia — também necessita de ajustes que se situam além das estratégias
militares e até mesmo das estratégias políticas.
[N.T.] Os autores, neste ponto da obra, apresentam um conhecimento diverso do corrente, quanto aos significados de
“Estratégia Nacional” e de “Grande Estratégia”. “Grande Estratégia” é um termo criado na Europa, no decorrer do
século 20, e que tinha em última análise o mesmo significado de “Estratégia Nacional”, considerando a nação voltada
para a consecução de uma grande guerra. Na obra, os autores insinuam que ambos os termos teriam o mesmo
significado. Tudo o que os autores prescrevem no que tange à segurança nacional refere-se, segundo o entendimento
brasileiro, exclusivamente ao conceito de Estratégia Nacional.
Tal estratégia deve levar em conta tudo o que se refere a cada aspecto da lista de
segurança dos interesses nacionais, assim como, interligar os fatores políticos
(vontade nacional, valores nacionais e a coesão nacional) e os fatores militares, aos
parâmetros da economia, cultura, relações internacionais, tecnologia, meio
ambiente, recursos nacionais, nacionalidades e outros, antes que se possa definir
uma completa “soberania ampliada” que reúna os interesses nacionais e a
Segurança Nacional, formando um grande mapa da situação estratégica.
138
poder ser sustentado pela resistência isolada de um único pilar. A solução para que
ele se mantenha íntegro, e não colapse, reside em sua sustentação ser composta
por uma resultante da composição de forças inerentes a todos os aspectos do
interesse nacional. Alem disso, identificado este tipo de força resultante, também é
necessário materializar essa força em termos de meios que possam ser utilizados
operacionalmente.
Isto deveria ser um “grande método de guerra” que combinasse todas as dimensões
e métodos constantes das duas grandes ambiências, a militar e a não militar, e
assim conduzir a guerra. Isto representa o oposto da formulação de métodos de
guerra que foram utilizados em guerras do passado. Tão logo surgiu este “grande
método de guerra”, foi vislumbrado a necessidade de criação de um modelo de
guerra totalmente novo, que simultaneamente englobasse e se superpusesse a
todas as dimensões que influenciam a Segurança Nacional.
Não importa que sejam dois ou três ou dez mil coisas, tudo resulta da combinação.
Com a combinação existirá abundância e com a combinação haverá uma miríade de
mudanças, e com combinação haverá diversidade. A combinação praticamente
ampliou, a um valor infinito, os meios da guerra moderna, e praticamente mudou a
conceituação de guerra moderna elaborada no passado: a guerra executada com
armas e métodos de operações modernos. Isto significa que embora a ampliação das
medidas reduza o efeito das armas, o conceito da guerra moderna também é
ampliado.
Receamos que a maioria das antigas aspirações de alcançar a vitória numa guerra,
exclusivamente através de meios militares, numa situação em que a seleção de
meios necessária para cobrir toda a extensão do campo de batalha sofreu uma
4 [N.T.] Ainda que o autor não faça qualquer menção, esta citação corresponde a
um antigo adágio chinês.
139
grande expansão, tornou aquelas aspirações inócuas, como que “nadar e morrer
na praia”5.
O que deve ser feito por todos aqueles militares e políticos, imbuídos da ambição
pela vitória, é ampliar o seu campo visual, escolher o momento oportuno, avaliar a
situação, confiar na adoção de um método de guerra significativo, e livrarem-se do
miasma que representa a visão tradicional da guerra.
140
CAP 5 - NOVA METODOLOGIA DOS JOGOS DE
GUERRA
Esta revolução não está em busca de métodos operativos que se coadunem com
cada tipo de mudança, mas em vez disso, está procurando um método operativo
comum que leve em conta todas essas mudanças. Em outras palavras, está
procurando uma nova metodologia que utilize um método para o trato das
inúmeras alterações das guerras futuras.
A Guerra é o jogo mais típico, e ainda assim, freqüentemente não é suscetível às teorias clássicas dos jogos. A guerra
é, intrinsecamente, o comportamento irritado do homem, e baseando-se em diversas conjecturas do “homem racional”
irá naturalmente e facilmente falhar. Os temidos efeitos decorrentes do uso de armas nucleares têm levado a
humanidade a gradualmente encontrar o seu caminho de volta, do comportamento mais irracional à racionalidade há
muito tempo perdida. Além disso, a direção da globalização tem levado a humanidade a concordar com o pensamento
do “homem racional” no processo de busca da segurança nacional, aprendendo a libertar-se da “condição de vítima”, e
não mais participar de jogos hegemônicos de “briga de galo” como entre os Estados Unidos e a União Soviética. O jogo
econômico compreendendo tanto a cooperação quanto a competição, já começou a infiltra-se na esfera militar e a
influenciar a guerra nesta nova era. (Referências podem ser encontradas na abordagem feita na obra de Zhang
Weiying — “Game Theory and Information Economics”; Livraria Sanlian de Shanghai; Shanghai People’s Press; 1996).
1 [N.T.] Adotada a expressão original por falta de uma versão doutrinaria oficial em
português. Ainda que no texto o tradutor tenha oferecido uma proposta de versão
para algumas dessas expressões.
3 [N.T.] Adotada a expressão original por falta de uma versão doutrinaria oficial em
português. Ainda que no texto o tradutor tenha oferecido uma proposta de versão
para algumas outras dessas expressões.
142
resultados finais apresentaram uma vitória, um empate e seis derrotas. Na
realidade, o “Exército do Século XXI”, ou as “tropas azuis” perderam para as “tropas
vermelhas” que dispunham de equipamentos tradicionais. Isto, todavia, não
impediu o Secretário de Defesa William Cohen de afirmar, numa reunião com a
imprensa após a conclusão do exercício que: “Eu considero que todos nós estamos
presenciando, aqui, uma revolução militar...”
A partir de 15 de março de 1997, o Exército dos Estados Unidos conduziu, durante 14 dias, exercícios operacionais de
alto nível com Brigadas digitalizadas na área do Centro Nacional de Treinamento do Forte Irwin, na Califórnia. De acordo
com as observações feitas pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Rymer, o propósito deste teste era o de
determinar ou não se o soldado tecnológico do século XXI estaria capacitado a responder, instantaneamente, a três
questões cruciais da guerra atual: Onde estou? Onde estão os meus companheiros? Onde está o inimigo? Em face das
condições em que os testes foram conduzidos, as tropas que foram reestruturadas e empregaram novos armamentos
com tecnologia digital tiveram uma velocidade operativa muito maior, um maior poder de destruição, e maior capacidade
de sobrevivência que o exército atual. Ver os relatórios no periódico norte-americano “Defense News”, edição de 17-23
de Março de 1997, para os detalhes relativos a este exercício.
É obvio que a revolução militar mencionada por Cohen é idêntica àquelas visões
proféticas a que nos referimos na abertura desta seção.
O vencedor sempre deseja persistir num caminho de vitória. Da mesma forma como
as forças terrestres francesas que dependeram das trincheiras em Verdun para
vencer a Primeira Guerra Mundial, e que esperavam vencer a próxima guerra da
mesma forma, através da Linha Maginot, os militares norte-americanos que
obtiveram uma vitória na Guerra do Golfo, mantêm a esperança de continuar
praticando os tipos de ações empreendidas na Tempestade do Deserto no decorrer
do século XXI.
143
“T
The Army of the Future”. Levando em consideração a imponência do poder militar
norte-americano, suas proposições não têm nada tem de extraordinário. Ninguém
poderia imaginar, no entanto, que um ponto cego no campo de visão dos norte-
americanos estava localizado exatamente no âmbito nestas proposições.
Foi novamente enfatizado no documento norte-americano “1997 National Army Strategy” que a missão e capacitação do
Exército dos Estados Unidos visava a, simultaneamente, vencer dois conflitos regionais de larga escala. Esta diretiva,
de fato, deu prosseguimento à política estratégica de crescimento do Exército predominante na era da Guerra Fria.
James R. Blaker frisa em seu artigo titulado “Building a Military Revolution –Type United States Army – A Troop Reform
Plan Different From the ‘Four Year Military Examination Report’”, que esta política — “foi um plano militar projetado há
20 anos atrás e implementado durante um período que terminou há 10 anos atrás. (“Strategy Review”, Ed Summer
1997).
144
GLOBALIZAÇÃO E ALTA-TECNOLOGIA SUBSTITUEM AS AMEAÇAS MILITARES
POR NOVAS AMEAÇAS
Em paralelo aos ataques terroristas, cada vez mais intensos; as guerras dos
hackers; as guerras financeiras; e as guerras de vírus nos computadores; que irão
dominar o futuro, existem atualmente, as novas concepções de guerra, para as
quais é difícil estabelecer uma designação, e que já são suficientes para que a
percepção de segurança, de que — “resistir ao ataque de um inimigo além das
fronteiras nacionais” — passe a ser, da noite para o dia, algo do passado.
145
aguardando, isoladamente, pela passagem de um coelho idiota e trapalhão que
inadvertidamente nela esbarrasse. No entanto, depois de Saddan, que ficou
nocauteado após esbarrar com o tronco dessa árvore, quem será o próximo coelho
desavisado?
Não deveria ser o caso, mas militares norte-americanos, e até mesmo o Congresso,
ao perceberem que não existiam mais dois exércitos em oposição, tenham passado
a sentir uma sensação de vazio por terem perdido os seus propósitos5. A
conseqüência foi que, na inexistência de um inimigo, um outro deveria ser criado.
Em decorrência, até mesmo numa inexpressiva área de atuação, como foi o caso de
Kosovo, eles não poderiam perder a oportunidade de brandir suas espadas
enferrujadas.
146
norte-americano sempre teve o seu campo de visão limitado pelas nuvens da
guerra.
Ainda que os Estados Unidos tenha enfrentado o impacto da confrontação com este
tipo de guerra não-militar, e tenha sido o lado continuamente afetado, ainda assim
o que é surpreendente é que uma nação tão poderosa não possua uma estratégia e
uma estrutura de comando unificado para o enfrentamento desta ameaça. O que
poderia nos deixar sem saber se devemos “rir ou chorar” é que de maneira inédita,
eles dispõe de quarenta e nove departamentos e repartições responsáveis pelas
atividades antiterroristas, e que na realidade, existe muito pouca coordenação e
cooperação entre eles.
Quanto a esse aspecto, outros países não estão em melhores condições em relação
aos Estados Unidos. Os recursos financeiros e as diretrizes básicas de investimento
de muitos países, quanto ao atendimento das necessidades da segurança ainda
estão limitados aos setores militares, políticos e de informações, havendo poucos e
ínfimos investimentos em outros setores de atividades. Utilizando novamente os
Estados Unidos como um exemplo, sabe-se que eles investem sete bilhões de
dólares nas atividades de antiterrorismo, o que significa apenas 1/25 avos dos 250
bilhões de dólares alocados às despesas militares.
É algo semelhante aos cenários que são apresentados a seguir: quando existe um
147
computador, passa também a existir um vírus de computador; quando existe a
moeda surge a especulação monetária; a liberdade de crença versus o extremismo
religioso e o herético; os direitos humanos comuns e a soberania nacional;
liberdade econômica e proteção comercial; autonomia nacional versus corporações
transnacionais; liberdade de informação e barreiras às informações, assim como o
compartilhamento do conhecimento e o monopólio da tecnologia. É possível que em
qualquer uma dessas áreas surja, em determinado momento no futuro, uma guerra
entre grupos distintos de seres humanos competindo corpo a corpo. O campo de
batalha está próximo a você, e o inimigo está numa rede de dados. Apenas não
existem o cheiro da pólvora e o odor do sangue.
148
desenvolver esforços para aprisionar o monstro em sua jaula. É por essa razão que
foram formulados inúmeros tratados e convenções.
6 De fato, este foi um problema iraquiano o qual Bush também foi incapaz de
resolver de forma completa. Saddam, gradativamente, tornou-se uma ferida difícil
de ser curada para os norte-americanos.
149
um, de suas jaulas, os monstros das guerras localizadas, afogando em um mar de
sangue países e regiões como Ruanda, Somália, Chechenia, Congo e Kosovo.
Descobre-se agora, novamente, como os esforços para a paz, desenvolvidos durante
milhares de anos, podem ser destruídos com um simples golpe!
150
OS ATORES NÃO-ESTATAIS NÃO SÃO CONSTRANGIDOS POR FRONTEIRAS
Constituindo-se no inimigo natural da comunidade internacional, e especialmente
das grandes nações, ao mesmo tempo em que elas ameaçam a sobrevivência
humana, produzem também efeitos circunstanciais no equilíbrio da sociedade e da
ecologia. Em outras palavras, essas forças não-estatais, servem como um tipo de
agente destrutivo social que destrói, tanto a ordem internacional costumeira, como
também limita a capacidade de destruição daquelas nações poderosas face à
comunidade internacional.
O resultado direto da eliminação das regras é que as áreas limitadas por fronteiras
visíveis ou, invisíveis, e que eram reconhecidas pela comunidade internacional,
perderam a sua efetividade. Isto se deve ao fato de que os principais agentes que
não dispõem do Poder Nacional e que empregam ações de guerra não-militar para
atacar a comunidade internacional, todos utilizam meios que vão além daqueles
circunscritos a nações, regiões, regras ou normas. Fronteiras nacionais visíveis, o
espaço invisível da Internet, a legislação internacional, a legislação nacional, as
normas de conduta e os princípios éticos não tem qualquer efeito restritivo em suas
ações.
Eles não são responsáveis perante quem quer que seja, não são limitados por
quaisquer regras, e não existe nenhum impedimento quando se trata da seleção de
151
alvos, como também não existe qualquer limitação quanto à escolha de meios a
serem utilizados. Devido à natureza sub-reptícia de suas manobras, eles dispõem
de um grau de ocultamento significativo, criam prejuízos consideráveis devido ao
seu proceder extremado e normalmente parecem cruéis em decorrência de seus
ataques indiscriminados contra a população civil. Tudo isso é propagado em tempo
real, através a cobertura contínua da mídia moderna, o que contribui
significativamente para o fortalecimento dos efeitos do terrorismo.
Ao travar uma guerra com esse tipo de inimigo, não haverá uma declaração prévia
ou formal de guerra; nenhum campo de batalha claramente definido; nenhum
combate corpo a corpo ou a decorrente matança, e na maioria das vezes, nem
haverá a fumaça dos canhões, disparos de armas de fogo e derramamento de
sangue. No entanto, a destruição e os danos sofridos pela comunidade
internacional não serão, de forma alguma inferiores àqueles de uma guerra militar.
152
vírus criado por Robert Morris paralisou, totalmente, 6000 computadores de
sistemas militares e civis em rede através dos Estados Unidos, incluindo o
Escritório de Planejamento de Longo Prazo do Departamento de Defesa norte-
americano, os Centros de Pesquisa das Organizações Rand e a Universidade de
Harvard. Mais tarde, este tipo de ocorrência começou a aparecer, sucessivamente,
nas redes interativas de outras nações e regiões. A partir de 1990, quando o
governo norte-americano começou a combater rigorosamente os crimes de ataques
a redes interativas, as atividades dos hackers além de não evidenciarem qualquer
diminuição, muito pelo contrário, espalharam-se em nível global com a força de um
incêndio florestal.
Em 1996, o Escritório do Sistema de Informações do Departamento de Defesa dos Estados Unidos foi implantado de
modo a reforçar a proteção dos sistemas militares de informação. No mesmo ano, a criação do Comitê Presidencial para
Proteção de Infra-estruturas Vitais dos Estados Unidos também foi anunciada. Este Comitê é responsável pela proteção
dos sistemas de telecomunicações, dos sistemas financeiros, dos sistemas de distribuição de energia elétrica, dos
sistemas de abastecimento de água e dos sistemas de transporte. Todo este empreendimento estava direcionado contra
ameaças reais, e o manual militar norte-americano “FM100-6 — Field Command Information Operations” estabelece de
forma clara que “as ameaças às infra-estruturas de informações são reais, suas fontes têm amplitude global,
manifestam-se em diversas áreas da tecnologia, e acima de tudo, essas ameaças estão aumentando. Essas ameaças
têm origem em indivíduos e grupos, e sua motivação são os benefícios de ordem militar, política, social, cultural,
religiosa comercial ou individual. Essas ameaças também têm origem em maníacos na área de informação.”
Isto, não só reforçou sobremaneira a ação coletiva dos hackers, pela concentração
de suas ações isoladas e dispersas, projetando-as rapidamente a um âmbito
nacional (tiranos de rede), como também, resultou numa crescente ampliação das
ameaças às redes interativas de dados de todas as nações (inclusive para aquelas
nações que empregam oficialmente hackers nacionais e militares), tornando-se cada
vez mais difícil de serem previstas ou evitadas.
A única previsão que poderia ser feita era a de que o prejuízo causado por esse tipo
de ameaça, em uma nação dispondo de uma grande rede de dados, como é o caso
dos Estados Unidos, certamente seria maior do que em qualquer outra nação.
153
informática, afirmou manifestando ao mesmo tempo preocupação e autoconfiança:
“Coloquem ao meu dispor dez hackers, cuidadosamente escolhidos, e em noventa
dias eu serei capaz da fazer esta nação baixar suas armas e render-se”.
