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A GUERRA ALÉM

DOS
LIMITES

CONJECTURAS SOBRE A GUERRA E A


TÁTICA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

QIAO LIANG E WANG XIANGSUI


BEIJING: PLA LITERATURE AND ARTS PUBLISHING HOUSE,
FEVEREIRO, 1999
NOTA DO EDITOR
O texto constitui uma seleção do livro “A Guerra Além dos Limites: Conjecturas
sobre a Guerra e a Tática na Era da Globalização”, publicado na China, em
Fevereiro de 1999, incluindo o Índice, Prefácio, Palavras Finais, e as Informações
Bibliográficas dos autores do livro.

A obra propõe atitudes e procedimentos que transcendem as táticas militares, a


serem implementadas por países em desenvolvimento, como a China em particular,
visando compensar a sua inferioridade militar em relação aos EUA, em um conflito
envolvendo meios de alta-tecnologia.

O livro foi escrito por dois Coronéis da nova geração de oficiais chineses,
integrantes do PLA (People´s Liberation Army), e publicado pela editora oficial “PLA
Literature and Arts Publishing House”, em Pequim, sugerindo, desta forma, que a
sua publicação tenha sido endossada por autoridades no comando do PLA. Esta
sugestão foi reforçada por uma entrevista com Qiao Liang além de uma crítica
louvável ao livro, publicada em 28 de junho de 1999, pelo periódico oficial da Liga
Jovem do Partido o “Zhongguo Quignian Bao”.

Tendo sido publicado antes do bombardeio da Embaixada chinesa em Belgrado,


este livro, recentemente, chamou a atenção, tanto da imprensa ocidental, quanto da
chinesa, por advogar o emprego de uma multiplicidade de meios, militares e,
particularmente não-militares, para um ataque aos EUA na eventualidade de um
conflito. A violação de sites da Internet, a o ataque a instituições financeiras, o
terrorismo, a exploração da mídia, e a guerrilha urbana, estão entre os métodos
propostos.

Na entrevista concedida ao periódico “Zhongguo Quignian Bao”, Qiao Liang


declarou que: “a primeira regra na guerra irrestrita é a de que não existem regras,
nada é proibido”. Estendendo-se, ele declarou que países poderosos não adotariam
esta abordagem contra países fracos porque “os países fortes fazem as regras,
enquanto que os países emergentes às violam e exploram aspectos não previstos...
os Estados Unidos violam (regras da ONU), e criam novas regras, quando aquelas
regras não se adaptam (aos seus propósitos), mas eles têm de observar as suas
próprias regras, pois ao contrário, perderão a confiança mundial”.

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ÍNDICE
NOTA DO EDITOR ....................................................................................................- 2 -

ÍNDICE .....................................................................................................................- 3 -

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................- 5 -

1ª PARTE – EM UM NOVO TIPO DE GUERRA ............................................................- 9 -


A TECNOLOGIA É O TOTEM DO HOMEM MODERNO ............................................ - 9 -

CAP. 1 — A REVOLUÇÃO NOS ARMAMENTOS - INVARIAVELMENTE A PRIMEIRA A


OCORRER .................................................................................................................. 17
NÃO SERÁ MAIS POSSÍVEL ROTULAR A GUERRA .................................................... 18
DOIS PENSAMENTOS DOUTRINÁRIOS — “GUERREAR COM AS ARMAS
EXISTENTES OU ARMAS ESPECÍFICAS PARA GUERREAR”................................... 23
ARMAS DE EMPREGO NEOCONCEPCIONAL E ARMAS NEOCONCEPCIONAIS..... 28
A TENDÊNCIA PARA AS ARMAS SUAVES .................................................................. 33

CAP. 2 — A FACE DO DEUS DA GUERRA TORNOU-SE INDISTINTA............................ 39


POR QUE E POR QUEM LUTAR? ................................................................................ 39
ONDE LUTAR? ............................................................................................................ 44
QUEM SÃO OS GUERREIROS? .................................................................................. 50
QUAIS MEIOS E MÉTODOS SERÃO USADOS NA GUERRA? ..................................... 57

CAP. 3 — UM CLÁSSICO QUE DIVERGE DOS CLÁSSICOS ........................................... 69


UMA ALIANÇA REPENTINA ........................................................................................ 71
A OPORTUNA LEI DE REORGANIZAÇÃO ................................................................... 75
INDO ALÉM DO COMBATE INTEGRADO AR-TERRA ................................................. 78
QUEM É O REI NAS AÇÕES DE GUERRA TERRESTRE? ........................................... 81
UM OUTRO JOGADOR ESCONDIDO POR TRÁS DA VITÓRIA .................................... 86
UMA MAÇÃ COM MUITAS FATIAS ............................................................................. 90

CAP. 4 - O QUE OS NORTE-AMERICANOS GANHAM AO APALPAR O ELEFANTE ......... 94


A MÃO ESTENDIDA ATRAVÉS DA CERCA — CADA FORÇA VÊ A GUERRA DE FORMA
DIFERENTE. ............................................................................................................... 95
O MAL DA EXTRAVAGÂNCIA E O “NÍVEL ZERO DE PERDAS” .............................. 107
GRUPO DE BATALHA  FORÇA EXPEDICIONÁRIA  FORÇA INTEGRADA ........... 113
DAS CAMPANHAS COMBINADAS ATÉ A GUERRA ONIDIMENSIONAL — UM
PASSO PARA O COMPLETO ENTENDIMENTO ......................................................... 120

PARTE 2 — UMA DISCUSSÃO SOBRE NOVOS MÉTODOS DE OPERAÇÃO .................. 131

CAP 5 - NOVA METODOLOGIA DOS JOGOS DE GUERRA .......................................... 141


REMOVENDO A COBERTURA DAS NUVENS DA GUERRA ...................................... 141
A DESTRUIÇÃO DAS REGRAS E A AMBIÊNCIA DE PERDA DE EFICÁCIA .............. 148
COQUETEL NA TAÇA DOS GRANDES MESTRES..................................................... 158

-3-
USANDO A ADIÇÃO PARA VENCER O JOGO ........................................................... 164
TIPOS DE GUERRA .................................................................................................. 170

CAP 6 — A BUSCA DA REGRA DA VITÓRIA .......................................................... 174


CONFORMANDO-SE À REGRA DA PROPORÇÃO ÁUREA ......................................... 175
A GRAMÁTICA DA VITÓRIA — A REGRA COLATERAL-PRINCIPAL .......................... 182
O ELEMENTO DOMINANTE E O CONJUNTO TODO — A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA
COLATERAL-PRINCIPAL ........................................................................................... 193
UMA REGRA E NÃO UMA FORMULA PREESTABELECIDA ...................................... 198

CAP. 7 - DEZ MIL MÉTODOS COMBINADOS EM UM ÚNICO....................................... 204


COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS ......................................................................... 207
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNCIAS ................................................................... 216
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS ............................................................................. 221
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS ............................................................................. 228

CAP. 8 - PRINCÍPIOS ESSENCIAIS ............................................................................ 233


ONIDIRECIONALIDADE ............................................................................................ 235
SINCRONIA ............................................................................................................... 237
OBJETIVOS LIMITADOS........................................................................................... 238
MEDIDAS ILIMITADAS ............................................................................................. 240
DESEQUILÍBRIO ...................................................................................................... 242
CONSUMO MÍNIMO .................................................................................................. 243
COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL .................................................................... 245
AJUSTE E CONTROLE DE TODO O PROCESSO ...................................................... 247
APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA GUERRA ALÉM DOS LIMITES ............................ 248

CONCLUSÃO ......................................................................................................... - 249 -

PALAVRAS FINAIS ................................................................................................ - 254 -

CURRÍCULO DOS AUTORES ................................................................................. - 256 -

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INTRODUÇÃO
Todos que viveram a última década do século XX têm uma grande percepção das
mudanças ocorridas no mundo. Não acreditamos que exista alguém que possa
alegar a existência de uma outra década na História, em que tenha ocorrido um
maior número de mudanças. É evidente, que as causas por traz dessas enormes
mudanças são inúmeras, para serem citadas, não obstante, existem algumas que
são sistematicamente mencionadas, e uma delas é a 2ª Guerra do Golfo (1990-91).

A 2ª Guerra no Golfo foi a guerra que mudou o mundo. Associar esta conclusão a
uma guerra limitada, tanto no tempo (durou apenas 42 dias), quanto à área de
operações, parece um pouco de exagero. Não obstante, os fatos corroboram essa
assertiva, bastando citar, todos os novos termos e conceitos que começaram a
surgir após 17 de janeiro de 1991, tais como: a antiga União Soviética, Bósnia-
Herzegovina, Kosovo, clonagem, Microsoft, hackers, Internet, a crise financeira do
Sudeste Asiático, o Euro, bem como a única superpotência remanescente, os
Estados Unidos. Pode-se alegar que estes termos e conceitos seriam suficientes e
constituíram, em grande parte, os principais temas na década de 80. No entanto, o
que nos propomos a afirmar, é que todos esses termos e conceitos estão
relacionados àquela guerra, quer direta, quer indiretamente.

Não temos a intenção de mitificar a guerra, e em particular, uma guerra


desbalanceada, na qual havia uma significativa diferença no poder efetivo dos
contendores. Muito pelo contrário, em nossa análise desta guerra, que em 15 dias
praticamente mudou o mundo inteiro, notamos um outro fato, qual seja, o de que a
guerra em si também havia mudado. Percebemos que a guerra como nós a
conhecíamos, descrita em termos gloriosos e dominantes, até a conclusão do
recente conflito, marcando um ápice na História Militar, deixou de ser considerada
um dos mais importantes eventos no cenário mundial, e passou a ter, a
importância de um ator secundário.

Uma guerra que mudou o mundo, e em última análise, transformou a própria


natureza da guerra. Este fenômeno é realmente fantástico, e ao mesmo tempo,
estimula profundas ponderações. Não nos referimos às mudanças nos instrumentos
da guerra, na tecnologia dos meios empregados, nos modelos de condução da
guerra, ou nos tipos de guerra. Estamos nos referindo, isto sim, à natureza da
guerra. Quem poderia imaginar que um ator intolerável e arrogante, cuja aparição

-5-
provocou uma completa mudança de enredo, subitamente dar-se-á conta de que, é
o último capaz de encenar aquele personagem singular. E mais ainda, que mesmo
antes mesmo dele deixar o palco, já lhe foi dito que ele não vai exercer, novamente,
o papel de protagonista, ou pelo menos um papel central, no qual ocuparia sozinho
o centro do palco. Que tipo de sentimento isso despertaria?

Possivelmente, aqueles que sentem tal condição mais profundamente são os norte-
americanos os quais, provavelmente, pensam dever ser incluídos entre aqueles
poucos que querem assumir todos os papéis, compreendendo o de salvadores, o de
bombeiros, o de polícia mundial, o de emissários da paz, etc. Ao final da
“Tempestade no Deserto” o “Tio Sam”, novamente, não foi capaz de alcançar uma
vitória convincente; e tanto na Somália, quanto na Bósnia-Herzegovina, o desfecho
foi, invariavelmente, o mesmo.

Particularmente, nas ações mais recentes, nas quais os EUA e a Grã-Bretanha


juntaram-se para realizar ataques aéreos ao Iraque, tratava-se do mesmo palco, do
mesmo método, e dos mesmos atores; não havia, porém, maneira de se reeditar a
bem sucedida atuação que causou, oito anos antes, uma impressão tão marcante.

Diante das atuais questões políticas, econômicas, culturais, diplomáticas, étnicas e


religiosas, e etc., cujas complexidades são bem maiores do que as vislumbradas
pela maioria dos militares no mundo, as limitações quanto aos meios bélicos, que
até agora constituíam um fator de sucesso, subitamente tornaram-se evidentes. No
entanto, numa era em que “o poder é a razão”  e grande parte da história deste
século está contida neste período  estes temas não constituíram entraves. A
questão é que as forças multinacionais lideradas pelos EUA, operando na região
desértica do Kuwait, marcaram o fim de um período, inaugurando, assim, uma
nova era.

Na atualidade, ainda é difícil vislumbrar se esta nova era irá redundar no


desemprego de grandes efetivos militares, ou se irá abolir a guerra da face da Terra.
Tudo isso ainda é indeterminado. A única conclusão certa é a de que, a partir de
agora, a guerra não será mais como sempre foi. Em outras palavras, se no futuro, a
humanidade não tiver alternativas que não a de engajarem-se em guerras, estas
não serão mais conduzidas dentro dos moldes que nos eram familiares.

É impossível negar o profundo impacto exercido sobre a sociedade pelas novas


motivações representadas pela liberdade econômica, concepção dos direitos

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humanos e percepção da importância da proteção ambiental. Mas é certo que a
metamorfose da guerra provocará um cenário ainda mais complexo, caso contrário,
o imortal pássaro da guerra, na eminência de seu declínio, não será capaz de
atingir o seu nirvana.

Quando as pessoas começarem a aceitar e regozijar-se com a redução do uso da


força militar para a resolução de conflitos, a guerra renascerá sob outro formato,
em outro cenário, tornando-se um instrumento de enorme poder nas mãos dos que
nutrem a intenção de controlar outros países e regiões.

O ataque financeiro realizados por George Soros no Sudeste Asiático, os ataques


terroristas conduzidos por Osama Bin Laden às embaixadas norte-americanas, o
ataque com gás sarin no metrô de Tókio, realizado pelos discípulos de Aum Shinri
Kyo, e a devastação causada por Morris Jr. na Internet, são eventos cujos graus de
destruição são comparáveis aos de uma guerra. São eventos que representam uma
forma embrionária de um novo tipo de guerra.

Seja qual for o nome atribuído a estas evoluções na ambiência da guerra, elas não
nos tornam mais otimistas, e isto porque a redução da natureza da guerra, em sua
essência, não significa o seu fim. Mesmo na chamada era pós-moderna, ou pós-
industrial, a guerra não deixará de existir. Ela apenas irá permear a sociedade
humana, de uma forma mais complexa, mais penetrante, encoberta e sutil. É como
Byron citou em seu poema “Mourning Shelley”  “Nada aconteceu, ele apenas
passou para um outro nível de vida”.

A guerra, que se submeteu às mudanças da moderna tecnologia e do sistema de


mercado, será desencadeada de formas ainda mais atípicas. Em outras palavras,
enquanto presenciamos uma relativa redução na violência militar, estamos
evidenciando, definitivamente, um aumento na violência política, econômica e
tecnológica.

No entanto, a despeito das formas que a violência possa assumir, a guerra continua
sendo a guerra, e as mudanças, em sua aparência externa não impedem que ela
continue a ser regida pelos Princípios da Guerra.

Os novos princípios de guerra não prescrevem mais “o emprego da força armada


para compelir um inimigo a submeter-se à nossa vontade”, e sim, “a utilização de
todos os meios, militares e não-militares, letais e não-letais, para compelir um
inimigo a submeter-se aos nossos interesses”. Isto representa uma mudança,

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tanto na guerra em si, quanto no modelo de guerra provocado por essa
transformação.

Se estas mudanças existem que ou o que as determinou? Que tipos de mudanças


são estas? Que novos rumos estas mudanças estão determinando? E como encarar
estas mudanças? Estes são os tópicos que este livro procura abordar, constituindo,
também, nossa motivação para escrevê-lo.

Qiao Liang e Wang Xiangsui

Em 17 de janeiro de 1999, 8º aniversário do início da Guerra no Golfo.

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1ª PARTE – EM UM NOVO TIPO DE GUERRA
“Apesar de Estados antigos terem sido grandes, eles,
inevitavelmente, pereceram quando se tornaram adeptos
da guerra.”
Sima Rangju

A TECNOLOGIA É O TOTEM DO HOMEM MODERNO1

A TECNOLOGIA — UM PAR DE SAPATILHAS MÁGICAS


Impulsionada pela morna brisa do utilitarismo, não é uma surpresa que a
tecnologia tenha sido mais favorável ao homem do que a ciência. A era das grandes
descobertas científicas já estava ultrapassada, antes mesmo da época de Einstein,
no entanto, ainda hoje, o homem se inclina, cada vez mais, para realização de todos
os seus sonhos, em seu próprio tempo de vida. Esta perspectiva levou o homem
esperar o seu próprio futuro, adotando uma atitude de prostração e de expectativa
quanto às maravilhas que lhe podem ser proporcionadas pela tecnologia,
vislumbradas através de uma lente côncava, com magnitude elevada à potencia de
1000.

Desta forma, a tecnologia produziu desenvolvimentos surpreendentes e magníficos,


num período de tempo relativamente curto, resultando em inúmeros benefícios para
uma humanidade que estava ávida por um sucesso rápido e a correspondente
recompensa. Não obstante, ao enaltecermos orgulhosamente este progresso, não
nos damos conta de que ao abrigo desta benigna era da tecnologia nos abstraímos
dos nossos melhores sentimentos.

1 No livro “In Man and Technology”, O. Spengler afirma: “como Deus, nosso Pai, a
tecnologia é eterna e imutável, e como o Filho de Deus, irá salvar a humanidade, e
como o Espírito Santo, brilha sobre nós”. A adoração do filósofo Spengler pela
tecnologia, semelhante à de um teólogo por Deus, não era nada mais do que uma
manifestação de um outro tipo de ignorância, na medida em que o homem entrava
na grande era do industrialismo, que florescia de forma intensa na era pós-
industrial.

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A este respeito, o filósofo e cientista francês Jean Ladrihre tem um ponto de vista específico. Ele acredita que ciência e a
tecnologia têm um efeito, tanto destrutivo quanto orientador sobre a cultura. Sob a combinação destes dois efeitos é
muito difícil para a humanidade manter uma correta avaliação sobre a tecnologia, e assim estamos constantemente
oscilando entre dois extremos, o do fanatismo técnico e o dos movimentos “anticientíficos”. Munir-se da disposição para
ler a obra “The Challange Presented to Cultures by Science and Technology”, um texto obscuro, mas com uma linha de
raciocínio conciliadora, pode ser útil para percebermos o impacto da tecnologia sobre os diversos aspectos da sociedade
humana, a partir de uma ampla perspectiva.

Atualmente, a tecnologia está se tornando cada vez mais fascinante e incontrolável.


Os laboratórios da Bell e da Sony desenvolvem continuamente novos “brinquedos”;
Bill Gates lança uma nova versão do “Windows” a cada ano; e a “Dolly”, uma ovelha
gerada por clonagem, é a prova de que o homem está, agora, planejando tomar o
lugar de Deus, como Criador. Dentro do ritmo alucinante em que a tecnologia se
desenvolve, o surpreendente caça russo SU-27 Flanker, nem chegou a ser
empregado em combate, e o SU-35 Super-Flanker já se apresenta como o seu
sucessor2. A tecnologia, portanto, é como um “par de sapatilhas mágicas” que após
serem calçadas e firmemente presas pelos interesses comerciais, não nos deixa
alternativas que não a de dançar de acordo com o ritmo por elas estabelecido3.

A TECNOLOGIA NÃO PODE MAIS ROTULAR ERAS


Adotar nomes como Watt e Edison, que quase sinônimos de grandes invenções
tecnológicas, para designar as eras em que viveram, até que poderia ser
considerado lógico. No entanto, a partir deles a situação mudou, e as incontáveis e
variadas descobertas tecnológicas, ocorridas no último século, tornaram difícil a
identificação de um simples desenvolvimento, que possa ter assumido uma
importância magna no âmbito da humanidade.

2 Apesar do armamento como capacidade “BVH” (beyond visual range) ter


incorporado significativas mudanças nos conceitos básicos de combate aéreo, e
mesmo após tudo o que já foi dito e feito a respeito, os conceitos de combate à curta
distância ainda não foram completamente invalidados. Ambos, o SU-27 e o SU-35,
dotados de extraordinária manobrabilidade, constituem as melhores aeronaves de
interceptação na atualidade.

3[N.T.] A alusão é feita a um balé criado por Peter Ilich Tchakovisky, compositor
russo. Ao calçar as sapatilhas de balé, a bailarina não consegue mais controlar a
sua dança, e ao final, morre de exaustão.

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Expressões como “era da máquina a vapor” e “era da eletricidade” podem ser
consideradas formulações que refletiam a realidade de suas épocas. Porém, na
atualidade, com o progresso acelerado da tecnologia, as pessoas praticamente não
dispõem do tempo necessário para reconhecer aclamar os desenvolvimentos
tecnológicos, antes que estes sejam sucedidos por tecnologias mais avançadas ou
por novas ondas tecnológicas.

Assim, a possibilidade de se batizar uma nova era, a partir de um desenvolvimento


tecnológico específico ou, a partir de um único invento, tornou-se um aforismo do
passado. É por este motivo, que se alguém chamar a época atual de “era nuclear”,
ou, “era da cibernética”, podemos dizer que ela estará enfocando um aspecto
particular do desenvolvimento humano, para tipificar uma situação genérica.

A TECNOLOGIA CIBERNÉTICA
Indubitavelmente o aparecimento da tecnologia cibernética4 foi uma novidade
benéfica para a civilização. Isto se deve ao fato de na atualidade ela ser o único
recurso, capaz de amplificar a epidemia tecnológica, que parece ter sido liberada de
uma “Caixa de Pandora”, e simultaneamente, incorporar o encantamento mágico de
representar um meio de controlar essa tecnologia. A questão que permanece, no
entanto, é: Quem terá o “encantamento mágico” para controlar a tecnologia
cibernética?

O ponto de vista pessimista quanto a essa questão é que, se a tecnologia cibernética


desenvolver-se a ponto de não poder mais ser controlada pelo homem, e em última
análise, transformará a humanidade em sua vítima.

4 [N.T.] Usamos a expressão “tecnologia cibernética” como tradução para


“information technology” porque a palavra cibernética — cujo significado é: “ciência
que estuda as comunicações e o sistema de controle não só nos organismos vivos,
mas também nas máquinas” — é a que tem o significado mais próximo do atual
conceito de “information”.

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F.G.Ronge é o mais contundente dos pessimistas da tecnologia. Desde 1939, Ronge identificou uma série de problemas
que a moderna tecnologia traz embutida em si, incluindo o crescimento do controle tecnológico, e a ameaça de
problemas ambientais. Em seu ponto de vista, a tecnologia já se tornou uma força diabólica inalcançável. Ela não só
suplantou a natureza, como também eliminou a liberdade do homem. Na obra “Being and Time”, Martin Heidegger
denominou a tecnologia como um “destacado absurdo”, conclamando os homens a se voltarem para a natureza, de
modo a evitar a tecnologia, a qual representava a sua maior ameaça. Os mais famosos otimistas em relação à
tecnologia foram Norbert Wainer e Steinbuck. Nas obra de Weiner - “Cybernetics, God and Robots”, e de Steinbuck -
“The Human use of Human Beings” de Wiener, e “The Information Society, Philosophy and Cybernetics”, e outros
trabalhos semelhantes, pode-se identificar as brilhantes perspectivas que eles descrevem para sociedade humana,
motivadas pela tecnologia.

No entanto, mesmo diante desta amedrontadora perspectiva, a humanidade não é


capaz de reduzir o ardor por este desenvolvimento tecnológico.

Por outro lado, as perspectivas otimistas que a tecnologia cibernética apresenta são
significantemente sedutoras, para uma humanidade ávida de progresso tecnológico.
Afinal de contas, suas características singulares de facultar a troca e o
compartilhamento entre diferentes áreas da tecnologia, representam um facho de
inteligência, que esperamos, oriente a humanidade no seu afastamento do
barbarismo tecnológico, muito embora, esta perspectiva ainda não seja suficiente
para nos compararmos aos futuristas, que ao verem algumas árvores não
vislumbram a floresta a que elas pertencem, e assim, usam o enunciado tecnologia
cibernética para rotular toda uma era.

Não obstante, este predomínio tende a não ocorrer, porque característica intrínseca
da tecnologia cibernética, que é proporcionar a inteiração entre outras tecnologias
é, precisamente, o fator que a impede de substituir as diversas tecnologias que já
existem, estão emergindo, ou estão ainda por surgir. Ou seja, por ser um elemento
de ligação ela não subsiste isolada. Por exemplo, a biotecnologia, a tecnologia de
materiais, e a nanotecnologia, têm uma intensa relação de simbiose promovida pela
tecnologia cibernética, da qual dependem para promover umas às outras.

A RAMIFICAÇÃO TECNOLÓGICA
Nos últimos 300 anos, as pessoas vêm adquirindo o hábito de aderir cegamente às
novas tecnologias, descartando-se do que é velho. A interminável busca por uma
nova tecnologia tornou-se a panacéia para resolver todas as difíceis questões
relativas à existência, e envolvidas por esta perspectiva, as pessoas têm
gradualmente perdido o seu próprio rumo.

Freqüentemente, cometem-se diversos erros para encobrir um erro inicial, e da


mesma forma, para a resolução de um problema difícil, não hesitarão em criar dez

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outros problemas5. Como por exemplo, o automóvel, que foi desenvolvido para
tornar-se um meio de transporte mais conveniente. No entanto, na esteira deste
desenvolvimento, surgiu uma longa lista de problemas: a mineração e a fundição; o
processamento mecânico; a prospecção e refino de petróleo; a industrialização da
borracha e dos sintéticos; a construção e pavimentação de estradas; e assim por
diante. Estes problemas, por sua vez, demandaram a adoção de métodos e técnicas
as quais, em última análise, produziram a poluição ambiental, o esgotamento de
recursos, a ocupação de áreas rurais, o aparecimento de acidentes de trânsito, além
de uma série de outros problemas intrincados. Apesar disso, e sob uma ampla
perspectiva, se comparados à meta original, que era o de desenvolver um meio de
transporte, esses problemas decorrentes praticamente perderam significado.

Desta forma, a expansão irracional da tecnologia tem continuamente levado a


humanidade a não só, perder de vista seus objetivos no complexo emaranhado da
árvore do desenvolvimento tecnológico, como também, a perder a possibilidade de
reverter o processo. Podemos, inclusive, apelidar esse fenômeno como o “efeito de
ramificação”.

A TECNOLOGIA DEVE SER APENAS UMA FERRAMENTA


Afortunadamente, surgiu a tecnologia cibernética, e podemos dizer, com certeza,
que esta representa a mais importante revolução na história da tecnologia. A sua
relevância não está apenas no fato de ser uma inovação, e sim, por se tratar de uma
espécie de agente agregador, dispondo da capacidade de penetrar fluidicamente
através das barreiras existentes entre diferentes tecnologias, interligando aquelas
que pareciam ser totalmente dissociadas.

O poder agregador da tecnologia cibernética também permite o desenvolvimento de


novas tecnologias, que mesmo sendo distintas daquelas que as originaram retêm,
simultaneamente, semelhanças às tecnologias originais; e mais do que isso,
proporciona um novo modelo de relacionamento entre o homem e a tecnologia.

5 Em seu livro “The Arrogance of Humanism”, David Ehrenfeld cita numerosos


exemplos desta afirmativa. Em “To Clever” Schwartz declara que “a resolução de um
problema pode gerar uma série de novos problemas, e estes problemas podem, em
última instância, inviabilizar a solução do problema original.” Rene Dibo em sua
obra “Rational Consciousness”, também aborda este fenômeno particular.

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No processo de resolução dos difíceis problemas com os quais a humanidade se
depara ao longo de sua existência, somente a partir da perspectiva da tecnologia
cibernética, poderá a humanidade perceber a essência do que é a tecnologia 
uma ferramenta  e somente então, poderá evitar escravização pela tecnologia.

A FUSÃO DE DIFERENTES GERAÇÕES DE TECNOLOGIAS


A humanidade é plenamente capaz de desenvolver plenamente a sua engenhosidade
e imaginação, de modo usar todo o potencial de uma tecnologia específica, até a sua
exaustão, ao invés de simplesmente utilizá-la e substituí-la quando surge uma
tecnologia mais avançada.

Na atualidade, é inimaginável o uso de uma tecnologia de forma independente ou


isolada, e a emergência da tecnologia cibernética tem apresentado possibilidades
ilimitadas de casamento de novas e velhas tecnologias, bem como, entre as novas e
as tecnologias mais avançadas. Inúmeros fatos têm demonstrado que o uso
integrado de tecnologias é capaz de promover mais progresso social que o
desenvolvimento de novas tecnologias6.

Os desempenhos solos estão no processo de sua substituição pela manifestação


conjunta de múltiplas partes, como num coro. A fusão de tecnologias, em caráter
geral, está orientando, de modo irreversível, a tendência para a globalização. Em
contrapartida, a globalização acelera o processo de fusão geral das tecnologias, e
este processo de realimentação é a característica básica da nossa era, e que irá,
inevitavelmente, projetar seus efeitos em todas as direções, e naturalmente, a
ambiência da guerra não será uma exceção.

Nenhuma força militar que aspire por modernização pode ser bem sucedida, sem
desenvolver novas tecnologias, sendo que, neste sentido, a guerra tem sido o berço
destas novas tecnologias. Durante a 2ª Guerra do Golfo, mais de 500 itens
representativos da nova e avançada tecnologia da década de 80 estiveram em cena,

6 Em sua obra “In The Age of Science and the Future of Mankind” E. Shulman
enfatiza que “no dinâmico desenvolvimento da cultura moderna, o qual é baseado
no explosivo desenvolvimento da moderna tecnologia, nós estamos continuamente
nos deparando com a cooperação multidisciplinar... é impossível para um ramo
específico da ciência, guiar nossa prática científica de uma forma suficiente“.

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e marcaram a sua presença, transformando a guerra num painel de demonstração
dos novos sistemas de armas.

No entanto, o aspecto que chamou a atenção de forma mais contundente, não foi o
novo armamento em si, e sim, a tendência à sistematização no desenvolvimento e
emprego dos sistemas de armas. Como exemplo tem o sistema “Patriot”, empregado
para interceptar os mísseis “Scud”.

O que parecia uma ação local de tiro ao alvo, na realidade, envolvia um conjunto de
sistemas interligados, cobrindo praticamente metade do globo terrestre, ou seja: um
satélite DSP7 identificava o alvo, enviava um sinal de alarme para uma estação
receptora na Austrália; esta por sua vez retransmitia o sinal para um Posto de
Comando localizado em território norte-americano, e a partir deste, o sinal era
enviado para o Comando das forças norte-americanas em Ryadh, deste Posto é que
saia o comando de disparo para as baterias de mísseis “Patriot”. Somente após este
trâmite, que durava apenas 90 segundos, os mísseis “Patriot” eram lançados
configurando o que se poderia dizer “um disparo ouvido no mundo inteiro”.

A coordenação à longa distância, e em tempo real, de inúmeros sistemas de armas,


criou uma capacidade de combate sem precedentes, e este é um exemplo preciso,
de algo inimaginável antes do surgimento da tecnologia cibernética.

Enquanto que o desenvolvimento de armas singulares, antes da 2ª Guerra Mundial,


ainda era capaz de gerar uma revolução militar, na atualidade, ninguém é capaz de
dominar, sozinho, toda uma ambiência.

Na era atual, a integração e globalização tecnológica eliminaram a possibilidade das


armas rotularem as guerras, e com relação a esta nova realidade, as armas para
novas concepções, e em particular, as novas concepções de armas, obscureceram a
face da guerra.

O ataque de um hacker pode ser considerado um ato hostil? A utilização de


instrumentos financeiros para destruir a economia de um país pode ser vista como
uma batalha? Será que a reportagem da rede CNN, mostrando os corpos de
soldados norte-americanos nas ruas de Mogadishu, despertou a determinação

7 Os Satélites DSP (Defense Support Program), desenvolvidos na década de 70, em


sua configuração original eram posicionados em órbitas geoestacionárias, sendo
dotados de sensores para prover alarme contra mísseis além do horizonte.

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norte-americana em atuar como uma “polícia mundial” e, portanto, alterou a
configuração estratégica mundial? Deveriam as análises das ações em uma guerra
enfocarem os meios? Ou os resultados?

É óbvio, que raciocinando com a definição tradicional de guerra, não há mais como
responder estas questões. Ao nos darmos conta, de que todas essas ações de não-
guerra podem tornar-se os elementos constituintes de uma guerra no futuro,
concluímos que devemos criar uma nova designação para este novo tipo de guerra:
uma guerra que transcenda todas as fronteiras e limites, em resumo  a Guerra
Além dos Limites.

Por este novo conceito, a guerra prescreve a prontidão de todos os meios


disponíveis, a onipresença da informação, e presença do campo de batalha em
todos os lugares. Significa a fusão de todas as armas com a tecnologia disponível,
como for desejado; a eliminação de todas as fronteiras entre as duas ambiências, a
da guerra e da paz; dos militares e dos não-militares; a mudança de todos os
princípios de guerra, e até mesmo, as regras da guerra poderão ter que ser
reformuladas.

No entanto, é difícil medir o pulso do Deus da Guerra. Se quisermos discutir a


guerra, e particularmente a guerra que irá ocorrer amanhã à noite, ou depois de
amanhã, só existe uma maneira, qual seja, determinando, com toda a
tranqüilidade, a sua natureza e medindo, cuidadosamente, o pulso do Deus da
Guerra no momento atual.

- 16 -
CAP. 1 — A REVOLUÇÃO NOS ARMAMENTOS -
INVARIAVELMENTE A PRIMEIRA A OCORRER
“Tão logo os avanços tecnológicos possam ser aplicados às
metas militares, ou já estejam em uso para fins militares,
quase que imediatamente, tornam-se obrigatórios, e
freqüentemente, contrariam a vontade dos Comandantes
no sentido de provocar mudanças ou até mesmo
revoluções nos modos de combate.”
Engels

A revolução nos armamentos invariavelmente antecede as revoluções nos assuntos


militares. Seguindo-se ao surgimento de uma arma revolucionária, o aparecimento
de uma revolução em assuntos militares é simplesmente uma questão de tempo.

A história da guerra tem proporcionado contínuas evidências dessa assertiva: as


lanças de bronze ou de aço permitiram o desenvolvimento da temida falange da
infantaria1. O arco e flecha e os estribos proporcionaram novas táticas para a
cavalaria.

Segundo Engels, “Na época do barbarismo o arco e flecha ainda era uma arma decisiva, assim como a espada de aço
numa era não civilizada e as armas de fogo na era da civilização.” (Collected Works de Marx e Engels, Vol. 4, People’s
Press, 1972, p.19) Com relação a como o estribo modificou o modo de combate, citamos o comentário e tradução de Gu
Zhun de um artigo intitulado “Stirrrups and Feudalism  Does Technology Create History?”.  “Os estribos....tornaram
imediatamente possível o combate direto “mão a mão” e este era um modo revolucionário de combate....freqüentemente
apareciam invenções tão simples quanto o estribo, mas raramente, elas tiveram um papel tão catalisador na história
quanto esta”.”O estribo provocou uma série de revoluções militares e sociais na Europa” (Collected Works of Gu Zhun,
Guizhou People’s Press, 1994, p293-309).

Os canhões usando a pólvora negra que foram o berço de uma completa gama de
novas táticas de guerra; e quando as balas e os fuzis2 chegaram aos campos de
batalha, como a vanguarda da uma nova era tecnológica, as armas passaram, a

1 O autor se refere á Falange Macedônica, desenvolvida por Felipe II da Macedônia e


aperfeiçoada e consagrada por seu filho Alexandre “O Grande”.

2 Comparado ao desenvolvimento de qualquer tecnologia avançada de armamento,


a invenção do fuzil e da bala cônica, entre os anos de 1850 e 1860, teve o maior e
mais profundo e imediato impacto revolucionário. O impacto causado pelos
desenvolvimentos das bombas de alto-explosivo, do avião, e do tanque, todos
ocorridos no século XX, certamente não se compara ao que foi causado pelo
desenvolvimento do fuzil à sua época.
identificar e designar ações de guerra e a própria guerra em si. Inicialmente, foram
os enormes navios dotados de couraças de aço que comandavam os mares,
inaugurando a era dos encouraçados; em seguida seus irmãos terrestres, os
tanques, que passaram a comandar a guerra terrestre, e na seqüência os aviões
dominariam os céus, e assim, até o nascimento da bomba atômica, que anunciava
a proximidade da era nuclear.