Até mesmo depois que os norte-americanos lançaram mísseis de cruzeiro contra ele
e emitiram sua ordem de prisão, bin Laden, repetidamente, negou que estivesse,
pessoalmente, envolvido com aqueles ataques. A ocultação e o disfarce, produzindo
resultados mais significativos, e de maneira imprevista proporcionando uma
reputação não merecida representam, talvez, as primeiras dentre as principais
características das organizações terroristas do tipo bin Laden. Alem disso, tendo
aprendido a utilizar recursos financeiros e aproveitando-se das brechas da
liberdade econômica, iniciada pelo Ocidente, tais organizações criaram empresas
de administração assim como Bancos, e engajaram-se no contrabando e tráfico de
drogas em larga escala; na revenda de armamentos; na emissão de grandes
quantidades de moeda falsa, como também, passaram a contar, com as
154
contribuições de seguidores religiosos para a obtenção de recursos financeiros
estáveis9.
Embora a grande maioria dos ataques desfechados por essas organizações tenha
sido, até agora, contra as nações ricas e as nações ocidentais, especialmente as
grandes nações que possuem a capacidade de controlar outras nações, elas
representam uma ameaça comum para a ordem existente; representam a
destruição das regras comumente reconhecidas, como também representam uma
ameaça à comunidade internacional. Pode-se observar, a partir de condições
preestabelecidas, que estas novas organizações terroristas, ainda em
desenvolvimento, constituem, meramente, algumas marés negras resultantes das
novas atividades terroristas globais. Pode ser até constatado a existência de densas
correntes, das quais nada sabemos, surgindo abaixo da superfície da águas.
155
executando jogadas que visavam criar problemas os quais, um após outro, viriam a
provocar uma série de débâcles financeiras.
Para bin Laden, que se esconde à sombra das colinas do fundamentalismo islâmico,
para Soros, que se oculta no interior da floresta da economia livre, e para os
hackers que se escondem por trás das cortinas das redes interativas de dados, para
todos eles não existem fronteiras nacionais, e quaisquer fronteiras não têm o menor
156
valor. O que eles pretendem conseguir é a destruição inconsciente de uma
ambiência organizada, e agir de forma selvagem e desvairada em ambiências que
não possuam regras estabelecidas.
Estas novas forças terroristas criaram, para a ordem mundial atual, um sério
desafio que é sem precedentes ao mesmo tempo fizeram com que, até certo ponto,
tenhamos dúvidas quanto ao significado lógico de uma ordem estabelecida. Talvez,
aqueles que impedem a destruição das regras, e aqueles que promovem a revisão
das regras vigentes sejam ambos necessários. Isto se deve ao fato de que qualquer
destruição das regras sempre cria novos problemas que necessitam serem
resolvidos com todo o rigor. Numa era em que uma ordem antiga está prestes a ser
anulada, aqueles na liderança freqüentemente são os primeiros a destruir as
regras, ou então, os primeiros a se adaptarem a esta nova situação. Logicamente,
quanto a este ponto, os novos terroristas já evoluíram para a vanguarda da
comunidade internacional.
O método ideal de operação para enfrentar um inimigo que não obedece a regras
será, com toda a certeza, dispor da capacidade de abrir caminho através de regras.
Recentemente, ao ocorrer o enfrentamento de inimigos que aparecem e
desaparecem na ambiência da guerra não-militar, os norte-americanos empregaram
mísseis de cruzeiro; o governo de Hong Kong usou suas reservas em moeda
estrangeira e adotou providências administrativas; e o governo britânico violou
convenções de modo a permitir que suas organizações do Serviço Secreto,
“legalmente” exterminassem os líderes de nações estrangeiras, que eles
consideravam ser terroristas. Isto revela uma atualização das regras e uma
mudança nos métodos de operação. No entanto, demonstra, também, a fraqueza
decorrente de um raciocínio embotado e a carência de sutileza quanto ao método de
ação. Foi mencionado que os norte-americanos já teriam decidido adotar os
procedimentos de hackers para rastrear e bloquear as contas bancárias de bin
Laden em diversas nações, de modo a basicamente cortar suas fontes de recursos.
Sem dúvida, isto representa uma ruptura em termos de método de operação, e que
vai além da ambiência militar.
157
Quanto a isso, no entanto, deveremos também considerar que nesta área, os novos
e velhos terroristas — os quais consistentemente apoiaram o princípio do recurso a
qualquer meio concebível — continuam sendo os melhores professores para
qualquer governo nacional.
11 Ver “The History of Warfare in China”; Military Translations Press; Vol. 1, p.78,
Seção Wilderness Wars.
158
Quando o Rei Wu (primeiro rei da Dinastia Zhuo) atacou Shang Zhuo (último rei da
Dinastia Shang), com um exército composto por 300 carruagens, 3.000 bravos
guerreiros e 45.000 soldados com armaduras, dispunha efetivo muito menor que as
centenas de milhares de soldados a pé que integravam o exército do Rei Zhou12 da
Dinastia Shang, no entanto, naquele pequeno exército, a combinação de
carruagens e soldados, tornou-se um fundamento da organização dos exércitos
durante a Dinastia Zhou, visto que esta combinação aumentou, enormemente, o
poder de combate em áreas descampadas, evidenciando, pela primeira vez, a
importância da combinação de meios numa guerra, fator este que ainda pode ser
evidenciado, decorridos 3.120 anos.
Dado que este foi o exemplo no Oriente, o Ocidente não seria exceção. A razão pela
qual Alexandre foi capaz de derrotar um grande exército no decorrer de uma única
e decisiva batalha em Arbela (em 331 AC) foi porque ele fez adaptações
imediatamente antes de entrar em combate, mudando a tradicional formação de
uma matriz quadrangular que avançava com uma frente linear, homogênea,
surpreendendo o seu inimigo. O seu método foi muito simples. Dispôs a sua
cavalaria, fortemente armada e treinada, em dois grupos, flanqueando um corpo
central formado pela falange13. Ao contrário do que sempre fazia, e contrariando as
expectativas de seu oponente Dario III, Alexandre foi desbalanciou a sua frente de
combate, reforçando mais sua ala esquerda, onde ele se posicionou. Quando Dario
resolveu atacar a posição em que Alexandre estava provocou abriu uma brecha sua
linha, que era exatamente o que Alexandre esperava para investir com a ala
esquerda (que estava reforçada), provocando uma completa ruptura nas linhas
persas. Deste modo, a flexibilidade da cavalaria e a estabilidade de um corpo
central composto pela falange, constituíam uma combinação ideal, um dispositivo
de combate exemplar, onde cada componente podia desenvolver o seu potencial de
maneira mais incisiva. O resultado em Arbela foi que, naturalmente, Alexandre,
12 [N.T.]Os vocábulos Zhou, designando a Dinastia do rei Wu, e como o nome do rei
da Dinastia Shang, são homógrafos, sendo que diferença de significado é percebida
em sua grafia original, por terem ideogramas diferentes. Ver:
http://www3.la.psu.edu/textbooks/PM-China/ch2_main.htm.
159
cuja força militar estava comparativamente em desvantagem, pode ao final beber,
fervorosamente, da taça da vitória14.
O Rei Gustavo Adolfo da Suécia foi o reformador militar mais aclamado no início do
período das armas de fogo. Todas as transformações que ele introduziu, tanto no
tocante à formação para a batalha, quanto no posicionamento dos armamentos,
basearam-se no método da combinação. Muito cedo ele idealizou que o retraimento
dos lanceiros e seu posicionamento em conjunto com os soldados com armas de
fogo, permitia a formação de um dispositivo de batalha onde os lanceiros proviam
cobertura aos atiradores nos intervalos entre salvas de tiro; tal condição ampliava o
poderio de cada componente até o seu limite máximo. Ele também, freqüentemente,
combinava elementos da cavalaria ligeira, da cavalaria pesada e dos soldados com
armas de fogo, os quais em seqüência atacavam a vanguarda do inimigo, sob a
proteção de uma densa camada de fumaça, criada pelo fogo de artilharia.
14 Ver “Military History of the Western World” escrito por J.F.C. Fuller, traduzido
por Niu Xianshong.
15 [N.T.] Em outras palavras o rei Gustavo Adolfo dividiu o que era uma unidade,
criando assim a possibilidade de combinar.
160
afirmar que os efeitos do emprego da artilharia foram desenvolvidos ao seu nível
máximo durante este período.16
Todavia, tudo isto ocorreu antes da aparição de Napoleão, um perito nas técnicas
de emprego da artilharia. Quando comparado ao pequeno corso, que chegou a
colocar mais de 20.000 canhões num campo de batalha, Gustavo Adolfo que
dispunha apenas de 200 canhões pode, quando muito, ser visto como um
“aprendiz de feiticeiro na presença de um mestre da feitiçaria”. De 1793 a 1814
transcorreu um período de 20 anos, no qual ninguém entendeu os canhões, de
modo tão completo como Napoleão. Ninguém foi capaz de entender com maior
precisão tal fato, mesmo aqueles que estavam sob seu comando. Logicamente, não
havia quem pudesse combinar, de forma tão completa a força letal da artilharia, a
mobilidade da cavalaria, assim como, a lealdade e a bravura do Comandante
Davout e a impetuosidade do Comandante Murat, para forjar uma força ofensiva,
que iria provocar a debandada de todos os seus inimigos, pela sua mera presença,
transformando o exército francês numa máquina de guerra sem competidores na
Europa. Esta máquina, desde Austerlitz até Borodino, criou o mito de que Napoleão
venceu quase todas as batalhas17.
161
manipulação da mídia, do uso de bloqueios econômicos e outros métodos
relacionados, como também do desenvolvimento e reunião dos diversos elementos
dos exércitos, forças navais, forças aéreas, além de meios espaciais e eletrônicos e
etc, compreendendo os militares de mais de 30 nações combinadas, de modo a
tornarem-se um punho de aço para golpear Saddan. Schwartzkopf conseguiu
realizar este feito, e ainda assim, o seu oponente, de forma espantosa, não tinha
conhecimento de tudo isso.
Portanto, independentemente de uma guerra ter ocorrido a 3.000 anos atrás ou, no
final do século XX, parece que todas as vitórias refletem um fenômeno comum: o
vencedor foi aquele que soube criar uma combinação adequada.
Na medida em que for possível aumentar a gama de meios utilizados na guerra nos
dias atuais, assim como, introduzir contínuos melhoramentos, o significado
específico de guerra estará sendo rapidamente ampliado, o seu teor subjetivo, em
paralelo à acepção em que é empregada, também se aprofundará.
Muitos fatores, que nunca foram cogitados nas guerras do passado, passaram a
estar presentes na ambiência da guerra atual através da combinação de vários e
diferentes métodos. A adição de cada elemento novo, possivelmente, provoca
mudanças na modalidade e tipo de guerra, até chegar a ponto da deflagração
daquilo que consideramos ser a Revolução Militar.
162
telégrafo sem fio, submarinos, tanques, aviões, mísseis, bombas atômicas,
computadores, armas não-letais, organização de tropa por Divisões, sistema de
Estado-Maior, táticas de “Matilha de Lobos”18, campanhas militares de alta
intensidade, bombardeio de saturação, contramedidas eletrônicas e as batalhas Ar-
Terra, o surgimento de cada um desses elementos sempre esteve associado a
elementos chaves anteriores, de modo a produzir vantagens híbridas e, ao mesmo
tempo, enriquecer a ambiência da guerra em diferentes aspectos.
18 Consistia numa técnica utilizada por submarinos, para atacar navios mercantes,
durante a Primeira Guerra Mundial, inventada por Dönitz, Comandante da Força
de Submarinos da Marinha Alemã. O método consistia em que após a descoberta
de um navio mercante por um submarino, este, imediatamente, notificava outros
submarinos, e após aguardar a reunião de vários submarinos, estes
desencadeavam um ataque em conjunto, da mesma forma que uma matilha de
lobos age contra a sua presa.
163
conscientemente combinando todos os meios disponíveis, num determinado
momento, para criar uma obra prima eterna, através da modificação das
tonalidades da guerra.
No entanto, tudo aquilo gerado pela era da integração tecnológica proporciona para
a combinação um campo de possibilidades aparentemente ilimitado. Pode-se
afirmar, que quem quer que seja, que for capaz de preparar um coquetel saboroso e
excepcional para o futuro banquete da guerra, estará predestinado, em última
análise, a coroar-se com os lauréis do sucesso.
Todas as cartas já foram mostradas. Sabemos que a guerra não será mais
caracterizada pelo seu modelo original. Em grande parte, a guerra nem mesmo é
mais a guerra, mas ao invés, passa a ser um enfrentamento na Internet, uma
competição na mídia das grandes massas, a interferência e defesa nas transações
financeiras futuras, juntamente com outros ingredientes que nunca tínhamos
entendido como partícipes da guerra, o que nos obriga, agora, a parar e raciocinar.
É como dizer que o inimigo não será mais o inimigo original significativo; os
armamentos, possivelmente, não serão aqueles originais, e o campo de batalha,
possivelmente, não será o campo de batalha original. Nada é definitivo. Aquilo que
pode ser avaliado, também não é definitivo. Na realidade, mudaram as regras do
jogo, e o que precisamos continuar a fazer é investigar um novo método de luta, em
uma ambiência plena de incertezas. Não é o caso de uma simples prescrição para o
tratamento dos sintomas de uma doença, e sim, um processo híbrido de
164
aprendizagem dos pontos fortes de outros processos, concentrando todos aspectos
vantajosos, permitindo, assim, que uma mesma árvore produza, ao mesmo tempo,
frutas diferentes. Isto, então, seria combinação, e este processo, em particular, já
apresentamos anteriormente.
Aquilo que nós ainda não falamos é de um outro termo: adição, um método de
combinação.
Em um ringue de luta de boxe, aquele que, desde o início e até o fim do embate usa
apenas um método de luta para enfrentar o seu oponente, logicamente, não é
aquele lutador combina socos diretos, “jabs”, jogo de corpo, e ganchos para atacar o
seu oponente como uma tempestade. O ensinamento daí decorrente pode ser
considerado como extremamente simples: um mais um representa um valor maior do
que um.
O problema é que este preceito, tão simples que até um principiante pode
compreender, surpreendentemente, não tem sido entendido por muitas pessoas
responsáveis pelo sucesso ou fracasso da segurança e da guerra em âmbito
nacional.
165
A CHAVE PARA UMA REVOLUÇÃO EM ASSUNTOS MILITARES É UM
PENSAMENTO CLARO
Seja uma combinação ou uma adição as duas formas representam nada além do
que molduras vazias. Apenas quando o sangue e a crueldade são adicionados a esta
situação, ela se torna critica e começa a ser assustadora.
Confrontados por este inédito conceito de guerra, não há a menor dúvida de que
aquela imagem da guerra, com a qual já tínhamos nos acostumado, será abalada.
Alguns dos modelos tradicionais da guerra, assim como a lógica e as leis a ela
relacionadas serão também contestadas.
Até este ponto, nós já encontramos a razão pela qual, a partir do surgimento em
cena da alta-tecnologia, essa revolução militar tornou-se, paulatinamente, incapaz
de ser completada. Levando-se em conta uma perspectiva histórica da humanidade
e da história da guerra, nunca houve uma revolução militar que tenha sido
declarada como completada, imediatamente após a ocorrência de uma revolução
tecnológica ou organizacional. Somente após a ocorrência significativa de uma
revolução no pensamento militar, e o entendimento do que isso significa, é que todo
o processo de uma revolução militar chega ao seu término.
O momento atual não constitui exceção, de modo que, se a nova revolução militar,
desencadeada pela alta-tecnologia, poderá chegar a uma conclusão, ou não, vai
depender de sua capacidade em progredir ao longo da estrada da revolução no
pensamento militar. Este é o único caso em que será necessário abandonar-se as
raízes criadas pelo espírito da guerra, e que têm persistido por milhares de anos.
166
tempo, eles foram desprezados por nobres e governantes. Naturalmente, eles não
possuíam a capacidade para entender que ir além de todos os limites e fronteiras
representava uma revolução ideológica, a qual incluía a premissa de uma revolução
do pensamento militar.
167
imaginam, e essas são as suas expectativas.
Tal raciocínio, ilusório e ridículo, só pode gerar um único tipo de perspectiva para o
futuro: “A grande maioria dos atuais planos de desenvolvimento das forças armadas
norte-americanas como, por exemplo, aqueles relacionados ao “Exército do Século
XXI”, estão todos orientados para o enfrentamento de um inimigo que disponha de
blindados pesados convencionais; e caso os Estados Unidos, no início do século
XXI, defronte-se com um inimigo que disponha somente de um baixo nível de
tecnologia, um oponente de nível tecnológico intermediário, ou, um adversário com
poder equivalente, então o problema decorrente de uma amplitude de freqüência
insuficiente provavelmente irá ocorrer”.20
168
operacionais. Na realidade, é apenas necessário que se amplie um pouco mais o
campo de visão e, simultaneamente, que desapareçam as inibições quanto ao
raciocínio, para que se tire vantagem dos instrumentos proporcionados pela grande
quantidade de novas tecnologias e de novos fatores emergentes da era da tecnologia
integrada, destravando, deste modo, a engrenagem da revolução militar que está
enferrujada como conseqüência do atraso em termos de raciocínio. Neste ponto
poderíamos apreciar o profundo significado do antigo adágio: “uma pedra de outras
colinas poderá servir para polir o jade desta colina.”
169
ao mesmo tempo em que empreende ataques às redes interativas de dados do
inimigo, paralisando completamente suas redes de distribuição de eletricidade, de
controle do tráfego de cargas, de controle de transações financeiras, de telefonia, de
rádio e de televisão, tudo isso irá levar a nação inimiga a um completo pânico
social, provocando levantes, desordem civil e crises políticas. Finalmente, viria a
derrubada pela força, e os meios militares seriam utilizados em estágios graduais,
até que o inimigo fosse forçado a assinar um tratado de paz de forma desonrosa.
Deve-se considerar que este cenário não corresponde àquele preconizado por Sun
Zi, no qual “o outro exército é subjugado sem a ocorrência de luta armada”; no
entanto, pode-se considerar como sendo o caso de “subjugar o outro exército
através de operações astutas”.
Fica bem clara a determinação de quem foi superior e de quem foi inferior ao
comparar os dois métodos operacionais descritos.
Mas isso é, no entanto, apenas uma idéia, embora seja uma idéia factível. Com base
nesta idéia, o que precisamos é somente sacudir o caleidoscópio da adição, para
que sejamos capazes de gerar uma variedade inesgotável de métodos de operação.
TIPOS DE GUERRA
Guerra de Ajuda
Guerra Ecológica Guerra Psicológica
Econômicas
170
Guerra Antiterrorismo Guerra Virtual Guerra Ideológica
Em nosso ponto de vista, os três tipos genéricos de guerra definidos, resultam de uma abordagem pragmática, e não
alegórica ou descritiva. As guerras militares são sempre clássicas ou tradicionais, as quais empregam armamentos. Os
diversos tipos de guerras não-militares constituem confrontos sem qualquer conotação anormal; mesmo assim,
apresentam uma característica de guerra e todas constituem novidades. As guerras transmilitares estão situadas entre
as duas anteriores, baseando-se em métodos já previamente estabelecidos tais como a guerra psicológica e a guerra
de informações, e outras baseiam-se em métodos completamente novos, tais como “network warfare” e a “virtual
warfare” (esta última referindo-se a métodos eletrônicos virtuais empregados na obstrução de Gong Shu Ban imposta
por Mozi. (Ver o capitulo intitulado — “Gong Shu Ban Sets Up Machinery for the State of Chu to Attack the State of Song
na obra “Strategies of the Warring States, Prospective Strategy of Song).
171
atual, onde a grande explosão da tecnologia, liderada pela tecnologia cibernética, já
nos proporciona esta possibilidade.
Desde que estejamos interessados e não deixemos que aspectos subjetivos nos
desviem das leis objetivas poderemos, então, arrumar as cartas em nossas mãos,
em diversas combinações, conforme as necessidades do momento, até que
finalmente vençamos o jogo.
Não existe, no entanto, alguém que possa prescrever uma fórmula vitoriosa e
garantida para todas as guerras do futuro. Diversos tipos de métodos operacionais
surgiram ao longo da história da guerra, e a maioria foi esquecida com o passar do
tempo. Ao analisarmos as razões para esse esquecimento, observa-se que todos
esses métodos operacionais foram estabelecidos visando a em um alvo específico, e
quando este alvo desapareceu, o método operacional para o qual era destinado
também perdia o seu valor. Um método operacional, para ter uma real validade,
tem que ser como uma “cesta vazia”. Esta cesta vazia deve ser constituída apenas
por princípios e pensamentos que sejam imutáveis, para poderem acomodar uma
miríade de mudanças.
O processo de combinação do qual falamos é este tipo de cesta vazia, uma cesta
vazia do pensamento militar. Não se assemelha a quaisquer dos poderosos e
direcionados métodos operacionais do passado, posto que, somente quando esta
cesta é preenchida com um conteúdo lógico ou alvos específicos é que ela passa a
ter uma direcionalidade e um propósito. O elemento fundamental para determinar
se a vitória será ou não alcançada em uma guerra, não será outro que não — o que
você for capaz de colocar dentro desta cesta.
24 [N.T.] Yue Fei foi um Marechal de Campo que serviu ao imperador Chinês
durante a dinastia Song. Ele se tornou famoso por seu patriotismo e lealdade. Ver
http://www.colorq.org/Articles/2003/ahistory.htm.
172
operacionais em um único. Poderia ser, inclusive, um estágio evolutivo final dos
métodos operacionais. Sem considerar a necessidade de combinar-se algo que
transcende quaisquer limitações, não há como se imaginar um outro método
operacional que possa superar o da combinação. A conclusão é, portanto, bastante
simples, e ainda assim, definitivamente, ela não emergirá de um único raciocínio.
173
CAP 6 — A BUSCA DA REGRA DA VITÓRIA
A FORÇA SE AFASTA DO PONTO DE ATAQUE DO INIMIGO
Li Shih-min1
Apesar de tudo que já foi dito sobre combinação, ainda é necessário enfatizar que
não basta simplesmente, enfocar a teoria da combinação. É necessário concentrar
ainda mais este enfoque, de modo a nos certificarmos se existe, ou não, algum
segredo que esteja próximo ao núcleo desta concepção. Se não entendermos o
segredo de como programar a combinação será inútil aplicá-la por 100 vezes de
forma incompetente.
Na história da guerra, nunca ocorreu uma vitória obtida sem muito esforço.
Portanto, em todas as suas versões, a obra intitulada “Jun Yu” (Conversa Militar)
contém expressões tais como: direção do ataque principal; alvos prioritários; fintas
de ataque, fintas de deslocamento; assim como, envolvimento pelo flanco, as quais
descrevem táticas ou estratégias operacionais, onde podemos identificar uma
distinção entre ações principais e ações secundárias.
1 [N.T.] No começo do século VII, a China, após quatro séculos de guerras internas,
ressurgiu como uma grande nação. O grande responsável por esse ressurgimento
foi Li Shih-Min, reconhecido como um gênio militar. Depois de alcançar diversas
vitórias, tanto internas quanto externas, principalmente contra os Turcos no leste,
em 626 DC, tornou-se Imperador com o nome de T’ai Tsung.
pudesse ser denominado de “rregra da vitória”, e freqüentemente, eles até
aproximaram-se de tal regra. Não obstante, até hoje, nenhum líder militar ou
filósofo teve a ousadia de anunciar: eu descobri as regras da vitória! Nem mesmo a
tarefa de atribuir nomes a essas regras foi completada.
Pitágoras foi um filósofo e matemático da antiga Grécia, autor do famoso axioma: “Tudo é uma questão de números”.
Isto significa que todas as coisas existentes podem, em uma analise conclusiva, serem entendidas como um
relacionamento de números. De acordo com a teoria de Pitágoras, as coisas racionais e as coisas irracionais estavam
mescladas, mas ainda assim, sua teoria exerceu profunda influência no desenvolvimento da antiga filosofia grega e do
pensamento europeu medieval. Copérnico aceitou os conceitos astronômicos de Pitágoras. Galileu também foi
considerado um advogado da teoria de Pitágoras. A utilidade da Regra Áurea, ou, PROPORÇÃO ÁUREA para
demonstrar o relacionamento harmonioso no mundo foi apenas uma das aplicações especificas do pensar de Pitágoras.
Ver Enciclopédia Britânica Vol 1, p 715.
Divida uma linha reta de comprimento “d” em duas partes de tamanhos diferentes
“u” e “d-u”, de modo tal modo que a razão d − u = u ≈ 0,618 seja verdadeira. Tal
u d
proporção é chamada de PROPORÇÃO ÁUREA.
u d-u
175
Nos 2.500 anos que se seguiram, tal proporção tem sido considerada pelos
criadores da arte como a regra dourada da estética. Conforme demonstrado história
das artes, quase todas as obras artísticas tidas como obras primas, quer por
casualidade, quer por uma vontade intencional, todas elas estão próximas ou
concordantes com esse percentual no tocante às suas dimensões.
[N.T.] Muitas são as propriedades desta relação chamada áurea. O campo de visão dos dois olhos do ser humano,
independente da distância dos olhos até o objeto observado, forma um retângulo na relação áurea. Quase todos os
quadros pintados a partir da Idade Média, guardam a relação áurea em suas dimensões. Todas as partes do corpo
humano guardam entre si a relação áurea. Assim, os comprimentos do braço e do antebraço estão nesta relação; a
altura de uma pessoa e altura que se encontra o coração também guardam a relação áurea. Aparelhos de TV e
monitores de computador têm aproximadamente a relação áurea entre altura e largura da tela.
176
durante algum tempo foi popular na China. Até onde sabemos, uma campanha
como esta, tentando laicizar uma teoria não produziu efeitos significativos, mas
esse episódio permitiu demonstrar a possibilidade da aplicação da regra da
PROPORÇÃO ÁUREA em outras ambiências que não apenas aquela das artes.
Desde a antiga Grécia até o século XIX acreditava-se que esta razão era um valor
estético na arte criativa. Nos dias atuais, adotam-se aproximações mais
simplificadas, tais como as razões 2:3, 3:5, 5:8 e 8:13 retiradas da progressão
numérica 2,3,5 8, 13, 21 desenvolvida pelo matemático italiano Leonardo Pisano,
cujo apelido era Fibonacci,
O bombardeio de mergulho é o método principal usado por aviões de ataque para lançar mísseis de curto alcance,
foguetes e bombas com, ou sem sistemas de guiagem. Durante um ataque, o avião desloca-se a baixa altitude, até
alcançar o “ponto de combate” (na distância de 40 a 50 km do alvo), e neste ponto ascende para 2.000 - 4.000 metros
adotando a direção final de ataque. Entre 5 e 10 km do alvo inicia o mergulho e as armas são lançadas entre 1300 e
1600 metros ou entre 600 a 1000 metros de altitude dependendo da arma com um ângulo de mergulho entre 30 e 50
graus. Nos ataques de mergulho a precisão destrutiva das armas é mais elevada. Ver o periódico russo “Foreign Military
Peviews” nº. 10 (1992).
Na batalha de Yanling (575 AC) entre os estados de Jin e Chu, durante o Período da
Primavera e Outono, o Duque Li de Jin comandou uma força terrestre no ataque a
177
Zheng3. As forças de Jin travaram uma batalha decisiva contra a força Chu em
Yanling. Aceitando as recomendações de um desertor de Chu chamado Miro
Penghuam, o Duque Li, como sua ação principal, utilizou a maior parte de sua
força principal para investir sobre um determinado ponto da ala esquerda das
forças de Chu, e o restante de sua força principal para atacar, o centro das forças
Chu; Como ação secundária, usou suas demais forças para atacar o flanco direito
do inimigo. O ponto de ataque selecionado (na ala esquerda das forças de Chu)
correspondia, exatamente, à posição que dividia a linha inimiga segundo a
PROPORÇÃO ÁUREA.
Dentro das expectativas, a regra áurea demonstrou, novamente, todo o seu poder
milagroso. É possível verificar-se que a formação de batalha da cavalaria mongol
era diferente daquela da falange tradicional ocidental. Na sua disposição, em cinco
colunas, a proporção entre a cavalaria pesada e a cavalaria ligeira era de 2 para 3;
cabendo o valor 2 à cavalaria pesada com armadura, e o valor 3 à cavalaria leve,
veloz e com mobilidade. Esta divisão representa um outro exemplo da aplicação da
3 Ver “The History or War of China”, Military Translation Press, Vol. 1, pp. 253-273
e as ilustrações 1-26 do anexo.
5 Ver Fuller, “Uma história militar do mundo Ocidental”, vol. 1, p. 117. Este livro
contém uma ótima análise da Batalha de Arbela como também ilustrações que
graficamente mostram as diferentes situações do campo de batalha.
178
proporção áurea! Nós temos que reverenciar o entendimento, ao nível de gênio,
daquele pensador montado! Seria lógico, que a força, dispondo de um líder como
ele, teria um poder mais contundente do que as forças européias que a ele se
opunham. Parece que, embora altamente talentosos quanto à aplicação da regra
áurea às artes, os cristãos europeus tardaram a reconhecer a aplicação dessa regra
em outras ambiências.
[N.T.] Na realidade o que Gustavo II Adolfo fez foi alterar a disposição do dispositivo chamado “tertius” que era uma
evolução da falange macedônica, aumentando a sua linha de frente e reduzindo a sua profundidade, alterando, também,
a forma de abertura de fogo, que era originalmente seqüencial, uma fileira de cada vez, para uma salva única com todas
as armas disponíveis. Outro empreendimento seu foi criar unidades menores com maior flexibilidade, intercalando
infantaria, artilharia e cavalaria.
7 [N.T.] Gustavo Adolfo da Suécia foi o responsável por diversas das transformações
ocorridas no início do século XVII, na área militar. Dentre os seus feitos, além do
mencionado no texto, seria possível citar: a transformação dos mosquetes dos
modelos de 15 a 20 lbs, e que eram disparados com o apoio de uma forquilha, em
uma arma mais leve, pesando apenas 11 lbs; adotou o emprego de cartuchos nos
mosquetes; criou a moderna artilharia de campanha e o moderno conceito de
bombardeio maciço.
179
A alteração feita por Gustavo Adolfo consistiu em acrescentar mais 96 soldados
armados com mosquetes ao efetivo do esquadrão composto por 216 soldados
armados com lanças e 198 soldados dispondo de mosquetes.8 Esta transformação
proporcionou uma superioridade instantânea para as armas de fogo, passando a
representar o divisor de águas entre os períodos das armas brancas e das armas de
fogo. É desnecessário chamar a atenção para o fato de que, novamente,
resplandeceu o brilho da PROPORÇÃO ÁUREA, identificável ao considerarmos a
proporcionalidade de 198 + 96 soldados armados com mosquetes em relação a 216
soldados armados com lanças.
Em um outro mês de junho, 130 anos depois, a Alemanha Nazista deu início ao
Plano Barbarosa contra a União Soviética. Durante dois anos as forças alemãs
mantiveram o seu ímpeto ofensivo. E foi em agosto de 1943 que as forças
germânicas passaram a adotar uma postura defensiva após o evento de “Kursk” e
nunca mais foram capazes de lançar uma ofensiva contra as forças soviéticas.
180
Talvez tenhamos também que considerar o exemplo seguinte como uma
coincidência9.
[N.T.] Na versão inglesa da obra foi adotada a palavra “Castle”, porque provavelmente a palavra “Kursk” foi literalmente
traduzida para o inglês. Por tratar-se de uma referência histórica, optamos por utilizar sua forma original. Durante a 2ª
Guerra Mundial, a batalha de Kursk (julho de 1943) travada entre alemães e russos foi uma das batalhas mais
importantes na frente oriental, mantendo-se, até hoje, como um dos maiores conflitos envolvendo blindados de toda a
história da guerra. Nesta os alemães planejaram uma ação ofensiva que foi contida pelas forças soviéticas, que lançara,
em resposta, uma contra-ofensiva que se estendeu até às portas de Berlim.
A Batalha de Stalingrado, que foi considerada por todos os analistas militares como
o ponto de inflexão da Guerra Patriótica dos Soviéticos, ocorreu exatamente no
décimo sétimo mês da guerra, isto é, novembro de 1942. Este é o ponto fixado pela
PROPORÇÃO ÁUREA, no eixo da linha de tempo, que demarca o início do período de
vinte e seis meses, no decorrer dos quais as forças alemãs passaram do sucesso ao
declínio.
181
A GRAMÁTICA DA VITÓRIA — A REGRA COLATERAL-PRINCIPAL
Na gramática chinesa, a sentença possui uma estrutura básica. Esta estrutura
divide a sentença, ou a frase, em duas partes: o termo central e o modificador. O
relacionamento entre eles é aquele de ser alterado e de alterar, isto é, o modificador
altera o significado do termo central, determinando a tendência e característica
desse termo. De maneira mais clara, o modificador representa a aparência e o
termo central representa o ser.
182
Assim, na ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL o elemento “colateral”, tem a função de
determinar, qualitativamente, a sentença ou expressão. Em outras palavras
podemos perceber a palavra central (elemento principal ou o sujeito) representa a
entidade principal e o modificador (colateral ou qualitativo) serve como elemento
orientador.
183
quanto no desenvolvimento de muitas coisas e que, em tal relacionamento, o
elemento colateral, em vez do elemento principal, freqüentemente desempenha as
funções de elemento orientador.
Nós estamos plenamente justificados em considerar esta relação como uma nova
maneira de propor a relação colateral-principal, visto que, na ESTRUTURA COLATERAL-
184
PRINCIPAL, aquilo que é importante é o elemento colateral e não o elemento principal.
E da mesma forma, isto também é verdadeiro na regra da PROPORÇÃO ÁUREA, onde o
que é importante é o 0,618 e não o 1. Isto representa a característica comum às
duas relações.
Leis naturais comprovam que duas coisas com características semelhantes devem
obedecer a regras semelhantes. Portanto, se existir alguma regra comum,
governando a regra da PROPORÇÃO ÁUREA e a regra da ESTRUTURA COLATERAL-
PRINCIPAL, ela poderia ser enunciada como:
O melhor exemplo para ilustrar esta proposição está, talvez, na história da corrida
de cavalos conforme descrita por Tien Chi10. Em uma situação de inferioridade
quanto a um poderio global, o grande estrategista militar Sun Pin realizou a sua
jogada clássica, que representou um exemplo adequado da sabedoria chinesa no
tocante a jogos.