Atualmente, uma grande quantidade de armamentos de tecnologia avançada


continua a ser desenvolvida, e as armas, formalmente, tornaram-se o principal
elemento representativo da guerra.

Quando tratamos da guerra na atualidade, já é costume adotar a designação de


determinadas armas ou tecnologias para rotulá-la, como por exemplo: a guerra
eletrônica, o ataque de precisão, a guerra de minas, a guerra anti-submarino, os
ataques cirúrgicos e a guerra cibernética3. No entanto, embora os indícios já
existam, ainda não foi percebido claramente que uma mudança muito importante
está cada vez mais próxima.

NÃO SERÁ MAIS POSSÍVEL ROTULAR A GUERRA

O PARADOXO ENTRE AS ARMAS E A GUERRA


As revoluções nos assuntos militares não serão mais deflagradas pelo surgimento
de uma ou duas armas singulares. O dinamismo e o nível de difusão da evolução
tecnológica, além de estimular a ansiedade e o deslumbramento por novas armas,
contribuíram para desvendar seus mistérios, laicizando-as.

No passado, a invenção de uma nova arma, ou de partes de um equipamento, tais


como o estribo ou a metralhadora Maxim4, era o suficiente para alterar a face da

3 [N.T.] Expressão usada na tradução de “information warfare”.

4 Na Batalha do Rio Somme, durante a 1ª Guerra Mundial, no dia 1º de julho de


1916, as forças inglesas lançaram uma ofensiva contra as forças alemãs, e os
alemães utilizaram as metralhadoras Maxim contra as tropas inglesas, que
adotando uma formação cerrada, tiveram 60.000 baixas em um só dia. A partir
desta ocorrência, as táticas de ataque empregando formações maciças foram
gradualmente sendo eliminadas dos campos de batalha. (Weapons and War  The

18
guerra. Ao passo que, atualmente, é necessário o desenvolvimento de diversos tipos
de armas, que vão interagir para compor sistemas que possam produzir um efeito
sensível numa guerra, criando assim, um paradoxo, inerente ao relacionamento
entre as armas e a guerra, qual seja: quanto maior o número de armas inventadas, e
quanto maior a tecnologia envolvida, menor tem sido sua importância relativa numa
guerra.

A TECNOLOGIA NÃO PODE MAIS ROTULAR A GUERRA

Desta forma, com a exceção das armas nucleares, (cujo emprego improvável poderia
designar uma guerra nuclear), nenhuma arma atual por si só, mesmo aquelas
consideradas as mais revolucionárias, possui a magnitude e a perenidade para
rotular uma guerra do futuro.

Possivelmente, este seja o motivo para que se tenham desenvolvido novas formas de
identificação, tais como “g
guerra de alta-tecnológia” ou “g
guerra cibernética,” com a
intenção de utilizar designações tecnológicas ou científicas, de natureza ampla e
vaga, ao invés de designações específicas, baseadas em armamentos.

Se não considerarmos as opiniões de Wiener a respeito das máquinas de jogos de guerra, como as primeiras
referências às “armas cibernéticas”. Um comentário feito por Tom Luona em 1976, descrevendo a “guerra cibernética”
como “uma luta entre sistemas de tomadas de decisão”, torna-o o primeiro a mencionar “guerra cibernética” (Douglas
Dearth “Implications, Characteristics and Impact of Informations Warfare”). Através de pesquisa independente, em 1990,
Shen Weiguang, um jovem estudioso chinês, com mais de dez anos no serviço militar ativo, publicou um trabalho
denominado “Information Warfare”, o qual pode ser considerado, provavelmente, a mais antiga monografia sobre “guerra
cibernética”. No bojo de sua Terceira Onda, em um outro “best-seller” intitulado “Power Shift”, Tofler conferiu à “guerra
cibernética” um caráter global, enquanto que a 2ª Guerra no Golfo, ocorrendo em paralelo, tornou-se a propaganda
perfeita para esta nova concepção de combate. À época, a discussão em torno do tema “guerra cibernética” tornou-se
um modismo.

No entanto, o que se pode constatar é que a complexidade inerente à utilização de


conceitos genéricos ou abstratos indica não ser esta, ainda, a forma de resolver o
alta-tecnologia”, surgiu nos Estados Unidos no
problema. Por exemplo, a expressão “a
âmbito da arquitetura, com um significado um tanto vago. O que é alta-tecnologia?
A que ela se refere?

Sob o ponto de vista da lógica, o termo “alta” é relativo e, portanto, impreciso, por
depender de uma avaliação por vezes subjetiva. Este aspecto, por si só, não o
credencia para designar um fenômeno como a guerra, cujo próprio dinamismo já se

Historical Evolution of Military Technology, Liu Jifeng, University of Science and


Technology for National Defense Publishing House, 1992, pp172-173).

19
constitui num considerável problema, que é inerente às tecnologias passíveis de
evolução, qual seja, a fixação de um conceito no tempo.

A dinâmica das inovações gera um difícil processo de classificação e reclassificação


sucessivas do que poderia ser enquadrado como “alta-tecnologia”. De mesma forma,
fica difícil a distinção entre o que é mais, ou menos novo, além da necessidade do
estabelecimento do referencial para esta determinação. Deve-se considerar,
também, que cada tecnologia por si mesma, possui aspectos e parâmetros de
desenvolvimento próprios, o que significa dizer, que cada uma tem os seus próprios
limites temporais, e em decorrência, comparar tecnologias diferentes é um processo
extremamente relativo.

Por exemplo: o tanque M-60, o helicóptero AH-1 “Cobra”, e o bombardeiro B-52,


armamentos oriundos dos anos 60 e 70, são considerados de “b
baixa-tecnologia” se
comparados ao tanque M1A1 “Abrams”, ao helicóptero AH-64 “Apache”, ao caça
“invisível” F-117, ou aos mísseis “Patriot” e “Tomahawk”. Porém, estes últimos
também seriam de “b
baixa-tecnologia” se comparados ao bombardeiro B-2, ao caça
F-22, ao helicóptero RAH-64 “Comanche”, ou ao sistema de radar combinado de
vigilância e ataque “J-Star”.

Pode-se dizer que o conceito de alta-tecnologia é como a título de “miss”, concedido


periodicamente determinadas a jovens, em diversos pontos do mundo, e que tal
título, inevitavelmente, será transferido para outras jovens algum tempo depois.
Porem as jovens, mesmo tendo passado o cetro da beleza, guardam para si a faixa
de misse referente ao ano em que foram eleitas5.

Portanto, no processo dinâmico que caracteriza a guerra, cada arma pode passar da
condição de ponta para a condição de obsoleta, a qualquer momento e em qualquer
lugar. E como, independentemente de local, a marcha do tempo não se deterá,
nenhuma arma poderá ocupar, por muito tempo, o trono da “a
alta-tecnologia”.
Aceitando-se essa premissa como verdadeira, a que tipo de tecnologia a designação
“g
guerra de alta-tecnologia” poderia se referir?

5 [N.T.]  A metáfora empregada neste parágrafo pelo tradutor é diferente da


empregada pelo autor, e na adaptação procurou-se ser o mais fiel possível a idéia
do autor. A mera tradução literal não teria um significado preciso em nossa
cultura.

20
Desta forma, a expressão “a
alta-tecnologia” não poderia ser considerada como um
rótulo para a um tipo de guerra do futuro, assim como qualquer expressão derivada
de “ttecnologia cibernética” — uma das formas de alta-tecnologia da atualidade,
ocupando uma posição de destaque no projeto de todos os sistemas de armas
atuais.

Mesmo considerando que numa guerra do futuro, todos os sistemas de armas


incorporem componentes derivados da tecnologia cibernética, ainda assim não
poderíamos rotular tal guerra como “guerra cibernética”.

Com relação à definição de guerra cibernética até os dias de hoje (1999) ainda não há um consenso. De acordo com a
definição adotada pelo Departamento de Defesa dos EUA— “são as ações tomadas para interferir com a capacidade
cibernética de um inimigo compreendendo o processamento de informações, os sistemas de informações, as redes de
computadores, visando obter a superioridade cibernética sobre o inimigo, ao mesmo tempo em que visam, também, à
proteção das nossas informações, sistemas associados e redes de computadores".
“De acordo com o manual do Exército norte-americano FM-106, o entendimento do Departamento de Defesa relativo à
guerra cibernética enfoca os efeitos da cibernética no âmbito dos conflitos atuais, ao passo que o entendimento do
Exército é de a cibernética já permeia todos os aspectos, desde a situação de paz até a situação de uma ação militar
numa guerra global” (Military Science Publishing House, tradução chinesa, pp. 24-25).
George Stein, um professor da Universidade da Força Aérea dos EUA, propõe a definição a seguir para “guerra
cibernética”: “Num sentido genérico, a guerra cibernética compreende ações que utilizam a informação para a
consecução dos objetivos nacionais.”, e esta definição reflete uma opinião de alguma forma mais ampla que a do
Exército.
Em artigo na edição do verão 1997 do periódico “Joint Forces Quarterly,” o Coronel Brian Fredericks propôs que: “a
‘guerra cibernética’ é um assunto em nível nacional, que está além da abrangência da defesa nacional, e provavelmente,
esta seja a descrição mais precisa de ‘guerra cibernética’ num sentido amplo”.

Na melhor das hipóteses, poderíamos considerar a designação “guerra


computadorizada”6, e essa consideração deve-se ao fato de que, a despeito da
importância da tecnologia cibernética, ela não consegue suplantar todas as funções
e atribuições de cada tecnologia de per si.

Por exemplo, uma aeronave F-22, que incorpora de forma predominante,


dispositivos e sistemas de tecnologia cibernética, não deixa de ser um caça, da
mesma forma o míssil “Tomahawk”, que apesar de toda a sua sofisticação,
incorporando da mesma forma sistemas de tecnologia cibernética, ainda é um
míssil, e não é possível reuni-los sob um só conceito de armas, como, por exemplo

6 A guerra computadorizada num sentido genérico e a guerra cibernética num


sentido mais restrito, são conceitos completamente diferentes, o primeiro referindo-
se às ações que são aprimoradas e acompanhadas pela tecnologia cibernética, e o
segundo, de uma forma resumida, referindo-se às ações de na qual a tecnologia
cibernética é utilizada para obter, explorar, negar e proteger a informação.

21
— armas cibernéticas — assim como não se poderia designar a guerra que os
emprega como sendo uma “guerra cibernética”.

Contrariando a tendência de uma abordagem cada vez mais genérica dos conceitos relativos à “guerra cibernética”,
alguns oficiais mais jovens nas forças armadas dos EUA questionam, cada vez mais, o conceito de “guerra cibernética”.
O Tenente-Coronel da Força Aérea James Rogers frisa que “a ‘guerra cibernética’, na realidade, não é uma novidade...
...queira ou não, aqueles que afirmam que as técnicas e estratégias associadas à ‘guerra cibernética,’ inevitavelmente,
substituirão a guerra com armas , estão com uma autoconfiança um pouco exagerada.” (revista U.S. Marines, abril,
1997). O Capitão-Tenente da Marinha Robert Guerli propôs que “as sete áreas de mal entendimento com relação à
‘guerra cibernética’ são: (1) o uso excessivo de métodos análogos; (2) o exagero na ameaça; (3) superestimar a própria
força; (4) a relevância histórica e a precisão; (5) evitar a crítica relativa a tentativas anômalas; (6) conjecturas
completamente infundadas; e (7) definições não padronizadas.” (revista U.S. Events, edição de Setembro de 1997). O
major da Força Aérea Yulin Whitehead escreveu na edição de outono de 1997 da revista Air Power Journal que a
cibernética não à a toda poderosa, e que as “armas cibernéticas” não são “armas mágicas”. Os questionamentos quanto
à guerra cibernética não se restringem a opiniões de caráter pessoal, na medida em que um documento oficial da Força
Aérea dos EUA intitulado “The Foundations of Information Warfare” apresenta uma estrita diferença entre a “guerra na
era da cibernética” e a “guerra cibernética.” Este documento atesta que a “guerra na era da cibernética” e a guerra em
que se empregam armas computadorizadas, tais como o emprego de um míssil de cruzeiro para atacar um alvo,
enquanto que a “guerra cibernética” trata a informação como uma ambiência independente e uma arma poderosa. De
forma semelhante, conhecidos estudiosos também emitiram suas opiniões. O professor Eliot Cohen da Universidade
John Hopkins nos relembra que “assim como a arma nuclear não resultou na eliminação das forças convencionais, a
revolução cibernética, não eliminará as táticas de guerrilha, o terrorismo, ou as armas de destruição em massa”.

Adicionalmente, a cibernética tornou-se um mito contemporâneo, gerando a crença


de que ela é a única tecnologia em desenvolvimento, e que as demais já
encontraram o seu ocaso. Este tipo de mito pode engordar a conta bancária de Bill
Gates, porém, não pode alterar o fato de que o desenvolvimento da tecnologia
cibernética também se apóia no desenvolvimento de outras tecnologias, assim como
o desenvolvimento da tecnologia de materiais relacionados constitui um limitador
direto dos avanços da tecnologia cibernética.

Por exemplo, o desenvolvimento da biotecnologia é um fator determinante do


destino da tecnologia cibernética.

Sistemas macromoleculares projetados e produzidos usando a biotecnologia constituem a fonte de materiais para
componentes eletrônicos da mais alta-tecnologia. Por exemplo, computadores utilizando moléculas de proteína têm
capacidade de processamento e memória centenas de milhões de vezes maiores que os computadores de tecnologia
atual. (New Military Perspectives for the Next Century, Military Science Publishing House, Edição de 1997, pp142-145).

Para que possamos avaliar a complexidade, atual e futura, de se rotular guerras,


podemos fazer uma pequena suposição, usando a biotecnologia como um exemplo:
Se usarmos armas biotecnológicas equipadas com sistemas de orientação
cibernéticos, como se poderiam designar as ações de guerra relacionada à utilização
dessas armas: guerra biotecnológica, guerra cibernética, ou guerra digital? Ainda
que ninguém esteja capacitado a responder esta questão, de uma forma sumária,
este é um cenário perfeitamente passível de ocorrer.

De fato, em termos básicos, não há uma necessidade das pessoas se preocuparem

22
quanto à questão atual da tecnologia cibernética crescer de maneira forte e
descontrolada, devido a sua característica de ser uma síntese de outras
tecnologias. Desde o seu aparecimento, e cada passo do seu desenvolvimento,
sempre foi um processo de mesclagem com outras tecnologias, tendo se tornado
parte integrante das mesmas e vice e versa. E esta síntese tornou-se a
característica mais fundamental da era da integração tecnológica e da globalização,
e naturalmente, assim como um selo identificador de uma peça de aço, esta
característica de integração tecnológica deixará suas impressões em cada sistema
de armas moderno.

Ao discorrermos sobre as dificuldades atuais, para se rotular a guerra a partir de


armas específicas, não estamos negando a possibilidade de que em guerras futuras,
determinadas armas possam exercer um papel preponderante, e até mesmo
decisivo, ocupando, assim, uma posição de prestígio incontestável. O que
afirmamos, é que esta posição de liderança não será mais ocupada de forma isolada
e permanente, ou, em outras palavras, não há tecnologia que possa, de forma
independente, rotular uma guerra moderna.

DOIS PENSAMENTOS DOUTRINÁRIOS — “GUERREAR COM AS


ARMAS EXISTENTES OU ARMAS ESPECÍFICAS PARA
GUERREAR”
Esses dois pensamentos marcam, de forma clara, a linha divisória entre a guerra
tradicional e a guerra do futuro, e dão o contorno do relacionamento entre as armas
e a tática, nestas duas modalidades temporais de guerra. O primeiro pensamento
reflete a adaptação passiva ou involuntária do homem ao armamento e à tática, no
âmbito de uma guerra, enquanto que a segunda, sugere uma opção livre, ativa e
consciente.

GUERREAR COM AS ARMAS EXISTENTES

Historicamente, uma regra geral não escrita tem sido a maior adesão ao
pensamento  “g
guerrear com as armas existentes”. Na maioria dos casos, verificou-
se que somente após o desenvolvimento das armas é que se criaram as táticas para
o seu emprego, e assim, o desenvolvimento das armas sempre teve um efeito
condicionador na evolução das táticas. Coma as armas aparecendo em primeiro
lugar, sendo então acompanhadas pela evolução tática, vemos que a evolução das

23
armas teve um efeito decisivo sobre a evolução da tática.

Na evolução das armas é evidente que a tecnologia e a idade são fatores


significativos, mas não há como negar a relação linear pela qual, a motivação dos
especialistas em armamentos, no desenvolvimento de novas gerações de armas seja,
apenas, a busca de um desempenho melhor e mais avançado, sem considerar
qualquer outro aspecto. Possivelmente, seja esse o motivo para que a revolução nas
armas, invariavelmente, preceda as revoluções nos assuntos militares.

A SINERGIA ENTRE DIFERENTES GERAÇÕES DE ARMAS


Embora o pensamento de “g
guerrear com as armas existentes” tenha uma natureza
essencialmente negativa, por refletir em espécie de impotência, não podemos nos
esquecer do significado positivo deste pensamento nos dias de hoje. Este significado
positivo é a busca da melhor tática para o armamento que se tem, ou em outras
palavras, buscar o melhor modo de combate representado pelo melhor casamento
com as armas existentes, e desta forma, fazer com que as armas que se tem tenham
o seu desempenho máximo.

Atualmente, aqueles que estão envolvidos em guerras, já evoluíram, consciente ou


inconscientemente, de uma visão negativa do pensamento de “g
guerrear com as
armas existentes”, para a sua atual visão positiva. No entanto, ainda existem
aqueles que acreditam que esta seja uma alternativa exclusiva de países
considerados atrasados devido à sua impotência, sem levar em conta de que os
EUA, a maior potência no mundo, também enfrenta este tipo de impotência. Mesmo
sendo o país mais rico do mundo, os EUA não conseguem arcar com o emprego
exclusivo, do seu arsenal de ponta, utilizando e adaptando, também, o seu
armamento já obsoleto, de acordo com as necessidades das guerras atuais7. O que
diferencia, no caso do EUA, é a sua maior capacidade para a seleção do casamento
ideal entre o armamento moderno e o antigo.

7 Mesmo na Guerra do Golfo, que foi considerada um campo de testes para os


novos armamentos, verificou-se que um grande número de armas e munições
consideradas antigas e convencionais, teve um emprego importante. (Para maiores
detalhes ver “The Gulf War  U.S. Department of Defense Final Report to Congress
 Appendix”).

24
A prática de mesclar o armamento novo com o antigo, se resultar em um perfeito
casamento com a tática, além de eliminar as deficiências originadas por uma
excessiva uniformidade do armamento, pode atuar como um fator multiplicador da
sua eficácia. A título de exemplo, o bombardeiro B-52, que de acordo com muitas
previsões já deveria ter sido desativado, teve o seu emprego operativo revigorado,
após ser adaptado para o lançamento de mísseis de cruzeiro e de armas de
precisão. O avião ataque A-10, após a incorporação de mísseis com sistemas de
orientação infravermelha, passou a dispor da capacidade para realizar operações
noturnas, (capacidade inexistente em sua versão original). O seu emprego com o
helicóptero “Apache” além de formou um eficiente binômio de ataque, passando a
ser uma importante plataforma de combate, apesar de projetada nos anos 70.

guerrear com as armas existentes” não constitui, de


Desta forma, o pensamento de “g
forma alguma, uma atitude de passividade ou de inação. Na atualidade, mais do
que em qualquer era no passado, o crescente mercado de armamentos, e os seus
múltiplos canais de suprimento, têm proporcionado um variado leque de opções,
para a seleção de armamentos, e a coexistência de várias gerações de diversos
sistemas de armas, tem proporcionado uma base mais ampla e funcional para a
realização de hibridismos entre gerações de armamentos. Assim sendo, a única
necessidade real é a do rompimento com a mentalidade de que as gerações de
armas, seus empregos e combinações são parâmetros fixos no tempo, adquirindo-
se, assim, a capacidade de transformar sistemas tidos como ultrapassados em algo
significativo. Se confiarmos apenas em armamentos avançados, para engajar numa
guerra moderna, assumindo uma convicção cega com relação a sua eficácia,
podemos nos deparar com a transformação daquilo que era miraculoso em algo
inútil.

Estamos vivendo numa era em que um salto revolucionário está ocorrendo no


âmbito dos armamentos, passando dos sistemas baseados no poder da pólvora para
aqueles baseados no poder da informação, e este salto pode demandar um longo
período de maturação, situação em que ocorrerão alternâncias entre sistemas de
armas. Na atualidade, não temos como prever qual será a duração deste período de
transição, o que temos certeza é que, enquanto durarem essas alternâncias, o
guerrear em função das armas” será a abordagem básica para
pensamento de se “g
qualquer país, incluindo os EUA e seu arsenal de ponta.

ARMAS ESPECÍFICAS PARA GUERREAR

25
No relacionamento entre as armas e a guerra, deve-se sempre enfatizar — que um
fato, por mais básico que seja na atualidade, não é necessariamente uma verdade
no futuro. Iniciativas intempestivas, tomadas sob condições adversas, podem
constituir linhas de ação aceitáveis para um determinado período, mas de forma
alguma podem ser tomadas como regra.

O progresso científico há muito, passou de um processo passivo de descoberta para


o de uma ação ativa de invenção, e quando os norte-americanos propuseram a
concepção doutrinária de “a
armas específicas para guerrear” deflagraram a maior
mudança singular no relacionamento entre armas e táticas, desde o advento da
guerra.

Nesta nova linha de pensamento, primeiro determina-se o modo de combater, e em


decorrência, desenvolve-se o armamento, e o primeiro passo dado pelos norte-
americanos foi o desenvolvimento do conceito de “Air-Land Battle” em 1982.
Daquele conceito, as atuais concepções de “Teatro Informatizado” e “Unidades
Informatizadas”, (que têm gerado muita controvérsia), constituem seu estágio mais
avançado.

Partindo do conceito de “Air-Land Battle” o processo de desenvolvimento de armamentos empregado pelos militares
norte-americanos pode ser dividido, basicamente, em 5 estágios: especificação de requisitos; esboço de projeto;
avaliação da concepção; desenvolvimento técnico e produção; e dotação das unidades. O desenvolvimento relativo às
unidades informatizadas segue o mesmo padrão. (U.S. Army Times, Out 1995). Em Março de 1997, o Exército
Americano realizou um exercício de combate ao nível de brigada, testando um total de 58 tipos de equipamentos
digitais. (U.S. Army Times, 31 March, 7 April, 28 April 1997). Segundo John E. Wilson, Comandante do U.S. Army’s
Material Command, sua missão é a de colaborar com o Training and Doctrine Command, na idealização e
desenvolvimento de novos equipamentos, com tecnologias avançadas e que atendam as suas necessidades. (U.S.
Army magazine, October 1997).

Esta nova abordagem é uma indicação de que a condição dos armamentos, como
precursores das revoluções em assuntos militares, foi abalada. Agora, a definição
tática vem em primeiro lugar, e dela decorrem as armas, e na seqüência, uma
promove a outra, num processo de desenvolvimento baseado numa realimentação,
que se tornou a nova forma de relacionamento entre armas e tática.

Sistemas de armas, isoladamente, já provocaram mudanças que marcaram época,


mas na atualidade, no desenvolvimento de um sistema de armas considera-se, além
da melhoria no desempenho, a sua capacidade de integração e compatibilidade com
outros sistemas de armas já existentes, evitando casos como o da aeronave F-111,
que ao ser desenvolvida representava um modelo único de aeronave, cujo avanço
tecnológico a tornava incompatível com qualquer outro sistema de armas existente,
restrição essa que acabou por antecipar a sua retirada de serviço. Esta lição foi

26
aprendida, e a idéia de se basear no desenvolvimento de sistemas de armas
tecnologicamente estanques e que poderiam isoladamente derrotar um inimigo já
está ultrapassada.

O pensamento de se “a
armas específ icas para guerrear” é uma abordagem que
possui as características da era atual, da prática e da pesquisa laboratorial, não
significando, apenas, uma opção que privilegie a inventiva ou a inovação, mas
também, a ação de se copiar e alterar eventos, com base em princípios
fundamentais.

Adicionalmente, além de ser um avanço na história da preparação para a guerra,


este pensamento incorpora, também, um potencial de crise na guerra moderna:
configurar armamentos sob medida, para executar táticas que ainda estão sendo
desenvolvidas, é como se preparar um banquete sem saber quem são os
convidados, uma situação em que um pequeno erro pode gerar um grande desvio
do objetivo.

Neste sentido, pode-se citar o desastroso desempenho de forças de elite norte-


americanas na Somália, quando se defrontaram com as milícias de rua de Hussein
Mohammed Aidid. Do que ocorreu naquele confronto podemos concluir que a mais
moderna força militar do mundo não teve a habilidade para controlar o clamor
público, e, muito menos, para lidar com um inimigo que empreendia ações não
convencionais.

Decorre deste fato a possibilidade de, num teatro de operações do futuro, forças
informatizadas encontre-se na situação de um “chef de cousine”, excelente no
preparo de lagostas, mas diante da guerrilha, — um freguês que come “arroz com
feijão”8 — não tenha alternativa, que não seja a de suspirar em desespero.

O hiato entre gerações de armamentos9 e de forças militares constitui um tema que


talvez exija uma atenção especial. Quanto menor for o hiato no desenvolvimento

8 [N.T.] A tradução não foi feita de forma literal, visando o emprego de uma imagem
brasileira que resguardasse a idéia original que o autor pretendeu dar na versão em
inglês.

9 Slipchenko, Chefe do Departamento de Pesquisa Científica da Academia de


Estado-Maior da Rússia, acredita que tanto a guerra, quanto os armamentos já
passaram por cinco eras, e que agora estamos indo para a sexta era. (Zhu Xiaoli,

27
tecnológico, entre forças oponentes em um teatro, maiores serão as probabilidades
de sucesso para a força mais sofisticada; na medida em que o hiato se expande,
mais difícil fica a interação entre as forças oponentes, chegando-se a ponto de
nenhuma ser capaz de eliminar a outra. Examinando exemplos específicos de
batalhas passadas, verifica-se a dificuldade que tiveram as tropas de alta-tecnologia
para lidar com a guerra não convencional ou de tecnologia rudimentar, e neste
sentido, talvez, até exista um paradoxo, mas pelo menos é um fenômeno
interessante, e que vale a pena ser estudado.

A edição nº. 11 de 1998 do “Journal of the National Defense University” traz um artigo sobre a entrevista concedida por
Philip Odeen, Chefe do ‘U.S. National Defense Panel’ a Chen Bojiang, na qual Odeen cita a expressão “guerra
assimétrica” diversas vezes, acreditando-a como sendo a nova ameaça aos Estados Unidos. Antulio Echeverria publicou
um artigo na revista “Parameters” no qual ele propõe que “na era pós-industrial, aquilo com o que será mais difícil de
lidar será guerra do povo”.

ARMAS DE EMPREGO NEOCONCEPCIONAL E ARMAS


NEOCONCEPCIONAIS
Se comparadas às “a
armas de emprego neoconcepcional”, todas as armas que
conhecemos podem ser consideradas antiquadas, pelo fato de suas características
básicas de emprego ainda serem: mobilidade e poder letal. Até mesmo as atuais
bombas inteligentes (dotadas de sistemas de planeio e de guiagem de precisão) e
outras armas semelhantes ditas de “alta-tecnologia”, não acrescentaram inovações
concepcionais, ou seja, apenas os seus elementos de arquitetura estrutural e de
inteligência foram inovados ou aprimorados.

Sob a perspectiva de emprego, nenhuma mudança na configuração externa destas


armas alterou o fato de serem armas tradicionais, ou seja, de serem usadas e
controladas por soldados profissionais em teatros específicos. Nenhuma dessas
armas, ou suas respectivas plataformas, desenvolvidas segundo a linha de
pensamento tradicional, está em condições de evoluir visando à sua adaptação às
guerras futuras.

O desejo de se usar o poder mágico da alta-tecnologia como num processo de


alquimia, para que pudéssemos refazer completamente os armamentos, caiu na
chamada armadilha da alta-tecnologia, resultando num infindável desperdício de
recursos limitados e numa corrida armamentista. E este é o paradoxo que,

Zhao Xiaozhuo, “The New U.S. and Russian Military Revolution”, Military Science
Publishing House, Edição de 1996, p6).

28
inevitavelmente, deve ser encarado no processo de desenvolvimento do armamento
tradicional.

A ARMADILHA DA ALTA-TECNOLOGIA
Para assegurar a liderança no campo dos armamentos, é necessário que seja
previsto o crescimento dos custos de desenvolvimento; o resultado da contínua
elevação no investimento é que nenhum país tem recursos suficientes para manter-
se na liderança. O resultado final deste processo é que as armas idealizadas para
defender o país poderão ser as causas de sua falência. Neste sentido, exemplos
recentes são os mais convincentes.

A URSS NA ARMADILHA DA ALTA-TECNOLOGIA


Na antiga URSS, na ambiência da corrida armamentista da era nuclear, o Marechal
Nikolai Orgakov, então Chefe do Estado-Maior do Exército Soviético, adotando uma
visão prospectiva, relativa ao desenvolvimento de armamentos na era nuclear,
programou o que seria uma revolução em assuntos militares. A adoção desse
projeto demandou o redirecionamento de recursos, já escassos, para este propósito,
e ao contrário dos benefícios vislumbrados, contribuiu significativamente para a
derrocada e o colapso do seu país.

Orgakov prevendo que o desenvolvimento de tecnologia não-nuclear iria causar uma nova revolução no campo militar
iniciou o desenvolvimento da incorporação da tecnologia cibernética aos sistemas de armas enfocando a aquisição de
alvos de guiagem de precisão. A presunção era a de que um Exército equipado com esta tecnologia — a qual ainda
estava em seus estágios iniciais de desenvolvimento — estaria em condições de produzir armas com capacidade
destrutiva consideravelmente maior do que as armas nucleares. No entanto, a antevisão de Orgakov, com relação a uma
revolução nos assuntos militares foi por terra devido a problemas estruturais. “Se no processo de manutenção de uma
revolução em assuntos militares a um custo elevado, um país exceder os limites do que pode ser gerado pelas
condições de seus sistemas e material, e mesmo assim manter-se engajado numa disputa pelo poder militar com os
seus oponentes, o único resultado possível é que este país irá cair numa posição secundária com relação à
disponibilidade de forças militares que poderá empregar. Esta foi a sina da Rússia, tanto na era czarista, quanto na era
soviética. A União Soviética assumiu uma carga militar difícil de suportar e os militares não estavam dispostos a aceitar
a necessidade de uma nova redução estratégica.” (Steven Blank, “Preparing for the Next War: Some Views on the
Revolution in Military Affairs”, Strategic Review, primavera 1996).

Desta forma, corroborando com o paradoxo do desenvolvimento bélico, a


implementação da concepção de Orgakov, inicialmente vista por seus pares como
um ajuste no ritmo de crescimento militar, provocou um incremento da corrida
armamentista, fato este que, fugindo a qualquer previsão, iria redundar na ruptura
da União Soviética e sua completa eliminação na disputa entre as superpotências.
Um poderoso império entrava em colapso, sem que um único disparo tivesse sido
feito, confirmando os versos do famoso poema de Kipling: “Quando um império

29
sucumbe, ele não o faz com um estrondo, mas em silêncio”.

OS EUA NA ARMADILHA DA ALTA-TECNOLOGIA


No entanto, este fato parece não ser uma verdade somente para a antiga União
Soviética. Atualmente, os EUA parecem estar seguindo os mesmos passos de seu
antigo adversário, apresentando novas evidencias da validade do paradoxo do
desenvolvimento bélico.

Na medida em que a integração tecnológica alcança uma dimensão cada vez maior,
os EUA investem, cada vez mais, no decorrente desenvolvimento de armas, há um
custo, em termos absolutos, cada vez mais elevado. O desenvolvimento do F-14 e do
F-15, que nos anos 60 e 70 custou um bilhão de dólares, enquanto que o
desenvolvimento do B-2 nos anos 80 custou cerca de dez bilhões de dólares, e o
desenvolvimento do F-22 nos anos 90 excedeu a cifra dos 20 bilhões de dólares.

Se estabelecermos uma relação matemática entre o peso do B-210 (≈ 71.688 Kg) e o


seu custo (considerado a aeronave em operação mais cara jamais produzida),
conclui-se que ele corresponde a três vezes o seu peso em ouro11 (ouro =
US$30,00/grama) , e o arsenal norte-americano está repleto de outros sistemas de
armas tão caros quanto o B-2, como é o caso do F-117-A, do F-22 e do helicóptero
RAH-64 “Comanche”. O preço de cada um destes sistemas de armas excede US$
100 milhões, e este investimento, tem imposto uma carga cada vez mais pesada ao
orçamento norte-americano, levando os EUA, passo a passo, na direção da

10 Em 1981, a Força Aérea americana estimou que poderia produzir 132 aeronaves
B-2 com um investimento de 22 bilhões de dólares. No entanto, oito anos após, com
este montante de capital só havia conseguido produzir uma unidade de B-2. Tendo-
se por base o seu valor por unidade de peso, o B-2 vale três vezes o seu peso em
ouro. (Ver Modern Military Technology, Nº 8, 1998, p33; e “Analysis of U.S. Stealth
Technology Policy” por Zhu Zhihao)

11 O Departamento de Defesa dos EUA analisou o ataque aéreo realizado em 13 de


janeiro de 1993 sobre o Iraque, e considera que existam inúmeras limitações ás
armas de alta-tecnologia, e que a eficácia das bombas de efeito combinado, em
alguns casos, foi superior à das bombas de precisão. (Aviation Week and Space
Technology, 25 de Janeiro de 1993).

30
armadilha da alta-tecnologia12, onde investimentos geram desenvolvimentos
tecnológicos que descortinam horizontes para novos investimentos. Se este fato é
real para um país rico e determinado como os EUA, até onde poderão ir os demais
países, com limitados recursos financeiros?

ARMAS DE EMPREGO NEOCONCEPCIONAL


Obviamente, será difícil, para qualquer outro país manter-se nesse dispendioso
processo, e a via para se libertar desse caminho tem sido o desenvolvimento de uma
nova abordagem, dando origem ao conceito de “a
armas de emprego neoconcepcional”.
No entanto, até mesmo nesta vertente, considerada como a alternativa dos países
com recursos limitados, aparentemente, são os EUA que está na liderança.

Na Guerra do Vietnã, por exemplo, a pulverização da região da “Trilha Ho Chi Min”


com iodeto de prata, resultando em chuvas torrenciais, e o emprego de agentes
desfolhantes sobre as florestas subtropicais, colocaram os “diabólicos norte-
americanos”13 na liderança isolada, tanto em relação ao método, quanto à forma
impiedosa de emprego dessas armas neoconcepcionais. E atualmente, 30 anos
após, com a dupla vantagem de dispor de recursos e tecnologia, ninguém consegue
superá-los nesta área.

As armas de emprego neoconcepcional incluem, basicamente, as armas de energia-cinética, armas de ação energética,
armas subsônicas, armas geofísicas, armas meteorológicas, armas de energia solar, armas genéticas, armas de energia
cinética, armas de energia dirigida, armas subsônicas, armas geofísicas, armas meteorológicas, armas de energia solar,
armas genéticas, etc. (“New Military Perspectives for the next Century”, Military Science Publishing House, Ed de 1999,
p3).

ARMAS NEOCONCEPCIONAIS

Apesar de tudo, os norte-americanos não detêm a liderança isolada em tudo. As


armas neoconcepcionais” que sucedem e decorrem do desenvolvimento de “a
“a armas
de emprego neoconcepcional”, conferem uma maior abrangência ao conceito de
armas. Contudo é justamente neste campo onde os norte-americanos não têm tido
muito sucesso. O desenvolvimento de “a
armas neoconcepcionais” não depende,
apenas, do aporte de recursos e de novas tecnologias, e sim, de um raciocínio

12 [N.T.] Devido aos gastos militares com a Guerra do Iraque (2003) os EUA
enfrentam, na atualidade, o maior déficit orçamentário de sua história.

13 Tanto as aspas, quanto a expressão, foram originalmente colocadas pelo autor no


texto original.

31
abstrato, lúcido e perspicaz, não sendo este o ponto forte dos norte-americanos,
cujo raciocínio é condicionado e circunscrito à metodologia tecnológica.

É inegável o fato de alguns fenômenos, que atualmente podem ser induzidos pelo
homem, podem ser classificado como “armas de emprego neoconcepcional”, e que
estas apresentam enormes diferenças em relação aos artefatos que formalmente
designamos como “armas”; mesmo assim, continuam sendo “armas”, cujos
propósitos imediatos são o de matar e destruir, estando ainda relacionadas aos
assuntos militares, como estão os soldados e diferentes tipos de munição. Desta
forma, não constituem nada além do que armas dotadas de características e
mecanismos não-tradicionais e cujos poderes de destruição foram ampliados
muitas vezes.

No entanto o conceito de “a
arma neoconcepcional” é diferente, sendo completamente
ama de emprego neoconcepcional.”
distinto do que denominamos “a

Na medida em que podemos dizer que as “a


armas de emprego neoconcepcional”
transcendem o conceito tradicional de armas, por poderem ser controladas e
manipuladas em um nível tecnológico, sendo capazes de infligir danos tanto
materiais, quanto psicológicos, tais sistemas ainda são armas num sentido estrito
da palavra. Já as “a
armas neoconcepcionais” têm uma perspectiva mais genérica,
englobando todos os meios, inclusive aqueles que transcendem a ambiência militar,
mas que podem ser empregados em operações de guerra.

Na perspectiva de “a
armas neoconcepcionais,” qualquer coisa que possa beneficiar o
ser humano também pode prejudicá-lo, ou seja, qualquer coisa neste mundo pode
ser transformada numa arma, e esta possibilidade requer que o nosso
entendimento e percepção, do que vem a ser uma arma, ultrapasse todas as
fronteiras. Neste sentido, o desenvolvimento tecnológico, impulsionando o processo
de diversificação de armas, proporcionará uma abertura ao nosso raciocínio,
permitindo o entendimento e a percepção dessa nova realidade, rompendo de uma
vez por todas, o campo de domínio do conceito tradicional das armas.

Desta forma, a indução de um colapso de um mercado acionário, a contaminação


de uma rede de computadores por um vírus, um rumor ou escândalo que resulte na
flutuação do cambio ou, a exposição comprometedora de lideres de um país,
constituem ações que podem ser enquadradas como “a
armas neoconcepcionais”.

As “a
armas neoconcepcionais” têm proporcionado uma orientação para o
desenvolvimento das “a
armas de emprego neoconcepcional”, enquanto que estas

32
proporcionam uma forma de materialização das primeiras. Com relação ao
continuado desenvolvimento de “a
armas de emprego neoconcepcional”, é importante
assinalar, que a tecnologia já não é mais o fator preponderante, e que o fator
comum em relação a estas armas é o caráter inédito da sua concepção de emprego.

O que deve ser bem entendido, e de maneira bastante clara, é que o processo de
desenvolvimento das “a
armas neoconcepcionais” está intimamente ligado à vida
comum das pessoas.

Com relação às “a
armas neoconcepcionais” podemos inferir que: em primeiro lugar
elas colocarão a guerra num patamar difícil de ser vislumbrado, tanto por leigos,
quanto pelos militares; e em segundo lugar, algo que nos deixa atônitos, que as
coisas que considerávamos comuns do dia-a-dia, e que estão ao nosso alcance,
podem ser transformadas em armas de guerra.

Neste sentido, acreditamos que um dia, as pessoas irão acordar, e surpreender-se


com a descoberta de que algumas daquelas coisas que consideravam delicadas e
simples começaram a ter características ofensivas e letais.

A TENDÊNCIA PARA AS ARMAS SUAVES

O PARADOXO DO ARMAMENTO NUCLEAR


Antes do advento da bomba atômica, a guerra sempre apresentou uma
característica de escassez em relação ao poder de destruição. Os esforços para o
aprimoramento das armas sempre foram no sentido de incrementar o seu poder de
destruição, e desde o armamento leve, até o armamento pesado, a trajetória do seu
desenvolvimento tem sido sempre no sentido de incrementar o seu poder letal.
Assim sendo, um desempenho aquém do esperado sempre alimentou, por um longo
tempo, uma insaciável sede dos militares por armas que incorporassem uma
crescente capacidade de poder letal.

Até que um dia, uma singular nuvem vermelha, em forma de cogumelo, ao se


formar na região desértica do Novo México EUA, sinalizou que os militares,
finalmente, haviam desenvolvido a capacidade para produzir uma arma de
destruição em massa, a qual atendia a todas as suas expectativas. Agora, além da
capacidade de aniquilar instantânea e completamente um inimigo, poderia
continuar matando 100 ou até 1000 vezes mais, depois de seu emprego inicial. Isso
conferia à humanidade uma capacidade letal que excedia ao que era demandado, e

33
pela primeira vez na história, havia excesso de poder letal.

Princípios filosóficos dão conta de que, sempre que algo atingir o seu ponto
máximo, voltar-se-á na direção oposta. Nesse sentido, a invenção do armamento
nuclear, esta arma “u
ultra-letal”14 que pode aniquilar toda a humanidade, colocou a
própria humanidade numa espécie de armadilha existencial criada por ela mesma.

As armas nucleares tornaram-se a espada de Damócles, pendendo sobre a cabeça


da humanidade, forçando-a a ponderar: Será que nós realmente precisamos de
ultra-letais”? Qual é a diferença entre matar um inimigo uma vez, e
armas “u
continuar matando-o 100 vezes mais? Qual é o propósito em destruir um inimigo,
se isto significar a destruição do mundo? Como podemos evitar uma guerra que
resultará na ruína de todos nós?

O “equilíbrio do terror” introduzido pela “possibilidade assegurada de destruição


mútua” foi a resposta imediata a esses questionamentos, e como uma decorrência,
abriu uma via expressa para uma nova abordagem, privilegiando o crescente
aprimoramento do controle do poder letal das demais armas, associando a sua
eficácia a uma possibilidade aceitável de emprego.

A TENDÊNCIA DE HUMANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA


Atualmente, qualquer invenção tecnológica de porte tem uma profunda ingerência
de aspectos humanísticos. A “Declaração Universal de Direitos do Homem”,
sancionada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, e os mais de 50
pactos e acordos relacionados, estabeleceram um conjunto de normas
internacionais relativas aos direitos humanos. Por estas normas é reconhecido que
o uso de armas de destruição em massa, e em particular, armamentos nucleares,
constitui uma séria violação do “direito à vida”, e representa um “crime contra a
humanidade”.

14 A substituição o conceito de “arma ultra-letal” pelo conceito de “arma de


destruição em massa” deve-se à necessidade de realçar o fato de que o poder letal
destas armas excede as necessidades da guerra, sendo o produto do pensamento
extremista do homem.

34
Aspectos como os direitos humanos e outras novas concepções políticas; a
tendência de integração da economia mundial; o entrelaçamento de interesses e
posições políticas, envolvendo as diversas forças políticas e sociais; a concepção da
“derradeira preocupação” com a ecologia e meio-ambiente; e em particular a
valorização da vida humana; têm influenciado preocupações relativas à matança e à
destruição, dando berço a uma nova concepção de guerra e a uma nova ética na
condução da guerra.

AS ARMAS SUAVES — DE PRECISÃO — NÃO-LETAIS


A tendência para as “a
armas suaves”15 não é nada mais do que um reflexo dessa
grande mudança na base da cultura humana, no desenvolvimento e produção de
armas. Em decorrência desta tendência, tem havido o desenvolvimento de meios
para atacar direta e especificamente um centro nervoso de um inimigo, sem
danificar as áreas circundantes. Desta forma têm-se novas opções para obtenção da
vitória, gerando a crença de que a melhor forma de se obter a vitória é através de
um maior exercício de controle e não através da imposição da morte.

Ocorreram mudanças no conceito de guerra e no conceito dos armamentos, e o


recurso à matança descontrolada, para forçar o inimigo a uma rendição
incondicional, tornou-se uma relíquia de uma era passada. Atualmente, a guerra se
distancia das eras de carnificina caracterizadas por campanhas como a de Verdun.
O aparecimento das armas de precisão e das armas não-letais tornou-se um ponto
de inflexão no desenvolvimento de sistemas de armas, evidenciando, pela primeira
vez, que este desenvolvimento se dá numa direção mais “suave” e não numa direção
de maior “força”.

As armas de precisão podem atingir um alvo específico de forma precisa, reduzindo


os danos e vítimas colaterais, da mesma forma que um bisturi a raios gama, pode
extrair um tumor com praticamente nenhum sangramento, dando origem assim, ao
conceito de “ataques cirúrgicos”16. Desta forma, ações de guerra sem grande

15 O termo “suave” refere-se ao fato de que estas armas reduzem o grau da matança
e o nº de vítimas colaterais.

16 [N.T.] Neste sentido é interessante o comentário de Bernard Shaw (repórter da


CNN) ao irradia, diretamente de Bagdá, durante o 1º ataque norte-americano no 2º

35
envergadura podem proporcionar resultados estratégicos notáveis. Por exemplo,
através do emprego de um míssil, rastreando o sinal de um telefone celular, os
russos conseguiram calar o incomodo e ameaçador discurso de Dudayev de forma
permanente, e ao mesmo tempo, eliminar um enorme problema que havia sido
desenvolvido pela minúscula Chechenia.

As armas não-letais podem eficazmente eliminar a capacidade de combate tanto do


pessoal, quanto do armamento, sem a perda de vidas.

A edição de Abril de 1993 do periódico britânico “International Defense Review” revelou que os EUA estavam
empreendendo intensas pesquisas em uma grande variedade de armamentos não-letais, compreendendo: armas
ópticas; armas de microondas de alta energia; armas de raios acústicos; e armas a laser. A edição de 6 de março do
periódico “Jane´s Defense Weekly” relata que um comitê de alto nível relacionado a armas não-letais, no âmbito de
Departamento de Defesa, já formulou uma política regulando a demanda, o desenvolvimento e o emprego de tais tipos
de armas. Além disso, de acordo com as p521-522 da edição de 1997 do “World Military Yearbook” o departamento de
Defesa dos EUA formou um grupo pioneiro para pesquisa de armamentos não-letais, cujo propósito é o de providenciar
para que as armas não-letais sejam incorporadas, o mais breve possível, no inventário de armamentos. [F1] Comentário: Mobilidade,
Contramobilidade e Proteção.

A tendência incorporada nestas armas demonstra que a humanidade está no


processo de suplantar seu próprio modo extremado de pensar, começando a
aprender a controlar o poder letal de que já dispõe, e cujo excesso cresce
continuamente. No bombardeio maciço que durou mais de um mês na Guerra do
17
Golfo, a perda de vidas iraquianas permaneceu na casa dos milhares , um valor
muito inferior ao verificado em decorrência do bombardeio de Dresden durante a 2ª
Guerra Mundial.

As “armas suaves” representam a mais recente opção consciente da humanidade


entre as várias opções no campo das armas, à qual, após a introdução de uma nova
tecnologia no desenvolvimento da arma, a componente humana é então
incorporada, conferindo, desta forma, à guerra, um inédito matiz de clemência. Não
obstante, “armas suaves” continuam sendo armas, e o requisito de serem “suaves”
não irá reduzir a sua eficácia num campo de batalha.

A EFICÁCIA DAS “ARMAS SUAVES”

Conflito do Iraque: “...se isto é um ataque cirúrgico, eu não queria estar nessa mesa
de operações...”.

17 Ver “Military Science Publishing House Foreign Military Data”, 26 de Março de


1993; nº 27; p3.

36
Para neutralizar a capacidade de combate de um tanque, podemos atingi-lo com
canhões ou mísseis, ou podemos, através de um feixe laser neutralizá-lo,
destruindo os seus equipamentos ópticos ou cegando a sua tripulação. Num
campo de batalha, alguém que esteja ferido demanda maior cuidado que outro que
esteja morto, e neste sentido, armas não tripuladas, progressivamente, prescindem
de blindagem e estruturas de proteção. Certamente, aqueles que se dedicam ao
desenvolvimento de “a
armas suaves” já contabilizaram o custo e benefício relativo a
estes aspectos. A ocorrência de vítimas pode eliminar a capacidade de combate de
um inimigo, levando-o ao pânico e perda da vontade de lutar, e isto pode ser
considerado como um meio extremamente válido de se alcançar a vitória.

Atualmente, já dispomos de tecnologia suficiente, e podemos desenvolver muitos


métodos para causar medo e que são eficazes, tais como o emprego de feixes laser
para projetar no céu a imagem de companheiros feridos, o que seria suficiente para
amedrontar aqueles soldados impressionáveis. Não existem mais obstáculos para o
desenvolvimento destes tipos de armas; só é necessária a adição de alguma
imaginação adicional ao elemento técnico. As “a
armas suaves” representam uma
derivação das “a
armas neoconcepcionais”, enquanto que e as “a
armas cibernéticas”
constituem um exemplo proeminente de “a
arma suave”.

Quer sejam armas de energia eletromagnética, para emprego em “hard-kill”, quer


sejam para “soft-kill”, como as “bombas lógicas”18 e os vírus, ou as armas de mídia,
armas suaves”
todas estas “a visam impor a paralisação e a deterioração, e não
vitimar seres humanos.

As “a
armas suaves”, que só poderiam nascer numa era de integração tecnológica,
podem constituir a tendência mais promissora no desenvolvimento de armas, e ao
mesmo tempo, desvendar formas de guerra e revoluções em assuntos militares,
inimagináveis ou imprevisíveis nos dias de hoje. Estas armas representam uma
mudança com profundas implicações sobre a história da guerra, constituindo o
divisor de águas entre as antigas e as novas formas de guerra. E isto se deve ao

18 Uma bomba lógica é um programa que foi deliberadamente escrito ou


modificado, sem autorização para produzir resultados específicos quando
determinadas condições são preenchidas, resultados estes inesperadas ou não
autorizados pelo proprietário legal do programa.

37
fato de sua aparição ter sido suficiente para relegar as guerras das armas frias e
quentes à era “antiga”.

De qualquer forma, não podemos nos deixar levar por fantasias românticas a
respeito de tecnologia, acreditando que a partir de agora a guerra tornar-se-á um
confronto semelhante a um jogo eletrônico. Até nas guerras simuladas, realizadas
em complexos informatizados, há que haver como premissa, a capacidade real dos
países envolvidos, pois mesmo que se desenvolvam dez planos para uma guerra
simulada, ainda assim, não será o suficiente para deter um inimigo real, que seja
mais poderoso em termos de força. A guerra ainda é uma arena de vida e morte,
uma área de destruição e sobrevivência, que não comporta uma ação cometida de
forma inocente.

Mesmo que no futuro todas as armas tenham sido completamente humanizadas,


uma guerra por mais suave que seja, na qual se evite o derramamento de sangue,
ainda será uma guerra. Pode ser que o processo cruel da guerra seja alterado, mas
não há como se mudar a sua essência, que por derivar de uma compulsão terá
sempre, como uma fatalidade, um final cruel.

38
CAP. 2 — A FACE DO DEUS DA GUERRA
TORNOU-SE INDISTINTA
“Através de todo o curso da história, a Guerra sempre tem
mudado.”
André Beaufre

O homem, desde o tempo em que caçava animais, até os dias de hoje, em que
pratica a matança de sua própria espécie, tem equipado o gigantesco monstro da
guerra para entrar em ação, e o desejo de atingir objetivos diversos têm mantido os
militares envolvidos em conflitos sangrentos.

Tem sido universalmente aceito, por milhares de anos, que a guerra é um assunto
restrito aos militares e que os três elementos básicos de hardware da guerra são: o
soldado, o armamento e o campo de batalha. E permeando estes três elementos o
quarto elemento básico de software, o propósito. Até agora, não se havia
questionado que estes constituíam os elementos básicos da guerra.

No entanto, os problemas começam a surgir, quando se descobre que aqueles


elementos básicos, aparentemente inflexíveis e perenes, começaram a mudar de tal
forma, que chegará o dia em que será impossível fixá-los de forma efetiva. Quando
este dia chegar, será que ainda conseguiremos distinguir a face do deus da guerra?

POR QUE E POR QUEM LUTAR?

OS PROPÓSITOS CLAROS DAS GUERRAS ATÉ A ERA MODERNA


Na Grécia antiga, se o épico de Homero for realmente verdadeiro, o propósito da
Guerra de Tróia era claro e simples: valia a pena empreender uma luta de dez anos,
pela bela Helena.

As guerras empreendidas por nossos ancestrais eram relativamente simples em


termos de propósitos e objetivos, e discorrer sobre eles não é muito difícil; isto se
deve ao fato de que nossos ancestrais tinham horizontes e áreas de atuação
limitadas, necessidades de subsistência modestas, e suas armas não eram
suficientemente letais. Somente quando algo não podia ser obtido por meios
normais, é que os nossos ancestrais recorriam a medidas extraordinárias, e neste
caso, sem a menor hesitação. Foi neste sentido, que Clausewitz estabeleceu o seu
famoso adágio, o qual se tornou uma profissão de fé para gerações de militares e
estadistas: “A guerra é a continuação da política...”.

Nossos ancestrais talvez lutassem pelo status ortodoxo de uma seita religiosa, ou
por um espaço de terra pleno de água e de pastagem. Pode-se dizer que eles não
teriam, inclusive, escrúpulos de ir para guerra, por exemplo, por causa de
especiarias, bebidas ou um caso de amor entre um rei e uma rainha.

As páginas da história estão repletas de eventos desta natureza, e constituem fatos


em relação aos quais não sabemos se devemos rir ou chorar. É o caso, por exemplo,
das Guerras do Ópio, travadas entre o Império Britânico e a Dinastia Quing (ou
Dinastia Manchu) no século XIX, em torno do que pode ser considerado na história,
o maior comércio de drogas patrocinado por um Estado. Portanto, em épocas
anteriores às atuais, só havia um tipo de guerra no que tange ao tipo de motivação
e ações subseqüentes.

A Guerra do Ópio, também conhecida como a Guerra Anglo-Chinesa, é considerada a derrota mais humilhante sofrida
pela China em toda a sua história. Em resumo, nas primeiras décadas do século XIX a Inglaterra praticava
intensamente o tráfico de ópio, o qual era produzido na Índia e comercializado para a China na cidade de Canton
(Guangzhou) em troca de chá e bens manufaturados. Este tráfico de ópio produziu milhares de viciados em toda a
China, com conseqüências devastadoras para o país, sendo que e as autoridades chinesas em Canton eram
subornadas pelos ingleses para que facilitassem a entrada da droga. Em face disso, o Governo Chinês tornou o tráfico
de ópio ilegal em 1836, iniciando uma intensa política de repressão a essa atividade, e já em 1839, toda a atividade dos
traficantes fora sensivelmente reduzida. Não obstante, desentendimentos entre os governos chinês e inglês com
relação ao tratamento dado aos comerciantes ingleses envolvidos no tráfico de ópio precipitou uma crise e em
decorrência a guerra entre os dois países. A 1ª Guerra do Ópio ocorreu entre 1839 e 1842. Em 24 de agosto de 1842 foi
assinado o tratado de Nanking, pelo qual a China cedeu Hong-Kong para os ingleses; abriu o comércio através dos
portos de Canton, Amou, Fuochow, Ningpo e Shangai. Pagou ainda uma indenização de 20 milhões de dólares. A 2ª
Guerra do Ópio ocorreu entre 1856 e 1860, onde novamente os chineses foram derrotados e pelo Tratado de Pequim,
(18/10/1860), houve a cessão de Kowloon (território continental, fronteiro a Hong Kong assim como outra pesada
indenização).

O INÍCIO DA AMBIGÜIDADE NA ERA CONTEMPORÂNEA

Com o decorrer da história começa a surgir a ambigüidade nos propósitos. Hitler


apresentando o seu slogan de “a conquista do espaço vital para o povo alemão”, e
os japoneses com o ideal de construir a chamada “Grande Esfera Asiático-Oriental
de Prosperidade”. Numa primeira análise, estes ideais sugerem propósitos mais
complexos que os das guerras do passado. Mas na realidade, a essência por de trás
destes slogans era o desejo destas novas potências pela redefinição das áreas de
influência das antigas potências, arrebatando para si os benefícios da conquista de
suas colônias.

Atualmente, não é tão fácil de identificar o porquê de se ir à guerra. Há algum


tempo atrás, numa ambiência bipolar, os ideais de “exportar a revolução”, de um

40
lado, e o de “conter a expansão do comunismo”, de outro, constituíam
chamamentos à ação, que evocaram inúmeras respostas. Mas com o término da
Guerra Fria, e o decorrente colapso da “Cortina de Ferro” que dividia o mundo em
campos opostos, aqueles apelos perderam a sua razão de ser e eficácia. A era em
que havia dois lados perfeitamente definidos estava terminada. Quem seriam os
nossos inimigos? Quem seriam os nossos amigos?

Estas questões que eram fundamentais no âmbito da revolução e da contra-


revolução, subitamente, ficaram com as suas respostas complicadas, confusas, e
difíceis de serem percebidas. Um país que ontem era um adversário, hoje se
encontra no processo de se tornar um parceiro, ao mesmo tempo em que, um país
que foi nosso aliado, talvez seja o nosso oponente num campo de batalha da
próxima guerra.

A COMPLETA AMBIGÜIDADE DE PROPÓSITOS DA ATUALIDADE


O Iraque, que em determinado momento na Guerra Irã-Iraque, atacava o Irã em
favor dos EUA, tornou-se o alvo de um feroz ataque conduzido pelos norte-
americanos pouco tempo depois1. Um grupo guerrilheiro afegão, treinado pela CIA,
tornou-se o mais recente alvo de um ataque noturno realizado pelos EUA com
mísseis de cruzeiro. A Grécia e a Turquia, países membros da OTAN, quase que
chegaram a situações de conflito na disputa sobre a ilha de Chipre, e o Japão e a
Coréia do Sul, ligados por um tratado de aliança, estiveram a ponto de entrar em
conflito, na disputa de uma pequena ilha. Todos esses exemplos servem para,
novamente, confirmar um antigo provérbio: “toda a amizade é fluida; o interesse
pessoal é a única constante”.

O caleidoscópio da guerra é girado pelas mãos do interesse pessoal, apresentando


ao observador mudanças constantes de imagem. Os avanços extraordinários na
tecnologia moderna têm servido para promover a globalização, intensificando ainda

1 Para maiores informações sobre o relacionamento entre o Iraque e os EUA, o leitor


pode consultar a obra “Desert Warrior: A Personal View of the Gulf War” escrito pelo
Comandante das Forças Combinadas Junshi Yiwen; Publishing House; p.212; “Iraq
had established extremely close relations with United States. Iraq had received
weapons and valuable intelligence regarding Iranian movements from the U.S., as
well as U.S. military support for attacks on Iran´s navy”.

41
mais a incerteza resultante da dissolução de alguns interesses conhecidos,
simultaneamente com a emergência de outros.

A razão para iniciar-se uma guerra pode ser qualquer uma: a disputa por um
território, ou por recursos; diferentes crenças religiosas; rancor derivado de
divergências tribais; diferenças ideológicas; disputa sobre participação nos
mercados financeiros; distribuição de poder e autoridade; sanções comerciais; ou,
uma disputa decorrente de um desequilíbrio financeiro.

Os objetivos da guerra se tornaram nebulosos devido à diversidade de interesses


convergentes a serem atendidos. Portanto, é cada vez mais difícil dizer-se,
claramente, o porquê de estarmos engajados em um conflito.

Em artigo publicado na edição de Fevereiro de 1993, da revista “The Officer”,


intitulado “On the Sea Change in the Security Environment”o então Secretário de
Defesa Les Aspin, apresenta a comparação a seguir com relação à antiga e a nova
ambiência de segurança.

EM RELAÇÃO À AMBIÊNCIA GEOPOLÍTICA


ANTIGA AMBIÊNCIA DE NOVA AMBIÊNCIA DE
SEGURANÇA SEGURANÇA
Bipolar (rígida) Multipolar (incerta)
Previsível Incerta
Comunismo e Nacionalismo Extremismo religioso
EUA potencia militar ocidental nº 1 EUA potencia militar isolada no
mundo
Alianças permanentes Alianças temporárias
ONU paralisada ONU dinâmica
EM RELAÇÃO ÀS AMEAÇAS ENFRENTADAS PELOS EUA
ANTIGA AMBIÊNCIA DE NOVA AMBIÊNCIA DE
SEGURANÇA SEGURANÇA
Única (URSS) Diversificada
Ameaça à Sobrevivência dos EUA Ameaça aos Interesses dos EUA
Clara Não Clara
Passível de Deterrência Não Passível de Deterrência
Centrada na Europa De outras regiões
Alto risco de Escalar Baixo risco de escalar
Ostensiva Encoberta
EM RELAÇÃO AO EMPREGO DA FORÇA MILITAR
ANTIGA AMBIÊNCIA DE NOVA AMBIÊNCIA DE
SEGURANÇA SEGURANÇA
Guerra de Atrição Ataques decisivos a alvos capitais
A Guerra realizada por terceiros A participação direta
Baseada principalmente em alta- Uso integrado de alta, média e baixa
tecnologia tecnologia

42
Posicionamento Avançado Projeção de Poder
Bases Avançadas Bases Domésticas
Apoio do País Hospedeiro Baseada na própria Força

Das tabelas acima, pode-se notar a sensibilidade norte-americana às mudanças em


sua ambiência de segurança, bem como, os diversos tipos de forças e fatores que
estão limitando e influenciando o estabelecimento de um novo arranjo mundial,
desde o término da Guerra Fria.

A PREVALÊNCIA DOS PROPÓSITOS E INTERESSES NACIONAIS


Qualquer jovem que participou da Guerra do Golfo poderá dizer, sem hesitar, que
lutou para restaurar a justiça em proveito do minúsculo e fraco Kuwait. No entanto,
o motivo real da guerra talvez tenha sido outro, bem diferente da razão tão
filantrópica que foi oficialmente divulgada.

Os países formadores da coalizão no 2º Conflito do Golfo, escondidos ao abrigo de


um pretenso propósito altruísta, não temiam o constrangimento de ter que encarar
os seus verdadeiros propósitos naquele conflito de frente. Na realidade, todos os
países que participaram da Guerra do Golfo, assim optaram, após uma cuidadosa
análise relativa às suas intenções e objetivos nacionais.

As potências ocidentais envolvidas lutavam pela preservação de suas linhas de


suprimento de petróleo. A este objetivo básico, os EUA acrescentaram a sua
aspiração de construir uma nova ordem mundial sob a insígnia “USA”,
comprovando a sua origem, e talvez tenha até havido, também, um pouco do zelo
missionário de preservação da justiça.

Os árabe-sauditas se engajaram visando anular uma incomoda ameaça de um


poder hegemônico iraquiano, e neste sentido, dispuseram-se até a superar tabus e
preconceitos muçulmanos, aliando-se aos ocidentais como em “Dança com Lobos”2.

Os ingleses sempre reagiram entusiasticamente a cada movimento feito pelo


Presidente Bush, como uma forma de recompensar o “Tio Sam” pelos problemas
que lhe haviam causado com a Guerra das Malvinas;

2 [N.T.] Uma alusão ao premiado filme “Dança com Lobos” em que um soldado do
exercito norte-americano se tornou amigo e aliado de uma tribo indígena, na época,
tradicionais inimigos do Exército norte-americano.

43
E até os franceses, tardiamente, enviaram tropas para o Golfo, visando a preservar
um pouco de sua tradicional influência no Oriente Médio.

Desta forma, com esta diversidade de interesses condicionantes, não há como uma
guerra possa ser conduzida sob um único propósito.

O agregado de interesses dos inúmeros países participando de uma guerra


transformou a guerra moderna, como no caso da “Tempestade no Deserto”, numa
inserção oportuna de interesses nacionais prospectivos, todos sob a chancela de
um interesse comum. O assim chamado “interesse comum” assumiu a condição de
um denominador comum de uma coalizão na equação da guerra — o fator que
tornou aceitável, para cada partido aliado, integrar o esforço de guerra.

Não obstante, ampliando esta perspectiva, se quisermos desenvolver um esforço


combinado, é necessário que se considerem, além de interesses e objetivos
nacionais, as condicionantes internas de cada país aliado, identificando as
intenções e objetivos dos vários grupos de interesses particulares de cada nação,
em relação à guerra.

Desta forma, o complexo inter-relacionamento de interesses nacionais e privados


torna impossível enquadrar a Guerra do Golfo, apenas, como tendo sido travada por
causa do petróleo, ou visando uma nova ordem mundial, ou para expulsar os
invasores.

Somente um número restrito de militares consegue compreender um princípio que


qualquer estadista já conhece: que a maior diferença entre as guerras
contemporâneas e as do passado é de que nas guerras contemporâneas, os
propósitos declarados são, freqüentemente, diferentes dos propósitos ocultos.

ONDE LUTAR?
“Avante jovens! Aos campos de batalha!”. Sob um fundo musical heróico, um jovem
com uma mochila nas costas, deixa para traz sua família, filhos e parentes, e todos
o vêem partir com lágrimas nos olhos. Esta é uma cena clássica dos filmes de
guerra. O jovem pode estar partindo montado a cavalo, num trem, num navio ou
num avião; isto não é relevante, o que importa, é que o seu destino é sempre o
mesmo — um campo de batalha envolto pelas chamas da guerra.

44
CAMPOS DE BATALHA DA ANTIGUIDADE ATÉ A IDADE MODERNA
Durante um longo tempo, antes do advento das armas de fogo, os campos de
batalha eram pequenos e compactos. O enfrentamento a curta distância entre dois
Exércitos poderia ser executado em uma pequena área de terreno plano, podendo
desdobrar-se por trilhas entre montanhas ou, para dentro dos limites de uma
cidade. Na perspectiva militar atual, aquele campo de batalha que extasiava nossos
antepassados, representa uma locação pontual no âmbito de um mapa militar, sem
ter muita relevância.

Os campos de batalha da Antigüidade até a idade Moderna não teriam capacidade


de acomodar o espetáculo que a guerra atual apresenta em escala grandiosa. O
advento das armas de fogo determinou o desenvolvimento das formações dispersas,
e o campo de batalha “pontual” foi gradativamente ampliado para uma região onde
ocorriam seqüências de escaramuças.

CAMPOS DE BATALHA NA IDADE CONTEMPORÂNEA


Durante a 1ª Guerra Mundial, a guerra de trincheiras, com suas linhas
estendendo-se por centenas de milhas, representaram o apogeu do conceito de
campo de batalha bidimensional, e ao mesmo tempo, ampliou suas dimensões para
uma “área” (teatro de operações3), com profundidade de dúzias4 de milhas. Para os
participantes daquele conflito, o novo campo de batalha configurado por
trincheiras, obstáculos de concreto, emaranhados de arame farpado, metralhadoras
e crateras, tornou-se um verdadeiro matadouro, gerando um número incontável de
vítimas.

A TECNOLOGIA REDIMENSIONANDO O CAMPO DE BATALHA


O constante processo de desenvolvimento tecnológico tem criado as condições para
novas e contínuas expansões do conceito de campo de batalha. A transição do
campo de batalha pontual para o linear, bem como, de sua dimensão

3 [N.T.] A expressão “Teatro de Operações” é o conceito atual, que corresponde ao


que o autor define como sendo Área de Batalha.

4 [N.T.] Acreditamos que o autor se referiu a “dezenas” de milhas, porém, para


manter fidelidade ao texto original, “dozens”, utilizamos a tradução literal – dúzias.

45
bidimensional para a tridimensional não levou tanto tempo para ocorrer, como pode
ser suposto. Pode-se dizer que, em cada caso, um determinado estágio na evolução
já trazia consigo o seu sucessor.

Quando o ronco dos motores inaugurava a era dos tanques passando sobre as
trincheiras, já apareciam nos céus os primeiros aviões equipados com
metralhadoras, e já era possível o lançamento de bombas por dirigíveis.

O desenvolvimento de armas não pode, por si só, e automaticamente, introduzir


mudanças nas características dos campos de batalha. Na história da guerra,
qualquer avanço significativo sempre dependeu, em parte, de uma iniciativa
inovadora por parte dos estrategistas militares. O campo de batalha, que esteve
restrito ao nível terrestre por milhares de anos, foi subitamente erguido à categoria
de tridimensional. Isto se deve, em parte, às obras “Tanks in the Great War, 1914-
1918” do Major-General John Frederick Charles, e “The Command of the Air” de
Giulio Douhet, bem como à profundidade das operações propostas e praticadas sob
o comando do Marechal Mikhail N. Tukhachevsky.

Erich Lunderdoff foi outro estrategista que tentou mudar radicalmente a natureza
do campo de batalha, idealizando o conceito de “guerra total”, que combinava os
elementos do campo de batalha a outros não pertencentes a este cenário,
integrando-os num só conjunto orgânico. Não obstante, ele não conseguiu
implantar sua concepção ou testemunhar o seu sucesso, pois estava predestinado a
travar as batalhas do seu tempo, em teatros como o de Verdun e dos Lagos
Masurios. Ainda assim, ele foi o precursor de uma doutrina militar que lhe
sucedeu por mais de meio século.

Neste sentido, o destino de um soldado é determinado pela era em que ele vive.
Naquele tempo, a amplitude das asas do Deus da guerra estava limitada ao alcance
de uma peça de artilharia fabricada pela Krupp, o que tornava impossível o disparo
de um projétil, cuja trajetória parabólica atingisse o inimigo, além de suas linhas de
frente e de retaguarda.

Hitler teve mais sorte que Lunderdoff. Passados 20 anos, ele tinha armas de longo
alcance à sua disposição. Empregando bombardeiros propulsados por motores
Mercedes, e os foguetes V1 e V2, ele conseguiu quebrar a tradição das Ilhas

46
Britânicas, de nunca terem sido constrangidas por qualquer invasor5. Hitler, que
não era um estrategista e tão pouco um tático, confiando apenas em sua intuição,
conseguiu ultrapassar os espaços que demarcavam a linha de frente e a
retaguarda; ele jamais entendeu, realmente, o significado revolucionário do
rompimento da configuração espacial que separava os elementos integrantes e não
integrantes do campo de batalha. Provavelmente, este conceito estava além do
alcance da percepção de um completo maníaco quanto à guerra, além de ser um
estrategista simplório.

TECNOLÓGICA E A DIMENSÃO ATUAL DO CAMPO DE BATALHA

Essa revolução, todavia, logo estará entre nós com sua força máxima. No momento,
a tecnologia novamente está avançada em relação ao pensamento militar. Ainda
que nenhum estudioso militar tenha apresentado qualquer conceito novo e
extremamente amplo sobre o campo de batalha, a tecnologia está se esforçando
para expandir o campo de batalha para uma dimensão que é virtualmente
ilimitada; existem satélites no ar, submarinos nas profundezas dos mares, mísseis
balísticos que podem atingir qualquer ponto do globo, e a guerra eletrônica, que
explora o invisível espectro eletromagnético.

Até mesmo o último refúgio da raça humana — o mundo interior do ser humano —
não está livre dos ataques da guerra psicológica. Existem redes integrando
sistemas nos cercando por cima e por baixo, de modo que uma pessoa não tem
mais como escapar.

Toda a conceituação atual relativa à amplitude, profundidade e altitude da


ambiência operacional já aparece como antiquada e obsoleta. Como um resultado
da expansão da capacidade de imaginação da humanidade e do seu domínio da
tecnologia, o campo de batalha está sendo ampliado ao seu limite máximo.

A despeito da situação delineada, o pensamento militar ainda tende a manter-se


estático.

Embora a tecnologia tenha criado maiores perspectivas para o pensamento militar,


certamente isso não foi suficiente para provocar a expansão do campo de batalha

5 [N.T.] Não foi considerada a invasão das Ilhas Britânicas em 1066 por Guilherme
o Conquistador, Duque da Normandia (região ao norte da França),.