Numa competição de corrida de cavalos, Sun Pin escalou para o 1º páreo pior
cavalo de Tien Chi contra o melhor cavalo do Rei de Qi. Depois de inevitavelmente
ter perdido esse páreo, ele colocou, nos dois páreos seguintes, os seus melhores e
médios cavalos para vencer os médios e piores cavalos de seu adversário obtendo
dessa maneira uma dupla vitória, obtendo, assim, a vantagem necessária para a
vitória geral.
O resultado de vencer dois dos três páreos, também está totalmente de acordo com
a PROPORÇÃO ÁUREA, isto é, 2:3. Aqui podemos constatar a convergência perfeita e a
unicidade das duas regras: a regra da PROPORÇÃO ÁUREA = a regra da ESTRUTURA
COLATERAL-PRINCIPAL.
185
deveremos, também, acreditar que essa regra do mesmo modo que a REGRA DA
PROPORÇÃO ÁUREA, não deixaria imune a ambiência militar.
Por exemplo, a batalha de Ch´ang-Sha11 entre Chi e Chu. Quando as duas forças
defrontaram-se no campo de batalha, o exército de Chi tinha uma atitude bastante
agressiva enquanto que o exército de Chu permaneceu imóvel. As forças de Chi
atacaram três vezes, impulsionadas por três seqüências de rufar dos tambores, mas
não obtiveram êxito quanto a desordenar a vanguarda do exército de Chu, daí
resultando um declínio óbvio no ímpeto atacante. O exército de Chu, então,
aproveitou-se da oportunidade e desfechou um contra-ataque, daí resultando uma
total vitória.
Todo o desenrolar da batalha pode ser dividido em cinco etapas: o primeiro rufar
dos tambores das forças de Chi; o segundo rufar dos tambores das forças de Chi; o
terceiro rufar dos tambores das forças de Chi; o contra-ataque das forças de Chu; e
a perseguição ao inimigo empreendida por Chu. Da primeira à terceira etapa, Kao
adotou a estratégia de evitar um sucesso do ataque inimigo e, assim sendo, o
exército de Chi rapidamente ultrapassou o ponto áureo de sua ofensiva, sem que
tivesse obtido quaisquer resultados significativos. Enquanto isso, o exército de Chu
escolheu com precisão aquele momento, como sendo o do início do contra-ataque, e
deste modo demonstrou, efetivamente, num campo de batalha, há 2.700 anos, o
valor da regra da PROPORÇÃO ÁUREA, (3:5 é aproximadamente igual a 0,618)13.
12 [N.T.] No texto em inglês consta o nome “Cao Gui”, que no entender do tradutor
não é o nome correto.
13 Ver “Kao Ying Analysys of War” . Mais tarde, quando participando da reunião de
Chi e Chu na localidade de Ke, Kao Ying capturou o Duque Heng de Chi usando
186
Podemos ter certeza de que, naquela época, Kao Ying não poderia ter conhecido
Pitágoras e a sua teoria da PROPORÇÃO ÁUREA, um fato que só viria a ocorrer 200
anos mais tarde. Além disso, mesmo que Kao Ying tivesse conhecimento dessa
teoria, não teria sido possível determinar com precisão, no decorrer de uma
batalha, onde se situava o ponto, que corresponderia á proporção de 0,618 em
relação à extensão total da batalha, cuja duração não seria possível prever. Por
instinto, acreditamos que ele tenha conseguido visualizar o momento do contra-
ataque, através de um lampejo de sua inteligência. Esta é uma dádiva comum de
todos os militares talentosos.
[N.T.] A Batalha de Cannae, travada em agosto de 216 AC foi uma batalha decisiva da Segunda Guerra Púnica, e que
se tornou um clássico pela tática empregada por Aníbal, paras derrotar um exército romano amplamente superior em
termos numéricos.
Da mesma forma que Kao Ying, ele entendeu o segredo da seqüência de declínio do
poder de ataque das forças inimigas. Assim sendo, de maneira inusitada, ele
posicionou seu componente mais fraco, composto pelas infantarias espanhola e
gaulesa, no centro de sua vanguarda, onde, normalmente, deveriam estar seus
elementos mais poderosos. Com isso, suas forças mais fracas deveriam enfrentar as
fortes forças romanas. Na medida em que tal enfrentamento proporcionou uma
superioridade romana, ocorreu um recuo do centro da frente de Aníbal,
estabelecendo-se uma nova frente de combate com um formato convexo.
Não importa se essa curvatura tenha sido criada intencionalmente por Aníbal ou
que tenha surgido como conseqüência do engajamento. Na realidade, ela se
transformou em um gigantesco amortecedor que absorveu o poder de ataque das
legiões romanas. Na medida em que esse poder foi sendo gradualmente
enfraquecido, devido à profundidade do corpo central, o ímpeto do ataque chegou
ao seu ponto mais baixo, quando a retaguarda dos romanos estavam se
aproximando das extremidades da frente cartaginesa na forma convexa. Deste
ponto em diante, as forças cartaginesas eram inferiores em termos globais, mas
superiores em termos de cavalaria, que posicionadas nos flancos, rapidamente
uma faca e deste modo obrigou que Chi devolvesse as terras de Chu que haviam
sido ocupadas. Ele foi um bom general demonstrando ao mesmo tempo coragem e
sabedoria; ver “Biographies of Assassins” em Shi Ji.
187
lançaram seus ataques envolvendo completamente as forças romanas, e desta
forma, transformando Cannae em um campo de extermínio para 70.000 homens.
Durante a Segunda Guerra Mundial toda a operação alemã de ataque à França foi
baseada na essência das duas regras que discutimos.
Em 1937-1938 Manstein era o primeiro Subchefe do Estado-Maior do Exército Alemão. Em decorrência de conflitos
internos do Alto Comando e assumiu o comando da 18ª Divisão. Em 1939, o Alto Comando Alemão publicou um plano
operacional no tocante à frente ocidental denominado Plano de Operações “Amarelo”. Tal plano indicava a intenção de
realizar ataques frontais a serem executados por forças poderosas no flanco direito de modo a derrotar as forças franco-
britânicas que se supunha estarem concentradas na Bélgica, enquanto que usando forças de menor poder para cobrir as
demais frentes. Obviamente este plano era uma versão modificada do plano Schliffen de 1914. Manstein, então Chefe
do Estado-Maior do Grupo de Exército “A” formulou o seu próprio plano de operações para aquele Grupo de Exército.
Submeteu, repetidamente, tal plano ao Alto Comando quer sob a forma de um memorando, ou, como a minuta de um
Plano de Operações. Sua proposição, todavia, foi rejeitada seguidamente pelo Alto Comando. Desgostoso do proceder
de Manstein o Alto Comando o transferiu para as funções de Comandante do 38º Exército. Manstein conseguiu
transmitir a Hitler suas idéias usando da oportunidade que teve em um encontro pessoal com o líder nazista. Hitler, que
era um leigo no tocante a assuntos militares possuía, todavia, uma elevada capacidade de percepção. O ponto mais
importante daquele plano pessoal, chamado Plano Manstein por Liddell Hart, depois da guerra, era o de desencadear
um ataque de surpresa através das florestas das Ardenas, executando ataques concentrados no flanco esquerdo e
utilizando as forças blindadas também concentradas. Ver Manstein “Lost Victory”, The Academy of Military Science of
the Chinese People’s Liberation Army, 1980. Guderian era o Comandante do 19º Exército Blindado e o melhor agente
implementador do Plano Manstein; “Guderian-Blitzkrieg Heroes”, Zhanshi Press, 1981.
Decisões que foram tomadas, como por exemplo: a não subordinação dos tanques à
infantaria, transformando-os na força principal de ataque; a utilização da
“blitzkrieg” com principal doutrina operacional, descartando as práticas da Primeira
Guerra Mundial; e a escolha das florestas das Ardenas como o eixo principal do
ataque das forças alemães; surpreenderam, não só o inimigo, como também aos
velhos generais do alto comando alemão, e poderiam ser consideradas não-
ortodoxas, dotadas de uma nítida característica de desvio para o elemento
188
colateral.
Foi esse desvio que deu origem a uma transformação radical de pensamento de
todos os militares alemães, e fez também, com que o sonho de Schlieffen de “lançar-
se sobre Canal da Mancha” se transformasse em um pesadelo para os ingleses em
Dunquerque. Antes daquele tempo, quem poderia ter imaginado que a
documentação deste planejamento milagroso seria produzida por dois oficiais
relativamente modernos14 na hierarquia militar alemã, Manstein e Guderian?
Depois que assumiu o Comando da Esquadra Conjunta, Yamamoto rejeitou a idéia do Estado-Maior da Marinha
Japonesa quanto a, inicialmente, atacar as Filipinas. Segundo ele seria necessário realizar inicialmente um ataque de
surpresa à Esquadra norte-americana no Pacífico de modo a imobilizá-la. No dia 7 de Dezembro de 1941, sob o
comando do Almirante Nagumo, seis navios-aeródromos com 423 aviões embarcados atacaram Pearl Harbor de acordo
com o plano de Yamamoto, afundando o encouraçado “Arizona” e três outros encouraçados, e destruindo 188 aviões
causando assim grandes perdas para a Marinha norte-americana. Ver Liddell Hart, “História da Segunda Guerra
Mundial”, pp 276-335.
14 [N.T.] Conotação usada no âmbito militar brasileiro para designar oficiais com
pouca antiguidade, quer na sua patente (no caso de recém promovido), quer dentro
do quadro de Oficiais a que pertencem, em função de sua patente ser relativamente
inferior.
189
norte-americanos se recusavam a admitir esta hipótese, até mesmo depois de
terem recebido informações dos serviços de inteligência de que isso ocorreria.
Deve ser enfatizado que este entusiasta das batalhas navais decisivas optou por
realizar um ataque furtivo a Pearl Harbor, como o primeiro engajamento que
determinaria os rumos futuros da guerra, ao invés de ser através do método por ele
sempre sonhado, uma batalha naval. Conseqüentemente, ele obteve uma vitória por
meio de surpresa tática, atingindo alvos colaterais.
Em decorrência das análises que fizemos, deve ser entendido que a REGRA DA
PROPORÇÃO ÁUREA e A REGRA COLATERAL-PRINC IPAL não devem ser empregadas em seu
sentido literal, pelo contrário, é necessário compreender a sua essência. Um campo
de batalha em constante evolução não irá proporcionar a qualquer líder ou
comandante militar tempo suficiente e informações adequadas, para que ele possa,
cuidadosamente, determinar o ponto que corresponda à PROPORÇÃO ÁUREA, ou o
grau de desvio no sentido do elemento colateral. Até mesmo os elementos básicos
das duas regras, ou seja, o valor 0,618 e o “desvio para o elemento colateral” não
são constantes em termos matemáticos. Ao contrário, elas representam as milhares
formas de manifestações do Deus da vitória, ao longo das diversas mudanças no
curso das guerras, nos campos de batalha e nas situações de conflito.
190
constituíram armas principais que tiveram a capacidade de alterar o equilíbrio da
guerra.
Antes da batalha naval de Trafalgar, Nelson apresentou aos seus Comandantes subordinados um novo dispositivo para
o engajamento com o inimigo. Em vez de a tradicional formatura em coluna ele dividiu os seus navios em dois grupos.
Um grupo interceptaria o centro da esquadra inimiga com um ângulo de aproximação de 90º deste modo separando a
retaguarda inimiga de seu centro. Em seguida, os navios concentrados atacariam a retaguarda inimiga. O outro grupo de
navios deveria obter a separação do centro inimigo de sua vanguarda e também desfecharia um ataque concentrado ao
centro do inimigo. Seria muito tarde para que os navios da vanguarda inimiga tentassem inverter seu rumo de modo a vir
apoiar o centro, ou, a retaguarda. A batalha de Trafalgar transcorreu quase exatamente conforme previu Nelson.
Embora ele tivesse falecido devido a um ferimento recebido, a Marinha Inglesa obteve uma vitória total. Ver o livro de
Ding Chaobi “The History of Modern Naval Wars of the World”, Haiyang Press, 1944 pp 143-155.
Algumas vezes elas se configuram nos posicionamentos desiguais das forças. Por
exemplo, antes da Primeira Guerra Mundial, o Alto Comando Alemão elaborou o
Plano Schlieffen para a invasão da França. De acordo com esse Plano, haveria um
audacioso movimento compreendendo o emprego de 53 das 72 divisões alemães no
flanco direito, como a força de ataque principal. As 19 divisões restantes seriam
posicionadas ao longo da extensa frente de combate, no centro e flanco esquerdo.
Deste modo, um exercício de jogo de guerra transformou-se no mais famoso Plano
de Guerra que jamais foi implementado.
16 Ver “The Fourth Middle East War”, Shangai Translation Press, 1975; “Middle
East Wars”, Shangai Translation Press, 1979.
191
de Fan Sei de atacar inicialmente Shangdang em Han, de modo a privar Chao do
seu apoio. Em seguida, Zhauxiang fingiu estar disposto a negociar uma paz e, em
decorrência, os Lordes deixaram de apoiar Chao. Ele também usou o estratagema
de disseminar discórdia e, como resultado, o Rei de Chao dispensou o General Lian
Po e nomeou para o seu lugar o estrategista acadêmico Chao Kuo como
Comandante. Conseqüentemente, a força de Chao foi derrotada em Chang Ping. A
vitória de Chi e a derrota de Chao nesta batalha deveriam ser, mais
apropriadamente, atribuídas ao estratagema de Fan Sei do que ao poderio das
forças de Chi17.
17 Ver the “The History of War in China”, Military Translation Press, vol 2, p.197.
192
O ELEMENTO DOMINANTE E O CONJUNTO TODO — A
ESSÊNCIA DA ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL
Entre os vários elementos que integram alguma coisa, deverá existir um
determinado elemento que assume um papel proeminente ou predominante entre
todos os demais. Se o relacionamento entre esse elemento e os demais for
harmonioso e perfeito estará de acordo com a fórmula 0,618:1 em determinadas
áreas e, também, de acordo com a REGRA COLATERAL-PRINCIPAL, visto que, neste caso,
“todos os elementos” compõem o corpo principal, isto é, o elemento principal; e o
“elemento específico” atua como elemento orientador, e portanto é o elemento
orientador. Uma vez que um determinado objeto adquire um propósito significativo,
o elemento colateral e o elemento principal formarão uma relação “dominante ↔
subordinado”.
Em uma luta entre dois touros, estes representam o elemento principal enquanto
que os chifres são o elemento colateral. Quando duas espadas se defrontam as
espadas representam o elemento principal, enquanto que os fios das lâminas
representam o elemento colateral. Torna-se bastante evidente qual é o elemento
predominante e qual o elemento subordinado.
193
demais armamentos tiveram um papel suplementar. Os meios dominantes foram
representados por 38 dias consecutivos de bombardeios aéreos com os outros meios
desempenhando um papel suplementar. A força dominante foi o componente aéreo,
com as demais forças tendo a missão de apoio. A diretriz dominante foi atingir os
efetivos da Guarda Republicana por meio de ataques concentrados, ficando os
demais objetivos do campo de batalha como alvos secundários. A ambiência
dominante foi a militar com todas as demais ambiências proporcionando um amplo
apoio através das sanções econômicas, do isolamento diplomático e das ações
ofensivas na mídia.
Não obstante, não é nosso objetivo a mera explicação desses relacionamentos. Para
aqueles engajados em uma guerra o que é mais importante não é a explicação de
tais relacionamentos e, sim, o seu entendimento e aplicação.
Como sabemos, os recursos para a guerra são limitados para todos os países. Até
mesmo uma nação tão poderosa como os Estados Unidos tem que raciocinar
continuamente em termos de custo-benefício (o princípio do “mínimo consumo de
energia”), e de como lutar em guerras de uma forma mais glamourosa, obtendo um
maior número de resultados esplêndidos. É imprescindível, portanto, que qualquer
nação destine e aplique os seus recursos para a guerra de maneira lógica e
estratégica. Isto exige a adoção de um método correto, isto é, de como aplicar
conscientemente a REGRA COLATERAL-PRINC IPAL. Na realidade, muitos países, de uma
forma não intencional, já aplicam tais regras. Depois do colapso União Soviética a
capacidade militar russa entrou em um continuado declínio; não apenas ela perdeu
sua posição como superpotência no confronto com os Estados Unidos como,
também, no momento atual, tem dificuldades para atender as demandas impostas
pela segurança nacional. Sob tais circunstâncias, o alto comando russo adaptou
sua estratégia futura a um cronograma adequado, a despeito de se encontrar em
uma posição delicada, considerando suas armas nucleares táticas e até mesmo
estratégicas como as armas dominantes, que seriam empregadas, prioritariamente,
no caso de uma guerra que fosse desfechada contra a Rússia. Tendo como base
essa decisão, foi também definida, de maneira geral, a proporcionalidade entre
armas convencionais e nucleares.
194
para as suas forças amadas: um “Exército com superioridade completa”;18 uma
“Marinha projetando-se do mar para terra” e “uma Força Aérea com a capacidade
de engajar-se em âmbito global”.