47
convencional de sua dimensão “mesoscópica” convencional (isto é entre a
microscópica e a macroscópica).

Já é evidente, que os desenvolvimentos na área da tecnologia mecânica não serão


determinantes em futuras ampliações do campo de batalha. A assertiva de que
“uma futura expansão do campo de batalha refletir-se-á nas ações conduzidas nas
áreas mais profundas dos oceanos, e nas altitudes mais elevadas do espaço
cósmico”, constitui meramente um ponto de vista superficial, e uma conclusão que
se auto-restringe à física geral.

A NOVA DIMENSÃO — O ESPAÇO TECNOLÓGICO


A verdadeira mudança revolucionária no campo de batalha decorre do que
poderíamos chamar de “espaço não natural”. Por exemplo, não há como se
considerar que o espectro eletromagnético seja um campo de batalha em termos
convencionais. Ele constitui um tipo diferente de campo de batalha, que deriva e
depende da criatividade tecnológica. Neste tipo de “espaço criado pelo homem”, ou
“espaço tecnológico”6, os conceitos de dimensão, peso, terra, mar e ar e espaço
cósmico perderam os seus significados. Isso devido às propriedades específicas das
ondas eletromagnéticas, que permeiam e podem exercer controle no espaço
convencional sem, no entanto, ocupar qualquer parcela desse espaço. Podemos até
antecipar que, qualquer alteração ou expansão significativa em um futuro campo de
batalha estará condicionada à possibilidade de uma determinada inovação
tecnológica, ou à combinação de várias inovações tecnológicas poderem criar um
novo “espaço tecnológico”.

O espaço das redes interativas7 (ou ciberespaço)8 atualmente desperta uma ampla
atenção entre os militares modernos. Este “espaço tecnológico” foi criado por uma

6 “Ambiência tecnológica” é um novo conceito que estamos propondo, de modo a


distinguí-lo do espaço físico.

7 [N.T.] Expressão empregada como tradução para o termo “network”.

8 [N.T.] Dimensão ou domínio virtual da realidade, constituído por entidades e ações


puramente informacionais; meio, conceitualmente análogo a um espaço físico, em
que seres humanos, máquinas e programas computacionais interagem. (Dicionário
Aurélio – Sec. 20I).

48
singular interação entre a tecnologia eletrônica, a cibernética e sua aplicação em
projetos específicos. Considerando que uma guerra dentro deste espaço tecnológico
ainda pode ter os seus resultados controlados pelo homem, então, o “espaço
nanométrico”, que já se manifesta no rastro das redes interativas, pode representar
um claro indício da completa realização do sonho humano — a guerra sem o
envolvimento direto de seres humanos.

Atualmente, alguns militares imaginativos e criativos já estão tentando documentar


e explicar estes novos campos de batalha, repletos de novas tecnologias, visando às
guerras do futuro, e, portanto, uma mudança fundamental na “ambiência da
guerra” não está muito longe de ocorrer.

Mais cedo do que se pensa “guerras em redes interativas” ou as “guerras


nanométricas” podem se tornar uma realidade em nosso meio. Uma realidade que
ninguém no passado jamais imaginou. Aparentemente serão guerras intensas, com
praticamente nenhum derramamento de sangue, e mesmo assim, configurar-se-ão
vencedores e vencidos no cômputo geral da guerra.

Em um número cada vez maior de situações, estas guerras irão ocorrer em paralelo
às guerras tradicionais. Ambos os campos de batalha, o tecnológico e o
convencional, irão sobrepor-se e interagir de forma mutuamente complementar, na
medida em que cada um se desenvolve da sua própria maneira.

Portanto, uma guerra do futuro irá desenvolver-se, simultaneamente, tanto no


espaço macroscópico, como também no espaço mesoscópico e no espaço
microscópico, cada qual definido por suas propriedades físicas específicas, e que
no seu todo configurarão um extraordinário campo de batalha, sem precedentes
nos anais da história da guerra.

Simultaneamente, com o progressivo esmaecimento da distinção entre tecnologia


militar e civil, entre o militar profissional e o não-militar, ocorrerá uma
superposição cada vez maior entre o campo de batalha e as áreas de paz ou
neutras, tornando cada vez menos definida a linha divisória previamente existente.
Áreas que eram formalmente eram isoladas umas das outras e agora estão sendo
conectadas.

A humanidade está incorporando, a todos os espaços e dimensões, um significado


bélico. Tudo o que é necessário é a capacidade para lançar um ataque em um
determinado lugar, usando determinados meios, visando a consecução de
determinados propósitos. Assim sendo, o campo de batalha é uma entidade

49
onipresente, ou seja, é possível iniciar-se uma guerra, que irá destruir um inimigo,
a partir de uma central de processamento de dados, ou do recinto de uma bolsa de
valores. Assim, haverá algum espaço que não seja um campo de batalha?

Se àquele jovem soldado com a mochila nas costas, a que nos referimos no início
deste capítulo, fosse perguntado, hoje: Onde é o campo de batalha? A provável
resposta seria: Em todos os lugares.

QUEM SÃO OS GUERREIROS?

OS EFEITOS A TECNOLOGIA CIBERNÉTICA

Em 1985, a China realizou uma significativa redução de efetivos em suas forças


armadas fato que, no transcurso do decênio que se seguiu, serviu de prelúdio, para
iniciativas semelhantes nas principais potências do mundo.

Segundo diversos analistas militares, o fator motivador desta tendência mundial foi
a situação pós-Guerra Fria, na qual nações que anteriormente se defrontavam ,
agora estavam ansiosas por usufruir os dividendos da paz. Na realidade, estes
analistas não se deram conta de que este fato é apenas a ponta de um iceberg, e
que os verdadeiros determinantes desta redução de efetivos não estão limitados a
esse aspecto em particular.

Uma razão mais profunda para essas reduções de efetivos refere-se ao fato de que o
incessante crescimento da tecnologia cibernética exige um significativo esforço de
readaptação, numa escala grandiosa, de militares que foram criados e formados
dentro de uma concepção da guerra mecanizada. É precisamente por este motivo,
que algumas nações com visão prospectiva, ao invés de única e simplesmente
priorizarem os cortes de efetivos, estão enfatizando: a elevação da qualificação
técnica do seu pessoal; o incremento do nível de tecnologia avançada e semi-
avançada incorporada ao seu armamento; e a atualização do pensamento militar e
doutrinário.

De acordo com o “U.S. Department of Defense – National Defense Report for the fiscal year of 1998” , o número de
militares norte-americanos sofreu um corte de 32% desde 1989. Adicionalmente, os EUA desativaram uma grande
quantidade de equipamentos obsoletos, e, portanto, aumentaram a sua capacidade de combate até um determinado
nível, mesmo considerando a redução nos efetivos. O Departamento de Defesa dos EUA, na edição de maio de 1997
do “Quadrennial Defense Review” (QDR), ao enfatizar “considerar o futuro e reformular as Forças Armadas americana”
advoga a continuidade dos cortes de pessoal, concomitantemente à capacitação dos militares norte-americanos, de
acordo com as novas teorias em assuntos militares. Além disso, também propugna por gastos comparativamente
maiores na obtenção de equipamentos.

O BIÓTIPO CONTEMPORÂNEO DE UM SOLDADO

50
A era dos “fortes e valentes soldados defensores da nação” já está ultrapassada.
Num mundo em que até mesmo a guerra nuclear talvez se torne um jargão militar
obsoleto é bem provável que um jovem pálido e franzino, usando um par de óculos
de grau, esteja mais bem preparado para ser um soldado moderno do que um jovem
forte e musculoso. A maior evidência desta assertiva, talvez seja o relato de uma
ocorrência que circula nos meios militares ocidentais. Como parte de um exercício
de segurança, um tenente da Força Aérea dos EUA, utilizando um computador
doméstico ligado à Internet através de uma linha discada comum, conseguiu
penetrar na rede de computadores do Comando Combinado do Atlântico, colocando
uma divisão naval inteira de joelhos.

Este fato apareceu, pela primeira vez, no jornal “British Sunday Telegraph”. De acordo com a reportagem, os militares
norte-americanos realizaram um exercício combinado do tipo “Joint Warrior” no período de 18/09/1995 até 25/09/1995,
com o propósito de testar a segurança dos seus sistemas eletrônicos de defesa nacional. Durante este exercício, um
oficial da Força Aérea conseguiu penetrar com sucesso no sistema naval de comando. Existem muitas ocorrências
similares, mas existem, também, alguns estudiosos militares que acreditam que estas ocorrências constituem o caso
de “jogar areia para cima para ofuscar a visão dos outros”.

O contraste entre os militares de hoje e os de gerações passadas é tão claro, quanto


a diferença entre o armamento moderno e seus precursores, e isto se deve ao fato
de que os militares modernos tiveram de submeter-se a um severo esforço de
capacitação, provocado por uma ininterrupta expansão tecnológica durante todo o
século XX, corroborada, talvez, pela salutar influência dos diversos elementos da
cultura pop mundial, isto significando o “rock and roll”, as discotecas, o
Campeonato Mundial, a NBA, Hollywood, e assim por diante.

O contraste é evidente, quer estejamos falando de capacidade física, quer da


capacidade intelectual. Mesmo considerando que a geração de militares nascidos
nas décadas de 70 e 80 foi treinada dentro de um estilo rigoroso chamado “beast
barracks”9, preconizado pela Academia Militar de West Point, é difícil para eles
ignorar a natureza gentil e delicada, que está enraizada nos fundamentos da
moderna sociedade. Além disso, os sistemas de controle modernos permitem que
eles controlem o disparo e a precisão dos seus armamentos a partir de posições

9 Forma de treinamento desenvolvido na Academia Militar de West Point, em que o


militar é submetido às rigorosas condições de aprisionamento, praticadas durante
a Guerra do Vietnam nos campos de prisioneiros controlados pelos Vietnamitas do
Norte, visando desenvolver a resistência física e psicológica dos militares norte-
americanos aos rigores deste tipo de confinamento.

51
afastadas de qualquer campo de batalha. Esta capacidade possibilita atacar um
inimigo que esteja muito além do alcance visual, evita a interação com o ambiente
sangrento que decorre de um confronto frente a frente.

Consequentemente, estes aspectos transformaram cada soldado em um tímido


cavalheiro, o qual, preferencialmente, evitará a visão de sangue derramado. O
guerreiro forjado em aço e sangue, personagem que nunca foi questionado por
milhares de anos, está tendo o seu papel assumido por um novo modelo — o
guerreiro digital.

O ADVENTO DE GUERREIROS NÃO-MILITARES


A guerra na atualidade tornou obsoleta a tradicional divisão social do trabalho, que
prevalecia nas sociedades caracterizadas pelo alto índice de industrialização, não
sendo mais um “jardim imperial” privativo de soldados profissionais.

A tendência civilista10 da guerra começou a tornar-se evidente, e a teoria de Mao


Zedong11 prescrevendo “cada cidadão um soldado”, de modo algum pode ser
considerada responsável por esta tendência.

Na obra “War and Anti-War”, Alvin e Heidi Toffler escreveram: “Se as ferramentas da guerra não são mais tanques e
artilharia, e sim vírus de computador e microrobótica, então não podemos mais dizer que as nações constituem as
únicas entidades armadas, ou que os soldados são os únicos a terem a posse dos instrumentos da guerra. “ Em seu
artigo, intitulado “What the Revolution in Military Affairs is Bringing ― The Form War Will Take in 2020”, o Coronel
Shoichi Takama das Forças Japonesas de Auto-Defesa frisa que a tendência civilista será uma característica importante
nas guerras do século XXI.

Esta tendência civilista atual não se refere a uma extensiva mobilização da


população. Ao contrário, ela simplesmente sugere que uma elite tecnológica, no
âmbito da comunidade nacional, sem ser convidada, derrubou os portais de acesso
e penetrou naquele “jardim imperial”, tornando impossível para os militares
profissionais, apegados aos conceitos de guerra profissional, ignorar os desafios

10 [N.T.] O termo “civilista” é empregado no sentido de extensão da prática da


guerra às esferas civis, ou seja, fora do exclusivo âmbito militar.

11 [N.T.] Conhecido no mundo ocidental por Mao Tse Tung.

52
que, de alguma forma, são embaraçosos. Quem será o provável protagonista no
tocante à “terra incógnita”12 da próxima guerra?

HACKER — O PRIMEIRO GUERREIRO NÃO-MILITAR


O primeiro candidato que aparece, e também o mais notório, é o hacker. Este
indivíduo que, em termos genéricos, não recebeu qualquer tipo de treinamento
militar, ou esteve ligado a qualquer atividade militar pode, com extrema facilidade,
interferir nos sistemas de segurança de um Exército ou de uma nação, baseando-
se simplesmente em sua perícia técnica.

Um exemplo clássico da atuação de um hacker nos é fornecido pela publicação


norte-americana — “FM100-6 — Information Operations Regulations”, segundo a
qual, em 1994, um hacker, a partir da Inglaterra, conseguiu violar a segurança da
rede do “U.S. Home Air Development Center”, localizado em Nova Iorque,
comprometendo assim, a segurança de mais de 30 sistemas. Este mesmo hacker,
em ações adicionais, conseguiu violar a segurança de mais de uma centena de
outros sistemas e redes, entre os quais, cita-se: o “Korea Atomic Energy Research
Institute (KAERI)”; e a NASA. Com relação a este fato, o que causou maior
assombro, não foi a magnitude do ataque ou dos danos causados, e sim, que o
hacker era um jovem, com apenas dezesseis anos de idade.

É claro que uma violação de sistemas de segurança, praticada por um jovem


através de um jogo de computador, não pode ser considerada como um ato de
guerra. Não obstante, as dúvidas que permanecem são: Até que ponto as violações
de segurança foram praticadas sem dolo, e quais foram praticadas de forma
intencional, como seriam no caso de uma ação de guerra? Quais são os atos que
podem ser considerados como de natureza individual e quais são os que podem ser
considerados como ações hostis, praticadas por “guerreiros não-profissionais”
patrocinados por um Estado através de hackers?

Só no ano de 1994, foram reportadas 230.000 violações dos sistemas de segurança


das redes de computadores do Departamento de Defesa dos EUA. Deste total,
quantos ataques podem ser considerados atos intencionalmente destrutivos,

12 [N.T.] “Terra Incógnita” — o autor refere-se ao ímpeto que surgiu no final do


século XV, como conseqüência do progresso dos meios marítimos para o
descobrimento de novas terras. Portugal foi um ator significativo neste processo.

53
praticados pelos chamados “guerreiros não-profissionais”? Possivelmente, nunca
haverá uma maneira de se saber ao certo13.

Da mesma forma que existem todos os tipos de pessoas no âmbito de uma


sociedade, os hackers também existem com as mais diversas índoles e raças. Todos
os hackers, independentemente de seus antecedentes e valores, camuflam-se nas
redes interativas, e podem ser: estudantes de nível médio; “vasculhadores da
Internet14”; elementos membros frustrados e ressentidos na administração de
empresas internacionais; terroristas experientes ou mercenários.

Tanto em suas ações quanto em suas idéias, os hackers constituem pólos


independentes uns dos outros, e que se encontram na mesma rede interativa
mundial, uns atuando de acordo com critérios e julgamentos de valor próprios ou
específicos, e outros, de forma confusa sem qualquer objetivo ou critérios
específicos.

Em decorrência do caráter abstrato e genérico que caracteriza um hacker, não há


uma especificação precisa da natureza boa ou má de suas ações, e, desta forma,
eles não se sentem cerceados pelas mesmas regras que regem as sociedades como
um todo.

Utilizando computadores eles podem obter informações de outras pessoas como


suas contas bancárias, ou podem apagar dados preciosos, tudo a título de uma
mera brincadeira ou, ao contrário, como legendários cavaleiros errantes da noite,
eles podem colocar suas habilidades excepcionais a serviço de poderes diabólicos.

Na Indonésia, durante o governo de Suharto15, foi imposta uma rigorosa censura


às notícias relativas às agressões organizadas contra as etnias chinesas que
habitavam aquele país. No entanto, essas ações foram tornadas públicas em caráter
inédito através da Internet, por testemunhas dotadas de senso de justiça. Em
decorrência, houve uma consternação e pressão em âmbito mundial, em função do

13 Muitos hackers estão adotando uma nova tática que pode ser rotulada como
“guerrilha em redes de dados”.

14 [N.T.] Na gíria popular brasileira na área de informática, são conhecidos por


“vasculhadores de bits”.

15 Presidente da Indonésia no período de 1966 a 1988.

54
que, tanto o governo da Indonésia, quanto o seu aparato militar opressor, foram
levados a julgamento para responder por questões relativas à moral e à justiça.

Antes deste fato, um outro grupo de hackers que se autodenominava “Milworm”


também teve uma atuação significativa no âmbito da Internet. Neste caso, como
forma de protesto aos testes nucleares, eles violaram os sistemas de proteção das
redes internas de computadores do “India´s Atomic Research Center”, alterando a
página de acesso à Internet da empresa, danificando mais de 5 MB16 de dados.
Estes hackers poderiam, de fato, ser considerados como “educados”, visto que eles
foram somente até um determinado ponto, não causando muitos problemas às suas
vítimas.

Mas a despeito da magnitude dos resultados da ação dos hackers, há uma


conseqüência que incorpora um grande significado simbólico, qual seja: na era da
informação, a influência exercida por uma bomba nuclear talvez seja menos
significativa do que aquela exercida por um hacker.

AS ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS
Mais incisivos que os hackers — e uma ameaça mais presente no mundo real — são
as organizações não-estatais, cuja mera menção é suficiente para abalar o mundo
ocidental.

Estas organizações, que em maior ou menor grau possuem uma determinada índole
militar, são normalmente motivadas por alguma causa ou credo extremista, tais
como: as organizações islâmicas que visam à Guerra Santa; as milícias caucasianas
nos EUA; a seita japonesa “Aum Shinrikyo”; e mais recentemente, os grupos
terroristas como aquele liderado por Osama bin Laden, o qual provocou a explosão
das embaixadas norte-americanas no Quênia e na Tanzânia.

Os vários e diversificados atos de natureza monstruosa e virtualmente insana,


praticados por estes tipos de grupos, parecem sedimentar-se com maior firmeza, do
que a solitária ação dos hackers, no solo fértil das guerras contemporâneas.

16 [N.T.] Sigla adotada para “megabyte”, uma unidade de armazenagem de dados


que corresponde a, aproximadamente, 1 milhão de bytes.

55
Além disso, no confronto das forças armadas de um país, (atuando sob regras fixas,
com efetivos ilimitados e objetivos limitados), contra um destes tipos de
organização, (que não observam quaisquer regras, empregando meios limitados
numa guerra sem limitações), será muito difícil para os primeiros lograrem a
obtenção de superioridade ou vitória.

UM NOVO GUERREIRO NÃO-MILITAR DE ALTO NÍVEL


Durante a década de 90, concomitantemente a uma série de ações militares
deslanchadas por guerreiros não-profissionais e organizações não-estatais,
começamos a perceber o surgimento de um novo tipo de guerra “não-militar”,
conduzida por um outro tipo de guerreiro.

Este indivíduo não é um hacker no sentido genérico do termo, e muito menos um


membro de uma destas organizações não-estatais. Talvez, ela ou ele seja um
analista de sistemas, um engenheiro de software, um especialista em finanças com
uma grande quantidade de capital mobilizável, ou um especulador da Bolsa de
Valores.

Pode ser uma personalidade expoente com um grande controle sobre a mídia, um
colunista famoso, ou um animador de programas de TV.

Embora possuam uma filosofia de vida diferente daquela de determinados


terroristas fanáticos e desumanos, eles freqüentemente têm uma sólida filosofia de
vida, à qual se apegam com uma fé de intensidade semelhante ao apego que Osama
bin Laden demonstra em seu fanatismo. E mais do ainda, não carecem de
motivação ou coragem para engajar-se numa luta, se necessária for. Com este
entendimento, quem poderá negar que George Soros seja um terrorista financeiro?

Da mesma forma como a tecnologia moderna está provocando mudanças nos


sistemas de armas e nos campos de batalha, ela está, simultaneamente, tornando
indistinta a caracterização de quais são os participantes da guerra. Porém, uma
coisa é certa: os militares não detêm mais o monopólio da prática da guerra.

O terrorismo em nível global é um dos subprodutos do processo de globalização


deflagrado pela integração tecnológica. Guerreiros “não-profissionais” e
organizações não-estatais passam a representar um perigo cada vez maior para as
nações soberanas, além de sérios adversários para qualquer Exército profissional.
Comparados a tais adversários, os Exércitos profissionais da atualidade parecem
gigantescos dinossauros, que carecem de uma força adequada à era em que

56
vivemos, que seja proporcional ao seu tamanho. Seus adversários são como
pequenos roedores, com grande capacidade de sobrevivência, e que usam seus
dentes afiados para atormentar grande parte do mundo.

QUAIS MEIOS E MÉTODOS SERÃO USADOS NA GUERRA?


Não há como se contestar o ponto de vista norte-americano, quando se trata da
discussão sobre meios e métodos que serão utilizados nas guerras do futuro, e isto
não é porque os norte-americanos sejam os atuais “senhores do mundo”17; ocorre
que a opinião dos norte-americanos, no que tange a estas questões, é realmente
superior, se comparada às opiniões que prevalecem entre os militares de outras
nações.

AS FUTURAS MODALIDADES DE GUERRA


Os norte-americanos resumiram as quatro formas de guerra que poderão ocorrer no
futuro como sendo: 1) guerra cibernética 2) guerra de precisão18; 3) operações
combinadas19; e 4) “Military Operations Other Than War – MOOTW”20.

17 [N.T.] A tradução literal da expressão “king of the mountain” seria “rei da


montanha” empregada para designar a pessoa que se encontra no topo da pirâmide
do prestígio ou do poder, num determinado âmbito. Porém, para os chineses,
segundo Sun Am, a expressão representa o ser humano que exercia o domínio
sobre todos à sua volta. Assim sendo, a expressão “senhor do mundo” foi utilizada
para manter maior fidelidade com a cultura nacional do autor da obra.

18 Guerra de Precisão (“precision warfare”) constitui um novo modo de guerrear,


resultante da combinação do crescente grau de precisão do armamento, com o
crescente nível de transparência do campo de batalha. (Ver “From Gettysburg to the
Gulf and Beyond”, pelo Coronel Richard J. Dunn III [McNair Paper 13, 1992], citado
no “World Military Affairs Yearbook for 1997”).

19 “Joint Vision 2010”, um documento elaborado pelo Comando do Estado Maior


Conjunto dos EUA. Ver “Joint Force Quaterly, Summer 1996”.

20 Ver a edição de 1993 do periódico do Exército norte-americano “Operations


Essentials”. [o teor do contido nesta referência está contido na publicação FM 100-5
– “Operations” – Departamento do Exército – Junho de 1993].

57
Esta classificação, por si só, é repleta de significado. Através dela, podemos
constatar que a abordagem adotada pelos norte-americanos é significativamente
imaginativa e ao mesmo tempo extremamente prática, permitindo-nos, também, um
sólido entendimento da ótica norte-americana relativa à guerra do futuro. Com
exceção das operações combinadas, que se desenvolveram a partir de outras
concepções anteriores, as outras três formas de guerra podem ser consideradas
como o produto de um novo pensamento militar.

O General Gordon R. Sullivan, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército norte-


americano, sustenta que a guerra cibernética será a forma básica de uma guerra
futura, e em função desta percepção, desenvolveu uma força militar com o maior
nível de informatização possível, tanto no âmbito das Forças Armadas norte-
americanas, quanto em âmbito mundial.

Ele ainda propôs o conceito de guerra de precisão, baseado na previsão de que


“haverá uma guinada nos fundamentos básicos da guerra do futuro, no sentido de
sistemas e processos digitais e os ataques invisíveis a longa distância”.

Para os norte-americanos, é possível que o advento de novas armas e sistemas de


alta-tecnologia tais como: as armas de precisão, o Sistema de Posicionamento
Global (GPS), os sistemas C4I21 e os aviões invisíveis pouparão os seus soldados
dos pesadelos da guerra de atrição.

A guerra de precisão, chamada pelos norte-americanos de — guerra sem contato,


ou pelos russos22 de — combate remoto, caracteriza-se pela dissimulação,
velocidade, precisão, alto grau de eficácia e poucas perdas colaterais. Nas guerras
do futuro, cujos desfechos talvez ocorram pouco tempo depois dos seus inícios, esta
doutrina, que já demonstrou alguma eficácia na 2ª Guerra do Golfo, talvez se torne
o procedimento mais aceito e adotado pelos generais norte-americanos.

21 [N.T.] A sigla C4I corresponde a definição de uma ambiência ou sistema que


integra sistemas ou subsistemas de Comando, Controle, Comunicações,
Computadores e Inteligência.

22 Após realizar pesquisa sobre a Guerra no Golfo, o especialista russo em tática,


I.N. Vorobyev, salientou que o “combate remoto” é um método de combate que tem
um grande potencial. (“Military Thought”, Rússia, 1992, p11).

58
A CARACTERÍSTICA INOVADORA DAS MOOTW
No entanto, a concepção que realmente incorpora uma característica criativa, não é
a da guerra cibernética ou da guerra de precisão e sim, a concepção das MOOTW.

Esta concepção está claramente vinculada à idéia “do interesse comunitário global”,
que os norte-americanos constantemente invocam, implicando num temerário
excesso de autoridade por parte dos EUA — um caso clássico da atitude norte-
americana que pode ser representada pela frase — “eu sou responsável por todos os
lugares banhados pela luz do sol”.

Apesar deste ideal de prepotência, ainda assim, consideramos que as MOOTW


sejam uma concepção válida, porque afinal de contas, pela primeira vez, dispõe-se
de uma grande diversidade de medidas para lidar-se, de forma inteligente, com os
problemas dos séculos 2023 e 21, e que podem ser, todos, colocadas sob o grande
invólucro de um mesmo tipo de guerra, de modo que os militares não estarão
perdidos e às escuras por estarem atuando em cenários diferentes dos campos de
batalha, e a sua compreensão e percepção encontrará limites mais amplos para o
conceito de guerra.

As ações ou medidas que podem ser classificadas como MOOTW compreendem:


manutenção da paz; combate ao tráfico de drogas; supressão de levantes, ajuda
militar; o controle de armas; apoio humanitário; a evacuação de cidadãos residindo
em outros países, e o combate ao terrorismo.

AS OPERAÇÕES DE GUERRA NÃO-MILITARES


O contato dos militares com conceitos mais amplos de guerra poderá, a princípio,
reduzir a sua adesão ao contexto das MOOTW. Em outras palavras, eles não serão
capazes de incorporar o recém criado conceito de “Operações de Guerra Não-
Militares” ao contexto das MOOTW. No entanto, quando isto ocorrer, irá
representar um entendimento que tem um significado genuinamente revolucionário
em termos da percepção que a humanidade tem quanto à guerra.

A diferença entre as concepções de “Operações de Guerra Não-Militares” e as


MOOTW vai muito mais além da diferença semântica, ou da mera inversão de

23 [N.T.] O livro foi escrito em 1996, por essa razão o autor ainda se referiu ai século
XX.

59
palavras como nas frases de um “quebra cabeça”. O conceito de MOOTW pode ser
considerado, simplesmente, como uma designação para um conjunto de missões e
operações realizadas por Forças Armadas quando não há um estado de guerra
declarado. O conceito de “Operações de Guerra Não-Militares” expande o
entendimento de guerra a todos os campos da atividade humana, com uma
abrangência muito maior que o significado da expressão operações militares,
expansão esta, resultante do fato de que os seres humanos utilizarão quaisquer
meios concebíveis, para alcançar os seus objetivos.

Embora pareça que os norte-americanos estejam na dianteira, em todos os campos


da teoria militar, eles não têm capacidade para assumir a liderança na proposição
desta nova concepção de guerra. Apesar disso, não podemos deixar de reconhecer
que o afluxo do pragmatismo de estilo norte-americano em todo o mundo, bem
como das ilimitadas possibilidades oferecidas pela alta-tecnologia, foram forças
sustentando o surgimento desta nova concepção de guerra.

Com o aparecimento concepção de “Operações de Guerra Não-Militares”, quais


serão os meios que, estando atualmente desvinculados da guerra, tornar-se-ão as
novas armas e meios, e que se evidenciam, com uma freqüência cada vez maior, em
todo o mundo?

A GUERRA COMERCIAL
Se a expressão guerra comercial, a cerca de doze anos atrás era apenas uma
expressão descritiva, na atualidade ela se tornou um instrumento disponível a
diversas nações, para empreenderem Operações de Guerra Não-Militares.

Este instrumento tem sido usado com habilidade pelos norte-americanos, que o
aperfeiçoaram até o nível de uma arte, compreendendo em seu bojo: a aplicação da
legislação comercial interna no âmbito internacional; o estabelecimento ou
eliminação arbitrária de barreiras tarifárias; a adoção intempestiva de sanções
comerciais; a imposição de embargos à exportação de tecnologias consideradas
críticas; a adoção do capítulo específico da Lei Especial 30124 ; e a adoção do
conceito de “país mais favorecido”; e etc.

24 A Lei Especial 301 constitui um mecanismo adotado pelos representantes


comerciais dos EUA, para identificar práticas comerciais injustas em relação aos

60
Qualquer um destes instrumentos tem um efeito destrutivo semelhante ao de uma
operação militar, e neste sentido, o embargo de oito anos imposto pelos EUA contra
o Iraque constitui um exemplo clássico.

A GUERRA FINANCEIRA
A crise financeira ocorrida no Sudeste Asiático evidenciou em relação aos países
asiáticos, os efeitos da guerra financeira. De fato, não se trata, apenas, deles terem
sido simplesmente surpreendidos, e sim, atingidos de uma forma avassaladora e
completa.

Uma guerra financeira deliberadamente planejada pelos proprietários do capital


internacional, e desencadeada por intermédio da transferência rápida de valores,
desmantelou, um após outro, países que, pouco tempo antes, eram saudados como
“pequenos-tigres” e “pequenos-dragões” da economia internacional.

A prosperidade econômica que tinha despertado a admiração do mundo ocidental


transformou-se em depressão, como as árvores que, da noite para o dia, perdem
suas folhas, devido ao vento do outono.

Depois de apenas um assalto na competição, as economias de diversos países


regrediram dez anos, e mais do que isso, uma derrota como esta na frente
econômica deflagrou um quase colapso da ordem político-social.

As perdas decorrentes deste caos continuado são tão numerosas quanto as que
seriam decorrentes de uma guerra regional, e o prejuízo causado para a
organização social existente, até mesmo excede os prejuízos que poderiam ser
provocados por qualquer guerra regional.

As organizações não-estatais, em sua primeira guerra da atualidade, sem o emprego


de forças militares, estão usando meios não-militares para enfrentar paises
soberanos. Desta forma, a guerra financeira é uma forma de guerra não-militar,
tão destrutiva quanto um combate sangrento, sendo que, na realidade, sem o
derramamento de sangue.

comerciantes norte-americanos, demandando a imposição de sua reformulação


mediante a adoção de sanções comerciais.

61
A guerra financeira ocupa agora, indiscutivelmente, a função de protagonista no
cenário da guerra, posição essa que, por milhares de anos, era privativa dos
militares e dos armamentos, com sangue e morte por todos os lados.

E no futuro, quando as pessoas consultarem as páginas da história do século XX e


início do século XXI, os capítulos referentes às guerras financeiras serão os tópicos
que despertarão maior atenção dos leitores25. Os protagonistas nestes capítulos da
história não serão estadistas ou estrategistas militares, ao contrário, serão homens
como George Soros.

É evidente que Soros não detêm o monopólio do uso da arma financeira para
aplicação nas guerras. Antes dele, Helmut Kohl usou o marco alemão para derrubar
o Muro de Berlim — um muro que, anteriormente, ninguém conseguiu derrubar
empregando projéteis de artilharia26.

Num outro exemplo de guerra financeira o Presidente de Taiwan, Li Denghui,


aproveitou-se da crise financeira no Sudeste Asiático para desvalorizar a moeda de
Taiwan, visando atacar a moeda e o mercado de ações de Hong Kong, e em
particular, as ações de empresas controladas por interesses na China Continental.

Esta crise no Sudeste Asiático configurou-se como um grande jantar ao qual


compareceram especuladores famintos por dinheiro, como as empresas de
consultoria financeira Morgan Stanley e a Moody, famosas pelos relatórios de taxas
de juros assinalando alvos promissores de ataques para os grandes investidores do
mercado financeiro mundial27. Estas duas empresas são entidades típicas que,

25 Na edição de 23 de agosto de 1998 do jornal Los Angeles Times havia uma artigo
intitulado “Os Mercados Financeiros são a Maior Ameaça à Paz”. Este artigo
mencionava que na atualidade os mercados financeiros, e não os campos de
treinamento de terroristas, é que constituem a maior ameaça à paz mundial.

26 Wang Jiannan; “Who Has Joined the Fray?  Helmut Kohl”; China Broadcasting
Publishing House; 1997; pp. 275, 232, 357.

27 O artigo intitulado “A New York Corporation that Affects Economies”, constante


da edição de 29 de julho de 1998 do periódico “The Christian Science Monitor”,
desvendou como os relatórios de taxas de juros de Moody influenciaram e até
manipularam tendências econômicas na Itália, Coréia do Sul, Japão e Malásia.

62
mesmo participando indiretamente do grande festim, arrecadam todos os seus
lucros.

No verão de 1998, após quase um ano de duração, a guerra financeira no Sudeste


Asiático entrou no seu segundo assalto, e agora com uma amplitude maior, e as
batalhas decorrentes se prolongam até os dias de hoje, incluindo, além daquela
região, dois titãs mundiais, o Japão e a Rússia.

Disto resultou uma economia global mais austera e difícil de ser controlada, e as
chamas ofuscantes das batalhas financeiras atingiram, também, aqueles que se
aventuraram a iniciar este incêndio. Sabe-se, por exemplo, que George Soros e o
seu Fundo de Investimento “Quantum” perderam alguns bilhões de dólares
somente na Rússia e em Hong Kong28.

Temos desta forma, pelo menos, uma indicação da magnitude do poder destrutivo
da guerra financeira. Atualmente, quando as armas nucleares tornam-se elementos
decorativos de alta periculosidade, perdendo diariamente o seu valor operativo real,
a guerra financeira torna-se uma arma “hiperestratégica”, captando a atenção
mundial, por este novo tipo de guerra ser: facilmente manipulado, deflagrado de
forma sigilosa, e altamente destrutivo.

Analisando o caos ocorrido na Albânia há pouco tempo atrás, pode-se identificar,


claramente, o papel desempenhado por diversos tipos de fundações criadas por
grupos transnacionais e por milionários, cujos ativos igualavam-se a riquezas de
diversos Estados-Nação. Estas fundações controlam a mídia, subsidiam
organizações políticas, e limitam a capacidade de atuação de autoridades nacionais,
provocando o colapso na ordem nacional, bem como a queda de governos
legalmente estabelecidos. Talvez nós pudéssemos intitular este tipo de guerra como
de guerra financeira baseada em fundações.

Deste modo, a crescente freqüência e intensidade de opção pela guerra financeira, e


a constatação de que um número cada vez maior de paises e organizações não-
estatais estarem deliberadamente utilizando-a como linha de ação, são fatos
preocupantes e que devem ser encarados de forma direta.

28 George Soros expõe toda a sua amargura em seu livro “A Crise do Capitalismo
Global”, onde, com base numa superficial análise de seus investimentos no ano de
1988, analisa as lições que devem ser aprendidas desta crise econômica.

63
O NOVO TERRORISMO COMPARADO AO TRADICIONAL
Devido à limitada amplitude do terrorismo tradicional, as vítimas decorrentes de
suas ações são em número bem menor do que aquele resultante das guerras
convencionais, mesmo assim o terrorismo tradicional incorpora um conteúdo mais
intenso de violência.