“Engajamento global” representou a estratégia para o desenvolvimento da Força Aérea do século 20I proposta por essa
Força no final de 1997 visando substituir a doutrina estratégica de “força global com alcance global” que havia sido
instituída para o trato dos problemas pós-Guerra Fria. Nessa doutrina eram enfatizadas as seis áreas básicas da
capacitação da Força Aérea: superioridade aérea e espacial; ataque global; rápida mobilidade global; ataque de
precisão; superioridade quanto à informação; e apoio operacional flexível. Ver o documento “Global Engagement and the
Conception of the U.S. Air Force in the 21st Century”.
Neste contexto, equipamentos digitais, novos tipos de navios para o assalto anfíbio
e aeronaves invisíveis com grande raio de ação foram selecionados como sendo
representativos de uma nova geração de armamentos, os quais parecem ser os
sucessores dos atuais “azes” como, por exemplo, os tanques da série M-1, os
navios-aeródromos, os aviões de caça F-16, na posição de armas dominantes do
arsenal norte-americano.
Conforme pode ser percebido dos ajustes estratégicos feitos pelos Estados Unidos e
pela Rússia quanto às suas respectivas armas dominantes, parece que a prática de
selecionar armas dominantes tendo por base a magnitude do seu poder destrutivo
tornou-se obsoleto. No tocante à seleção das armas dominantes, o seu poder
destrutivo é apenas um dos itens do desempenho dessas armas. Mais importante
que o desempenho técnica é a consideração básica quanto a: propósito da guerra,
objetivos operacionais e ambiência da segurança. Assim, as armas dominantes
deverão ser aquelas que atendem a estes três propósitos mencionados. Mas, além
disso, é necessário que elas sejam organicamente combinadas com outras armas,
de modo a constituírem o elemento dominante de um completo sistema de armas.
195
O conceito do “Sistema dos Sistemas” representou o resultado de uma pesquisa conjunta dirigida pelo Almirante Owens,
ex Vice Chefe do Estado Maior Conjunto e de seu assessor mais graduado, Black De acordo com Owens a
revolução tecnológica militar contemporânea não se trata de uma revolução relacionada a navios de guerra, aeronaves,
tanques e outras plataformas de armas. O que ocorreu, na realidade, foi o aparecimento de outros elementos como, por
exemplo, os sistemas de sensoriamento, os sistemas de comunicações e os sistemas de armas orientadas com
precisão. O aparecimento desses sistemas irá gerar uma revolução fundamental na estrutura das forças e nos modelos
operativos das Forças Armadas. Talvez no futuro não irá mais existir a divisão em Exército, Marinha e Força Aérea e em
vês disso uma “força móvel de ataque”, uma “força de sensoriamento”, uma “força de apoio ágil”. Ver a entrevista de
Owens com Chen Bojiang, Guofang Daxue Xuebao, Xiandai Junshi e Shijie Junshi.
196
Para os militares profissionais, nas situações de guerra ou quase-guerra, têm se
tornado um fator de importância cada vez maior para a segurança nacional, a
questão relativa a quem constitui a força dominante nas guerras do futuro. Um
tema que jamais foi questionado adquiriu âmbito mundial. Por exemplo, os
ataques dos “bandidos da rede” às redes interativas do Departamento de Defesa dos
Estados Unidos e do Ministério da Defesa da Índia constituem uma evidência desse
fato.
Seja numa ação de guerra, numa ação militar de não-combate ou numa ação de
guerra não-militar, em qualquer ação de natureza bélica, surge o tema da precisão
na seleção da natureza principal da operação e do ponto de ataque principal, isto é,
determinar uma orientação principal levando em conta todos os fatores da guerra
em vista, os campos de batalha e as frentes de combate. Este é o problema mais
difícil, até mesmo para aqueles Comandantes que dispõem de armamentos
adequados, uma multiplicidade de meios e um suficiente potencial humano. No
entanto, Alexandre, Aníbal, Nelson e Nimitz, assim como Sun Tzu e Sun Pin, da
China antiga, todos foram eficientes em termos de selecionar as principais direções
de ataque, que surpreenderam completamente as forças inimigas. Liddell Hart
também observou esse fato. Ele recomendou o método de seleção da linha de menor
resistência e a direção da ação menos esperada pelo inimigo como sendo a
“estratégia de aproximação indireta”.
Este método para a solução do problema da guerra, por meio de ações em múltiplas
ambiências, poderia nos proporcionar no momento atual algumas idéias. A era do
197
emprego inteligente da tecnologia altamente sofisticada proporcionou um campo
muito mais amplo para agir com sabedoria e utilizar meios, do que era disponível
aos povos antigos. Assim, o sonho de obter vitórias militares em ambiência não-
militares, e vencer as guerras usando meios não-militares, pode se transformar em
uma realidade.
Não existe uma fórmula para vencer uma guerra. Ninguém ousa proclamar, de
forma arrogante, ter descoberto o método perfeito no âmbito da guerra. Ninguém foi
capaz, até agora, de utilizar um único método para vencer todas as guerras. Isto,
porém, não significa que não existam regras no tocante à guerra. Alguns poucos
tiveram os seus nomes incluídos no rol dos generais sempre vitoriosos, e isto
ocorreu porque eles descobriram e aplicaram as regras da vitória.
198
poucos perceberam que tais lampejos estão ocultos nos combates sangrentos,
caracterizados pelo entrechoque das espadas e pela fumaça da pólvora dos
canhões.
A REGRA COLATERAL-PRINCIPAL pode ser considerada como sendo essa folha de papel.
Ele é, ao mesmo tempo, simples e complexa e também estável e variável. Como já
ocorreu muitas vezes, uma pessoa com a ponta de uma unha pode, ocasionalmente
e de forma não intencional, fazer um furo na folha de papel, e então, os portais da
vitória abrir-se-ão imediatamente para ela. É um processo tão simples que pode ser
expresso por um conjunto de dígitos ou, uma regra da gramática, e ao mesmo
tempo, tão complicado, que pode ser impossível encontrarmos uma resposta, ainda
que sejamos peritos em matemática e gramática. Assemelha-se à fumaça e é difícil
de ser percebida. É tão constante como uma sombra e acompanha cada alvorecer
de vitória.
199
“Seis multiplicado por seis é igual a 36”. Existem estratagemas intrínsecos aos
números, assim como existem números nos estratagemas. O “yin” e o “yang” estão
em coordenação. As oportunidades existem, não é possível fabricar oportunidades.
O processo de fabricação não irá funcionar”.
[N.T.] Entre o final da Dinastia Ming e o início da Dinastia Ch’ing, um anônimo estudioso decidiu compilar 36
estratagemas de guerra em um pequeno livro intitulado — A Arte Secreta da Guerra – Os 36 Estratagemas. Sua versão
inicial difundiu-se e sobreviveu na forma de manuscritos. Foi editado pela primeira vez em 1941 pela Editora “Xinghua
Printing House”. Desde então, diversas edições foram lançadas, tanto em chinês, quanto nos outros idiomas da Ásia
Oriental. A obra “36 Estratagemas” está incluída entre os clássicos militares da China antiga, por sua ênfase no
despistamento como uma arte militar; a maioria dos demais clássicos militares aborda táticas para campos de batalha.
Diferentemente de outras obras do gênero, o livro “Os 36 Estratagemas” enfoca o emprego de despistamento, de
subterfúgios ou táticas secretas na consecução de objetivos militares, e desta abordagem específica resulta o título da
obra: A Arte Secreta da Guerra – Os 36 Estratagemas.
[N.T.] Dong Shi era uma mulher feia; ouviu falarem que Xi Shi era tão linda quanto uma fada. Num determinado dia,
Dong Shi foi verificar por si mesma esta beleza. No entanto, Xi Shi estava doente naquele dia, com problemas
estomacais. Ela contraia as suas sobrancelhas e estava com uma expressão de dor, mas mesmo assim, ela era
surpreendentemente linda. Dong Shi, erradamente, deduziu que a beleza de Xi Shi era derivada da expressão de dor em
seu rosto. E na intenção de tornar-se bela, Dong Shi passou a contrair suas sobrancelhas imitando Xi Shi, e é claro,
ficou ainda mais feia.
200
[N.T.] A batalha de Rossbach ocorreu durante a Guerra dos 7 Anos, em 5/11/1757. U exército combinado franco
austríaco que avançava sobre Leipzig, defrontou-se com Frederico o Grande bloqueando sua passagem na localidade
de Rossbach. Frederico simulou um movimento de retirada, e o exército combinado lançou-se na perseguição, perdendo
sua formação de batalha. Então, Frederico lançou um ataque de cavalaria sobre a infantaria austríaca, espalhando-a,
seguido de uma carga geral da infantaria que parecia estar em retirada, e que acabou por dizimar o que havia sobrado
da força franco-austríaca, que teve 3000 baixas entre mortos e feridos, 5000 homens feitos prisioneiros, tendo sido força
a recuar para a Bavária. Ver: http://www.rickard.karoo.net/articles/battles_rossbach.html.
A batalha de Leuthen ocorreu durante a Guerra dos 7 Anos, em 5/12/1757. Esta batalha desenvolveu-se nas
proximidades de Breslau tendo sido travada entre Frederico o Grande da Prússia, e os Austríacos liderados pelo conde
Leopold von Daun. Frederico iniciou a batalha com uma finta contra a ala direita das forças austríacas. Então, os
austríacos deslocaram reforços de seu flanco esquerdo, posição esta que foi, efetivamente, onde Frederico atacou com
a sua força principal, destruindo completamente o flanco esquerdo austríaco. O flanco direito austríaco ameaçou mudar
o balanço da batalha, tendo destruído o fraco efetivo prussiano com que se deparava, mas Frederico havia deixado um
efetivo de cavalaria em reserva, o que conseguiu restabelecer a situação. Assim os austríacos foram obrigados a recuar
até o Rio Oder, cujas pontes não foram suficientes para assimilar o o fluxo da tropa, deixando assim 21.000 homens
para serem capturados pelos prussianos. Do efetivo inicial de 90.000 homens, somente 37.000 retornaram à Áustria. Os
prussianos perderam somente 1440 homens.
Um mês mais tarde, em Leuthen, Frederico novamente defrontou-se com uma força
austríaca que era três vezes superior a sua em números. Mas desta vez ele teve um
desempenho brilhante. Ele também utilizou a formação de ataque diagonal, mas
conseguiu aniquilar o exército austríaco. É de despertar questionamento, que um
mesmo método operacional tenha produzido resultado tão diferentes.22 Estes
eventos nos ensinam que não existe um método de guerra que possa ser sempre
considerado como o método correto. Existem apenas as regras que sempre serão
corretas. Os eventos também nos mostram que a mera existência de regras, e sua
aplicação indiscriminada, nem sempre irá garantir vitórias; o segredo da vitória
reside na aplicação correta das regras.
22 Ver Fuluer, “Uma História Militar do Mundo Ocidental”, volume 2, p.201; ver “A
Concise History of War”, p.86
201
principalmente um desvio em termos de linha de pensamento e aspectos essenciais,
em vês de um desvio no tocante ao modelo.
Por exemplo, na guerra na atualidade não exige que o ponto de ataque deva estar
sempre relacionado à proporção 0,618 para que estejamos em concordância com as
regras da vitória. É possível, que na atualidade, seja necessária uma completa
transformação nas regras da vitória. Assim sendo, o elemento “principal” passaria a
ser o elemento “colateral”. Esta é a natureza da guerra enquanto arte. Esta
característica de ser uma arte23 não pode ser substituída pela matemática, filosofia,
ou outras áreas da ciência e da tecnologia. Assim, acreditamos uma revolução na
tecnológica militar não pode substituir a revolução na arte dos assuntos militares.
Não rejeitamos e nem omitimos o significado da análise matemática, especialmente numa época do emprego amplo dos
computadores, inclusive em nossa nação onde existe uma tradição no sentido de propor a incerteza e uma aversão
quanto a precisão. Em seu livro “Several Methods of Quantitative Analysis of International Politics and Military Issues”,
Li Hongzhi menciona o emprego do “Método Beiyete” por Nigula Shiweite, para analisar a Guerra do Vietnã, o conflito
sino-soviético e as guerras Árabe-Israelenses. Em 1993, Li Hongzhi e outros analistas apresentaram previsões acuradas
quanto à guerra Bósnia – Herzegovina, usando esse método. Ver Guoji Zhengzhi e outros na publicação da Military
Science Press.
De acordo com Sun Zi: “no combate é necessário utilizar ações ortodoxas para
adquirir força e utilizar ações heterodoxas para alcançar a vitória. O combate
implica em apenas ações ortodoxas e heterodoxas. Existe uma troca interminável
no emprego das ações ortodoxas e heterodoxas”.
202
A citação de Sun Zi é do tema “Momentum” no livro de Sun Tzu “Art of War”. O princípio do “heterodoxo” representa um
conceito importante utilizado pelos antigos estrategistas militares no tocante aos métodos da guerra. A execução
imprevista de manobras que não são esperadas pelo inimigo representa o método heterodoxo. Enfrentar o inimigo no
campo de batalha de maneira clara representa o método ortodoxo. O Imperador T’ai Tsung de Tang estava
perfeitamente familiarizado com o “princípio ortodoxo-heterodoxo”. O engajamento de Weiqing é um bom exemplo
quanto a esse ponto. A publicação “A dialogue between Emperor T’ai Tsung of Tang and Li Weigong” registrou as
opiniões de Li Shimin e Li Jong quanto ao “princípio ortodoxo-heterodoxo”.
203
CAP. 7 - DEZ MIL MÉTODOS COMBINADOS EM
UM ÚNICO
COMBINAÇÕES QUE TRANSCENDEM LIMITES
A guerra será travada e vencida em uma outra guerra, além do campo de batalha; a
luta pela vitória irá ocorrer em um campo de batalha além do campo de batalha.
Embora Machiavel não tenha sido a primeira fonte da “ideologia de prosseguir além
dos limites” (foi precedido pelo chinês Han Feizi) na realidade ele foi o mais lúcido
expoente dessa ideologia.
Nascido durante o período dos Estados Guerreiros (475-221 AC) Hans Feizi foi o
grande expoente da Escola de Pensamento Legalista. Tanto em seu discurso,
quanto nas suas ações, ele enfatizava a conseqüência real, como por exemplo, em
“o alvo ao qual as palavras e feitos se destinam são os resultados”. Não existiriam
outros objetivos ou restrições. (Ver “A Comprehensive History of Chinese Thought”;
Ed. Hunan People’s Publishing House; 1987; p.115-123)
205
denominado ou entendido por — contorno.
206
Aquele que pretende vencer as guerras atuais ou aquelas do futuro, quer dizer, ter
a vitória firmemente segura em suas mãos, deverá “combinar” todos os recursos de
guerra à sua disposição e utilizá-los como meios para a condução da guerra. E até
mesmo isso não será suficiente. Ele terá de combinar aqueles recursos de acordo
com as exigências das regras da vitória. E ainda assim, tal condição não será
suficiente, porquanto as regras da vitória não podem garantir que a vitória irá “c
cair
como uma f ruta madura na cesta de colheita”. Ainda será necessária uma mão hábil
para colhê-la da árvore.
Esta mão hábil representa o conceito de “iir além dos limites”, ultrapassando todos
os contornos e fronteiras, em consonância com as regras da vitória quando
travando uma guerra com o auxílio das combinações. Assim, obtivemos um
conceito completo, um método de guerra totalmente novo e que se intitula “g
guerra
de combinação modif icada para exceder os limites” ou “G
GUERRA EM
SUPRACOMBINAÇÃO”1.
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS
COMBINAÇÕES DE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS, INTERNACIONAIS E NÃO-
ESTATAIS.
Parece que nos defrontamos com um outro paradoxo: em termos teóricos, “iir
além dos limites” deveria significar a inexistência de restrições de qualquer tipo, ou
seja, ultrapassar tudo. Mas na verdade, a ultrapassagem ilimitada de limites é
impossível de ser conseguida. Qualquer ultrapassagem de limites, somente poderá
ser efetivada atendendo a determinadas restrições, ou seja, “iir além dos limites”
não significa “nenhum limite” e sim a ampliação daquilo que era “limitado”.
207
Constituindo-se num método de guerra em que “iir além dos limites” representa sua
característica principal, o seu princípio básico consiste na reunião e combinação do
maior número de meios para solucionar um problema, constituindo uma ambiência
mais ampla que a do problema em si. Por exemplo, quando a segurança nacional é
ameaçada, a resposta não consiste em, simplesmente, selecionar meios para
enfrentar militarmente a outra nação, mas em vez disso, trata-se de dissipar a crise
através o emprego de “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS”.
Os países modernos são cada vez mais afetados pelas organizações regionais ou
globais tais como a Comunidade Européia ([sic] agora União Européia), a ASEAN,
OPEP, APEC, o FMI, o Banco Mundial, a OMC e a maior de todas elas, as Nações
Unidas.
Em seu livro “Powershift: Knowledge, Wealth, and Violence at the at the Edge of the
21st Century” Alvin Toffler dedica uma pequena seção à discussão dos “novos tipos
de organizações de âmbito mundial:”, citando: “Nós estamos vendo agora uma
mudança de poder extremamente significativa, especificamente, de países isolados
ou blocos de países, para lutadores de nível ‘mundial’”. Ao referir-se a lutadores de
nível mundial ele quer dizer corporações não-estatais, grandes ou pequenas, desde
o âmbito da Comunidade Européia até às corporações multinacionais. De acordo
com estatísticas constantes do Relatório de Investimentos das Nações Unidas de
1997, o mundo, então, tinha 44.000 corporações filiadas a multinacionais, e
280.000 companhias subsidiárias ou subordinadas a grandes empresas. Estas
208
multinacionais controlam um terço da produção mundial, têm sob seu poder 70%
do volume mundial de investimento externo direto, dois terços do volume de
comércio mundial, e mais de 70% das patentes e outras transferências de
tecnologia. (Ver “Guangming Daily, 27/12/1998, p.3, artigo assinado por Li Dalun,
intitulado “The Duality of Economic Globalization).
Talvez não tenha sido percebido por muitas pessoas, mas os fatores acima descritos
estão nos levando a um período de transformações em que as diretrizes políticas
das grandes potências estão sendo suplantadas pelas diretrizes políticas das
organizações supranacionais. A principal característica deste período é a de que ele
representa um período de transição; muitas indicações desta característica
começam a surgir, assim como muitos processos estão se iniciando. O poder
nacional constitui um elemento capital, e o poder supranacional, ou, multinacional
e não-estatal também constitui outro elemento capital, e a definição final, de qual
deles irá desempenhar o papel principal no cenário internacional, ainda está para
ser estabelecida.
Por outro lado, existem as grandes potências com visão prospectiva que já
começaram, claramente, a utilizar o poder dos atores supranacionais,
multinacionais e não-estatais, reforçando e expandindo sua própria influência. Elas
perceberam que não podem conseguir os seus objetivos dependendo apenas do seu
próprio poder. O exemplo mais recente, como também o mais típico, é da integração
da Comunidade Européia (através a implantação de uma moeda única — o Euro).
Este vigoroso processo continua em andamento, estando em recuperação após um
período conturbado. Ainda falta muito para que este processo seja concluído. Sua
atual orientação e perspectivas de longo prazo não são suficientemente claras, por
constituírem fatores que decorrem do próprio curso dos acontecimentos2.
209
Ainda assim, são evidentes alguns sinais que indicam uma tendência; isto é, uma
cortina está lentamente cerrando-se sobre uma era em que a decisão quanto à
vitória ou derrota decorria de competições de poder entre Estados. E outra cortina
está lentamente sendo descerrada, apresentando uma era em que os problemas
serão resolvidos e os objetivos serão alcançados, através o emprego de meios
supranacionais em uma ambiência maior do que a área de um Estado-nação.
210
que poderiam ser obtidos pelo Iraque na invasão do Kuwait.
211
surgimento de novas tecnologias, a dissimulação dos conflitos culturais e a
crescente ameaça das organizações não-estatais, tudo isso gera para a sociedade
humana, numa mesma proporção, conveniências e problemas.
Esta é a razão pela qual as grandes potências e, até mesmo, algumas médias e
pequenas nações, agem em conjunto sem necessidade de uma coordenação prévia,
e visualizam as “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONA IS” como um meio para resolver os seus
problemas3 . É apenas por esse motivo, que as ameaças ás nações modernas
decorrem, cada vez mais, de poderes também supranacionais, e não
especificamente de uma ou duas nações, não havendo nenhum meio melhor para
enfrentar tais ameaças, do que o emprego das “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONA IS”.
3 Por exemplo, um fato que não pode ser ignorado é que organizações como a ASEAN, a
ONU e outras, transformaram-se ou estão se transformando em organizações
supranacionais para a resolução de problemas regionais.
4 O eixo “norte-sul” (seis Estados reunidos em oposição à Q’in) e o eixo “leste-oeste” (Q’in
integrado ou uma aliança de alguns Estados para atacar um outro Estado) que surgiram
no período dos Estados Guerreiros representam exemplos de alianças entre nações. (Ver
“Warring States Strategy Explained), China Press, 1990, p.4.
5Nos dias atuais as combinações supranacionais não ocorrem apenas entre nações. Elas
também incluem combinações entre nações e organizações transnacionais e até mesmo
organizações não-estatais. Na crise financeira do Sudeste Asiático pudemos observar
uma cooperação tática entre países, o FMI e fundos agressivos.
212
Os povos envolvidos nos três períodos históricos mencionados não poderiam ter
imaginado que o princípio por eles aplicado iria permanecer inalterado até os dias
atuais, como também, não poderiam imaginar as mudanças revolucionárias que
ocorreram, desde os meios técnicos até a sua aplicação prática.
Em seu novo livro, “The Grand Chessboard: American Primacy and its Geostrategic
Imperatives” Brzezinski cria uma nova prescrição para a segurança mundial: o
estabelecimento de um sistema de segurança trans-eurasiano. O centro do sistema
é composto pelos Estados Unidos, Europa, China, Japão, Rússia, Índia e outras
nações. Não importa se a prescrição de Brzezinski é válida ou não. Pelo menos ela
indica claramente uma linha de pensamento idêntica à nossa, quer seja solucionar
os problemas de Segurança Nacional em uma ambiência mais ampla. Segundo Carl
Doe “As organizações internacionais freqüentemente tem representado uma ótima
solução através da qual é possível orientar a raça humana além da ambiência
étnica nacional”; e que a principal tarefa da integração é “manter a paz”. (Ver
“Analysis of International Relations”, Worlds Knowledge Publishing House, p. 332)
213
americanos. Não importa se a origem da organização internacional é européia,
americana, asiática, de outras regiões ou até mesmo global, os Estados Unidos
sempre se esforça em participar e manipular essas organizações.
214
sob a condição de que a Coréia do Sul abrisse totalmente o seu mercado e
proporcionasse ao capital norte-americano a oportunidade de aquisição de
empresas sul-coreanas a preços irracionalmente reduzidos.
Uma exigência como essa representa um assalto a mão armada. Proporciona aos
países desenvolvidos, tendo os Estados Unidos como líder, a oportunidade de
acesso irrestrito aos mercados de outra nação, ou entrar e esvaziar, completamente,
setores inteiros do mercado interno de outras nações. Existe muito pouca diferença
deste processo, em relação a um processo disfarçado de ocupação econômica 8.
- os ataques furtivos praticados por indivíduos como Soros, contra as finanças das
nações asiáticas;
215
- a gradativa redução de referências à expressão “o século da Ásia”; constataremos
o quão inteligentemente tudo está interligado, sem que apareçam as costuras11.
— Supondo que tudo isso foi completamente estruturado para atacar um alvo
sempre ambicionado, não seria esta uma ação combinada bem sucedida utilizando
organizações supranacionais + organizações transnacionais + organizações não-
estatais?
Ainda que não existam evidências formais para provar que o governo dos Estados
Unidos e o seu Banco Central tenham, pacientemente, projetado e utilizado esta
arma extremamente poderosa e dissimulada, analisando os indícios, poderemos
dizer que, no mínimo, determinadas ações tiveram a sua aprovação prévia e uma
concordância tácita. A questão principal com relação aos temas que desejamos
discutir aqui, certamente, não é se os norte-americanos utilizaram, ou não, de
forma intencional tal arma. Mas, sim, que como uma superarma, ela é eficaz?
A resposta é afirmativa.
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNCIAS12
COMBINAÇÕES ALÉM DA AMBIÊNCIA DO CAMPO DE BATALHA
11 O número de analistas que tem a mesma opinião de Shintaro Inshihara certamente não é
pequeno. O analista econômico Konstantin Sorochin apresentou uma opinião
semelhante em um artigo intitulado “War Role Does the CIS Play in the Asian Financial
Crisis”, publicado em 16 de julho em uma publicação russa. Ver “Reference News”,
15/08/1998.
12 [N.T.] Não adotamos a tradução literal de “Supra-Domain” como constante na obra, por
considerar que a expressão decorrente — “Supra-Ambiência” — não teria uma boa
conotação semântica, em razão do que, utilizamos a versão “Supracombinação de
Ambiências”.
216
o propósito destes conceitos que estamos estruturando e empregando. Isto se faz
necessário para deixar bem claro que as visões quanto às “Supra Combinações ou
Combinações Supra...”, inspiradas pelo pensamento de “iir além dos limites”, estão
restritas ao escopo da guerra e das ações a ela relacionadas.
O conceito de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMB IÊNCIAS” situa-se entre o conceito
previamente abordado da “C
COMBINAÇÃO SUPRANACIONAL”, e o conceito da
“S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS”, que será apresentado a seguir.
217
“Joint Vision 2010” significa basicamente o fortalecimento da proteção das
informações militares norte-americanas. Na opinião do General John Wilson, do
Comando do Material do Exército dos Estados Unidos, o “Exército do Futuro”,
capaz de deslocar-se para qualquer ponto do globo terrestre é uma “força de
dimensão total”. Pode-se ver, assim, que o raciocínio do Exército norte-americano
quanto ao conceito de “dimensão total” não leva em conta sua essência, mas
apenas o seu significado literal. (Ver “Joint Forces Quaterly”, Ed. Verão,1996).
(“Joint Forces Quaterly” é uma publicação da Universidade de Defesa Nacional. O
tema é abordado em um artigo intitulado “Joint Vision 2010: America´s Military-
Preparing for Tomorrow”).
Ainda que, desde a época de Kao Gui (um herói do período Primavera-Outono) até
os dias atuais com Collins (John M. Collins autor do livro “Grand Strategy:
Principles and Practices”), tenham surgido indivíduos de visão ampla, possuidores
de uma elevada percepção, e que, em diversos graus, demonstraram os
relacionamentos mutuamente restritivos entre as várias ambiências da guerra; até
agora a maioria dos indivíduos envolvidos com a guerra consideravam que todas as
ambiências não-militares, independentemente de sua origem, seriam apenas
acessórios para atender às alterações das necessidades militares.
218
A significativa fusão de tecnologias está fazendo com que as ambiências da política,
da economia, militar, cultural, diplomática e religiosa se sobreponham. Os pontos
de ligação das várias ambiências estão muito claros. Acrescente-se a isso a
influência da grande onda de conscientização dos direitos humanos e da
moralidade da guerra. Tudo isso está tornando cada vez mais obsoleta a idéia de
restringir a guerra à ambiência militar e usar o número de perdas de vidas
humanas como um índice da intensidade da guerra.
Neste sentido não existe, atualmente, qualquer ambiência que não possa ser
utilizada pela guerra, assim como, praticamente não existe uma ambiência que não
disponha de uma configuração para emprego ofensivo na guerra.
219
obstante, as conclusões inusitadas desses eventos possibilitam colocar o “trem” do
nosso raciocínio em movimento: Se alguém, intencionalmente, utilizar duas ou mais
ambiências mutuamente distintas, e combiná-las produzindo um tipo de tática que
possa ser aplicada, não teríamos um melhor resultado?
Tais fatos demonstram, claramente, que a guerra não é mais uma atividade
confinada, apenas, à esfera militar, e que o curso de qualquer guerra pode ser
alterado ou o seu resultado decidido, por fatores políticos, econômicos,
diplomáticos, culturais, tecnológicos ou quaisquer outros fatores não militares.
220
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS13
COMBINAÇÃO DE TODOS OS MEIOS DISPONÍVEIS (MILITARES E NÃO
MILITARES) PARA A EXECUÇÃO DE OPERAÇÕES
Numa guerra entre dois países, durante o combate e a matança entre dois
exércitos, seria necessária a utilização de meios especiais para deflagrar uma
guerra psicológica dirigida contra as famílias dos militares, as quais estão longe, na
retaguarda?
O Departamento de Defesa dos Estados Unidos intensificou o controle sobre os web sites militares na internet, visando
prevenir que potencias hostis tivessem acesso a endereços familiares, Códigos de Seguridade Social, e números de
cartões de crédito, e assim pudessem atacar as famílias dos membros das Forças Armadas.
Quando a proteção da segurança financeira de uma nação está em jogo, seria válido
usar o recurso do assassinato, para eliminar os especuladores financeiros?
Uma vez que o governo inglês permite que seus agentes secretos eliminem os líderes das chamadas (por eles) nações
terroristas — seria correto o caso de uma nação que considere os especuladores financeiros que pratiquem ataques
destrutivos contra sua economia, como criminosos de guerra ou terroristas e, deste modo, tratá-los da mesma maneira
que o governo inglês?
Será que ataques “cirúrgicos” podem ser executados contra regiões que
representam fontes de drogas, ou, de outros itens de contrabando, sem uma prévia
declaração de guerra?
Poderão ser criados recursos monetários especiais, para exercer uma maior
influência sobre o governo e o legislativo de uma outra nação por meio de “lobby”?
Os legislativos de nações que adotam o modelo representativo de governo não podem evitar o envolvimento por parte
dos grupos de “lobby”. Por exemplo, as organizações judaicas norte-americanas e a “Rifle Associaton” representam
grupos de “lobby” bem conhecidos. Na realidade, esta prática pode ter sido problema muito tempo atrás na antiga
China. Na guerra entre C’hu e Han, no final da dinastia Ch’in (209 – 202 AC), Liu Pang deu a Chen Ping uma enorme
quantia em dinheiro, visando derrotar Hsiang Yu [N.T.] Hsiang Yu era um General poderoso e muito inteligente], fora do
campo de batalha. O General rebelde Liu Pang [N.T.] Liu Pang era um líder revolucionário popular] expulsou Hsiang Yu,
o qual tinha ganhado a disputa para ser o sucessor da dinastia Chin. [N.T.] Com a vitória, Liu Pang assumiu o governo
com o nome imperial de Kao Tsu, tendo sido o primeiro imperador da Dinastia Han].
13 [N.T.] Não adotamos a tradução literal de “Supra-Means” como constante na obra, por
considerar que a expressão decorrente — “SupraMeios” — não teria uma boa conotação
semântica, em razão do que utilizamos a versão “Supracombinação de Meios”
221
Poderia a compra ou obtenção do controle de ações ser usada para transformar os
jornais e as cadeias de televisão de uma outra nação como instrumentos de uma
guerra da mídia?14
14 Segundo artigo publicado na imprensa, Soros controla a área política da Albânia através
da imprensa legal.
222
No que se refere à perspectiva das ambiências: a militar; a política; a diplomática; a
econômica; a cultural; a religiosa; a psicológica; e da mídia; todas podem,
freqüentemente, serem percebidas como meios. E as ambiências podem ainda ser
subdivididas. Por exemplo, na ambiência militar, a estratégia, as táticas, a
deterrência militar, as alianças militares, os exercícios militares, o controle de
armas, os embargos de armas, os bloqueios, todos estes elementos constituem, sem
sombra de dúvida, meios militares. E ainda que outros elementos como o auxilio
econômico, as sanções comerciais, a mediação diplomática, a infiltração cultural, a
propaganda da mídia, a formulação e implementação de regras internacionais, o
emprego das resoluções das Nações Unidas, e assim por diante, pertençam a
diferentes ambiências como as da política, da economia ou da diplomacia, os
estadistas utilizam-nos, cada vez mais, como se fossem meios militares tradicionais.
Além disso, os métodos filosóficos, científicos e artísticos também são úteis no apoio
tanto no desenvolvimento da confiança militar, quanto na ação militar. Este é o
motivo pelo qual se recorre à ideologia militar, à teoria militar, e à prática militar em
termos filosóficos, científicos e artísticos. Liddell Hart (um Oficial britânico e
estudioso militar) definiu o termo estratégia como sendo “a arte do emprego de
meios militares para a execução de objetivos políticos”.
Podemos desta forma, perceber que o conceito de “meios” abrange uma grande
área, em vários níveis, com funções que se sobrepõem, e assim sendo, não é um
223
conceito de fácil entendimento.
Durante a crise de 1978, quando o Irã ocupou a Embaixada dos Estados Unidos e
manteve reféns, a princípio, todo o pensamento norte-americano voltou-se para o
emprego impetuoso dos meios militares. Somente depois que esses meios
fracassaram, as táticas foram alteradas. Congelando-se, inicialmente, as reservas
monetárias do Irã no exterior, e em seguida, impondo-se um embargo de
armamentos e fornecendo apoio ao Iraque na Guerra contra o Irã. A partir de então,
é que surgiram as negociações diplomáticas. Quando todos esses processos foram
usados em conjunto a crise chegou ao seu final15.
Isto demonstra, claramente, que num mundo com uma complexidade sem
precedentes, o modelo e a amplitude de aplicação dos meios está, também, num
processo de contínua alteração; o uso isolado de um meio de melhor qualidade, não
apresentará vantagens em relação à utilização de vários meios em combinação.
Deste modo, a “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS” está se tornando extremamente
necessária, sendo lastimável que isto só seja percebido por poucas nações. E, por
outro lado, são as organizações não-estatais, na busca de diversos interesses, que
não estão poupando esforços na pesquisa quanto ao uso de meios em combinação.
Por exemplo, a máfia russa combina o assassinato, o rapto, e os ataques de hackers
contra os sistemas eletrônicos dos bancos, objetivando o seu próprio
enriquecimento. Algumas organizações terroristas visam objetivos políticos através
da combinação de meios, tais como: o lançamento de bombas, captura de reféns e a
realização de ataques às redes interativas.