Além disso, em termos operacionais, as organizações terroristas tradicionais nunca


estiveram cerceadas pelas regras convencionais da sociedade em geral, e assim, do
ponto de vista militar, o terrorismo tradicional tem se caracterizado pelo uso de
recursos limitados29 em ações de guerra ilimitada30.

Esta característica sempre colocou as Forças Armadas numa posição extremamente


desfavorável, mesmo antes do início da guerra, visto que estas forças devem
conduzir-se, sempre, de acordo com determinadas regras, só podendo usar seus
recursos ilimitados para a execução de uma guerra limitada.

Esta contradição explica o motivo das organizações terroristas, mesmo sendo


compostas por jovens relativamente inexperientes, tenham o poder de provocar
dores de cabeça em nações poderosas como os EUA, como que justificando a
ineficácia do emprego de uma marreta para matar uma formiga. As comprovações
mais recentes31 desta assertiva foram as duas explosões ocorridas,
simultaneamente, nas embaixadas americanas em Nairobi e Dar es Salaam.

O advento do terrorismo estilo “bin-Laden” consubstanciou a impressão de que


uma força armada, a despeito do seu poderio, encontrará muita dificuldade para
estabelecer uma superioridade, num jogo em que não existem regras. Mesmo que
um país se transforme em uma força terrorista, linha de ação que está sendo agora

29 [N.T.] O uso dos qualificativos “limitado” e “ilimitado” pelo autor, no contexto do


livro, não corresponde às conceituações doutrinárias adotadas pelos norte-
americanos de acordo com o Dicionário de Termos Militares do departamento de
Defesa. Neste caso o qualificativo “limitado” refere-se aos meios empregados.

30 [N.T.] Neste caso o qualificativo “ilimitado” refere-se à ambiência em que os meios


são empregados.

31 [N.T.] Deve-se considerar o ano em que a obra foi escrita, 1999.

64
adotada pelos norte-americanos, isso não assegurará, necessariamente, a
capacitação para obter sucesso.

Seja como for, se todos os terroristas restringissem suas ações aos padrões
tradicionais, como o emprego de bombas, os raptos, os assassinatos e o seqüestro
de aeronaves, isso representaria, apenas, um nível um pouco abaixo do máximo
que o terror pode atingir. O que realmente infunde terror no coração das pessoas é
o casamento do terrorismo com os diversos tipos de alta-tecnologia32, que
propiciará o desenvolvimento de novas “super-armas”.

Neste sentido, nós já temos uma pista do que nos espera no futuro  um indício
que pode causar preocupação. Quando os asseclas da Aum Shinriko lançaram gás
tóxico Sarin no metrô de Tókio, o número de vitimas representou, apenas, uma
pequena parcela da dimensão do novo terrorismo. Este acontecimento alertou as
pessoas para o fato de que a moderna tecnologia bioquímica já conseguiu forjar
uma arma mortal para emprego pelos terroristas que venham a tentar promover a
destruição em massa da humanidade33.

Contrariamente aos assassinos mascarados, que baseiam suas ações no massacre


indiscriminado de pessoas inocentes, visando produzir terror, o grupo italiano
“Falanges Armadas” constitui uma classe completamente diferente de organização
terrorista de alta-tecnologia. Seus propósitos são específicos, e os meios que
empregam são extraordinários. Sua especialização é a violação de redes de
computadores de bancos e organizações de mídia, visando roubar informações
armazenadas, deletar programas e disseminar desinformação, constituindo, assim,
ações terroristas clássicas, executadas contra redes interativas e a mídia,
empregando a tecnologia mais atual, visando a atingir a humanidade como um
todo. Podemos denominar este tipo de ação como sendo o “novo terrorismo”.

32 [N.T.] neste sentido as palavras do autor foram proféticas, a se constatar pela


constatação idêntica que foi feita pelo governo norte-americano através da sua
edição de 2002 da Estratégia de Segurança Nacional.

33 Alguns especialistas em segurança nos EUA sugeririam que o governo deveria


manter em estoque grandes quantidades de antídotos, de modo a prevenir contra a
possibilidade de um ataque químico de surpresa por uma organização terrorista.

65
GUERRA ECOLÓGICA
A guerra ecológica constitui um novo tipo de Operação de Guerra Não-Militar onde
a moderna tecnologia é empregada para influenciar o estado natural dos rios, dos
oceanos, da crosta terrestre, das coberturas de gelo glaciais, da circulação do ar
atmosférico, e da camada de ozônio.

O emprego de métodos para provocar terremotos, mudanças nos níveis de


precipitação, na temperatura e composição da atmosfera, nos níveis dos mares, ou
nos padrões de irradiação solar, irá acarretar prejuízos para a ambiência física ou
criar uma ambiência ecológica local adulterada.

Talvez, em muito pouco tempo, um fenômeno do tipo “El Nino”, produzido pelo
homem, venha a representar um novo tipo de super-arma nas mãos de
determinadas nações ou organizações terroristas. É mais provável que uma
organização terrorista seja o primeiro agente a iniciar uma guerra ecológica devido à
própria natureza de sua forma de atuação, ou pelo fato de não se sentir responsável
pelas pessoas ou pela sociedade como um todo; como também, porque estas
organizações têm demonstrado, de forma consistente, a sua não disposição em
obedecer as regras do jogo.

Além disso, visto que o equilíbrio ecológico já está no limiar de uma catástrofe, pela
ação dos países na busca do desenvolvimento pela via mais rápida possível, existe o
perigo de que, uma pequena variação em qualquer das variáveis da equação
ambiental, seja o suficiente para deflagrar um holocausto ecológico.

OUTRAS FORMAS DE OPERAÇÕES DE GUERRA NÃO-MILITARES


Além do que já foi citado, podemos apontar um grande número de outros meios e
métodos que podem ser utilizados para a execução de “Operações de Guerra Não-
Militares”, alguns dos quais já existem, e outros podem vir a existir no futuro.

Tais meios e métodos incluem: a guerra psicológica, (divulgação de rumores visando


a intimidar um inimigo e neutralizar sua vontade), a guerra de contrabando
(gerando confusão em mercados de consumo e atacando o ordenamento
econômico), a guerra de mídia (manipulando o que as pessoas vêm e ouvem visando
a influenciar a opinião pública), a guerra de drogas (obtendo elevados lucros ilegais
de forma rápida, difundindo o desastre em outros países), a guerra em redes
interativas (comprometendo o segredo e a identidade de pessoas, num tipo de
guerra em relação à qual que é virtualmente impossível a proteção), a guerra

66
tecnológica (criando monopólios através do estabelecimento de padrões
independentes), a guerra de maquinação (criando uma falsa aparência de poder real
aos olhos de um inimigo), a guerra de recursos (apoderando-se de riquezas através
da pilhagem de estoques de recursos), a guerra de ajuda econômica (concedendo
favores de forma ostensiva, encobrindo condicionantes secretas de controle), a
guerra cultural (liderando e difundindo tendências culturais, de modo a cooptar
aqueles que têm pontos de vista divergentes), a guerra de legislação internacional
(aproveitando as ocasiões mais oportunas para interpor novas regras e normas de
interesse particular), além de diversos outros tipos de guerra não-militar, num
número muito grande para serem citados.

Numa era em que a abundância de novas tecnologias permite a geração de novos


meios e métodos de execução de uma guerra, (para não mencionar a possibilidade
de utilização combinada destes meios e métodos), não faz sentido, e seria um
desperdício de energia, listar todos os meios e métodos possíveis. O que é
significativo é que todos estes meios de guerra, assim como os processos para a sua
aplicação já foram, estão sendo, ou, serão incluídos no inventário de meios de
guerra. Tal fato está modificando, de forma sub-reptícia, o entendimento da
humanidade quanto ao significado da guerra.

Tendo diante de si uma diversidade infinita de opções para escolher, por que as
pessoas procuram embrenhar-se numa rede, por elas mesmas criada, para
selecionar e usar meios de guerra que estão limitados ao universo da força das
armas e do poder militar?

Os métodos que não se caracterizam pelo uso da força das armas ou do poder
militar, ou sequer pela existência de vítimas e derramamento de sangue, oferecem a
mesma, ou, até mesmo, uma maior facilidade para a consecução dos objetivos da
guerra. A propósito, esta possibilidade tem determinado uma revisão daquela
afirmação de que “a guerra é a política com derramamento de sangue”, bem como
na visão, até hoje existente, de que a guerra executada com o emprego da força das
armas é a derradeira forma de resolução de conflitos.

Está claro que é precisamente a diversidade de meios empregados, que tem


ampliado o conceito de guerra. Além disso, essa ampliação produziu como
resultado, a expansão da ambiência das atividades relacionadas com a guerra. Se
nos restringirmos, no momento atual, a um conceito de guerra, limitado à
dimensão tradicional de um campo de batalha, será muito difícil que consigamos

67
recuperar no futuro o tempo perdido. Qualquer guerra que seja iniciada amanhã,
ou mais além, será caracterizada como num sentido amplo — misturando, como
num coquetel, a guerra pela força das armas com a guerra executada por outros
meios, que não a força das armas.

O propósito deste tipo de guerra ira englobar muito mais do que simplesmente “o
uso da força das armas, para obrigar o inimigo a aceitar a nossa vontade”, e sim:
“usar todos os meios disponíveis  ou seja, a força das armas e outros meios não
envolvendo a força das armas, ligados ou não poder militar e que provocam ou não
vítimas  visando obrigar o inimigo a atender os nossos interesses”.

68
CAP. 3 — UM CLÁSSICO QUE DIVERGE DOS
CLÁSSICOS

“A natureza especial da Guerra do Golfo... deflagrou uma


revolução nos assuntos militares, ou não? Definitivamente
esta tem sido uma questão de perspectiva”.
Anthony H. Cordesmam, Abraham R. Wagner

A 2ª Guerra do Golfo, quando comparada a qualquer outra na história, pode ser


considerada como uma guerra de grande envergadura. Mais de 300 navios
integrando 6 “Carrier Battle Groups”, 4.000 aeronaves, 12.000 tanques, 12.000
veículos blindados, e aproximadamente 2 milhões de soldados de mais de 30
nações tomaram parte nesta guerra.

[N.T.] Os “Carrier Battle Groups” (CBG) compreendem esquadras nucleadas em um porta-aviões da classe. Estes
grupamentos operativos não têm uma composição fixa, sendo estabelecida de acordo com a missão em perspectiva.
Não obstante, a composição típica de um CBG compreende: um porta-aviões normalmente da classe “Nimitz”; dois
cruzadores com mísseis sup/sup da classe “Ticonderoga”; um destróier com mísseis sup/sup da classe “Arleigh Burke”;
um destróier da classe “Spruance” e uma fragata da classe “Oliver Hazard Perry” para tarefas anti-submarino; dois
submarinos de ataque da classe “Los Angeles”; e um navio combinado de apoio logístico, suprimentos e de
reabastecimento da classe “Sacramento”.

Dos 42 dias de guerra, 38 foram dedicados, exclusivamente, a ataques aéreos,


enquanto que as ações terrestres duraram apenas 100 horas.

A força multinacional liderada pelos EUA destruiu 42 divisões iraquianas, daí


resultando 30.000 perdas de vidas humanas e 80.000 prisioneiros; destruiu 3.847
tanques, 1.450 veículos blindados e 2.917 peças de artilharia, enquanto que as
forças norte-americanas tiveram apenas 184 baixas. O custo total da guerra,
porém, foi de 61 bilhões de dólares1.

Provavelmente, porque a vitória foi alcançada de maneira tão fácil, é que até hoje,
muito poucas pessoas, que integravam o alegre grupo do “Tio Sam”, avaliaram, de
forma precisa, o significado desta guerra.

1 Ver “The Gulf War  Final Report of the Department of Defense to Congress” ;
“Defense in the New Age: Experiences and Lessons from the Gulf War” e outros
relatórios de pesquisa.
Alguns mais exaltados usaram este evento para reforçar o mito da invencibilidade
dos EUA. Outros, considerados mais moderados, e na maioria analistas e generais
que não participaram da “Tempestade no Deserto”, adotando um raciocínio
complexo e sutil, consideram que este não foi um exemplo típico, e que uma guerra
conduzida naquelas condições ideais não poderia servir como modelo.

O primeiro capítulo (“A Unique War”) do relatório de pesquisa “Military Experiences and Lessons of the Gulf War” editado
pelo “U.S. Center for Strategic and International Studies” estabelece que: “em grande parte, a singularidade da Guerra
do Golfo, não nos permite extrair lições e experiências... e de fato, exatamente o quanto, no que tange a experiências
importantes e de longo alcance, pode ser extraído da Guerra do Golfo é um tema capital.” (“The Gulf War”, Vol. 2,
Military Science Publishing House, 1992, p 155). Logo após a Guerra no Golfo, militares chineses que foram
intensamente abalados, inicialmente aceitaram o ponto de vista dos círculos militares ocidentais quase que
completamente, e atualmente alguns deles começam a reavaliar as lições e experiências da Guerra no Golfo (Conmilit,
Nov. 1998, Nº. 262).

Este tipo de comentário tem um sabor amargo, talvez desdenhoso, e de fato, sob
uma perspectiva tradicional, a “Tempestade no Deserto” não foi, em seu sentido
estrito, uma guerra clássica. Entretanto, por ter sido uma guerra que ocorreu no
momento em que atingimos o limiar da maior revolução nos assuntos militares até
os dias atuais, ela não pode ser avaliada por padrões tradicionais ou, até mesmo,
padrões já obsoletos.

Quando um novo modelo de guerra exigiu uma redefinição da concepção do que


significa “clássico”, as forças lideradas pelos EUA estabeleceram tal redefinição no
Golfo. Somente aqueles que estavam presos às convenções tradicionais não
conseguiram vislumbrar esta redefinição de modelos clássicos, no tocante ao
futuro da guerra, e isto se explica pelo fato de que tais modelos só podem surgir se
abandonarmos os modelos tradicionais.

Não pretendemos corroborar com os norte-americanos na criação de um mito.


Porem há que se considerar que: com o desenrolar transparente da “Tempestade no
Deserto” evidenciando: as inúmeras nações envolvidas nos combates; a escala
grandiosa; a curta duração do conflito; o reduzido número de perdas humanas; e os
resultados gloriosos que surpreenderam o mundo; quem poderia negar que aquele
conflito clássico, anunciando a entrada da guerra na era de integração e
globalização tecnológica, tenha conseguido abrir dos grandes portais da misteriosa
e estranha história da guerra  mesmo que se tratasse, apenas, de um modelo
criado pela tecnologia norte-americana e pela forma norte-americana de guerrear?

Quando tentamos utilizar exemplos de guerras que já ocorreram, para discutir o


que representa a guerra na era da integração e globalização tecnológica, a
“Tempestade no Deserto” é a única que pode fornecer exemplos e modelos já

70
testados. Na atualidade, ela constitui, em todos os sentidos, não somente o único
exemplo como também um exemplo clássico e, portanto, a única “maçã” que merece
um cuidadoso escrutínio.

UMA ALIANÇA REPENTINA


Na perspectiva de Sadam Hussein, a anexação do Kuwait, quando comparada à
tomada de reféns norte-americanos, durante a revolução iraniana, parecia ser um
assunto doméstico, no âmbito da grande família árabe, e além do mais, ele tinha
avisado com antecedência de suas intenções. No entanto, Sadam deixou de
considerar a diferença entre estes dois eventos. Quando os iranianos capturaram os
reféns, este fato foi, certamente, uma tapa na face dos norte-americanos, mas a
anexação do Kuwait significava o estrangulamento de todo o mundo ocidental.

Certamente, linhas de suprimento vitais são mais importantes do que uma levar
uma bofetada, e os EUA não tiveram alternativas que não a de encarar esta ação
com a devida seriedade, o mesmo ocorrendo com outras nações, que também se
sentiram ameaçadas pelo Iraque.

Mas o que tinham em mente a maioria dos países árabes, ao se aliarem aos EUA,
era extirpar a heresia islâmica representada por Sadam, evitando com isso o seu
fortalecimento desimpedido, o que poderia prejudicar os interesses daqueles países.
É muito difícil admitir que na realidade suas motivações fosse o restabelecimento
da justiça para o Kuwait.

A aliança anti-Saddam no mundo árabe estava centrada em torno da Arábia Saudita, Egito e Síria. De acordo com o
General Khalid, um comandante das forças aliadas na “Tempestade do Deserto”, o Iraque representava uma enorme
ameaça para eles, de modo que “nós não tínhamos nenhuma outra opção que não fosse a solicitação de apoio de forças
amigas, em particular dos Estados Unidos” (ver “Desert Warrior”; Military Translations Publishing House, p 227). Os
Norte-americanos assumiram a aliança de forma muito séria. Para maiores detalhes ver “Attachments to the Final
Report of the Department of Defense to Congress – Nº. 9 – Alliance Construction, Coordenation, and Combat”.

Uma comunhão internacional de interesses permitiu aos EUA interligá-los numa


coalizão de aliados para atingir rapidamente o Iraque. As potências ocidentais estão
suficientemente familiarizadas com as características modernas da política
internacional, e assim, a aliança anti-Iraque foi montada sob os auspícios das
Nações Unidas. A auréola de justiça de que se revestiu esta aliança obteve sucesso
ao desarticular os preconceitos religiosos do povo árabe, de modo que Sadam foi

71
transformado em um Saladin2 moderno, cujos planos de desencadear uma Guerra
Santa contra os cristãos representaram um fracasso.

Diversas nações assumiram voluntariamente a responsabilidade por tarefas vitais


nesta aliança. Ainda que de má vontade, a Alemanha e o Japão, finalmente,
pareciam satisfeitos em abrirem os seus cofres, e o que é mais importante, além do
provimento de recursos financeiros, nenhum deles perdeu a oportunidade de enviar
os seus próprios contingentes militares. Isto pode ter significado uma atitude sub-
reptícia e simbólica no sentido de tornarem-se, novamente, potências globais.

O Egito persuadiu a Líbia e a Jordânia a manterem-se neutros na guerra, deixando


de prestar apoio ao Iraque, de modo que Sadam ficou completamente isolado.

Até Gorbatchev, que necessitava do apoio norte-americano para melhorar a sua


fraca posição política no âmbito doméstico, finalmente concordou tacitamente com
os ataques militares conduzidos por forças multinacionais contra o seu antigo
aliado.

Mesmo potências como os EUA devem buscar o apoio de seus aliados, e este apoio
manifestou-se, basicamente, pela concessão de legitimidade às suas ações e em
termos de apoio logístico, não tendo havido um acréscimo substantivo de forças
militares.

A razão pela qual as diretrizes do Presidente Bush tenham conseguido obter uma
ampla aprovação do público norte-americano decorreu, em grande parte, do fato
dele ter estabelecido uma aliança internacional, fazendo com que o público norte-
americano acreditasse nas premissas de não se tratar, apenas, da resolução
problemas de outras nações, e de não serem apenas os norte-americanos a
financiarem a guerra, ou que somente eles sofreriam perdas de vidas humanas.

A mobilização chegou a ponto de os EUA deslocarem o seu 7º Corpo de Exército,


sediado na Alemanha para a Arábia Saudita, utilizando 465 trens, 312 chatas, e
119 unidades navais pertencentes a 4 nações da OTAN. Simultaneamente, o Japão
forneceu os sobressalentes eletrônicos que eram necessários, com urgência, para

2 [N.T.] Nascido em Tikrit no ano de 1138, Saladin foi o primeiro Sultão dos
Ayyubid e se tornou famoso por ter recapturado Jerusalem dos Cruzados. Saladin
era de origem Kurda, e durante toda a sua carreira, só admitia entre os seus
acessores mais próximos, os que fossem de origem Kurda.

72
diversos equipamentos militares norte-americanos. Todo este esforço demonstrou a
crescente dependência dos EUA de seus aliados.

Nesta nova era, agir isoladamente, além de ser insensato, não é uma opção
realística3. Por exemplo, a aliança criou a idéia de uma necessidade comunitária. A
partir da Resolução nº. 660 do Conselho de Segurança, que determinava a retirada
iraquiana do Kuwait, e até a Resolução nº. 678 que autorizou os países membros a
adotarem quaisquer ações necessárias, a sociedade internacional, de uma forma
genérica, identificou-se com a aliança que havia sido temporariamente instituída.

Cento e dez países participaram do embargo que foi estabelecido contra o Iraque, e
mais do que trinta nações participaram da aplicação da força militar, e entre eles,
várias nações árabes! É óbvio que cada uma destas nações já havia avaliado,
antecipadamente, os seus interesses, antes de adotarem tal atitude.

O ESFORÇO PARA INTEGRAR A ALIANÇA


A participação dos EUA numa escala total não dói suficiente para que a frágil rede
que constituía a aliança, formada num espaço de tempo muito curto, suportasse
com facilidade o impacto de uma guerra. Pode-se dizer que no que tange aos
políticos, esta aliança representava, apenas, o resultado de um encontro de alto
nível, seguido de uma cuidadosa avaliação de interesses, da mera assinatura de
um contrato, ou de um simples compromisso verbal assumido em contato telefônico
direto.

3 Cap 2 (“U.S. Military Reliance”) do relatório de pesquisa “Military Experiences and


Lessons of the Gulf War” emitido pelo “U.S. Center for Strategic and International
Studies” assinala que “esta guerra demonstrou, acima de qualquer dúvida, que
tanto em relação à política, quanto ao apoio logístico, os militares Norte-americanos
devem confiar em Estados amigos e aliados. Sem a considerável ajuda de outros
países, os Estados Unidos não tem como conduzir qualquer tipo de operação de
emergência de grande porte. Com a exceção de operações de pequeno porte, a opção
de prosseguir isoladamente é inconcebível, e todas as decisões políticas nas áreas
de defesa e diplomática devem basear-se neste entendimento.”

73
No entanto, no que tange às tropas que desenvolveriam as ações de guerra,
nenhum detalhe poderia deixar de ser observado. De modo a evitar que soldados
norte-americanos violassem as postulações ou mandamentos islâmicos, além de ser
estipulado que deveriam submeter-se estritamente aos costumes dos países em que
estivessem aquartelados. As forças armadas norte-americanas chegaram até a
alugar o iate “Cunard Princess”, mantendo-o fundeado ao largo, para prover
recreação no estilo ocidental para as tropas norte-americanas.

Para impedir a animosidade entre as forças aliadas, que poderia ser gerada por
uma retaliação de Israel contra os ataques de mísseis “Scud”, os Estados Unidos
providenciaram meios de defesa antiaérea aos israelenses, em um grande esforço
para preservar a integridade da aliança.

NASCE UM NOVO TIPO DE ALIANÇA


Um dos aspectos mais significativos da rápida formação desta aliança foi que ela
representou o fim de uma era. Aquela das alianças que tinham uma composição
tradicional preestabelecida, iniciada em 1879 com a assinatura da aliança militar
entre os impérios germânico e austro-húngaro.

Com o término da Guerra Fria, o período em que a formação de alianças tendo


como base a ideologia deixou de existir; enquanto que o princípio de formação de
alianças tendo como base os interesses foi elevado à primazia.

Sob a legenda da “realpolitik”, onde os interesses do Estado são prioritários, o


enfoque de qualquer aliança reflete claramente esses interesses, e por vezes, tal
prioridade pretere até mesmo considerações de caráter moral.

Sem dúvida alguma, o fenômeno das alianças continuará a existir, mas na maioria
dos casos elas irão representar coalizões baseadas em interesses variados e de
curta duração, o que significa dizer, que não haverá mais alianças formadas,
basicamente, por questões morais, sem a presença de interesses plenamente
caracterizados.

Diferentes períodos correspondem a diferentes interesses e objetivos, e estes serão


os fatores que determinarão a formação ou não de alianças. Um crescente
pragmatismo, e uma desvinculação de condicionantes morais, são as características
das modernas alianças.

As relações baseadas em interesses mútuos entre os Estados modernos, da mesma

74
forma como entre organizações transnacionais, ou, até mesmo entre forças
regionais estão se tornando, portanto, cada vez mais efêmeras. Como entoado pelo
cantor de rock Cui Jiang: “Não é que eu não esteja compreendendo, é que este
mundo está mudando rapidamente”.

Na atualidade, as constantes mudanças nas combinações de forças, em paralelo à


era da permanente mudança no processo de integração e globalização tecnológica,
deram origem a determinadas alianças tácitas, que não são, de forma alguma,
acidentais. Portanto, a aliança que foi formada, repentinamente, para a Guerra do
Golfo, abriu, formalmente, as cortinas de uma nova era de alianças.

A OPORTUNA LEI DE REORGANIZAÇÃO


Freqüentemente, os arrogantes norte-americanos, engajam-se em ações que os
levam a refletir posteriormente quanto aos seus erros. Esta atitude, aparentemente
contraditória, sempre provoca assombro naqueles que desejam testemunhar os
presunçosos norte-americanos sofrendo. Ao mesmo tempo, tal atitude permite que
os norte-americanos, seguidamente, obtenham consideráveis benefícios. Parece, na
realidade, que os norte-americanos sempre são capazes de encontrar uma solução
para dar início a uma nova ação militar, baseados nas lições que foram aprendidas
em ações militares anteriores.

As disputas relativas a diferentes pontos de vista e interesses entre as diversas


facções no âmbito das forças armadas norte-americanas existem já há algum
tempo, e isto também é uma verdade em qualquer país. A competição entre as
forças singulares norte-americanas, visando à proteção de seus próprios interesses
e obtenção de prestígio, é bem conhecida, e neste aspecto eles são inigualáveis.

A esse respeito, um fato marcante ocorreu 60 anos atrás, na guerra contra o Japão,
quando na busca de priorizar e valorizar a participação de suas respectivas forças
singulares, tanto MacArthur quanto Nimitz propuseram estratégias específicas e
diferentes, para as ações no Pacífico. Até mesmo o presidente Roosevelt, com toda a
sua sagacidade e circunspeção, teve problemas para estabelecer um equilíbrio entre
estes dois líderes militares. Um outro fato que ilustra essa disputa interna ocorreu
durante a Guerra do Vietnã. As esquadrilhas formadas para executar missões de
bombardeio, por reunirem aviões de diferentes forças singulares, tinham que
receber instruções de diversos comandos diferentes e ao mesmo tempo.

Até aproximadamente 15 anos atrás, existiam alguns sistemas de comando

75
separados e independentes, sem uma definição clara de subordinação, e isto teve
conseqüências desastrosas para as tropas norte-americanas aquarteladas em
Beirute, provocando a morte de aproximadamente 200 fuzileiros navais.

Quando o General Norman Schwarzkopf foi nomeado Comandante-em-Chefe das


forças aliadas para a operação “Tempestade no Deserto”, ele ainda guardava na
memória, os problemas pelos quais passou em Granada, quando era o segundo em
comando da Força-Tarefa Combinada. Nesta operação, cada uma das forças
singulares norte-americanas participou de forma independente. O questionamento
que surgiu, em decorrência deste fato foi: em Operações de Forças Combinadas,
quem é que comanda quem?

Chega a ser irônico, que este tipo de problema, que incomodou as Forças Armadas
norte-americanas por tantas décadas, não tenha sido solucionado por generais com
grande experiência de combate ou especialistas com profundos conhecimentos em
organização administrativa e militar, e sim, por dois congressistas chamados
Goldwater e Nichols. A Lei de Reorganização do Departamento de Defesa, proposta
por estes dois congressistas em 1986, criou um instrumento legislativo para
resolver o problema do comando unificado de forças singulares, quando
empregadas de forma combinada em combate.

No relatório de pesquisa sobre a Guerra do Golfo, elaborado para a Câmara dos Deputados por L. Aspin e W. Dickinson,
a “Lei de Reorganização do Departamento de Defesa” é bastante elogiada, sendo citado que “esta Lei assegurou que as
três Forças Singulares norte-americanas iriam unir-se para lutar a mesma guerra”. O mencionado Relatório também
citou o Secretário de Defesa Cheney quando este declarou que “é a legislação que tem o impacto de maior alcance no
âmbito do Departamento de Defesa, desde a “Lei de Segurança Nacional”“. Os oficiais generais, no âmbito das Forças
Armadas, também elogiaram bastante o a “Lei de Reorganização do Departamento de Defesa”, tendo o Almirante
Owens, que tinha exercido o cargo Vice-Chefe da Junta de Chefes do Estado-Maior declarado: “a Lei de Reorganização
do Departamento de Defesa de Goldwater e Nichols é uma das três grandes revoluções em assuntos militares ocorridas
nos Estados Unidos”; “esta lei estipulava que em qualquer conflito, a guerra seria conduzida por Forças Combinadas”, e
“os Chefes de Estado-Maior das Forças Singulares não eram mais Comandantes Operativos”. Os Comandantes
Operativos são os 5 Comandantes-em-Chefe de Teatros (Journal of the National Defense University; Nº. 11, 1998, p 46-
47. Conmilit; Nº. 12, 1998; p 24).

O coroamento da Lei Goldwater e Nichols viria em seguida, quando questões não


resolvidas no Oriente Médio provocaram uma guerra. Numa ocasião extremamente
oportuna para os norte-americanos testarem a eficácia da Lei de Reorganização,
Saddam insensatamente invadiu o Kuwait  e esta ação representou uma
oportunidade única. Neste sentido, em vez de dizer que a Lei de Reorganização foi
criada no momento oportuno, seria melhor considerar que foi a Guerra do Golfo que
teve início em um momento oportuno.

Powell e Schwarzkopf tiveram a sorte de ser os primeiros beneficiários da Lei de

76
Reorganização, e ao mesmo tempo, tornaram-se os dois mais poderosos generais da
história militar norte-americana.

Na condição de Chefe da Junta de Chefes de Estado-Maior, Powell, pela primeira


vez, assumia, de forma clara, o cargo de principal assessor militar do Presidente
dos Estados Unidos, e desta forma, recebia suas ordens diretamente do Presidente
da República e do Secretário de Defesa. Por sua vez, Powell transmitia suas ordens,
(baseadas nas diretrizes superiores), diretamente às três Forças Singulares, não
tendo mais que atuar como coordenador e mediador de intermináveis disputas
entre os respectivos Chefes de Estado-Maior.

Do outro lado do mundo, na condição de Comandante Operativo, Schwarzkopf era


poupado das intrigas do Pentágono, e tinha o poder real em suas mãos. No tocante
aos rumores e conversas oriundas do Pentágono, ele tinha a liberdade de ouvir o
que lhe interessasse e aplicar o que julgasse adequado, distante de seu país,
atuando como um General, fora do alcance do seu monarca, e que tinha sob as
suas ordens, um grande Exército que se espalhava pelo Golfo, satélites no espaço,
mergulhadores agindo sob a superfície do mar, e até navios roll-on/roll-off.

Esta condição permitiu que ele exercesse a plena autoridade, que lhe foi conferida
pela Lei de Reorganização do Departamento de Defesa, sobre todas as Forças
Singulares, sempre que necessário e sem quaisquer dúvidas. Por exemplo, quando
os Comandantes de Unidades de Fuzileiros Navais na linha de contato4 solicitaram
a realização de um desembarque anfíbio nas costas do Kuwait, Schwarzkopf
examinou a situação como um todo, e de forma decidida, exerceu o seu poder de
veto. Na ocasião, optou por prosseguir na concentração de meios para a operação
“Left Hook” que integrava o seu plano de ação geral desde o início das ações.

A aplicação inconteste de uma lei, que ainda não havia sido aplicada, decorridos
cinco anos de sua criação, em uma guerra que ocorreu na mesma época, só pode
ser explicada pela mentalidade de comprometimento de uma sociedade,
estabelecida em bases legais, como é a norte-americana. A nova estruturação de
comando, que derivou da aplicação desta legislação, tornou-se, além disso, o mais
bem sucedido e lógico sistema de comando militar, desde a criação de Forças
Singulares independentes. O seu resultado direto foi a redução dos níveis de

4 [N.T.] Tradução adotada na Marinha do Brasil (Corpo de Fuzileiros Navais) para o


termo “front line”.

77
comando, o incremento da confiabilidade no comando, e a transformação da antiga
e profundamente enraizada estrutura militar de comando em uma estrutura em
rede interativa, permitindo, como efeito colateral, que um maior número de
unidades de combate, pela primeira vez, compartilhasse as informações do teatro
de operações.

Examinando a Lei de Reorganização sob uma perspectiva mais ampla, vemos que
esta reestruturação não se deu por uma coincidência fortuita, e sim, em
conformidade às exigências naturais de uma nova era impondo-se às antigas
relações militares de comando. Uma revisão no comando da estrutura militar, que
se encontrava disperso entre as várias forças. Uma revisão, implicando na criação
de uma “superautoridade”, englobando a autoridade das Forças Singulares, e que
estaria empenhada na consecução de determinados propósitos temporários, e assim
sendo, compatibilizaria as diversas tarefas a serem executadas em qualquer Teatro
de Operações.

O estabelecimento da Lei de Reorganização nos Estados Unidos, e os efeitos que


produziu no âmbito das Forças Armadas norte-americanas constituem um tema
para análise, e qualquer nação que pretenda vencer as guerras no século XXI
deverá, inevitavelmente, encarar as opções de se “reorganizar”, ou, ser derrotada.
Não existe alternativa.

INDO ALÉM DO COMBATE INTEGRADO AR-TERRA


Originalmente, o “Combate Integrado Ar-Terra” era uma estratégia idealizada pelos
militares norte-americanos para enfrentar do enorme número de tanques
pertencentes ao Pacto de Varsóvia, e que poderiam praticamente inundar as
planícies européias a qualquer momento. Os idealizadores desta estratégia, todavia,
amargaram o fato de jamais terem podido demonstrar a sua eficácia.

O Combate Integrado Ar-Terra foi incorporado pelo Exército dos EUA em 1982, e tem sido a principal doutrina militar nos
últimos 20 anos. Esta doutrina prescreve o emprego de uma força combinada com meios aéreos e terrestres, com uma
grande ênfase na cooperação interforças. O propósito desta doutrina é o de impedir que as forças de segundo escalão
reforcem a frente de combate de um inimigo, atacando-as em pontos de passagem obrigatórios como pontes e túneis.
Neste contexto, as forças terrestres engajam o primeiro escalão das forças inimigas, e as unidades aéreas engajam as
forças de segundo escalão do inimigo, por traz das linhas inimigas. Durante a 2ª Guerra do Golfo a cidade de Basra foi
considerada como um ponto de passagem obrigatório para os reforços iraquianos.

A Guerra do Golfo, todavia, proporcionou o palco ideal para uma completa


demonstração por parte dos militares norte-americanos, que eram plenos de
criatividade e ansiosos por uma ação de guerra. No entanto, as características

78
físicas do teatro de operações, [bem como a força inimiga], eram um pouco
diferentes daquelas para as quais a concepção do “Combate Integrado Ar-Terra”
havia sido desenvolvida.

A “Tempestade no Deserto” era uma campanha eminentemente aérea, e que durou


algumas dezenas de dias, tendo restado muito pouco a fazer na fase terrestre da
campanha — a Operação “Espada do Deserto” — desencadeada no último
momento, compreendendo um brilhante envolvimento pela ala esquerda, e que
durou apenas 100 horas. A ação terrestre não foi o elemento decisivo final, como
pretendido pelo Exército, e o término das ações soou mais como um final brusco de
um concerto, após o seu primeiro movimento.

O General Merrill McPeak, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea durante a Guerra do Golfo, declarou: “esta foi uma
guerra que envolveu um massivo emprego do poder aéreo, e uma vitória das unidades das Forças Aéreas dos EUA e
demais países”, e que “tratava-se, também, da primeira guerra na história na qual o poder aéreo fora empregado para
derrotar forças terrestres” (Air Force Journal (U.S.) Maio, 1991). Em uma declaração anterior à Guerra do Golfo, o seu
antecessor, Michael J. Dugan observou que “a única maneira de evitar muito derramamento de sangue numa guerra
terrestre e utilizando-se a Força Aérea”. Embora tenha sido considerado que Dugan se excedeu eu sua autoridade,
tendo por isso sido removido de seu cargo, suas observações não estavam de todo erradas.

A previsão de Douhet de que “o teatro de operações aéreo será o decisivo” pareceu


ter obtido uma confirmação tardia. No entanto, o que aconteceu no espaço aéreo
sobre o Golfo excedeu, em muito, a proposição de obtenção da vitória através da
ação aérea.

Quer sobre o Kuwait, quer sobre o Iraque, nenhuma ação aérea configurou os
galantes duelos pela supremacia aérea, mas sim, uma campanha aérea que
combinou todas as formas de emprego do poder aéreo, tais como: reconhecimento,
alarme aéreo antecipado, bombardeio, “dogfight”5, comunicações, ataques
eletrônicos, ações de comando e controle, etc., incluindo, também, a luta pela
ocupação do espaço cósmico e do ciberespaço.

Como resultado destas ações os norte-americanos, criadores do conceito do


“Combate Integrado Ar-Terra”, foram um pouco além do idealizado por Douhet.
Mesmo assim, terão de esperar vários anos, até perceberem que ao empregarem a
teoria de operações integradas num combate real, o alcance deste processo irá

5 [N.T.] A expressão “dogfight” designa o combate aéreo à curta distância, travado


diretamente entre dois aviões.

79
muito além daquilo que foi inicialmente imaginado, e que inclui as ambiências
terrestre, marítima, aérea, e do ciberespaço.

ORDENS DE MISSÃO AÉREA — A CHAVE COMBATE OMNIDIMENSIONAL

Embora ainda seja necessário algum tempo para que os resultados da Guerra do
Golfo sejam assimilados, este conflito já está destinado a tornar-se o ponto de
partida para a teoria do “c
combate omnidimensional”, proposta pela elite do Exército
norte-americano, quando esta subitamente passou a encarar a realidade. O mais
interessante é que, embora pareça que os norte-americanos chegaram tardiamente
a esta conclusão, isto não teve qualquer efeito na antecipação que demonstraram
ao utilizarem a chave “c
combate omnidimensional”, as famosas “o
ordens de missão
aérea 6”.

As “o
ordens de missão aérea” constituíam um documento diário de quase 300
páginas, elaborado de forma combinada pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, [e
Corpo de Fuzileiros]. Este documento permitia que Schwarzkopf, o comandante
supremo das forças aliadas, mesmo sendo um Oficial do Exército, a emitisse ordens
de comando para toda a Força Aérea aliada.

As “o
ordens de missão aérea” foram a alma de toda a campanha aérea, e diariamente
selecionavam os melhores alvos para serem atacados por todas as aeronaves, em
obediência a um planejamento operacional geral de ataque.

ordens de missão aérea”, processadas por meios


De acordo com previsto nas “o
digitais, diariamente, mais de 1000 aeronaves, isoladas ou integrando grupos
interforças, decolavam da Península Árabe, da Espanha, da Inglaterra e da Turquia,
para o cumprimento de missões de ataque com alcances transnacionais, de forma
precisa e coordenada.

Na visão da Marinha dos EUA, este sistema de comando estava sob forte influência
da Força Aérea, e devido a isso, adotou o procedimento de manter algumas
aeronaves sob seu controle direto e exclusivo de modo a poder empregá-las, quando

6 Tanto no relatório do Departamento de Defesa, quanto no relatório de L. Aspin,


enviados à Câmara dos Deputados, ambos fazem elevadas considerações com
relação às “ordens de missão aérea”, assegurando que este instrumento “orquestrou
uma batalha aérea integrada e planejada de forma precisa”.

80
surgisse uma oportunidade de realçar a atuação isolada da Marinha. Esta
oportunidade nunca ocorreu. Em última análise, o sistema de “o
ordens de missão
aérea” organizou a maior e mais complexa campanha aérea na história da guerra.

Além do que foi mencionado, as “o


ordens de missão aérea” serviram como modelo
organizacional de comando, para todas as demais operações de combate. Uma
única “ordem” representou a melhor forma de combinar os efetivos de combate das
forças singulares, e a complexidade e o sucesso na combinação de forças
multinacionais, foi realmente algo espetacular. Quanto a apenas este último
aspecto, foi excedido tudo aquilo que havia sido vislumbrado pelos arquitetos do
conceito de “Combate Integrado Ar-Terra”. Em outras palavras, os militares norte-
americanos, sem querer, proporcionaram ao Deus da guerra uma nova área na
qual ele nunca havia penetrado.

QUEM É O REI NAS AÇÕES DE GUERRA TERRESTRE?


Isoroku Iamamoto foi, sem dúvida, o mais inovador e extraordinariamente talentoso
militar de sua era; o emprego de porta-aviões no ataque a Pearl Harbor e a grande
vitória que alcançou, representou um lance de gênio na história das batalhas
navais.

O que é difícil de entender é que o mesmo Yamamoto foi incapaz de perceber o


significado historicamente marcante de suas próprias táticas. Após comandar a
Esquadra Combinada, aplicando um severo golpe na Marinha norte-americana, ele
ainda mantinha-se preso à crença de que somente os encouraçados representavam
a força decisiva no mar, e assim, mais uma vez, jogava a chave que abriria os
portais da vitória, e que já estava em seu poder, na vastidão das ondas do Oceano
Pacífico.

Enquanto que uma pessoa que cometa um erro pela primeira vez seja digna de
pena, uma segunda pessoa, que cometa o mesmo erro, é simplesmente
inacreditavelmente estúpida, principalmente se for o caso de cometer um mesmo
tipo de erro por falta de previsão. O que é lamentável é que na história da guerra
existam exemplos freqüentes deste tipo de falha, ou seja, agir sem pensar.

Como aconteceu com Isoroku Yamamoto ao seu tempo, na atualidade, o Exército


norte-americano, através do emprego de helicópteros, esmagou as unidades
blindadas e mecanizadas iraquianas. Não obstante, assim que a fumaça dos
canhões no Golfo dissipou-se, ocorreu um retrocesso no pensamento militar ao seu

81
nível anterior à guerra, com a colocação dos helicópteros num segundo plano.
quando deveriam, por todos os motivos, emergir daquela guerra como o sistema de
armas em evidência.

Comenta-se que, durante toda a fase terrestre da guerra, a não ser por uma
desesperada ação desencadeada pela Divisão Blindada “Medina”, pertencente à
Guarda Republicana, quando se viu cercada, ao sul de Basra pelo 7º Corpo de
Exército norte-americano, praticamente não houve nenhuma interação entre
tanques digna de menção.

No entanto, os norte-americanos que de maneira ampla e clara empregaram


helicópteros, inaugurando uma nova era em ações de guerra terrestre, passaram a
ampliar os investimentos em outras armas, incluindo tanques, enquanto que,
alocações de verbas para helicópteros foram as primeiras a sofrer reduções. Desta
forma, mantendo-se presos a hábitos obsoletos, os norte-americanos ainda estão
considerando o tanque como a arma decisiva nas ações de guerra terrestre do
futuro.

De acordo com previsões de especialistas militares russos e ocidentais, “a expectativa de sobrevivência de um tanque
como um alvo individual, em um campo de batalha é de, no máximo, 2 a 3 minutos, e sua expectativa de sobrevivência,
estando integrado a uma unidade blindada do porte de Batalhão ou Companhia é de 30 a 50 minutos”. Esta é a
estimativa de especialistas, apesar de a maioria dos países ainda terem nos tanques suas armas principais. (Soldier
(Rússia) Nº. 2, 1996). Em um artigo titulado “The Future of Armored Warfare”, Ralph Peter declara que “tanques
voadores constituem algo que se tem desejado há muito tempo, mas quando se considera o uso racional de
combustível, além dos fatores físicos e psicológicos em uma batalha, a necessidade do futuro ainda é por sistemas
terrestres. Tendo em vista que os helicópteros de ataque já são uma concentração de várias características que foram
vislumbradas para os tanques voadores, nós acreditamos que os helicópteros de ataque possam complementar os
veículos blindados, mas não substituí-los.” (Parameters; Outono; 1997).

Desde a Guerra do Vietnã os helicópteros vêm demonstrando sua capacidade nas


mãos dos norte-americanos, e pouco tempo depois foi a vez da União Soviética
demonstrar essas capacidades excepcionais nas regiões montanhosas do
Afeganistão, da mesma forma como os britânicos nas Ilhas Malvinas. No entanto,
como os oponentes eram, em grande parte, elementos de guerrilha e efetivos de
infantaria não blindados, o desafio que os helicópteros iriam representar contra os
tanques teve que esperar por mais 20 anos.

A 2ª Guerra no Golfo, finalmente, proporcionou aos helicópteros a oportunidade de


mostrar a sua capacidade. Neste conflito, sem levar em conta os helicópteros
pertencentes às demais forças aliadas, os norte-americanos deslocaram 1600
unidades de vários modelos para o Golfo, e este enorme grupo já seria suficiente
para constituir um Exército formado exclusivamente de helicópteros.

82
No entanto os norte-americanos, que até então tinham dado vazão a todo o seu
espírito criativo, não demonstraram qualquer originalidade quanto ao emprego de
seus helicópteros. Do mesmo modo que os franceses procederam na Segunda
Guerra Mundial ao dispersarem seus tanques entre as unidades de infantaria, os
norte-americanos empregaram os seus helicópteros como um elemento
subordinado e de apoio às unidades mecanizadas e outros elementos da Força
Terrestre. Felizmente, os helicópteros, que estavam destinados a marcar a sua
presença nesta guerra, não permitiram que o seu posicionamento secundário
cerceasse o seu magnífico desempenho.

Ao mesmo tempo em que os norte-americanos enalteciam o “Patriot”, o F-117, os


mísseis “Tomahawk” e outros astros dos campos de batalha via CNN, os
helicópteros foram esquecidos, (com exceção do “Apache” que era o preferido
quando da divulgação de acertos).

Além do que consta no “Relatório Final ao Congresso”, elaborado pelo


Departamento de Defesa, após a guerra, poucas pessoas ainda se recordam de que
foram os helicópteros, e não qualquer das novas armas eleitas como as preferidas,
que executaram as missões de maior significado na “Tempestade do Deserto”.

Nos 20 minutos que antecederam o início do bombardeio contínuo, e que durou


mais de um mês, os helicópteros MH-53J e AH-64, após um traslado de varias
horas de vôo em perfil rasante, cumpriram a vital missão de destruição antecipada
dos radares do sistema de alarme aéreo antecipado iraquiano, empregando mísseis
“Hellfire”, proporcionando assim, uma rota segura para os grupos de bombardeio e
demonstrando a incomparável capacidade de penetração dos helicópteros.

Na qualidade de plataforma aérea mais flexível no campo de batalha, os


helicópteros também cumpriram inúmeras missões de transporte de suprimentos,
evacuação aeromédica, busca e resgate, reconhecimento, missões de
contramedidas eletrônicas, e etc. Há que se ressaltar, ainda, que durante a Batalha
de Khafji, os helicópteros constituíram a força principal que enfrentou a ofensiva
iraquiana forçando-os, finalmente, a recuar.

Durante a guerra, o fato que realmente causou uma impressão marcante e


demonstrou o enorme potencial do helicóptero foi a “Operação Cobra”. Nesta
operação a 101ª Divisão Aerotransportada empregou mais de 300 helicópteros

83
numa operação de apoio logístico do tipo “leapfrog7”, cobrindo o maior alcance na
história da guerra, estabelecendo uma base de operações avançada para os
helicópteros “Cobra”(AH-1H), a mais de 100 km no interior do território iraquiano.
Subsequentemente, a partir desta base avançada, foi possível interromper a única
rota de fuga para as tropas iraquianas, que estavam dispersas na região do vale do
Rio Eufrates, bem como, interceptar as tropas iraquianas que fugiam pela estrada
Hamal. Esta foi, definitivamente, a mais importante operação tática da fase
terrestre de toda a guerra, tornando-se a constatação de que, a partir daquele
momento, os helicópteros eram perfeitamente capazes de conduzir, de forma
independente, operações de grande envergadura.

Quando enormes grupos de soldados iraquianos correram de suas fortificações,


destruídas pelos helicópteros, e ajoelharam-se implorando pela rendição, eles foram
reunidos em um único grupo pelos helicópteros, da mesma forma que se arrebanha
o gado nas planícies do oeste norte-americano. Desta forma, a impressão de que
somente a infantaria poderia, em última instância, definir a batalha terrestre, foi
radicalmente modificada por esses “vaqueiros voadores”.

Originalmente, no entanto, o propósito imaginado da operação “leapfrog” por


helicópteros era somente o de prover apoio para as unidades blindadas, as quais
seriam responsáveis pelas ações ofensivas principais. Mas o inesperado sucesso das
unidades de helicópteros fez com que o plano original fosse relegado em função do
desenvolvimento das ações no campo de batalha.

Devido a esta evolução nas ações no campo de batalha, Schwarzkopf teve que
antecipar a ofensiva do 5º Corpo do Exército em 15 horas. No entanto, ainda que
sob o comando do General Franks, a velocidade de avanço através do deserto
tenha sido superior àquela alcançada por Guderian, que se notabilizou em sua
época, ao lançar a “blitzkrieg”, Franks não obteve o mesmo reconhecimento
histórico ou reputação. De fato, ele foi repreendido por “mover-se lentamente, passo
a passo, como uma senhora idosa”.

Após a guerra, o general Franks contestou as críticas oriundas do Quartel General


em Rhiadh, baseando-se no argumento de que os iraquianos ainda tinham

7 [N.T.] A designação “leapfrog” significando “pulo de sapo” é empregada porque os


helicópteros ficam se deslocando entre dois pontos, efetuando sucessivos
transportes de cargas, assemelhando-se a sapos pulando de um lado para outro.

84
capacidade de combate8. Na verdade, nem aqueles que criticaram, ou os que
refutaram as críticas, tinham percebido da verdadeira essência do problema. A
razão pela qual a mobilidade dos tanques sob o comando do General Franks foi
criticada decorre, precisamente, de uma comparação com os helicópteros. Até os
dias de hoje, não ocorreu um exemplo de combate, em que qualquer tipo de tanque
tenha conseguido igualar a velocidade de engajamento em combate de um
helicóptero.

Na verdade, não se trata, apenas, de uma competição quanto à mobilidade. Tendo


sido os antigos “reis das ações de guerra terrestre”, os tanques, estão sendo
desafiados pelos helicópteros em todas as áreas de atuação. Enquanto que os
tanques têm que sofrer um significado desgaste para sobrepujar o coeficiente de
fricção com o terreno, a área de atuação do helicóptero, acima do tope das árvores,
os torna imunes a quaisquer obstáculos terrestres. Adicionalmente, esta
excepcional mobilidade é suficiente para compensar a deficiência de não disporem
de uma blindagem pesada.

Como plataformas móveis de tiro, o poder de fogo dos helicópteros, em nenhum


aspecto, é inferior ao dos tanques, e este fator é o mais importante no tocante aos
tanques, visto que foi esta, a principal característica que determinou a sua
ascensão no âmbito das ações de guerra com a denominação “tanque”.

O que é ainda pior para os tanques é o esforço necessário para se organizar um


razoável grupo de assalto, (só a faina de deslocar um determinado número de
tanques para uma área de concentração já se constitui um imenso problema), e o
risco daí decorrente, (quando um grande número de tanques é reunido eles se
tornam extremamente vulneráveis a ações de iniciativa de defesa por parte de um
inimigo), de modo que eles não têm nenhuma vantagem que se possa mencionar,
quando comparados aos helicópteros, os quais apresentam um excelente
desempenho tanto no emprego massificado em ações de guerra convencional,
quanto de forma dispersa, engajando em ações antiguerrilha.

8 “Into the Storm: A Study in Command” é o livro que o General Franks escreveu
depois de ter ido para a reserva, no qual ele menciona que a velocidade com que o
VIIº Corpo de Exército se deslocou não se constituiu num erro, e que as críticas
oriundas de Rhiadh não eram justas. (Ver Army Times (U.S.), 18 de agosto de
1997).

85
De fato, tanques e helicópteros são inimigos naturais, mas o tanque está muito
longe de ser um competidor do mesmo nível que um helicóptero. Até mesmo o
obsoleto AH-1H “Cobra”, (para não mencionar o AH-64 “destruidor de tanques”)
destruiu mais de cem tanques durante a Guerra no Golfo, sem sofrer nenhuma
perda. Diante da poderosa capacidade de ataque dos helicópteros, quem ainda
poderia afirmar que “a melhor arma para se encarar um tanque é um tanque?”9.

Agora, nós podemos proclamar que os helicópteros são os verdadeiros


exterminadores de tanques. Este novo astro, que gradualmente elevou-se sobre as
ondas no Golfo, está no processo de alcançar sua própria coroação, como
conseqüência de suas ilustres conquistas durante a Guerra do Golfo. Não há
dúvidas que é só uma questão de tempo, até que ele provoque a retirada do tanque
do campo de batalha.

Em muito pouco tempo o slogan, “vencer uma batalha terrestre a partir do ar”,
tornar-se-à, cada vez mais, uma realidade, e um crescente número de
Comandantes de forças terrestres estão atingindo um consenso quanto a este
aspecto. Mais ainda, as novas concepções de “Exército aéreo” e da “guerra terrestre
aérea”, nas quais o helicóptero é a arma principal, poderão vir a ser jargões
militares comuns, constantes em qualquer glossário de termos militares.

UM OUTRO JOGADOR ESCONDIDO POR TRÁS DA VITÓRIA


Deixando de lado a consideração de que o Presidente Bush, na qualidade de
Comandante-em-Chefe das Forças Armadas conhecia, antecipadamente, a hora do
início das ações no Golfo, quando analisamos este conhecimento do ponto de vista
da CNN, poder-se-ia dizer que o mundo inteiro, juntamente com o Presidente Bush,
tomou conhecimento do início da guerra, no exato momento em que ele ocorreu, e
evidenciou os seus primeiros impressionantes eventos.

Numa era da informação compartilhada, um Presidente não tem, na realidade,


muitos privilégios especiais além daqueles de um cidadão comum.

E é neste ponto que as ações de guerra modernas diferem de quaisquer ações de


guerras no passado, porque os eventos, ao serem informados em tempo real ou
quase real pela mídia, transformam-se num programa de televisão, que todas as

9 Ver Apêndice ao “Relatório Final do Departamento de Defesa ao Congresso”; p 52.

86
pessoas comuns podem assistir. Desta forma, a mídia de forma imediata, passou a
ser parte integrante da guerra, não sendo mais um mero veículo que
proporcionava apenas informações oriundas de um distante campo de batalha.

Diferente da transmissão de um jogo de futebol numa Copa do Mundo, tudo o que


as pessoas viram, não considerando o que foi filtrado pela subjetividade dos
repórteres10, também tinha que passar por uma revisão de segurança nos
escritórios conjuntos de imprensa estabelecidos em Dhahran e Rhiyadh.

Possivelmente, tanto os militares norte-americanos, quanto os representantes da


mídia aprenderam as lições da Guerra do Vietnam, onde a discórdia entre eles foi
muito grande. Desta feita, o relacionamento entre as agências de notícias e os
militares transcorreu de uma forma muito boa. Há um fato que ilustra
perfeitamente este tema. De um total superior a 1300 notícias, que foram liberadas
durante o período da guerra, somente 5 foram previamente remetidas a Washington
para revisão, e destas, 4 foram aprovadas numa questão de horas, enquanto que a
única remanescente foi cancelada pela própria imprensa.

Contando com o apoio previamente acertado com os novos repórteres, os


Comandantes no campo de batalha puderam influenciar, com sucesso, o mundo
inteiro, fazendo com que as pessoas vissem aquilo que os militares desejavam que
fosse visto, ao mesmo tempo em que, ninguém conseguiu ver aquilo que eles não
queriam que fosse visto.

A imprensa norte-americana, de maneira geral, abandonou a sua ostensiva


neutralidade, integrando-se entusiasticamente à causa anti-Iraque, atuando de
forma coordenada com os militares norte-americanos, como se num perfeito ato de
comédia entre dois atores, adotando de forma tácita e decidida um mesmo enredo
para a guerra. Desta forma, a força da mídia e a do Exército aliado atuaram como
uma força combinada em relação ao ataque ao Iraque11.

10 Os 1300 repórteres enviados à frente de combate estavam todos a par das


“Revised Regulations Regarding Gulf War News Reports”, emanadas pelo Pentágono,
de modo que cada repórter exerceu uma autocensura com relação ao que podia e
não podia ser informado

11 Ver Apêndice ao “Relatório Final do Departamento de Defesa ao Congresso”;


Seção 19, “News Reports”.

87
Imediatamente após a invasão do Kuwait pelo Iraque, rapidamente surgiram
notícias, nos diversos canais de mídia, dando conta de que uma imponente força
norte-americana estava sendo enviada para a Arábia Saudita. Estas notícias
criaram hesitação entre as forças iraquianas que estavam posicionadas na fronteira
entre o Kuwait e a Arábia Saudita, provocando o seu recuo.

Um dia antes do início da operação “Tempestade no Deserto”, a mídia ocidental,


novamente, divulgou amplamente a notícia de que uma Força Naval norte-
americana, nucleada em porta-aviões, estava cruzando o canal de Suez. Esta
informação confundiu Saddam Hussein, levando-o a acreditar que as forças norte-
americanas ainda não haviam completado o seu traslado.

Do mesmo modo, sem o realce proporcionado pela mídia, nenhuma das chamadas
armas de alta-tecnologia, enviadas para a 2ª Guerra do Golfo, seriam tão
maravilhosas como as pessoas foram levadas a crer. Ao longo das 98 conferências
com a imprensa, realizadas durante todo o curso da guerra, as pessoas viam
imagens de mísseis de precisão penetrando em edifícios através de aberturas de
ventilação para explodir em seu interior; mísseis “Patriot” interceptando mísseis
“Scud”; além de inúmeras outras imagens que causaram uma profunda impressão
favorável.

Tudo isso representou um imenso choque visual para o mundo inteiro, incluindo
para os iraquianos. Esta ação da mídia gerou um mito no tocante aos poderes
inigualáveis das armas norte-americanas, gerando, desta forma, a crença de que o
“Iraque iria inevitavelmente perder a guerra, e que os Estados Unidos estava
destinados a serem os vencedores”.

É óbvio, que a mídia ajudou os norte-americanos de forma significativa. Poderia até


ser dito que, intencionalmente ou não, os militares norte-americanos e a mídia
ocidental associaram-se para criar o laço que iria ser usado para enforcar no
cadafalso o Iraque de Saddam.

No “Resumo Operacional” revisto após a guerra, os norte-americanos tiveram que se


esforçar para sugerir que “o impacto das notícias da mídia foi capaz de exercer um
efeito dramático no direcionamento estratégico e nos propósitos das operações
militares”. No recém editado manual operativo FM100-6 (“Information Operations”)
o tema ainda é mais explicitado ao citar o exemplo da “guerra da mídia” durante a
Guerra do Golfo.

Parece que nos conflitos do futuro, além das ações militares básicas, a mídia tende

88
a representar um ator a mais na guerra, e irá desempenhar um papel comparável
ao das operações militares, na determinação do curso das guerras.

Ao contrário da propaganda de guerra, que é dotada de uma característica


excessivamente subjetiva, sendo facilmente rejeitada pelos oponentes ou neutros, a
mídia por ser habilmente camuflada como uma informação objetiva tem um
impacto silencioso e que é difícil de ser avaliado.

No Golfo, da mesma forma que as forças aliadas lideradas pelos EUA privaram o
Iraque de seu direito de falar em termos militares, a poderosa mídia ocidental
privou-o, também, politicamente, do direito de falar, de se defender, e, até mesmo,
do seu direito de merecer manifestações de simpatia e apoio. Se comparada à fraca
voz da propaganda iraquiana, que retratava Bush como o “grande Satan”, dotado de
uma maldade além da possibilidade de perdão, a imagem de Saddam, como um
agressor ensandecido pela guerra, foi difundida de uma forma mais convincente.
Foi precisamente a assimetria de força da mídia adicionada à assimetria de força
militar que, como numa seqüência rápida de golpes de boxe, atingiu o Iraque, tanto
no campo de batalha, quanto moralmente, com isso determinando a derrota de
Saddam.

No entanto, os efeitos da ação da mídia têm sempre representado uma faca de dois
gumes. Isso significa que, na medida em que ela é direcionada contra um inimigo,
simultaneamente, em outra frente, ela pode se tornar uma espada afiada
apontando para você mesmo. Com base nas informações obtidas após a guerra, a
razão pela qual a ação terrestre foi abruptamente interrompida depois de 100
horas, decorreu do fato de Bush ter sido influenciado por análises precipitadas,
divulgadas na televisão por um oficial de assessoria do controle de imprensa no
campo de batalha. Com base naquelas informações, Bush foi levado a tomar uma
decisão, também precipitada, “encurtando dramaticamente o processo de tomada
da decisão estratégica com vistas à conclusão da guerra”12.

12 O manual operativo do Exército Americano FM100-6, “Information Operations”,


revela os detalhes deste evento dramático (Ver p 68-69). As notícias da televisão
sobre a “via expressa da morte” também exerceu um efeito na excessiva antecipação
na conclusão da guerra. (“Joint Force Quaterly”; edição de Outono-Inverno; 1997-
98).

89
Em decorrência desta decisão, Saddam, que estava com os seus dias contados,
escapou da morte certa, e também ficou um rastilho de operações inacabadas
vieram a constituir bombas de efeito retardado para Clinton, que posteriormente
assumiu o governo.

O impacto da mídia na guerra é cada vez mais amplo e direto, a ponto de até as
decisões de alto nível, tomadas pelo Presidente de uma superpotência, tal como os
EUA, e que determinou a cessação de hostilidades, serem, em grande parte,
originadas da reação a um simples programa de televisão. A partir deste fato, pode-
se perceber o quanto de significado que a mídia tem na vida social de hoje.

A partir desta constatação, pode-se dizer, sem qualquer exagero, que um rei sem
coroa tornou-se, agora, a principal força para se vencer qualquer batalha. Depois
que a “Tempestade no Deserto” varreu o Golfo, não será mais possível confiar
apenas na força militar, sem que ocorra o envolvimento da mídia, para se obter a
vitória em uma guerra.

UMA MAÇÃ COM MUITAS FATIAS


Na qualidade de conflito, que se caracterizou pela integração tecnológica,
encerrando uma era e inaugurando uma nova era, a “Tempestade no Deserto”
representou uma guerra clássica que pode proporcionar uma inspiração abrangente
aos militares em todas as nações.

Qualquer estudioso de temas militares poderá, indubitavelmente, extrair


esclarecimentos ou lições desta guerra, independentemente do enfoque adotado.
Com base nesta premissa, identificamos guerra, com seus múltiplos significados,
em função da multiplicidade de experiências e lições que ela oferece, como sendo
“uma maçã com muitas fatias”. Além disso, o número de perspectivas sob a forma
de fatias, possíveis de serem identificadas nesta maçã, é muito superior aos
aspectos já abordados, e basta a qualquer pessoa, dotada de uma inteligência
acurada, examinar essa maçã, para e perceberá, a qualquer momento, novas e
inusitadas fatias, como por exemplo:

LUTANDO JUNTOS E DIVIDINDO A CONTA


Quando o Presidente Bush falou com justificada indignação, sobre a
responsabilidade moral que estava sendo assumida em relação ao Kuwait, nenhum
economista sério poderia imaginar que para arcar com os custos necessários às

90
despesas militares da guerra, os Estados Unidos proporiam um programa de
“responsabilidade compartilhada”. Criava-se, assim, uma nova forma de repartição
dos custos de uma guerra internacional  lutando juntos e dividindo a conta.
Mesmo que não sejamos homens de negócio, temos que admirar este espírito de
“Wall Street”.

A Seção 16 do “Apêndice ao Relatório Final do Departamento de Defesa ao Congresso”, contem uma análise relativa ao
tema “responsabilidade compartilhada”. Ao contrário da crença geral, a principal razão que levou os EUA repartir com
seus aliados, os custos da guerra, não foi um fator econômico, e sim, considerações de ordem política. No livro “21st
Century Rivalries” Lester Thurow observa que, em relação aos 61 bilhões de dólares correspondentes ao custo da
guerra, “se comparados com o seu PIB anual de 6 trilhões de dólares, esta despesa nem vale ser mencionada. O motivo
para eles quererem que aqueles países que não enviaram forças de combate para a guerra provessem assistência
financeira era exclusivamente o de convencer o público Americano de que a guerra não era apenas americana, e sim
uma operação combinada”.

O IMPACTO DA GUERRA PSICOLÓGICA


As ações de guerra psicológica não constituem, na realidade, uma nova tática, mas
o que impressionou na “Tempestade no Deserto” foi a sua criatividade.

Após o lançamento de uma bomba extremamente devastadora, os norte-americanos


utilizavam aeronaves para lançar panfletos de propaganda sobre tropas iraquianas,
localizadas a quilômetros de distância da área bombardeada, e que ainda estavam
sob o impacto do medo daquele bombardeio, informando que eles seriam o alvo da
próxima bomba!

Essa ação, isoladamente, foi suficiente para provocar o colapso de Divisões


iraquianas. Já na condição de prisioneiro de guerra, um Comandante de Divisão
iraquiano admitiu que o impacto da guerra psicológica no moral do Iraque só foi
superado pelo efeito resultante do bombardeio executado pelas forças aliadas13.

A COMBINAÇÃO DE DIFERENTES GERAÇÕES DE ARMAS

13 Na revista “Special Operations” o Major Jake Sam (como foi publicado) revê as
circunstancias que determinaram a condução das ações de guerra psicológica pelo
“4th Psyops Group” durante a Guerra do Golfo (Ver “Special Operations”. Outubro
1992). Na edição de Dezembro de 1991 do periódico Americano “Journal of Eastern
Europe and Middle Eastern Military Affairs” há, também, um artigo dirigido às
ações de guerra psicológica durante a Guerra no Golfo.

91
Quando a guerra começou, o A-10 era visto pelos norte-americanos como uma
aeronave de ataque obsoleta. Mas o seu emprego combinado com o helicóptero
“Apache”, formando a chamada “união letal”, não só provocou a eliminação, em
larga escala, de tanques iraquianos, como também, protelou a desativação do A-10,
que chegou a alcançar a condição de um dos astros da guerra.

Ao combinarem um sistema de armas, que estava longe de ser avançado, com


outros sistemas de armas, os norte-americanos conseguiram um resultado
miraculoso, sendo que o projeto e emprego desta combinação de armamentos
constituem uma inspiração difícil de ser traduzida em poucas palavras.

UMA NOVA ORGANIZAÇÃO OPERATIVA PARA A FORÇA AÉREA


O General McPeak, apressadamente nomeado para o cargo de Chefe do Estado-
Maior da Força Aérea antes do início da guerra, também deixou as marcas dos seus
dentes na “maçã”. Durante o transcurso da guerra, conseguiu materializar o seu
sonho de quebrar as barreiras entre os componentes estratégicos e táticos das
forças aéreas, estabelecendo alas aéreas mistas. Logo após a guerra, a aplicação de
sua abordagem  “menos 7 mais 4”  estabeleceu a mais original reforma
estrutural no comando da Força Aérea norte-americana em toda a sua história;
qual seja, a desativação dos 7 Comandos então existentes — incluindo suas
unidades estratégicas, táticas, de transporte, logísticas, de sistemas, de
comunicações e de segurança — reestruturando a força em 4 comandos que
integravam meios de combate, de mobilidade, de material e inteligência.

McPeak como Chefe do Estado-Maior da Força Aérea advogou o emprego de “alas aéreas mistas”, formadas por
diversos tipos de aeronaves, para substituir as alas aéreas formadas por um único tipo de aeronave. Em suas palavras,
“se tivéssemos que fazer alguma coisa a mais na Arábia Saudita hoje, não empregaríamos mais alas aéreas obsoletas,
integradas por 72 aeronaves F-16, mas sim, uma ala aérea integrada por alguns aviões de ataque, aviões de defesa
aérea, e aviões de bloqueio eletrônico voando fora da zona de defesa aérea. “Wild Weasels”(designação operacional
dada aos aviões empregados para localizar e destruir sistemas de defesa anti-aérea inimigas, atualmente atribuída aos
F-16C), aviões de reabastecimento, e etc. Esta disposição tática pode ser útil quando um conflito armado irromper em
alguma região do mundo.” (Air Force Journal, Fevereiro 1991).

É difícil de imaginar, como os colegas do General McPeak iriam encarar uma


mudança de tal magnitude, se não tivesse havido uma Guerra no Golfo.

92
O Secretário da Força Aérea, Donald Rice, afirma que “a Guerra no Golfo explicou este ponto (experiência) de forma
completa: o Poder Aéreo pode representar a maior contribuição durante um planejamento integrado e unificado de
operações de combate.”. O General Michael Lowe (como publicado), comandante do Comando Aéreo Tático, salientou
que “o uso de terminologias tais como “estratégia” e “tática” para limitar os tipos de aeronaves e suas missões, está
ameaçando os esforços para o desenvolvimento do Poder Aéreo, e em relação a este aspecto, nos temos que realizar
reformulações organizacionais e estruturais”. (Ver o Manual da Força Aérea AFM1-1 “Basic Aerospace Theories of the
US Air Force” , p329, Nota de Rodapé n 8). O Vice-Chefe de Estado-Maior para Programas e Operações, Jenny V.
Adams (como publicado) acredita que a lição a ser extraída da Guerra do Golfo é a de “modificar, ao contrário de rever,
nossos regulamentos de combate”. O Vice-Chefe de Estado-Maior da USAF para Logística e Engenharia, Henry
Weiqiliao (como publicado) também aprova a realização de reformas para reduzir os elos fracos na área de apoio. Ver
Jane´s Defense Weekly, 9 de Março de 1991.

No entanto, para os que estavam à margem da Guerra do Golfo, é muito mais difícil
obter qualquer tipo de esclarecimento ou as lições decorrentes deste processo e,
etc.

Se prosseguirmos nesta abordagem até o seu limite, veremos que existem ainda
inúmeras fatias nesta maçã, mas nem todos os aspectos que elas apresentam
poderão ser realçados ou circunscritos de forma específica. Para falar a verdade, os
pontos fracos e aspectos questionáveis são praticamente tão numerosos quanto os
pontos fortes.

Embora esta tenha sido uma guerra rica em implicações, ela não pode ser tratada
como a enciclopédia da guerra moderna. Pelo menos ela não nos fornece qualquer
resposta imediata ou completa com relação ao futuro da guerra.

No entanto, e afinal de contas, ela representa a primeira e mais concentrada


ocorrência do emprego de um grande número de armas novas e avançadas recém
desenvolvidas, bem como um palco para testes das decorrentes revoluções em
assuntos militares. Este aspecto, isoladamente, já é suficiente para conceder a este
conflito a posição de um clássico na história da guerra, além de representar um
berço para o desenvolvimento de idéias.

93
CAP. 4 - O QUE OS NORTE-AMERICANOS
GANHAM AO APALPAR O ELEFANTE
“O combate aéreo foi o fator decisivo para a vitória na
guerra contra o Iraque. Armamentos de alta-tecnologia
foram eficazmente empregados, e alem de serem o
elemento chave para o notável desempenho das forças
aéreas e terrestres, representam também o principal
motivo para que as baixas entre as forças das Nações
Unidas fossem mantidas em nível tão baixo.”.
L. Aspen.

A 2ª Guerra do Golfo proporcionou aos Estados Unidos, os maiores dividendos


militares das últimas décadas. Assim que a guerra terminou, os militares, os
membros do Congresso e diversas organizações civis, engajaram-se em estudos
detalhados, relativos a estes dividendos, sob diversos enfoques. De cada um dos
relatórios decorrentes destes estudos, e das ações subseqüentes empreendidas
pelos militares norte-americanos, resultados extraordinários podem ser
evidenciados, e estes resultados são extremamente valiosos para os militares em
todo o mundo, razão pela qual, devemos examiná-los o quanto antes possível.