15 Ver Carl Doe, “Analysis of International Relations”; Editora “World Knowledge Publishing
House”; p.272-273. (O nome do autor é uma aproximação de sua versão em chinês)
224
a “Merill Lynch”, a “Fidelity”, e a “Morgan Stanley” e seus parceiros para uma
conjugação de forças no mercado financeiro em uma escala gigantesca e, deste
modo, desencadear, uma após outra, terríveis guerras financeiras.
O analista Barton Bigs é funcionário da Morgan Stanley Holding Company. Ele é considerado como o melhor e mais
influente estrategista de investimentos no mundo. Ele preside a empresa que tem um capital de 30 bilhões de dólares,
dos quais 15% pertencem a ele. Antes das tempestades financeiras na Tailândia e Hong Kong ele e a empresa
implementaram algumas medidas que possibilitaram a atuação dos especuladores. (Ver o artigo “A Preliminary
Exploration of the Patters of Action of Today’s International Capitalism”; “China Social Science”, nº 6, 1998).
A maioria desses meios não possui uma característica militar (ainda que,
freqüentemente, tenham uma tendência para a violência); no entanto os métodos
pelos quais eles são combinados certamente não deixam de servir como uma
inspiração para o uso eficaz dos meios militares e não militares na guerra.
Embora não se possam desprezar totalmente outros fatores relativos aos meios, eles
devem atender ao pré-requisito de que o seu emprego ser vantajoso para a
consecução do objetivo. Isto significa que aquilo que as “S
SUPRACOMBINAÇÕES DE
MEIOS” devem sobrepujar, não são os outros [meios] e sim os padrões morais ou os
princípios morais intrínsecos aos próprios meios. Isto é muito mais difícil e
complexo do que combinar determinados meios com outros meios.
Nós só poderemos nos desvencilhar dos tabus e entrar no campo da livre escolha de
meios — a ambiência do “além dos limites” — se tivermos a visão completa do
conceito de “além dos limites”. E isto porque não podermos alcançar objetivos
simplesmente pelo emprego de meios já prontos. Nós ainda precisamos encontrar o
processo ideal para alcançar os objetivos, um modo correto e eficaz de empregar
meios. Em outras palavras, descobrir como combinar meios diferentes e criar novos
meios para a consecução de objetivos.
225
Por exemplo, nesta era de integração econômica, se alguma nação16
economicamente poderosa deseja atacar a economia de uma outra nação e ao
mesmo tempo atacar suas defesas, ela não poderá depender, exclusivamente, do
emprego de meios prontos, como os bloqueios econômicos e as restrições ao
comércio, ou ameaças militares e o embargo de armamentos. Em vez disso, ela deve
ajustar sua própria estratégia financeira, usar prioritariamente a valorização ou a
desvalorização monetária, e combinar outros meios, como por exemplo, a conquista
de maior influência na opinião pública e mudança de regras de maneira suficiente a
criar turbulência financeira e uma crise econômica no país ou área alvo,
enfraquecendo o seu poder global, incluindo o seu potencial militar.
Até mesmo um eminente poder mundial como a China, já dispõe do potencial para
abalar a economia mundial simplesmente alterando suas diretrizes econômicas. Se
a China fosse uma nação egoísta, e tivesse faltado com a sua palavra em 1998,
permitindo que sua moeda fosse desvalorizada, sem a menor dúvida, tal atitude
teria ampliado os infortúnios das economias asiáticas. Teria também provocado um
cataclismo nos mercados de capital do mundo, daí resultando, que até mesmo a
nação mais devedora do mundo, uma nação que depende da entrada de recursos
monetários externos para manter sua prosperidade econômica, e que é os Estados
Unidos, teria certamente sofrido pesadas perdas econômicas. Tal desfecho
certamente seria melhor do que um ataque militar.
16 [N.T.] No texto original o Autor refere-se a “Empresa” ao invés de “Nação”. Creio que o
emprego de Nação seja mais correto.
226
O emprego isolado de meios produzirá efeitos progressivamente menos importantes
e as vantagens do uso combinado de vários tipos de meios tornar-se-á cada vez
mais evidente. Isto abriu uma ampla possibilidade para as “S
SUPRACOMBINAÇÕES DE
MEIOS” e para o emprego desses tipos de combinações nas ações de guerra ou de
quase guerra.
227
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS
COMBINAR TODOS OS NÍVEIS DE CONFLITO EM CADA CAMPANHA
No tocante a esses dois lados oponentes em combate, eles seguem uma única via
até os resultados que obtiveram. A única diferença entre eles consiste na
determinação de qual dos dois lados, ao subir aqueles degraus invisíveis, atingiu
uma posição mais alta, e de qual lado tropeçou e caiu. Mudanças súbitas e eventos
imprevistos poderão ocorrer até mesmo quando você atinge o último degrau.
228
conseqüência do processo de acumulação, e a partir daí, transformar esse método
em um tipo de estratégia, ou seja, naquilo que deveríamos procurar fazer.
Logicamente, sabemos que uma batalha não representa uma guerra, como também,
um soldado não constitui um exército. Isto, porém, não é o tema em discussão. O
nosso problema é de como empregar algum método para dissociar todos os níveis e
reconstituí-los arbitrariamente.
O “n
nível” representa, também, uma espécie de restrição semelhante às fronteiras
nacionais, as fronteiras territoriais e os limites dos meios. São fronteiras e limites
que devem ser ultrapassados na prática efetiva da “G
Guerra de Supracombinações”.
Sob o nosso ponto de vista, se a divisão dos níveis das guerras for feita sob os
aspectos da escala da guerra e dos métodos de guerra correspondentes, então os
níveis da guerra serão significativamente simplificados, e será suficiente uma
divisão em apenas quatro níveis.
229
Quanto a esta conclusão, nossa opinião e as opiniões de alguns analistas militares
norte-americanos são basicamente as mesmas, a diferença ocorrendo apenas na
terminologia. O nosso delineamento específico é o que se segue:
230
esses métodos e a lutar bem, qualquer que fosse o nível em que estivessem.
Mas, para os militares do século 21, não será suficiente a mera colocação em
prática dos métodos previstos nos quatro níveis. Eles deverão descobrir como
romper esses níveis de modo a vencer as guerras pela combinação de todos os
métodos, desde as ações supranacionais até o combate nas batalhas específicas.
Esta é, certamente, uma missão que poderá ser cumprida.
Não importa se iremos utilizar apenas uma fração dos recursos disponíveis ou usar
um machado para matar uma galinha; o método empregado será adequado, desde
que funcione corretamente.
Bin Laden usou um método tático quando utilizou apenas dois veículos com cargas
explosivas e, com isso, estabeleceu uma ameaça para os interesses nacionais dos
Estados Unidos a nível estratégico; ao passo que, para os norte-americanos
poderem obter a consecução do seu objetivo estratégico, qual seja a proteção da sua
própria segurança, teriam de executar uma retaliação a nível tático contra bin
Laden.
231
que seriam provocadas pela guerra. Por dispor do ímpeto e a discrição do combate
“transnível” este método de combate individual, muito facilmente, produz
resultados positivos nos níveis estratégicos e até mesmo no nível da diretriz de
guerra. Esta é a substância e o significado da “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS”.
232
CAP. 8 - PRINCÍPIOS ESSENCIAIS
Infelizmente, enquanto ele combatia e vencia guerras não teve tempo disponível
para escrever; e depois que foi derrotado, não teve mais disposição para a tarefa.
Não obstante, para um general que obteve cerca de 100 vitórias durante sua vida,
isto não deveria representar um fato a se lamentar. Porém, tendo sido um homem
notável, foi suficiente que ele deixasse um brilhante legado de vitórias,
possibilitando que a posteridade examinasse, detalhadamente, seu caminho para a
vitória.
E assim foi que 100 anos mais tarde, tendo como fundamento as guerras
comandadas por este antigo inimigo, que gerava temor no povo inglês, quer durante
sua vida, como também após o seu falecimento, um general inglês chamado J. F. C.
Fuller criou cinco princípios para a condução da guerra1. Todos os princípios de
guerra moderna, adotados no Ocidente, são descendentes desta proposição de
1 Os cinco princípios que Fuller deduziu a partir das Guerras Napoleônicas são: ataque,
manobra, surpresa, concentração e apoio. Em paralelo a isso, Fuller, adotando os pontos
de vista de Clausewitz, também deduziu sete princípios, semelhantes aos referentes às
Guerra Napoleônicas, quais sejam: manutenção do objetivo; segurança da ação;
mobilidade da ação; exaurir a capacidade ofensiva do inimigo; concentrar forças; e a
surpresa. Estes princípios tornaram-se o fundamento dos modernos princípios militares.
(Ver “The Writings of Fuller” em “Combat Command”; Ed. Liberation Army Publishing
House”; p. 38-60)
Fuller. Ainda que, mais tarde, os regulamentos militares de algumas nações, bem
como diversos analistas militares tenham proposto isto ou aquilo como princípios
de guerra, tais propostas diferem muito pouco daqueles princípios que foram
enunciados por Fuller2. Esta perenidade conceitual ocorre, porque desde o início
das Guerras Napoleônicas, até o período imediatamente anterior à Guerra do Golfo,
salvo o contínuo aumento na letalidade e poder de destruição dos armamentos, não
existiram motivos para uma alteração significativa na natureza da guerra em si.
234
Ainda que lamentemos o fato de que a teoria das “o
operações onidimensionais”
tenha morrido no seu nascedouro, estamos decididos no propósito de que a “G
Guerra
em Combinação Além dos Limites” não irá permanecer restrita, ao nível de uma
especulação teórica. Ao contrário, desejamos que ela seja incorporada aos métodos
de combate e possua uma aplicação prática.
Aqui temos um giroscópio, deixemos que ele nos oriente! Examinemos os princípios
relacionados a seguir, e vejamos o que eles podem acrescentar à “G
Guerra de
Combinação Além dos Limites”: Onidirecionalidade; Sincronia; Objetivos limitados;
Medidas ilimitadas; Assimetria; Consumo mínimo; Coordenação onidimensional; e
Ajuste e controle de todo o processo;
ONIDIRECIONALIDADE
PLANEJAMENTO E OBSERVAÇÃO EM 360 GRAUS.
EMPREGO COMBINADO DE TODOS OS FATORES RELACIONADOS
3 [N.T.] Na versão apócrifa em inglês foi usada a expressão “unrestricted warfare”, mas os
autores, originalmente, sempre se refeririam à guerra além dos limites.
235
de medidas, ou na combinação de todos os recursos que possam ser mobilizados
para a guerra, esse executor tenha um campo de visão desimpedido, uma
concepção sem obstáculos e uma orientação nítida.
guerra além dos limites” não existe mais qualquer distinção entre o
No tocante à “g
que é, e o que não é, o campo de batalha. Os espaços naturais, compreendendo a
superfície terrestre, os oceanos, a atmosfera e o espaço exterior, constituem campos
de batalha, e os espaços sociais, tais como os militares, políticos, econômicos,
culturais e psíquicos, também são campos de batalha. O espaço tecnológico,
unindo esses dois grandes espaços, representa um campo de batalha ainda mais
importante, dentro do qual os antagonistas não medem esforços em sua contendas.
O campo de batalha da “guerra além dos limites” difere dos campos de batalha do passado, pelo fato de que ele
incorpora todos os espaços naturais, tais como a ambiência social, e a esfera de desenvolvimento contínuo da
tecnologia, onde o espaço, agora, já é medido em nanômetros. Atualmente, estes espaços estão interligados uns aos
outros. Por exemplo, o espaço cósmico pode ser encarado como um espaço natural, e também como um espaço
tecnológico, uma vez que, cada passo no sentido da militarização do espaço exterior requer um avanço tecnológico. Da
mesma forma, a interdinâmica entre a sociedade e a tecnologia deve ser vista como uma constante.Não existe um
exemplo mais típico deste fenômeno que o efeito da tecnologia cibernética sobre a sociedade. Em decorrência desses
aspectos, podemos ver que o campo de batalha é onipresente e desta forma só podemos vê-lo de forma onidirecional.
236
equipamentos e métodos de combate e, principalmente, de uma unidade militar, ou
força equivalente, para a execução de uma determinada missão em uma batalha.
Devemos ter sempre em mente, que todas essas combinações devem incluir,
também, combinações interativas entre os respectivos níveis.
Finalmente, deve ser esclarecido que o âmbito das operações de combate, em cada
guerra específica, nem sempre irá se expandir para todos os espaços e ambiências,
mas o primeiro princípio da “guerra em combinação além dos limites” é o de pensar
onidirecionalmente e entender as condições do combate.
SINCRONIA
A CONDUÇÃO DAS AÇÕES EM ESPAÇOS DISTINTOS DENTRO DO MESMO
PERÍODO DE TEMPO
237
ataque combinado, permitem que sejam alcançadas: a surpresa, o sigilo e a
eficácia.
Uma única ação de grande profundidade, mas que seja sincronizada, poderá
representar apenas uma pequena operação de “combate além dos limites”, mas
poderá ser suficiente para representar o desfecho de toda uma guerra. O que
queremos caracterizar como “S
SINCRONIA” não significa “simultaneidade”, sem que
haja até mesmo a diferença de um segundo; ao contrário, deve ser entendida como
“dentro de um mesmo período de tempo”. Neste sentido a “g
guerra além dos limites”
merece ser chamada de “guerra no momento determinado”. Usando esta definição
como um padrão, a força armada cujas capacidades militares estão bastante
próximas desse nível é a dos norte-americanos.
OBJETIVOS LIMITADOS
UTILIZAR UMA BÚSSOLA PARA ORIENTAR A AÇÃO — DENTRE UMA SÉRIE
ACEITÁVEL DE MEIOS DISPONÍVEIS
5 Não há um exemplo mais típico disto que os quatro princípios, definidos na publicação
militar norte-americana “Joint Vision 2010”, quais sejam: “manobra dominante,
engajamento de precisão, logística com ação concentrada, proteção em dimensão total”.
Todos estes novos princípios destinam-se à guerra militar.
238
Ao qualificarmos um objetivo como limitado isto significa que ele será limitado em
relação às medidas adotadas para a sua consecução. Deste modo, o princípio do
estabelecimento de objetivos limitados significa que os objetivos sempre devem ser
menores do que as medidas utilizadas.
O exemplo mais típico quanto à expansão de objetivos foi o erro cometido por Mac
Arthur na guerra da Coréia. Seguindo-se a este podem ser mencionados erros
semelhantes cometidos pelos norte-americanos no Vietnã e pelos soviéticos no
Afeganistão. Isto prova que não importa apenas qual é o tipo de ação, mas também
quem está executando essa ação.
239
mesmo Clinton não percebeu que os interesses nacionais e a percepção de valores
são objetivos estratégicos com duas escalas de medida completamente distintas.
Uma empresa que disponha de recursos limitados, mas que ainda assim esteja
disposta a assumir responsabilidades ilimitadas, irá obter o único resultado
possível e que é a falência.
MEDIDAS ILIMITADAS
A TENDÊNCIA É NO SENTIDO DO EMPREGO IRRESTRITO DE MEIOS, SENDO,
PORÉM, RESTRITA À CONSECUÇÃO DE OBJETIVOS LIMITADOS
7 Para maiores detalhes ver “How Great Generals Win” de Bevin Alexander; p.101-125.
240
um objetivo. Finalmente, foram deixadas de lado. O emprego de medidas ilimitadas
somente pode ser concretizado, de acordo com o pensamento de Confúcio, “c
como
for de seu agrado, mas sem desrespeitar as regras”. Neste caso, as “regras”
significam os objetivos.
A ideologia do “a
além dos limites” amplia o significado de “c
como for do seu agrado”, à
faixa de seleção e os métodos de emprego das medidas, mas isto certamente não
significa uma ampliação dos objetivos “c
como for de seu agrado”.
Significa apenas empregar medidas sem restrições, além das fronteiras, visando a
consecução de objetivos limitados.
No sentido oposto, um General inteligente não irá limitar suas medidas levando em
conta que os objetivos são limitados. Isto muito possivelmente produziria um
fracasso à beira de um sucesso. Assim sendo, o limitado deve ser buscado através o
ilimitado.
Antes da Quarta Guerra do Oriente Médio, o “Plano Badr” egípcio (a guerra começou na data de aniversário da Batalha
de Badr em 626 DC) estava dividido em duas etapas. A primeira etapa consistia na travessia forçada do Canal de Suez,
rompendo com a Linha de Defesa Bar Lev, assumindo o controle de uma área com 15 a 20 quilômetros de profundidade,
na margem leste do canal. A segunda etapa compreendia o ataque e captura de uma linha que se estendia da
Passagem de Mitla, passando pela Passagem Giddi indo até a Passagem Khatima, visando a garantia da segurança da
margem leste do canal, para depois avançar sobre o inimigo, na medida em que a situação assim o permitisse. Porém,
durante as ações de combate, assim que o Exército egípcio cruzou o canal assumiu uma posição defensiva,
permanecendo nesta postura por cinco dias, antes de prosseguir na sua ofensiva, dando assim oportunidade ao exército
israelense de se recuperar.