Os sentimentos nacionalistas dos norte-americanos, os quais eu particularmente


admiro, se manifestam de forma evidente no sectarismo, de longa data, existente
entre as suas forças singulares. Em função desta separação entre as forças, é
possível a ocorrência hiatos nas análises decorrentes dos estudos citados, assim
como, erros doutrinários e de formulação de pensamentos e raciocínio. Estas
deficiências acabaram por transformar, o que seria uma grande investigação sobre
uma guerra, em algo comparável à parábola dos cegos, tentando descrever um
elefante através do tato.

Este é um tema que requer um minucioso reexame, e não deve ser usado como
desculpa para negar o seu valor e pertinência dos estudos e relatórios em pauta.
Desta forma, inicialmente, vamos responder à questão: O que é que os norte-
americanos, afinal de contas, identificaram ao apalpar esse grande elefante?
Inicialmente, vamos examiná-lo.
A MÃO ESTENDIDA ATRAVÉS DA CERCA — CADA FORÇA VÊ A
GUERRA DE FORMA DIFERENTE.
Nos EUA a cerca erguida entre o Exército e a Marinha, desde os tempos da Guerra
da Secessão1, ao invés de ser eliminada com a criação da Força Aérea, passou a
separar estas três forças singulares. Tornou-se um mal crônico, provocando muitas
dores de cabeça, tanto para a presidência, quanto para o Pentágono.

O processo de reorganização das forças armadas2, cujo batismo de fogo ocorreu


durante a 2ª Guerra do Golfo, não foi um instrumento eficaz para atingir o cerne do
problema, tendo sido, quando muito, um paliativo, uma solução temporária, para
este obstáculo invisível que existe entre as forças norte-americanas.

Assim que a situação voltou à normalidade, e as tropas retornaram para casa, as


cercas se restabeleceram e, como antes, todos voltaram a seguir suas próprias
orientações. Não obstante, os chefes militares das três [quatro] forças, certamente,
não são uma geração de Comandantes de Força medíocres e obstinadamente
imutáveis. A forma pela qual a 2ª Guerra do Golfo se desenvolveu e chegou à sua
conclusão, chocou o mundo inteiro, assim como a estes líderes militares, que
tinham sido os formuladores das estratégias da operação “Tempestade no Deserto”.

No âmbito das forças armadas norte-americanas, o desaparecimento do seu


principal adversário, em decorrência à dissolução da União Soviética, e a motivação

1 [N.T.] Não foi adotada a tradução literal de “Civil War” que seria Guerra Civil,
porque não se tratou de uma guerra no âmbito civil. Foi uma guerra estritamente
militar, provocada por profundas desavenças culturais entre o Norte e o Sul dos
EUA, (o Norte anglo-saxônico e o Sul latino com descendências francesas e
hispânicas), bem como, por diferenças econômicas, (o Norte progressista, industrial,
com o trabalho remunerado e o Sul conservador, agrícola e com mão de obra
escrava).A guerra visava a definição de uma hegemonia.

2 [N.T.] Estabelecida pela Lei Goldwater-Nichols de 1986.

95
resultante do novo posicionamento dos EUA na vanguarda de uma nova ordem
mundial, despertava sentimentos de incerteza e dúvida. Com efeito, os
Comandantes de Força norte-americanos compreenderam a urgência com que eles
deveriam tratar a reformulação de suas forças, mesmo que ainda não tivessem a
intenção de abandonar suas velhas e preconcebidas idéias. Esta compreensão ficou
evidente em cada uma das normas operativas, emitidas nos anos 1990, e que
tinham seus tópicos iniciais já baseados nas novas e recentes experiências e lições
extraídas da 2ª Guerra do Golfo.

Assim como “aos olhos de mil pessoas haverá mil pontos de vista” aos olhos das
três [quatro] forças armadas norte-americanas ocorreram três guerras diferentes no
Golfo Pérsico. Na análise deste conflito, que estabeleceu um ponto de inflexão na
história da guerra, cada uma das forças norte-americanas ateve-se às suas próprias
perspectivas e argumentos, esforçando-se para encontrar evidências que lhes
fossem mais favoráveis, não se dando conta de que, uma única mão estendida por
de trás da cerca militar, jamais poderia identificar uma parte, ou o todo, daquele
grande elefante.

A PERCEPÇÃO DO EXÉRCITO NORTE-AMERICANO — A FORÇA DIGITALIZADA


O General Gordon Sullivan3 percebeu o que poderia ser uma perna daquele
elefante. Sob o seu ponto de vista, o desempenho do Exército norte-americano na
operação “Tempestade no Deserto”, ainda que pudesse ser considerado irretocável,
certamente não poderia ser classificado como excepcional. Se comparados aos 38
dias de um avassalador e indiscriminado bombardeio praticado pela Força Aérea, os
quatro dias de uma campanha terrestre sem obstruções, não angariaram a tão
esperada glória para as suas forças. Como um profundo conhecedor de cada elo
vital na estrutura do Exército, o General Sullivan sabia, melhor do que ninguém,
onde se situavam os problemas que afetaram a participação desta venerável força
nesta, que foi uma guerra tão marcante.

3 O General Gordon Sullivan, durante a Guerra do Golfo exerceu o cargo de


Subchefe do Estado-Maior do Exército, e foi nomeado Chefe do Estado-Maior
somente dois meses após o término daquele conflito, tendo ocupado este cargo até o
ano de 1995.

96
Mesmo considerando que ao se engajar na “Tempestade do Deserto” o Exército
norte-americano estava no auge do seu prestígio, esta posição ficava mais
evidenciada pela falta de um oponente, em face do já evidente e inegável declínio do
Exército soviético. No entanto, o General Sullivan, com uma visão prospectiva,
manifestava uma apreensão em relação à opinião pública. Em sua opinião, com o
súbito fim das tensões da Guerra Fria, a estrutura do Exército começaria a exibir
sinais de envelhecimento, e nesta situação, políticos ávidos para colher os
dividendos da paz, restringiriam os recursos orçamentários para as forças armadas,
deixando o Exército sem os recursos necessários, para assegurar uma liderança
mundial, no início do século XXI.

[N.T.] Com relação a este aspecto é interessante relembrar a passagem histórica em que Cipião “o Africano”, chorou ao
ver, após a sua vitória sobre os cartagineses, Cartago sendo destruída por suas legiões. A tristeza de Cipião devia-se ao
fato de que, eliminado o seu principal inimigo, as legiões romanas iriam envelhecer e Roma perderia sua primazia como
força militar.

Para encetar uma nova dinâmica de crescimento para o Exército, seria necessário
um remédio muito forte, além de uma ampla reforma estrutural. Neste sentido, o
General Sullivan apresentou um planejamento tentativo que consistia na a
organização de um novo Exército, o — “E
Exército do Século XXI”, — que resultaria
da reestruturação do Exército norte-americano em todos os seus segmentos,
“desde as mais simples trincheiras até as mais sofisticadas fabricas de
armamentos”.

O livro “The 21st Century Army” foi escrito pelo General Sullivan. Em toda a sua gestão como Chefe do Estado-Maior
do Exército ele foi um entusiasta deste tema. Mesmo que muitos tenham relacionado o “Exército do Século XXI” com a
“Força Digitalizada”, certamente o General Sullivan não tinha esta perspectiva. Ele acreditava que o Exército norte-norte-
americano deveria promover, continuamente, reformas visando um processo integrativo, e que o “Exército do Século
XXI” deveria representar uma postura e um direcionamento e não um plano finito.

De acordo com Sullivan, “O processo integrativo do ‘Exército do Século XXI’ englobaria temas como: teoria da batalha,
sistema organizacional, adestramento, formação de oficiais para comando, temas relacionados a soldados e
equipamentos, instalações de bases, etc.” (“United States Military Theory”, Maio-Junho, 1995). De acordo com a visão
geral corrente do Exército  “O ‘Exército do século XXI’ é o Exército atual dos EUA, que está realizando experiências
com operações baseadas em recursos informatizados, pesquisa teórica e planejamento de aquisição de equipamentos,
de modo a permitir que as tropas possam ser preparadas para o cumprimento de missões de agora até 2010”. (Coronel
Robert Jilibuer, “Armed Forces Journal”, Outubro 1996).

Com o propósito de reduzir ao máximo possível os efeitos de práticas perniciosas,


existentes nos diversos escalões do Exército, ele iniciou o processo de
transformação criando uma força-tarefa experimental, a “F
Força-Taref a Experimental
de Louisiana”, contando com um efetivo de somente, 1100 homens sob o seu
comando direto. Essa força experimental passou modelar-se com bases nas

97
experiências e lições decorrentes da Guerra do Golfo, e freqüentemente era
chamada de “fforça digitalizada”.

Em seguida, o General Sullivan através de hábeis manobras políticas, conseguiu


levar o Exército ao limiar da guerra cibernética, e com isso, assumindo a dianteira
no âmbito das forças armadas, conduzindo o Exército através do arrojado caminho
da inovação e das difíceis expectativas em relação ao futuro.

No entanto, o que General Sullivan não deixou transparecer foi o fato de que, em
paralelo esse processo de transformação, havia uma motivação egoísta, comum no
âmbito das forças armadas, qual seja, a disputa por recursos orçamentários. Este
era um aspecto importante visto que, nas últimas décadas, o orçamento para as
forças armadas vinha sofrendo reduções, e a parcela de redução para o Exército
fora maior do que aquelas das demais forças.

O sucessor do General Sullivan, foi o General Dennis J. Reimer4, que também


conhecia toda essa sistemática de demanda por recursos orçamentários, e neste
sentido aprofundou as reformas com base no planejamento desenvolvido pelo seu
antecessor.

O General Reimer declarou que: “A Concepção do Exército de 2010 era o elo teórico entre o ‘Exército do Século 21’ e o
‘Exército do Amanhã’. O ‘Exército do Século XXI’ é o planejamento que o Exército está seguindo agora... ‘O Exército do
Amanhã’ é um planejamento de longo prazo, e que se encontra, atualmente, e fase de deliberação... a coordenação
mutua entre os três tem determinado um conjunto completo de mudanças ordenadas e contínuas, de modo a garantir
que o Exército possa desenvolver-se de forma metódica numa direção.”(Ver o relatório “The 2010 Army Concept”, 1997).
Todos sabem que há um custo considerável para a implantação de uma força
digitalizada, mas a grande esperteza, tanto por parte do General Sullivan quanto de
seu sucessor o General Reimer, baseava-se na premissa de que — investimentos
geram a justif icativa para a obtenção de mais investimentos.

Partindo da concepção do “E
Exército do Século 21”, passando pela concepção do
“E
Exército Pós 2010” e desta para a do “E
Exército do Amanhã” foram dados dois
passos que redundaram em três saltos. Desta forma, adotando um objetivo de

4 [N.T.] O General Dennis J. Reimer tornou-se o 33º Chefe do Estado-Maior do


exército norte-americano em junho de 1995, permanecendo no cargo até agosto de
1999, quando se aposentou.

98
desenvolvimento convincente como isca, o Exército conseguiu captar, além do apoio
político de “Capitol Hill5”, mais verbas militares para a reestruturação do Exército.

Os políticos, totalmente ignorantes em relação a assuntos militares, não tinham


condições de contestar as conclusões ou propor novos métodos de vitória para os
generais. Além disso, eles temiam fazer o papel de tolos, e assim sendo, nenhum
ousava fazer observações irresponsáveis a um homem que poderia vir a ser o futuro
presidente.

Não importa, realmente, o nível de tumulto, que o conceito da “fforça digitalizada”


provocou, visto que, quando houver alguma conclusão no tocante à validade deste
conceito, ele ainda estará longe de sua conclusão. Esta proposição diz respeito a
um outro aspecto, relativo ao prazo de desenvolvimento deste projeto de força, e
não exposto de forma ostensiva, que é o fato dele ser conduzido de acordo com uma
determinada sistemática adotada pelo Exército. Trata-se de um processo
semelhante ao de aquisição de um novo sistema de armas, onde uma proposta de
especificações é encaminhada para fabricação pelo setor industrial, e quando o
produto é prontificado, ele é submetido a avaliações e testes, podendo retornando
às linhas de fabricação para correções, num processo de idas e vindas que pode
levar até 10 anos.

Ainda com relação ao tempo de desenvolvimento da força digitalizada, há que se


considerar outro fenômeno que é associado aos processos de desenvolvimento de
“hardware” e da tecnologia de redes. Ocorre que estes dois processos têm ciclos
diferentes, não sendo possível fazer com que caminhem paralelamente. Trata-se da
regra dos 18 meses (Lei de Moore)6 para o desenvolvimento de “hardware” e “da

5 Às vezes a referência ao Congresso norte-americano é feita em relação ao nome do


acidente geográfico onde foi erguido o prédio do Congresso Norte-norte-americano.

6 A Lei de Moore descreve o princípio dinâmico de renovação no mercado de


fabricação de semicondutores. Após realizar diversos estudos e pesquisas entre os
anos de 1959 e 1975 Gordon E. Moore, que ocupou os cargos de Diretor de
Pesquisa de Desenvolvimento da “Fairchild Semiconductor” e mais recentemente,
Diretor Emérito da Intel Corporation, observou que os fabricantes de
semicondutores, em média, à cada 18 meses, dobravam a densidade de
componentes por unidade de circuito integrado, e esta razão de variação tem se
mantido até os dias de hoje.

99
regra de 60 dias” para o desenvolvimento da tecnologia de redes. Deste
descompasso de ciclos tecnológicos, resulta ser muito difícil para a “fforça
digitalizada” concluir um projeto tecnológico, que apresente o mesmo nível de
desenvolvimento tecnológico em todos os seus componentes. Assim, a “fforça
digitalizada” torna-se uma entidade em constante mutação, devido ao contínuo
processo de mudanças para novas tecnologias. No processo de lidar com essa
dinâmica, não só o rumo a ser seguido é desconhecido, assim como nada de
concreto alcançado, porém a demanda justificada por recursos orçamentários se
mantém perene.

A renovação tecnológica é um fenômeno muito mais rápido que a evolução dos armamentos, ocultando disparidades
mais profundas. “É mais fácil que corredores de ponta fiquem para trás”. (Este aspecto pode ser verificado a partir do
desenvolvimento da indústria de telecomunicações e mudanças na área de computadores). Esta, talvez, seja,
isoladamente, a mais difícil disparidade que pode existir entre o militar profissional e a tecnologia da área cibernética
implementada nas linhas de fabricação das indústrias de grande porte. É por esta razão que os norte-americanos têm
uma sensibilidade mórbida á difusão de qualquer inovação de alta-tecnologia, tanto na área militar, quanto na área civil.

Considerando este aspecto, isoladamente, relacionar o destino de uma força à


popularidade de uma determinada tecnologia ou de um plano audacioso e com
características inovadoras, representa um enfoque que dificilmente poderá se
transformar, no único orientador do desenvolvimento futuro do Exército.

Além disso, quem ousaria, atualmente, afirmar com convicção, que nas guerras do
futuro este significativo investimento poderá se transformar em uma “Linha de
Maginot” eletrônica, cuja fraqueza se deve à excessiva dependência numa única
tecnologia?

Existe muita gente nos Estados Unidos com este mesmo questionamento. O Coronel Allen Campen acredita que
“adotando de forma intempestivas novas táticas das quais não se tem um completo entendimento e que não foram
testadas é muito arriscado” e “possivelmente transformará uma revolução militar benéfica num jogo de aposta com a
segurança nacional”. ( revista “United States Signal”, Julho 1995).

A PERCEPÇÃO DA FORÇA AÉREA NORTE-AMERICANA


Com relação à Força Aérea, o contundente General Michael J. Dugan foi exonerado
de seu cargo, e embora a Força Aérea tenha ficado sob o comando de um general do
Exército durante toda a operação “Tempestade no Deserto”, isto não impediu que
ela se transformasse na grande vencedora da 2ª Guerra no Golfo.

[N.T.] O General Michael J. Dugan foi exonerado do cargo de Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica em setembro de
1990 ao expor em entrevista ao Washington Post (16/09/1990) o plano de empregar poder aéreo ilimitado para destruir,
não só Saddam Hussein e sua família, como também, todo e qualquer alvo no Iraque que os militares, e em particular a
Força Aérea, achassem necessários, de modo a vencer a guerra num curto espaço de tempo. Esta declaração foi feita
exatamente uma semana antes da cerimônia de abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas. Em função desta
declaração, o General Dugan foi exonerado pelo então Secretário de Defesa Cheney.

100
Durante a 2ª Guerra do Golfo, o plano básico da Força Aérea — “Presença global -
Poder global” — foi submetido ao seu batismo de fogo. E a Força Aérea demonstrou
que pode, isoladamente, ter sucesso em qualquer missão de natureza estratégica ou
tática, em qualquer frente de batalha, e sua posição nunca foi tão prestigiada
quanto é no momento atual.

“Presença Global e Poder Global” constituiu o plano estratégico adotado pela Força Aérea norte-norte-americana após
a Guerra Fria, publicado através de em documentação oficial em Junho de 1990. Seis meses depois, os princípios
básicos deste plano foram testados e verificados na Guerra do Golfo.

Este sucesso aumentou a determinação do presunçoso General McPeak7 e de seu


sucessor, de irem mais longe ainda. Eles consideravam que uma única vitória era o
suficiente para que a Força Aérea assumisse a liderança entre as forças armadas a
partir daquele ponto.

A Força Aérea que foi criada 50 anos antes, a partir de um apêndice do Exército,
não era mais inexperiente  e subitamente, ao tocar no “elefante” ela tinha criado
asas.

Ainda que o General Fogleman8 na Força Aérea e o General Reimer9 no Exército


possuíssem idéias semelhantes, e tivessem ambos participado da 2ª Guerra do
Golfo, “as duas forças singulares em questão, tinham um arraigado entendimento
próprio e independente quanto ao tipo de operações militares para o século XXI”, e
“as relações entre o Exército e a Força Aérea tornaram-se tensas, quando estas
duas forças tentaram analisar, em conjunto, os detalhes e empregos decorrentes
das lições aprendidas na 2ª Guerra do Golfo”10.

7 [N.T.] General. Merrill A. McPeak sucedeu o General Dugan no cargo de Chefe do


Estado-Maior da Força Aérea de Outubro de 1990 a Outubro de 1994.

8 [N.T.] General Ronald R. Fogleman, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de


outubro de 1994 a setembro de 1997.

9 [N.T.] General Dennis J. Reimer, Chefe do Estado-Maior do Exército de junho de


1995 a 1999.

10 Ver “United States Army Magazine”, dezembro de 1996, “Army and Air Force
Joint War”.

101
A razão destes desentendimentos é bastante simples  nem a Força Aérea, cujas
asas tornavam-se cada vez mais poderosas, nem o Exército, que se considerava a
autoridade número um abaixo dos céus, estavam dispostos a transferir para o outro
o direito de exercer o controle operacional.

A adoção dessas posturas intransigentes era, aparentemente, justificável, mas


numa avaliação global, pode-se constatar que esta postura representou uma
disputa sem qualquer benefício, tendo como resultado, que as reuniões entre as
cúpulas destas forças para o estudo de operações combinadas, tornaram-se meras
formalidades, e nenhuma das novas experiências obtidas na Guerra do Golfo foi
efetiva e completamente compartilhada entre eles. Basta examinar os sucessivos
manuais e regulamentos emitidos pela Força Aérea e pelo Exército, logo após a
guerra, para compreender este aspecto.

O que deve ser ressaltado, é que após a guerra, a atitude e ações da Força Aérea
não ficaram limitadas a uma corrida pelo poder e vantagens em relação às demais
forças singulares.

Para a Força Aérea, o reconhecimento de ter sido a protagonista da operação


“Tempestade no Deserto”, foi uma resposta à bem sucedida experiência das
campanhas aéreas de ataque. Esta força havia reorganizado suas unidades e meios
em alas aéreas mistas, segundo modelos previamente comprovados. Em seguida,
iniciou um amplo processo de reestruturação que ficou conhecido pelo lema —
subtrair sete e adicionar quatro” — reorganizando completamente a sua estrutura
“s
de comando.

Atualmente11, a Força Aérea está no meio de um processo de testes para a


formação de uma Força Aérea Expedicionária, estruturada para atingir qualquer
zona de guerra no mundo, num prazo de 48 horas, e manter a capacidade de
combate durante todo o período de qualquer crise ou conflito.

A Força Aérea que sempre demonstrou um grande entusiasmo pela guerra


eletrônica, e até mesmo pela guerra cibernética, assumiu a liderança neste último

11 [N.T.] Deve ser considerada a época em que a obra foi escrita, 1999.

102
campo, ao criar um centro de guerra cibernética12, antes mesmo que o General
Sullivan [no Exército] tivesse organizado a “fforça digitalizada”.

Todas estas ações, evidentemente, estão diretamente relacionadas aos resultados


da Guerra no Golfo. O que é lamentável, no entanto, é que uma iniciativa tão boa,
não tenha sido capaz de romper com as antigas barreiras militares, resultando que
o antigo pleito por “operações combinadas” continuava a ser, como antes, apenas
um slogan.

Em contrapartida, isto não evitou que os generais da Força Aérea, assim como seus
colegas no Exército, utilizassem as mudanças positivas no âmbito das forças
armadas, e as disputas, também positivas, fora do âmbito das forças armadas,
como as alavancas para levar adiante, os interesses específicos de sua própria
força.

Uma força estagnada, sem qualquer plano de renovação, é uma força que não
conseguiria captar uma boa parcela de recursos orçamentários dos congressistas.
Neste sentido, a Força Aérea dispunha de sua própria tábua de multiplicação.

Em 1997 os Estados Unidos, novamente, propuseram uma nova estratégia de desenvolvimento: Participação Global —
O Plano para a Força Aérea dos Estados Unidos no Século 21. “O nosso plano estratégico pode ser resumido em uma
frase: ‘a Força Aérea dos Estados Unidos tornar-se-á a excelência em termos de força aérea e espacial no mundo...
será uma força global, assegurando aos Estados Unidos a capacidade de mostrar-se em todos os lugares’”. ( Ver
“Global Participation ▬ The Plan for the United States Air Force in de 21st Century”).

Na disputa cada vez mais intensa por recursos orçamentários, o projeto de


plataformas espaciais dotadas de sistemas de armas, constituía um valioso trunfo
nas mãos da Força Aérea.

Mesmo que o projeto “Guerra nas Estrelas” promovido pelo Presidente Reagan,
parecesse um blefe13 desde o início, e dois Presidentes mais tarde, ainda não tenha
atingido sua completa operacionalização, o entusiasmo dos norte-americanos pelo
estabelecimento de um poder de combate espacial nunca arrefeceu.

12 [N.T.] O “Air Force Information Warfare Centre” foi ativado em setembro de 1993,
aproveitando a estrutura já montada do “Air Force Electronic warfare Center” criado
em 1975.

13 [N.T.] Na realidade foi um blefe, calcado em documentos pré-fabricados nos


centros tecnológicos norte-americanos, tão lógicos e convincentes, que Gorbatchev
chegou à conclusão de que não tinha saída no confronto com os norte-americanos.

103
Mesmo tendo o Presidente Clinton anunciado o cancelamento do plano de Guerra nas Estrelas, na realidade os militares
norte-americanos nunca reduziram o avanço do processo de militarização do espaço. A concepção da Força Aérea
norte-norte-americana — “Global Participation – 21st Century” — em particular assinala que “o primeiro passo dessa
mudança revolucionária é transformar a Força Aérea Norte-norte-americana numa força espacial, a partir daí, remodelá-
la para uma Força Aérea e espacial”. A consecução destas mudanças, obviamente, incorporaram revisões de nível
básico. O comando aeroespacial está dando uma ênfase cada vez maior no emprego de meios de vôo espacial (ver,
especificamente, Meios Militares de Vôo Espacial dos Estados Unidos e Teoria Unificada de Vôo Espacial). Em abril de
1998, o comando aeroespacial divulgou um plano de longo alcance denominado “Tentative Plan for 2020”, no qual
antecipou quatro cenários de guerra no âmbito militar aeroespacial — controle espacial; guerra global; consolidação de
força total; e cooperação global. Até 2020, o exercício do controle espacial deve alcançar os seguintes cinco propósitos:
assegurar a penetração no espaço; manter a vigilância espacial; proteção do sistema espacial dos estados Unidos e de
seus aliados; impedir a utilização, por parte de inimigos, dos sistemas espaciais dos Estados Unidos e seus aliados; e
bloquear a utilização, pelos inimigos, dos sistemas espaciais. (Ver “Modern Military Affairs”, 1998, Nº 10, p. 10-11).

Com base nesse entusiasmo, muitos Chefes de Estado-Maior da Força Aérea têm
lutado para obter a maior parcela possível de recursos orçamentários em proveito
de sua força. Provavelmente, e só Deus sabe quando, o poder aeroespacial norte-
americano irá corresponder ao que profetizou o General Howell M. Estes Jr. —
“Aquilo que os meios da força espacial demonstraram na Guerra do Golfo comprova
que eles têm o potencial para constituir uma força independente”,

A PERCEPÇÃO DA MARINHA NORTE-AMERICANA


Se a Guerra do Golfo pode ser vista como elefante da parábola, neste caso a
Marinha norte-americana sequer conseguiu tocar nos pêlos desse elefante. Isto
significa dizer, que a Marinha, nem conseguiu perceber a existência do elefante.

Talvez seja exatamente por essa razão que, historicamente, a Marinha dos EUA
passou pela mais sofrida transformação estratégica em toda a sua história. Esta
transformação teve o seu início, já no retorno para casa daqueles orgulhosos e
arrogantes homens do mar, constrangidos que estavam por uma participação
periférica no cenário da Guerra do Golfo.

Esse constrangimento atormentou por um ano e meio o sentimento marinheiro


daqueles militares, e em setembro de 1992, um documento oficial com o título “...
From The Sea ”, desenvolvido no âmbito da oficialidade superior da Marinha e dos
Fuzileiros Navais, foi colocado na mesa do Comandante de Operações Navais.

Este documento afastava-se nitidamente das crenças e antigos ditames


estabelecidos por Mahan, o mentor espiritual da Marinha norte-americana. As
batalhas navais decisivas na disputa pelo domínio do mar não seriam mais tratadas
como o propósito eterno, sagrado e imutável da Marinha. Pela primeira vez, o
enfoque das ações navais movia-se das operações em alto mar para a projeção de
poder e o emprego de forças navais a partir do mar, para influenciar eventos nas

104
regiões litorâneas. Esta mudança pode ser comparada à de se retirar um tubarão de
seu ambiente marítimo, onde ele se prevalece de sua mobilidade, colocando-os em
pântanos, junto a crocodilos.

O mais surpreendente, é que opiniões não-ortodoxas como esta, progrediram a


ponto de obter a chancela dos principais líderes da Marinha, dos comandantes de
força combinadas e de líderes dos Fuzileiros Navais, tornando-se o mais
significativo documento doutrinário naval, desde a obra de Mahan “The Influence of
Sea Power Upon History”.

Tais mudanças estratégicas repentinas, e de grande envergadura, representaram


um importante ponto de inflexão para a Marinha, que estava na busca de um
caminho de recuperação, em face de um cenário de grandes mudanças na estrutura
mundial.

Ainda que os objetivos que a Marinha estabeleceu para si não sejam tão radicais
quanto os do Exército, nem tão ambiciosos quanto os da Força Aérea, a sua
transformação, obviamente, era de caráter mais fundamental e mais completo.

Ao avaliar os seus próprios objetivos, a Marinha, que não é nem um pouco inferior
ao Exército ou Força Aérea, pretende, evidentemente, “atingir dois pássaros com
uma pedrada só”, ou seja, realizar a transformação, e garantir a captação de
recursos orçamentários. Todavia, uma força que não teve um desempenho
significativo numa guerra de grande porte, tem que ter um plano bastante atraente
e concretizar reformas profundas, caso deseje assegurar uma fatia significativa do
bolo de benefícios do pós-guerra, assim como, ambiciosamente, almejar pela maior
fatia possível.

Assim é que, dois anos após apresentar a concepção “... From The Sea”, a Marinha
divulgou outro documento doutrinário intitulado “F
Forward... From The Sea”.

[N.T.] Esta nova concepção atualizava e expandia o conceito anterior, acrescentando a contribuição de “Forças Navais
Expedicionárias” em operações em tempos de paz, como uma resposta à emergência de crises e conflitos regionais.

Este novo documento acrescentava conceitos com forte apelo motivacional — como
por exemplo “a
a existência do Posicionamento Avançado”; “o
o desdobramento para o
Posicionamento Avançado”; e “o
o combate a partir do Posicionamento Avançado” — ao
conceito estratégico da Marinha.

105
“O documento ‘... From The Sea’, divulgado em 1992, pela Marinha e Corpo de Fuzileiros Navais, determinava
mudanças marcantes no corpo e ênfase da estratégia destas forças...; ...a ênfase na implementação do
‘posicionamento avançado’ é a principal diferença observada entre a doutrinas ‘Forward... From The Sea’
e a doutrina ‘… From The Sea’”. (Almirante J.M. Boorda, “Marine Corps Magazine”, Março 1995).

Dois anos mais tarde, o Comandante de Operações Navais, o Almirante Jeremy


Michael Boorda, divulgou uma nova concepção estratégica titulada “N
Naval
Concepts for the Year 2020”.

Depois que o Almirante Boorda cometeu suicídio [em maio de 1996], para redimir a
honra dos militares que ele havia prejudicado, o seu sucessor, o Almirante Jay L.
Johnson, regulamentou e promoveu as reformas idealizadas e iniciadas por ele
iniciadas. Ele prescrevia a “deterrência, a prevenção de conflitos em tempo de paz,
e a obtenção de vitórias na guerra”, como as três maiores responsabilidades da
Marinha norte-americana no século XXI.

O que não mudava era que, da mesma forma como os seus predecessores, todos os
planos que o Almirante Johnson propôs consideravam a Marinha como o ator
principal, não admitindo exceções. Sua argumentação era a de que, para atender às
diversas tarefas de combate no exterior, e cujas responsabilidades cabiam às forças
armadas norte-americanas, o Exército precisava obter o apoio de diversas origens
para poder executar um desdobramento, e a Força Aérea era extremamente
dependente de bases aéreas em outras nações. Somente a Marinha dispunha da
liberdade para transitar em qualquer espaço marítimo, empregando múltiplos
meios de inserção num teatro de operações, e a conclusão natural era de que a
Marinha deveria ser o coração de uma força de combate conjunta.

O raciocínio deste almirante é extremamente claro. Pressupondo existir um


consenso de todos os comandantes de forças singulares, como também, do
Departamento de Defesa, no tocante a essa posição teórica, o resultado lógico e
provável deste consenso seria a priorização de sua força, quanto à alocação de
recursos orçamentários.

De acordo com os orçamentos de defesa norte-americanos, até o ano de 1998,


verifica-se que durante os últimos dez anos, mesmo prevalecendo uma tendência
constante de redução de despesas militares, a Marinha e o Corpo de Fuzileiros

106
Navais foram as duas forças que tiveram os menores cortes em despesas. Os
Comandantes da Marinha sempre receberam o que eles queriam14.

APESAR DAS PERCEPÇÕES DE CADA FORÇA - AS CERCAS PERMANECEM

Vimos, portanto, de forma genérica, a trajetória assumida pelas forças armadas


norte-americanas, desde o fim da Guerra no Golfo, e a influência do sectarismo
existente entre estas forças, praticamente bloqueando qualquer iniciativa comum.

Talvez, até fiquemos impressionados com todo o esforço desenvolvido pelos


militares norte-americanos para sintetizar a 2ª Guerra do Golfo, e talvez possamos
até ser influenciados pelos diferentes métodos por eles adotados, na defesa dos
interesses de suas respectivas forças singulares. Ao mesmo tempo, no entanto,
poderemos sentir uma profunda consternação, ao verificar que excelentes oficiais e
estudiosos em diversas áreas, indivíduos possuindo um raciocínio excepcional, só
conseguiram chegar à condição de manterem as forças isoladas entre si, no interior
de suas próprias esferas de ação, cada uma tentando sobrepujar a outra, reagindo
obstinadamente aos pontos de vista das demais, e com percepções extremamente
introvertidas. E no final, eles ainda constituem o poder militar norte-americano,
que desta forma teve o seu desenvolvimento prejudicado pelo soar de clarins
ambíguos.

O MAL DA EXTRAVAGÂNCIA E O “NÍVEL ZERO DE PERDAS”


O emprego indiscriminado de armas visando à consecução de propósitos,
concomitantemente com a redução de vítimas, sem levar em conta os custos
envolvidos  representa um modelo de guerra que só pode ser executada por
quem dispõe de fartos recursos financeiros. Este é um tipo de jogo para o qual os
militares norte-americanos têm demonstrado capacitação e uma convincente
atuação. A operação “Tempestade no Deserto” evidenciou, mais uma vez, a ilimitada
extravagância na guerra por parte dos norte-americanos, e que já se transformou
em um vício.

14 Ver o “National Defense Report” para o ano fiscal de 1998, promulgado pelo
Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

107
Aviões que custam, em média, 25 milhões de dólares cada, realizaram 11.000
ataques indiscriminados, num período de 42 dias. Nesta campanha, destruíram a
sede do renovado Partido Socialista, empregando mísseis Tomahawk que custam,
individualmente, US$ 1,3 milhões, e atingiram posições entrincheiradas com
bombas de precisão que custam dezenas de milhares de dólares a unidade.

Mesmo que os generais norte-americanos soubessem, ao início do conflito, que não


precisariam gastar tanto, neste que foi um irrestrito banquete bélico de conquista,
orçado em 61 bilhões de dólares, comparável a se matar pássaros com projeteis de
ouro, ainda assim a extravagância não seria evitada.

Um avião de bombardeio norte-americano assemelha-se a uma montanha de ouro


voadora, mais cara do que muitos de seus alvos. Será que atingir alvos
possivelmente insignificantes, com toneladas de dólares norte-americanos, não
causa nenhuma perplexidade nas pessoas?

Em paralelo, durante o longo período de 161 dias, um efetivo superior a 500.000


homens e mais de 8 milhões de toneladas de suprimentos e materiais foi trazido
diuturnamente dos EUA para a linha de frente, cruzando toda Europa, incluindo
milhares de bonés de praia, há tempo largados em algum depósito, assim como
caixotes de frutas norte-americanas, que iriam apodrecer em Riyadh.

O General de Divisão William G. Pagonis, Comandante do Apoio Logístico, rotulou


estas atividades de apoio, executadas numa escala caótica e extravagante e,
“possivelmente, sem comparação na história”, sob o título de “operações navais”.
No entanto, segundo declarações claras do Departamento de Defesa, essas
operações correspondiam ao transporte de todas as comodidades proporcionadas
por uma metrópole como Jackson, a capital do Estado de Mississipi, para a Arábia
Saudita.

Dentre todos os militares do mundo, provavelmente, somente os norte-americanos


poderiam considerar esse procedimento como uma extravagância necessária para
vencer uma guerra15.

15 Ver o Apêndice F do Relatório Final do Departamento de Defesa sobre a Guerra


no Golfo enviado ao Congresso Norte-norte-americano.

108
[N.T.] Trecho do Apêndice F do Relatório Final sobre a Guerra no Golfo: Ainda que tenha havido alguns problemas, o
esforço logístico dos EUA e de seus aliados situa-se entre os mais bem sucedidos da história. Deslocar uma força de
combate por metade do globo, interligar linhas de suprimento que se estendiam por todo o globo, e manter níveis de
prontidão sem precedentes, constituem um tributo aquelas pessoas que fizeram o sistema logístico funcionar. O pessoal
de logística de todas as forças apoiou mais de meio milhão de militares norte-americanos com suprimentos, serviços,
facilidades, equipamentos manutenção e transporte.
Um levantamento das marcas alcançadas pelo pessoal de logística mostra que, entre outras coisas, eles:
- Mantiveram muitos dos principais sistemas de armas nos mesmos padrões ou até acima do que é previsto em tempo
de paz;
- Movimentaram mais de 1,3 bilhões de tonelada/milha de carga entre os portos e as unidades de combate;
-Embarcaram e receberam mais de 112.500 veículos com rodas e lagartas;
- Municiaram sistemas de armas com mais de US$ 2.5 bilhões em munição;
- Construíram instalações de apoio totalizando um US$ 615 milhões; e
- No pique da fase operacional, distribuíram mais de 19 milhões de galões de querosene de aviação por dia.