241
DESEQUILÍBRIO
A BUSCA DE MODOS DE AÇÃO NA DIREÇÃO OPOSTA DOS CONTORNOS DO
EQUILÍBRIO DA SIMETRIA.
O “D
DESEQUILÍBR IO”, como um princípio, representa um sustentáculo importante na
apreciação das regras da ideologia “além dos limites”. O seu aspecto fundamental é
o de canalizar o pensamento na direção oposta ao equilíbrio da simetria e
desenvolver ações de combate neste contexto.
Nos casos como, por exemplo, da Chechenia versus Rússia, Somália versus Estados
Unidos, guerrilha da Irlanda do Norte versus Inglaterra, Jihad Islâmico versus todo
o Ocidente, podemos constatar, sem exceções, a consistente e sábia recusa de
enfrentar diretamente as forças da potência mais forte. Em vez disso, o lado mais
fraco tem enfrentado o seu adversário utilizando a guerra de guerrilha
principalmente a guerrilha urbana, a guerra terrorista, a guerra santa, a guerra de
desgaste8, a guerra em redes interativas e outras formas de combate.
242
No que concerne a guerrilha urbana, o famoso pesquisador do desenvolvimento da sociedade capitalista, Fernand
Braudel enfatizou, em particular, a “grande importância da função organizacional” das grandes cidades no mundo
capitalista. A despeito de seu grande tamanho, este mundo, ainda assim, possui um grande número de pontos de
aglomeração compreendendo cidades tais como: Nova Yorque, Londres, Tókio, Bruxelas e talvez Hong Kong. Se estas
cidades fossem atacadas simultaneamente, ou se uma guerras de guerrilha eclodisse simultaneamente nestas cidades,
isso levaria o mundo a um caos. (“The Motive Force of Capitalism”; Fernand Buluodaier; Ed. Oxford Press).
Na maioria das vezes o lado mais fraco seleciona como seu principal eixo de batalha
aquelas áreas ou linhas de batalha onde o adversário não espera ser atacado. O
centro de gravidade do ataque é sempre um local que irá provocar um enorme
impacto psicológico no adversário.
Além da eficácia que a assimetria demonstra, quando utilizada, que ela se constitui
numa aplicação prática da regra da proporção áurea. Dentre todas as regras ela é a
única que estimula a ruptura das regras assim como a utilização das regras. É,
também, uma prescrição eficaz para um tratamento metódico e bem equilibrado
para a enfermidade crônica do raciocínio.
CONSUMO MÍNIMO
UTILIZAR O MÍNIMO DE RECURSOS DE COMBATE [QUE SEJAM] SUFICIENTE
PARA A CONSECUÇÃO DO OBJETIVO
Mais importante do que uma familiaridade cabal com os princípios será saber como
os princípios são aplicados. A consideração quanto a usar, ou não, a quantidade
mínima de recursos para a consecução de um objetivo irá depender do tipo de
combate que for selecionado. Por exemplo, a campanha de Verdun é considerada
pelos historiadores da guerra como um “moedor de carne”, porque ambos os lados
travaram uma insensata guerra de atrição. Em contraste com esse exemplo, a razão
pela qual a Alemanha foi capaz de eliminar a força conjunta franco-britânica, após
o cruzamento da Linha Maginot, foi por ter combinado o menor intervalo temporal
com uma ótima rota,e com as armas mais poderosas, formando uma “blitzkrieg”.
Assim sendo, pode-se constatar que a solução para realmente obter um “consumo
mínimo” é descobrir um método de combate que utilize racionalmente os recursos
para o combate.
O raciocínio que nos leva a ultrapassar essas dificuldades é de que devemos usar
“mais” para obter “menos”. Isto é, combinar as vantagens de vários tipos de
recursos para o combate em vários tipos de ambiência de modo a estruturar um
Portanto, o custo de uma guerra futura depende, principalmente, de qual tipo de guerra
for selecionado.
244
modelo de combate totalmente novo, conquistando o objetivo e, ao mesmo tempo,
minimizando o consumo.
COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL
A COORDENAÇÃO E A ALOCAÇÃO DE TODAS AS FORÇAS QUE PODEM SER
MOBILIZADAS NAS AMBIÊNCIAS MILITAR E NÃO-MILITAR EM RELAÇÃO A UM
OBJETIVO.
O termo “M
MULTIDIMENSIONAL” aqui citado representa uma outra maneira de
referirmo-nos a ambiências múltiplas e forças múltiplas. Ele nada tem a ver com a
definição de “dimensionalidade” no sentido da Matemática ou da Física.
“C
COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL” refere-se à coordenação e cooperação entre
forças distintas, em diferentes ambiências, visando à consecução de um objetivo.
Portanto, esta definição nada tem de original. Explicações semelhantes podem ser
encontradas em muitos regulamentos de combate, tanto antigos, quanto
recentemente publicados.
A única diferença que existe entre nossa definição e definições semelhantes é, e isto
representa a grande diferença, a introdução direta, em vez de indiretamente, de
f atores não-militares e não-bélicos.
245
O conceito da COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL somente poderá ser
estabelecido no contexto de um objetivo específico. Sem um objetivo, não podemos
falar de coordenação multidimensional. Mas o tamanho do objetivo determina o tipo
e a profundidade da coordenação em cada ambiência. Se o objetivo selecionado, ao
nível da diretriz de guerra, for o de vencer uma guerra, as ambiências e forças que
necessitam ser coordenadas podem abranger toda a nação, ou, até mesmo o nível
supranacional. A partir desse ponto poderemos fazer generalizações dizendo que em
qualquer ação, militar ou não-militar, independentemente do grau de presença das
ambiências e da quantidade de forças a serem empregadas, a coordenação entre as
várias dimensões é absolutamente necessária. Isto certamente não implica que,
para cada ação, quanto mais medidas forem mobilizadas melhores serão os
resultados, ao invés disso, o limite é determinado pela medida do necessário.
Mas, ainda assim, isto não é suficiente. Ao aplicar este principio temos que
desenvolver, também, uma ação “além dos limites”, e na maior extensão possível,
fazer da coordenação multidimensional um procedimento operacional comum,
trazendo os processos de interligação e combinação gradual a todos os níveis desde
o das diretrizes até o das táticas.
12 Quanto a isso, a China é bem provida pela natureza. Uma extensa tradição cultural, uma
ideologia pacífica, nenhum registro histórico quanto a agressões, o forte poder econômico
do povo chinês, um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e assim por
diante, tudo isso representar importantes “recursos estratégicos”.
246
AJUSTE E CONTROLE DE TODO O PROCESSO
DURANTE TODO O TRANSCORRER DE UMA GUERRA, DESDE SEU INÍCIO, SUA
PROGRESSÃO ATÉ SUA CONCLUSÃO, OBTER, CONTINUADAMENTE,
INFORMAÇÕES, ADAPTAR AS AÇÕES E CONTROLAR A SITUAÇÃO.
Hoje, com a tecnologia cibernética agregando todo o globo terrestre em uma rede, o
número de fatores a serem considerados em uma guerra é muito maior do que nas
guerras do passado.
Na guerra moderna, fatores fortuitos influenciam os resultados do mesmo modo que na Antigüidade. Caso um fusível no
computador de um centro de comando fique superaquecido ou for destruído em um momento crítico isto poderia causar
um desastre. (Isto é inteiramente possível de ocorrer, e foi uma das causas de um ataque por engano efetuado por um
F-16 na região do Golfo. Ocorreu porque o circuito elétrico do equipamento de identificação “amigo ou inimigo” a bordo
de um helicóptero Blackhawk freqüentemente ficava superaquecido e os pilotos de quando em vez desligavam o
equipamento para reduzir a temperatura).
247
habilidade. Não é, todavia, um novo tipo de tecnologia. O que é necessário para
controlar a situação do campo de batalha, sempre em alteração, é o emprego mais
amplo da intuição em vez da dedução matemática. Mais importante do que
constantes alterações do posicionamento das forças e de uma contínua atualização
dos armamentos são o conjunto completo de regras de combate resultantes da
transferência do campo de batalha para as ambiências não-militares.
Certamente a vitória não está garantida apenas porque um dos oponentes adere a
tais princípios. Todavia, e sem a menor dúvida, o seu não cumprimento leva à
derrota. Os princípios representam, sempre, condições essenciais para a vitória na
guerra, mas eles não representam as únicas exigências.
Na falta de um princípio que garanta a vitória, aquilo de que dispomos são apenas
princípios essenciais. Deveremos sempre ter em mente esta conclusão.
248
CONCLUSÃO
“A computadorização e a mobilização criaram vários
milhares de empreendimentos globais e dezenas de
milhares de organizações internacionais e
intergovernamentais”.
E. Laszio
Num tempo em que o antigo ideal de uma “família humana” é usado como um item
de propaganda da IBM, a “globalização” não mais representa uma profecia de
futuristas.
1 Um termo amplo para definir acordo europeu firmado em 1648. Através dele ocorreu o
término de uma guerra que durou 80 anos entre Espanha e os Países Baixos. Assim
como, a guerra de trinta anos na Alemanha. Tal acordo pode também ser considerado
como a base de todos os tratados firmados após o desmembramento do Sagrado Império
Romano em 1806.
- 249 -
número de organizações multinacionais, transnacionais e não-nacionais,
juntamente com as contradições inerentes entre uma nação e outra, estão
apresentando um desafio sem precedentes para a autoridade nacional, os
interesses nacionais e a vontade nacional.
O posicionamento do Estado como sendo a entidade definitiva tem sido questionado por vários setores, e o que é mais
significativo e mais preocupante é que o monopólio do Estado, quanto aos armamentos também está sendo seriamente
contestado.
De acordo com a publicação “Nationalis and Nacionalism”, um Estado é definido como a única entidade que pode
legalmente aplicar a força. De acordo com uma pesquisa de opinião pública realizada pela revista “Newsweek” em
1997, nos Estados Unidos quanto à origem da ameaça que irá surgir no século XXI: 32% dos entrevistados disseram
que viria do terrorismo; 26% indicaram o crime internacional e os traficantes de drogas; 15% acreditavam que seria do
ódio racial; os Estados-Nação ficaram em quarto lugar na pesquisa.
Em um pequeno panfleto que o exército norte-americano divulgou pela internet intitulado “Traduc Pamphlet 525-5: Force
XXI Operations”, as forças não-nacionais, são claramente listadas como “futuros inimigos” sendo mencionado, também,
que “as ameaças a segurança partindo de forças não-nacionais as quais utilizando modernas tecnologias obtiveram
capacidades semelhantes àquelas dos Estados-Nação, estão cada vez mais visíveis, representando um desafio para a
ambiência do Estado-Nação tradicional
Tendo em vista o seu campo de ação, as ameaças à segurança podem ser divididas em três categorias:
1 - Subnacional – As ameaças subnacionais incluem conflitos políticos, raciais, religiosos, culturais e étnicos e esses
conflitos desafiam as características e a autoridade do Estado-Nação a partir do interior do próprio Estado-Nação.
2 – Não-nacional – As ameaças não-nacionais não estão relacionadas aos países onde elas têm origem. As entidades
criadoras dessas ameaças não fazem parte de um Estado-Nação e nem desejam estabelecer tal condição, o crime
organizado regional, a pirataria e as atividades terroristas são exemplos dessas ameaças.
3 – Transnacional – As ameaças transnacionais transcendem as fronteiras dos Estados-Nação, operando em escala
regional ou até mesmo global. Elas incluem os movimentos religiosos, as organizações do crime internacional e
organizações econômicas informais que facilitam a proliferação dos armamentos. Ver “The World Map in the Information
Age”, Chinese People: University Pres, 1997, pp. 44-46.
Os militares norte-americanos não consideram as empresas multinacionais que obtêm lucros através de monopólicos
como ameaças à segurança, à ambiência militar. Empresas multinacionais como a Microsoft e a Standard Oil-Exxon,
cujas riquezas iguala-se à de muitas nações, podem também vir a constituir ameaças reais à autoridade nacional e
podem inclusive provocar significativo impacto nos assuntos internacionais
2 Conta a lenda que Alexandre o Grande após ter invadido a Ásia Menor com o seu exército
foi orar no templo de Zeus na cidade de Gordium. No templo havia uma biga que estava
totalmente envolvida e presa por um cabo com um nó no final da amarração. Essa biga
teria pertencido a Midras Rei da Phygia e segundo se dizia ninguém tinha sido capaz até
o momento de desfazer esse nó. Defrontado com o problema Alexandre empunhou sua
espada e com um sói golpe rompeu o nó. A expressão “nó Górdio” tem o significado de
algo problemático e insolúvel.
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meios políticos, econômicos ou diplomáticos possuem agora suficiente poder para
suplantar os meios militares. Entretanto, a humanidade não tem razões para se
regozijar, pois o que foi feito nada mais é que substituir, o quanto possível, a guerra
sanguinária por uma guerra sem derramamento de sangue.
As guerras futuras terão, com mais freqüência, certos tipos de hostilidades como, por exemplo, a guerra financeira em
que uma nação poderá ser subjugada, sem que ocorra derramamento de sangue. Pense um pouco sobre isso! Quais
teriam sido as conseqüências desastrosas para as economias de Hong Kong e até mesmo da China se a batalha de
agosto de 1998 para proteger as finanças de Hong Kong, tivesse sido perdida? Tais situações são possíveis de ocorrer
e se não tivéssemos o colapso do mercado financeiro da Rússia que colocou sob ataque por todos os lados as
especuladores financeiros. É difícil prever quais teriam sido as conseqüências.
Considerada esta realidade, o sonho da raça humana quanto à paz é ainda tão
ilusório como sempre foi. Mesmo que procuremos ser otimistas, a guerra não será
eliminada totalmente dentro um futuro previsível, seja ela sanguinária ou não.
Uma vez que tudo o que for acontecer, em última análise, tornar-se-á coisa do
passado, o que nós podemos e devemos fazer no presente é enfocar como alcançar a
vitória.
Defrontados com a guerra em sua interpretação mais ampla, e que irá desdobrar-se
em um campo de batalha sem fronteiras, não é mais possível depender apenas das
forças armadas e de seus armamentos para alcançar a segurança nacional em seu
significado mais amplo, como também, não é possível proteger aqueles interesses
nacionais já estratificados.
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No início do século XX, Clemenceau declarou que “a guerra é um assunto muito
sério para ser deixado a cargo dos generais”. A história dos últimos cem anos,
todavia, nos mostra que a transferência da direção da guerra para os políticos
também não representa a solução ideal para solucionar este importante assunto3.
Se indivíduos como Morris, Bin Laden e Soros podem ser considerados “militares”
das guerras do futuro, então quem não é um militar? Se personalidades como
3 Não importa se estamos nos referindo a Hitler, Mussolini, Truman, Johnson, ou, Sadan,.
A realidade é que nenhum deles conseguiu controlar a guerra com sucesso. O próprio
Clemenceau pode ser inserido nesta relação.
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Powell, Schwartzkopf, Dayan e Sharon podem ser considerados políticos
envergando uniformes militares, então quem não é um político? Este é o enigma
que a globalização e a guerra na era da globalização deixaram para a consideração
dos militares.
Esta chave deveria abrir todos os encadeamentos que estejam ligados à guerra,
devendo ser aplicável a todos os níveis e ambiências, desde a diretriz de guerra,
passando pela estratégia, pelas técnicas operacionais até as táticas, como também
deve ajustar-se ao proceder dos indivíduos, desde políticos e generais até os
soldados rasos.
Nós não podemos conceber qualquer outra possível chave que não seja a “guerra
além dos limites”.
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PALAVRAS FINAIS
Daí, que resolvemos escrever este livro, um livro que pudesse reunir as
preocupações e os pensamentos que cada um de nós acumulou em várias décadas
anteriores, e especialmente durante os últimos dez anos, quanto aos assuntos
militares.
Devemos, em primeiro lugar, pedir desculpas aos leitores pelo fato de que, embora
fossemos muitos escrupulosos e nos esforçássemos com todo o esmero na
elaboração deste livro ainda assim depois que a palavra escrita passou a refletir as
idéias, de modo semelhante às estrelas cadentes que cruzam os céus,
transformando-se em meteoritos após o seu resfriamento, todos vocês, (incluindo
nós mesmos), ainda poderão encontrar muitos erros e colocações que são
inadequadas.
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Não iremos usar aquelas palavras de desculpas “pedimos sua generosa boa
vontade” visando obter perdão. Tão somente iremos introduzir as correções
necessárias na segunda edição deste livro (se houver uma).
Por último, também gostaríamos de agradecer a nossa família pelos sacrifícios que
enfrentaram, como conseqüência da elaboração deste livro e, novamente, isto não
pode ser expresso por palavras.
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CURRÍCULO DOS AUTORES
Suas obras mais importantes incluem “Gate to the Final Epoch”, “Spiritual
Banner”, e “Great Glacial River”.
Além de suas criações literárias ele tem se dedicado, durante muito tempo, à
pesquisa da teoria militar e juntamente com outros escritores produziu as seguintes
obras: “A Discussion of Military Office Quality”; “Viewing the Global Military Big
Powers”; “A Listing of the Rankings of Global Military Powers”.
Ele colaborou com outros autores na elaboração dos livros “A discussion of Military
Officer Quality”, Viewing the Global Military Powers”; e “A Record of Previous Major
Global Wars”.
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