E este é, precisamente, o aspecto que causa uma profunda estranheza, pois o


Pentágono, que havia sido completamente remodelado por McNamara,
incorporando uma mentalidade comercial, só foi capaz de fornecer uma estimativa
dos custos deste estilo luxuoso de guerra.

McNamara que foi de presidente da Ford Motor Company para a chefia do Departamento de Defesa, introduziu o
sistema de contabilidade gerencial das empresas privadas e o conceito de custo comparativo no âmbito militar dos
Estados Unidos. Ele fez com que as forças aprendessem a gastar menos dinheiro na aquisição de armas, e em
contrapartida incorporando outros padrões na forma de conduzir a guerra. “O Departamento de Defesa deve alcançar o
seguinte objetivo: alcançar a segurança da nossa nação com a menor taxa de risco, ao menor custo possível e, na
eventualidade de entrar em guerra, com o menor número de vítimas”. (McNamara, “Looking Back on the Tragedy and
the Lessons of the Vietnam War, pp 27-29).

Até mesmo o Comitê para as Forças Armadas na Câmara dos Deputados, onde
freqüentemente estabeleciam-se acalorados debates com o alto comando das forças
armadas em temas relacionados a custos, sequer expressou uma opinião em
relação às extraordinárias despesas desta guerra.

Nos relatórios relativos à Guerra no Golfo, os resultados substantivos obtidos pelos


armamentos de alta-tecnologia receberam uma apreciação bastante elogiosa. O
Secretário de Defesa Cheney declarou: “nós lideramos, de forma completa, uma
nova geração na área da tecnologia de armamentos”, ao que o Congressista Aspen
respondeu: “os benefícios demonstrados pelo armamento de alta-tecnologia
excederam às nossas previsões mais otimistas”.

Sem considerar um possível exagero nos elogios assinalados, pode-se concluir que
são manifestações de orgulho em relação aos militares norte-americanos que, ao
derrotarem o Iraque, atingiram de forma completa, e com a ajuda das armas de
alta-tecnologia, os seus objetivos. Ou então, são baboseiras típicas, ditas por dois
indivíduos que têm opiniões categóricas relativas à capacidade da tecnologia em
produzir um sucesso. Em todo caso, essas referências não nos dão qualquer

109
indicação do real significado do estilo norte-americano de fazer guerra.

Em resumo, o que deve ser entendido é que falamos de um sentimento nacional,


que incorporou, como condicionante intrínseco, a característica inegociável da vida
humana. Isto significa não medir custos para alcançar a vitória, sem sofrer perdas
de vidas humanas. O aparecimento de armamentos de alta-tecnologia pode, agora,
satisfazer estas esperanças extravagantes do povo norte-americano. Durante a
Guerra no Golfo, dos 500.000 militares que participaram do conflito, houve
somente 148 vítimas fatais e 458 feridos. As metas que há eles vinham sonhando,
quase que foram atingidas  a obtenção com “o nível zero de perdas de vida”.

Desde a Guerra do Vietnam, tanto os militares quanto a sociedade norte-americana,


têm sido bastante sensíveis, até um nível que poderia ser considerado mórbido,
quanto a perdas de vidas em operações militares. A redução no número de baixas e
a consecução dos propósitos da guerra tornaram-se metas de mesmo valor para os
militares norte-americanos. O soldado norte-americano comum que deveria estar
nos campos de batalha arriscando sua vida, transformou-se no bem mais valioso
da guerra, semelhantes aos preciosos vasos chineses que as pessoas têm medo de
quebrar.

Todos que já travaram guerra contra os norte-americanos, provavelmente já


visualizaram o segredo do sucesso  se não existem meios para derrotar essa força
militar, então se deve procurar atingir os seus soldados16. Este aspecto pode ainda
ser evidenciado, de forma inequívoca, nos relatórios do Congresso norte-americano,
enfatizando que “a redução do número de vítimas é o propósito mais elevado na
formulação do plano de guerra”.

A persistência na meta do “nível zero de perdas”  um slogan simples e pleno de


compaixão — tornou-se, na realidade, o principal motivador da criação de um estilo
extravagante norte-americano de f azer guerra.

16 O Coronel Xiaochaersi Denglapu frisa que “causar vítimas é uma forma eficaz de
enfraquecer o poder norte-americano... Por esta razão, inimigos podem nos impor
vítimas lançando-se ofensivamente de forma imprudente, sem importar-se com
perdas, ou pela obtenção de uma vitória tática inútil”. (“Análise do Ponto de Vista
do Inimigo  ‘Conceito de Unificação para 2010’”, “Joint Force Quaterly”, 1997-
1998, Outono/Inverno).

110
Deste modo, o uso indiscriminado de aeronaves invisíveis ao radar, de armas de
precisão, de novos tanques e helicópteros, juntamente com os sistemas de armas
para ataques a longa distância e bombardeios maciços, se justificam para validar a
existência de um duplo objetivo que não incorpore contradições  a vitória tem
que ser alcançadas sem vítimas.

Uma guerra encarada sob esta perspectiva só pode ser comparada a matar-se uma
galinha usando-se um enorme machado. A alta-tecnologia empregada, os altos
investimentos, os gastos elevados e os significativos resultados pretendidos,
transformam a estratégia militar e às capacidades de combate, em aspectos de
menor importância, quando comparados aos requisitos tecnológicos de desempenho
dos sistemas de armas. As guerras que se enquadram nessas características,
mesmo que bem sucedidas, não apresentarão nenhuma batalha significativa.

Em comparação com a avançada tecnologia que dispõem, os militares norte-


americanos estão nitidamente numa condição de estagnação em seu raciocínio
doutrinário, e não tiveram a capacidade de transformar as oportunidades
proporcionadas por essa nova tecnologia em proveito de novas táticas militares.

Sem levar em conta o emprego eficaz do armamento de alta-tecnologia, não


podemos especificar de maneira segura a defasagem existente entre o pensamento
militar norte-americano revelado nessa guerra, e aquele em outras nações. Pelo
menos, essa diferença não pode ser maior do que a existente entre os respectivos
armamentos.

Talvez, esse tenha sido, exatamente, o motivo pelo qual essa guerra não
representou uma obra prima da capacidade militar, tornando-se, ao invés, numa
suntuosa feira internacional de armamentos de alta-tecnologia, tendo os Estados
Unidos como seu principal negociante.

Como decorrência, iniciou-se a disseminação do mal da extravagância,


representado pelo estilo extravagante dos norte-americanos de fazer a guerra numa
escala global. Ao mesmo tempo em que enormes somas de dólares norte-
americanos estavam esmagando o Iraque, tal fato, por algum tempo, também
confundiu os militares em todo o mundo. Na condição de líderes mundiais na venda
de armamentos os norte-americanos naturalmente regozijaram-se.

No contexto de uma guerra típica, os norte-americanos transformaram um combate


monótono com a sua avançada tecnologia, e um elevado dispêndio de recursos
financeiros, num grande espetáculo, muito semelhante às magníficas produções de

111
Holywood, que se baseiam em um roteiro simples, porém plenas de efeitos especiais
e cenários complexos de custos elevados.

Os norte-americanos conseguiram, desta forma, fazer com que por um longo tempo
após a guerra, não fosse possível perceber as principais nuances deste tema
complicado e, ao mesmo tempo, induziram a crença de que a guerra moderna
deveria ser conduzida seguindo, exclusivamente, este modelo, e desta forma,
deixando aqueles que não têm a possibilidade de empenhar-se em uma guerra tão
extravagante, com a sensação de impotência. É por esta razão que desde a Guerra
do Golfo, observa-se nos círculos militares, em todas as nações, o crescente
interesse por armamentos de alta-tecnologia, além de uma adesão às concepções de
guerras de alta-tecnologia.

Ao comentar os feitos do talentoso inventor norte-americano Thomas Edison, o


poeta Robinson Jeffers cita: “Nós... ...somos habilidosos com máquinas e
encantados com a luxúria”. Os norte-americanos têm uma predileção nata por
essas duas coisas, além de uma tendência para transformar a sua busca pela alta-
tecnologia e o seu aperfeiçoamento numa luxúria, incluindo neste contexto,
também, os armamentos e os artefatos mecânicos.

O General Patton, que gostava de usar revolveres com as coronhas revestidas de


marfim, é um exemplo típico desta mentalidade. Esta tendência deixa os norte-
americanos completamente obcecados e, portanto, imbuídos de uma fé cega tanto
na tecnologia quanto nos armamentos, sempre imaginando que a solução para a
vitória em uma guerra somente será encontrada através da tecnologia e das armas.
Esta tendência faz, também, que eles estejam permanentemente ansiosos, temendo
que a sua liderança no campo dos armamentos possa estar sendo ameaçada e,
assim sendo, procuram continuamente minorar essa preocupação, através da
fabricação de novos armamentos, cada vez mais complexos.

Como resultado desta atitude, quando os sistemas de armas, cada dia mais
pesados e complexos, passam a conflitar com os princípios concisos que regem a
guerra atual, os norte-americanos, invariavelmente, adotem uma atitude em favor
das armas. Eles preferem tratar a guerra como competidores numa maratona de
tecnologia militar, e não estão mais dispostos a encará-la como um teste de moral,
de coragem, de sabedoria e de estratégia. Eles acreditam que, enquanto os “Thomas
Edson” de hoje não adormecerem, os portões da vitória estarão sempre abertos
para os norte-americanos.

112
Este tipo de sentimento de autoconfiança levou os norte-americanos a esquecerem
um fato muito simples  a guerra não é uma corrida linear preestabelecida entre
tecnologias e sistemas de armas, e sim, um jogo multidimensional, com mudanças
contínuas de direção, e com a concorrência de muitos fatores imprevistos. Usar
Adidas ou Nike não significa a garantia de que uma vitória será obtida.

A impressão que se tem, no entanto, é que os norte-americanos não pretendem dar


atenção a este aspecto. Eles capitalizaram o benefício da vitória tecnológica na
Guerra do Golfo, e obviamente não têm poupado esforços para resguardar sua
posição de liderança no âmbito da alta-tecnologia.

Mesmo que diversas dificuldades no tocante a financiamentos tenham criado uma


situação embaraçosa no tocante ao prosseguimento de seus empreendimentos, tal
condição não foi capaz de alterar a sua paixão por novas tecnologias e novos
armamentos.

A lista de armas extravagantes que são constantemente projetadas pelos militares


norte-americanos e aprovadas pelo seu Congresso tornar-se-á, certamente, cada
vez mais longa, mas a lista de vítimas norte-americanas em guerras futuras não
será necessariamente igual a “zero”, só porque eles alimentam essa ilusão.

De acordo com o Relatório Nacional de Defesa, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, no ano fiscal de 1997,
mais de 20 itens de tecnologia avançada foram aprovados pelo Congresso — “(1) Rapid Force Delivery System; 2)
Precision Multi-barrel launch system; 3) High altitude maximum range unmanned vehicles; 4) Médium altitude maximum
range unmanned vehicles; 5) Precision target capture signal system; 6) Cruise missile defense; 7) Simulated batlefields;
8) Joint counter (submarine) mines; 9) Ballistic missile interception with kinetic energy weapon; 10) Advanced technology
utilized to formulate a high-level joint plan; 11) batlefront understanding and data transmission; 12) Anti large escale
destruction weapons; 13) Air Bases (ports) for biological weapons defense”. 14) Advanced Navigational systems; 15)
Combat discernment; 16) Joint rear service; 17) Combat Vehicles survivability; 18) Short life expectancy and low cost
medium-scale transport helicopters; 19) Semi-automatic image handling; 20) small-scale air-fired false targets.”

GRUPO DE BATALHA  FORÇA EXPEDICIONÁRIA  FORÇA


INTEGRADA

AS REFORMAS NO EXÉRCITO – GRUPOS DE BATALHA

“Que tipo de Exército os Estados Unidos necessita no século XXI?” Esta é uma
questão que intrigou o Exército norte-americano nos últimos dez anos do século
XX.17 O fato que persistia era o de que, durante a Guerra do Golfo, a atuação do

17 “What Kind of Army Does the US Army Need in the 21st Century?”, Xiao’en Neile,
“Army Times” , 16/10/1995, apresenta uma revisão detalhada deste assunto.

113
Exército em comparação ao desempenho dos sistemas de armas de alta-tecnologia
foi medíocre. Desta forma, o Exército norte-americano que sempre foi mais
conservador do que a Marinha e a Força Aérea, finalmente conscientizou-se quanto
à necessidade de desenvolver um programa para empreender as reformas a que se
propunha [Ver pág 88 - A Percepção do Exército Norte-americano — A Força
Digitalizada] . O interessante, é que a maior resistência a este programa não
ocorreu nos escalões mais altos do Exército, e sim, no nível dos Generais de
Brigada que deixavam seus Comandos para ascenderam a cargos mais elevados e
dos novos Comandantes que os substituíam.

Já os pontos de vista dos Coronéis e Tenentes-Coronéis, que integravam a corrente


reformista “pró-Brigadas”, eram contraditórios relação ao pensamento do General
Sullivan, no que tange ao tipo de reforma a ser empreendida. Eles acreditam que o
problema, ao invés de estrutural ou organizacional, residia na própria tropa. Em
sua acepção, foram os soldados, e não a instituição Exército, que não conseguiram
passar no teste da guerra e, portanto, eles é que deveriam submeter-se a uma
significativa transformação. Os programas idealizados por essa corrente, quais
sejam: de “tropas de choque”18, de “tropas de elite”19, e de “brigadas de pronto
uso”20, foram encaminhados ao General Sullivan que, entusiasticamente,
considerou o terceiro programa como sendo o “novo pensamento relativo às
operações futuras”, mesmo assim, ele não foi capaz de persuadir a maioria dos
generais a aceitá-lo.

Após o General Sullivan ter passado o cargo, e como uma conseqüência, ocorreu
uma mudança de posição, com os conservadores voltando a prevalecer sobre os
reformistas, e o Exército, em Janeiro de 1996, transformou a Quarta Unidade
Mecanizada, na base para a organização de uma nova brigada experimental de
15.800 homens.

18 [N.T.] Tradução adotada para a expressão “crack troop”.

19 [N.T.] Tradução adotada para a expressão “model troop”.

20 [N.T.] Tradução adotada para a expressão “primary brigade”

114
De acordo com o periódico “United States Army Times”, “Após cinco anos de estudos, análises e discussão militar
interna, as autoridades do Exército finalmente formularam um novo conceito para unidades blindadas e unidades
mecanizadas. O novo plano é chamado ‘The 21st Century Stablishment’... compreendendo um quartel general, unidades
de tropa, uma divisão blindada, duas unidades mecanizadas, unidades de artilharia (ao nível de brigada), uma unidade
de aviação, e uma unidade para serviços de retaguarda, administração e apoio. A Divisão inteira contava com um efetivo
de 15.719 homens, (incluindo 417 elementos da reserva)”. O pessoal envolvido na organização deste empreendimento
explica que: “esta recém planejada estrutura não é considerada um empreendimento extraordinário... ...ao contrário, ele
é visto como um empreendimento conservador”. (Ver Army Times, Ed de 22 de Junho de 1998)

O ponto de vista da corrente conservadora “pró-Divisão” prevaleceu de forma clara,


mas os integrantes da corrente “pró-Brigada” não estavam dispostos a aceitar tal
decisão. Eles acreditavam, de forma convicta, que “uma força militar que fosse
excessivamente grande e lerda dificilmente adaptar-se-ia aos requisitos de combate
do século XXI”. Esta corrente considerava que a organização da tropa para combate
em grandes Divisões, e que vigorava durante o período em que prevaleciam os
armamentos individuais de curto alcance, e também na fase de evolução destes
tipos de armamentos, para os armamentos complexos de longo alcance e elevada
precisão, deveria ser completamente descontinuada. Um novo modelo de unidade
com cinco a seis mil homens constituiria a formação básica das unidades de
combate, com uma maior flexibilidade. De modo a contornar os sentimentos de
desgosto de um grande número de generais, a facção “pró-Brigada” demonstrando
habilidade no processo de negociação, captou o apoio de membros dos altos
escalões, incluindo aqueles considerados da “antiga” escola do Exército, em prol do
novo programa21.

No momento crítico do incessante debate entre as facções “pró-Divisão” e “pró-


Brigada”, o Diretor do “U.S. Army Battle Command Laboratory”, o Tenente-Coronel
Maigeleige, surgiu com uma novidade. Em seu livro “B
Break the Factional Position”
ele postulava o abandono simultâneo das concepções, da Divisão e da Brigada,
substituindo-as pela concepção de 12 Grupos de Batalha, com um efetivo de 5000
homens cada. Sua posição inovadora previa o abandono dos conceitos
preestabelecidos de “grande” e “pequeno”, ou de “muitos” ou “poucos”. Propunha a
adoção de métodos de estruturação modular, de acordo com as necessidades da
guerra, colocando em prática um método de organização orientado para a missão.
Os reflexos que este ponto de vista provocaram no seio do Exército excederam, de
alguma forma as expectativas, a ponto de o General Denis J. Reimer ter

21 Ver John R Brinkerhoff, “The Brigade-based New Army”, ”Parameter Quaterly”,


Inverno 1997.

115
determinado que todos os Generais lessem o citado livro.22 Talvez o atual Chefe do
Estado-Maior (General Reimer) possua uma intuição excepcional e reconheça que
mesmo que os pontos chave da proposta do Tenente-Coronel Maigeleige talvez não
sejam um bálsamo miraculoso para todos os difíceis problemas do exército, mas
eles podem ser considerados remédios capazes de, como num passe de mágica,
erradicar as mentalidades obsoletas daqueles velhos soldados que usam os
uniformes e as insígnias de general.

Originalmente, a concepção de uma organização em “G


Grupos de Batalha” não é nova
para o Exército. Nos anos 1950 e 1960 concepção apareceu sob a forma de “cinco
grupos de tropas nucleares”.

De modo a adequar-se às necessidades de uma guerra nuclear, e permitir que as tropas possam, além de combater
num campo de batalha nuclear, assegurar a sua sobrevivência, no ano de 1957 o Exército Norte-norte-americano
reorganizou as Divisões Atômicas em grupos. A Divisão inteira, com um efetivo entre 11.000 e 14.600 homens, foi
dividida em 5 grupos fortemente motorizados, e todos equipados com armamento nuclear tático. No entanto, a
capacidade de ataque da Divisão com esta organização, em um campo de batalha convencional, era relativamente
baixa.

Esta idéia de reforma foi considerada, em termos genéricos, como uma tentativa
inútil, sendo inclusive apontada como uma causa indireta do fraco desempenho
militar norte-americano na Guerra do Vietnam. No entanto, na visão de Maigeleige,
um nascimento prematuro, por vezes, pode impedir que uma criança atinja a idade
adulta. Da mesma forma que se considera não ter sido afortunado o nascimento do
“grupo”, há trinta anos atrás, o momento atual pode ser considerado como sendo o
ideal.

O armamento moderno tornou-se um fator determinante para que qualquer efetivo


de força, mesmo tendo um tamanho relativamente menor que as unidades do
passado, não sejam inferiores no que tange a poder de fogo e mobilidade. Em
particular, o desenvolvimento da capacidade C4I, conferiu às unidades a vantagem
da superioridade, proporcionada por sua integração, criando-se, assim, um
crescente poder de combate. Pode-se considerar que as pesadas estruturas de
divisão e de brigada, com 18 tipos diferentes de armas, são incompatíveis com as
necessidades atuais.

22 Para um ponto de vista detalhado relativo ao livro “Break Localized Fronts” ver
artigo de Xiao’em Neile, no periódico “United States Army Times”, ed de Junho de
1997.

116
No entanto, mesmo que um desenvolvimento tecnológico militar seja fruto de uma
nova alta-tecnologia, constitui-se, também, num ponto de inflexão, não é certo que
acarrete num avanço correspondente na doutrina militar ou no ordenamento e
estruturação institucional.

Um fato auspicioso pode ocultar uma centena de fatos ruins — em outras palavras,
a posição de liderança na tecnologia militar e nos sistemas de armas tem ofuscado
a visão do seguinte fato: o pensamento militar norte-americano é o mesmo, quer no
âmbito institucional, quer no universo doutrinário, e está nitidamente defasado em
relação à avançada tecnologia militar de que dispõe. Neste sentido, usando a
concepção de “G
Grupos de Batalha” para derrubar as concepções pró-Divisões e pró-
Brigadas, representa a sistemática mais prejudicial para a estruturação
institucional do Exército norte-americano, desde a Guerra do Golfo, pois ainda que
represente a nova mentalidade institucional, esta evolução não é acompanhada da
correspondente evolução doutrinária no âmbito do Exército norte-americano.

A IMPLEMENTAÇÃO DAS REFORMAS NA FORÇA AÉREA – FORÇA


EXPEDICIONÁRIA

Diferentemente do Exército, a Força Aérea e a Marinha não têm tradições formais


profundamente enraizadas, e a implementação de seus reajustes é nitidamente bem
mais tranqüila.

A Força Aérea usou de forma oportuna o clima otimista proporcionado pela


“Tempestade no Deserto”, para eliminar, de uma só vez, o sistema de organização
por Divisão, e para transformar todas as alas aéreas de combate em alas aéreas
integradas (ou mistas), assumindo desta forma a liderança na primeira rodada de
reformas sistêmicas.

[N.T.] A origem da concepção de uma Força Aérea expedicionária data de outubro de 1994, quando forças iraquianas
sob a direção de Saddam Hussein fizeram novos movimentos ameaçadores em direção ao Kuwait. Os EUA já haviam
retirado daquele teatro, há muito tempo, a maior parte dos seus meios que haviam sido empregados na Operação
Tempestade no Deserto, e se viram obrigados a empreender um rápido reenvio de forças para o Golfo Pérsico, em
quantidade suficiente, para que, com credibilidade, pudessem deter uma intenção iraquiana de reprisar sua invasão de
1990 ao pequeno, porém rico Kuwait. O reenvio de forças, num espaço de tempo tão curto, demonstrou ser um grande
desafio, não tendo ocorrido com a agilidade e eficiência que seriam ideais.
Motivado por este evento, e aproveitando a onda de transformação em curso no âmbito da força, o General Fogleman,
Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, atribuiu ao General Joseph W. Ralston, então Comandante do Comando Aéreo
de Combate, a tarefa de desenvolver a concepção de uma força aérea expedicionária, que possuísse “a capacidade de
projetar um poder de combate de longo alcance, letal e auto-sustentável, dentro do prazo normal de planejamento de um
plano de guerra.”
Foram oficiais da 9ª Força Aérea que deram forma à concepção pretendida, divulgando-a aos comandantes de teatros.
O oficial que esteve à testa deste esforço foi o então Comandante da 9ª Força Aérea, Vice-Chefe de Estado-Maior para
Operações Aéreas e Espaciais, o Lt. Gen John P. Jumper.

117
Após a definição da concepção “Presença Global, Poder Global” como o novo
objetivo estratégico da Força Aérea, as reformas continuaram sendo processadas e
foi dado início à experimentação de um plano para a criação de uma “F
Força Aérea
Expedicionária”.

De acordo com a concepção desenvolvida, a chamada “F


Força Aérea Expedicionária”
seria uma força capaz e poderosa, composta por aproximadamente 1175 homens e
com 34 a 40 aeronaves, integrando três ou quatro alas aéreas. Teria como
atribuições: a disputa da superioridade aérea; a realização ataques aéreos; a
supressão da capacidade de defesa aérea e antiaérea do inimigo; a capacitação para
reabastecimento em vôo, e etc. Esta força teria a capacidade de se desdobrar para
um Teatro de Operações em qualquer ponto do globo, num período de 48 horas a
partir do seu acionamento, e de manter a capacidade de combate aéreo durante
todo o curso do conflito. A este respeito, pode-se dizer que as ações da Força Aérea
norte-americana são supersônicas.

Atualmente os norte-americanos já organizaram três Forças Aéreas


Expedicionárias, e realizaram uma completa mobilização e desdobramento. Quando
a quarta e a quinta Força Aérea Expedicionária começaram a ser organizadas, as
três primeiras já tinham alcançado um desempenho excepcional em operações tais
como: “Southern Watch” e “Desert Thunder”23.

A IMPLEMENTAÇÃO DAS TRANSFORMAÇÕES NA MARINHA


Com relação à Marinha, uma vez que já havia sido definida a nova estratégia
“F
Forward... From the Sea”, a formação de uma força expedicionária, combinando
meios navais e de fuzileiros navais, era um caminho lógico.

Ao contrário do Exército que se encontra numa trilha cheia de dificuldades, e da


Força Aérea que mais parece um furacão em deslocamento, a Marinha está mais
propensa refinar à concepção de uma “F
Força Naval Expedicionária”, através de
repetidas manobras e operações de combate.

23 Para maiores detalhes relativos à concepção de “Força Expedicionária da Força


Aérea”, ver artigo escrito pelo Air Force Brigadier General (patente sem equivalência
no Brasil, correspondendo ao Brigadeiro de uma estrela) William Looney no
periódico Air Power Journal, edição Inverno 1996.

118
Desde Maio de 1992, com as operações “Ocean Risk”, conduzida pelo Comando da
Esquadra do Atlântico; “Double Assault”, conduzida pelo Comando da Esquadra do
Mediterrâneo; “Silent Killer”, conduzida pelo Comando da Esquadra do Pacífico; e
“Sea Dragon”, do Comando de Forças de Fuzileiros Navais; até as operações atuais
como a “Southern Watch” para interdição de espaço aéreo ao sul do Iraque; a
“Vigilant Warrior” para deter o ataque Iraquiano; a “Hope Renewal”, na Somália; a
“Capable Guard” em Bohei e a “Preservation of Democracy” no Haiti; em cada uma
destas operações a Marinha tem testado, de forma diligente, a sua nova
organização.

[N.T.] A “Força Naval Expedicionária” é uma concepção modular, segundo a qual forças navais norte-americanas podem
ser organizadas “sob medida”, com capacitações específicas. A força naval expedicionária, resultante desta organização
— constituída por forças navais operativas e por uma Unidade Expedicionária Anfíbia — constitui uma força altamente
flexível, aplicável em uma ampla variedade de missões, incluindo operações de ataque de longo alcance e pré-incursões
a força visando facilitar ou assegurar a vinda de forças complementares. (“Forward... From the Sea”, Department of the
Navy, Washington 19/09/1994, http://www.nwdc.navy.mil/Library/Documents/ffts.aspx)

A missão que foi atribuída a esta “F


Força Naval Expedicionária”, integrada por meios
navais e de fuzileiros navais, compreende a rápida obtenção do controle de áreas
marítimas, em paralelo à condução de operações de combate em terra em regiões
costeiras.

O que impressiona e surpreende a Marinha de forma mais agradável, é que a verba


para a aquisição do equipamento de desembarque anfíbio, necessário para a Força
Naval Expedicionária, na prática, já obteve a aprovação do Congresso norte-
americano.

Ver edição de Novembro de 1995 da revista “Sea Power”, “From Over the Horizon to Over the Beach: More than
Expected Budget Funds” — O Congresso Norte-norte-americano aprovou, recentemente, a alocação de recursos no
orçamento do ano fiscal de 1996 para a construção de sete unidades de ataque e múltiplo emprego anfíbio, deixando a
Marinha bastante satisfeita. Devido a limitações orçamentárias a Marinha Norte-norte-americana planeja esperar até
2001 para propor alocação para este navio.... a Marinha decidiu encaminhar a requisição orçamentária para a
construção do primeiro Navio-Desembarque Doca - LPD-17 até 1998 ao invés de 1996. No entanto, o que excedeu às
expectativas foi que o Congresso aprovou a alocação de US$ 974 milhões para este navio”.

A parcialidade que os políticos norte-americanos têm em relação à Marinha


contribuiu para que essa força, e em especial os Fuzileiros Navais, fossem tratados
com frieza quando do seu retorno da Guerra do Golfo. Além disso, após o
estabelecimento de uma nova organização naval, a Marinha estava completamente
confiante em voltar a ocupar a posição de liderança entre as Forças Armadas norte-
americanas.

119
FORÇAS EXPEDICIONÁRIAS — UM INSTRUMENTO DE POLÍTICA EXTERNA

As reformas institucionais iniciadas após a Guerra no Golfo, não só ajustaram a


estrutura interna das Forças Armadas norte-americanas, como também,
proporcionaram ímpeto para as mudanças no desenvolvimento de armas e táticas,
tendo inclusive um efeito de longo alcance na estratégia nacional norte-americana.

Uma força expedicionária de pequeno porte, flexível e rápida, empregada não só


para missões de ataque, como também para cumprir missões em tempo de paz,
tornou-se, além de um novo modelo de organização, almejado por cada um dos
componentes militares, uma ferramenta eficaz nas mãos do governo norte-
americano.

Nossa conclusão é que a existência dessas forças devastadoras, perigosas e


altamente eficientes, deu origem uma tendência preocupante quanto ao trato dos
assuntos internacionais, e o governo dos Estados Unidos estão cada vez mais
inclinados a empregar a força, executar mais rapidamente as ações militares e
vingar-se, até mesmo quando ocorrem os menores ressentimentos. Essas interações
entre o governo norte-americano e suas forças armadas, envolvendo políticos e
militares, estão gerando entre os militares norte-americanos um processo sub-
reptício, e ao mesmo tempo profundo e possivelmente desastroso, que vai desde a
organização básica das forças até o pensamento estratégico.

Atualmente, o Departamento de Defesa norte-americano está tentando combinar as


forças expedicionárias aéreas, navais e terrestres numa “F
Força-Taref a Aliada”
integrada, sendo esta a mais nova etapa neste processo de transformação.

Ainda é difícil de prever se esta força completamente integrada irá arrastar os


militares norte-americanos, e até mesmo os Estados Unidos com as mesmas
características especiais, para um atoleiro incomodo, ainda que, de maneira
expedita, estejam cumprindo a missão global atribuída ao Governo norte-
americano.

DAS CAMPANHAS COMBINADAS ATÉ A GUERRA


ONIDIMENSIONAL — UM PASSO PARA O COMPLETO
ENTENDIMENTO

A CONCEPÇÃO DE OPERAÇÕES COMBINADAS


Quando dizemos que a doutrina militar norte-americana está atrasada, este atraso

120
é relativo, apenas, à sua avançada tecnologia. Quando comparado ao pensamento
dos militares de outras nações, a característica inteiramente tecnológica do
pensamento militar norte-americano lhe confere uma incontestável posição de
liderança para os combates de alta-tecnologia, que ocorrerão nas hipotéticas
guerras do futuro. Fora do âmbito dos Estados Unidos, a antiga União Soviética,
que foi a primeira a propor o conceito de uma “nova revolução militar”, seja a única
evidência de manifestação dessa tendência revolucionária.

A “nova revolução militar” é nitidamente retratada como produto forjado na bigorna


da Guerra do Golfo. Este slogan irracionalmente popular e ridículo foi aceito, não
somente pelos os militares norte-americanos, como também, pelas forças armadas
de outras nações. É muito fácil desejar a tecnologia dos outros, adotando
determinados slogans. Neste processo, os únicos a desenvolverem um esforço maior
seriam os próprios norte-americanos.

Se os norte-americanos pretendem garantir a sua posição de liderança no campo


das reformas militares, que já foram iniciadas e que se completarão em pouco
tempo, então a primeira coisa a ser feita é eliminar o vazio existente entre a sua
doutrina a sua tecnologia militar, porque na realidade, a poeira da guerra apenas
assentou.

As forças armadas norte-americanas mal haviam completado a retirada de seus


efetivos do Golfo Pérsico, e já havia sido iniciado um processo de transformação
tecnológica, de cima para baixo, desde os escalões superiores até os inferiores,
envolvendo uma mudança radical de concepções. Isso significa que o processo de
reformas tecnológicas militares foi iniciado sem ter sido acompanhado por uma
evolução sincronizada do pensamento doutrinmilitar. Em última análise, os norte-
americanos são incapazes de romper completamente com a sua predileção por
tecnologia, eles continuam presos a este círculo vicioso do qual não são capazes de
se desprender.

Ainda assim, eles já obtiveram alguns resultados que são igualmente benéficos para
as suas forças, assim como, para aquelas de outros países. O primeiro destes
resultados é a concepção de “o
operação combinada”, e o segundo é consolidação da
teoria do “c
combate onidimensional”.

A concepção da “o
operação combinada” foi apresentada na publicação “Joint
Warfare of the Armed Forces of the United States — JP-1”, em Novembro de 1991,
em decorrência às instruções emanadas no documento “United States Armed

121
Forces Joint Operations”, emitido pela “U.S. Military Joint Conference”.

Esta concepção, plena de novos conceitos oriundos da Guerra no Golfo, rompeu


com as fronteiras das já conhecidas e desatualizadas concepções de “G
Guerra
Contratual”24 e “G
Guerra Cooperativa”25 , indo além, inclusive, da teoria do “C
Combate
Integrado Ar Terra”, que era considerada pelos norte-americanos como uma arma
miraculosa.

A regulamentação desta nova concepção apresentava os quatro elementos básicos


para uma Operação Combinada: comando centralizado; igualdade entre as forças
singulares; integração completa; e o envolvimento integral na condução da batalha.
Ela definia claramente, e em caráter inédito, a autoridade de comando e controle do
Comandante da Zona de Batalha unificada; estipulava que, dependendo da
situação corrente, qualquer uma das forças singulares poderia assumir a ação
prioritária na batalha; expandia a teoria do “Combate Integrado Ar Terra” para o
conceito de “Ação Integrada Ar, Terra, Mar e Espaço”; e enfatizava o envolvimento
integral na condução da batalha em todas as frentes de combate.

Com o estabelecimento da doutrina, e sob uma forte pressão da Junta de Chefes


de Estado-Maior, as Forças Singulares estão empenhadas em reformular e unificar
regulamentos militares coincidentes ou complementares, a fim de tornar pública a
implementação desta nova orientação tática representativa do direcionamento das
futuras guerras.

Ainda que as Forças Singulares tenham formalmente aceito este novo conceito,
cada uma delas ainda se apega, de forma prioritária, às suas respectivas missões
básicas, e pretende realizar uma unificação claramente delimitada, ou seja, uma
unificação que expresse com nitidez a ambiência de atuação de cada força e da
autoridade a ela relacionada, incluindo nesta demarcação regulamentos, leis, e
procedimentos específicos de honras militares.

24 [N.T.] A Guerra Contratual significa que, de comum acordo, através de


documentos oficialmente firmados, a cada Força Singular competiam tarefas e
ações específicas.

25 [N.T.] A Guerra Cooperativa, era algo mais vago que a Guerra Contratual, sendo
definida em uma linguagem não comprometedora, utilizando expressões como: “A
Marinha procurará apoiar o Exército...”.

122
O Chefe da Junta de Chefes de Estado-Maior, o General John Shalikashvili,
imaginava que esta nova concepção não deveria significar, simplesmente, um
compromisso formal assumido por cada um dos então Chefes de Estado-Maior. Ao
adotar a publicação “The Plan for Joint Force in 2010 — ‘O Modelo’ para a
Orientação das Forças Armadas para as Operações Combinadas”26, o General
Shalikashvili assumiu o papel de um moderno Moisés, orientando as forças
armadas norte-americanas para o desmantelamento das cercas que as separavam,
singrando pelo difícil caminho da efetiva concretização das operações integradas e
unificadas, tudo isso envolto numa penumbra que desperta dúvidas.

Ainda que se trate dos Estados Unidos, um país que aceita e propaga, facilmente,
tudo aquilo que constitui novidade, a realidade é bem mais difícil do que o General
Shalikashvili imaginava. Após a sua passagem para a reserva as críticas ao
“planejamento combinado” para as forças armadas norte-americanas
intensificaram-se gradualmente, e o ceticismo começou a ganhar um novo alento.

O Corpo Fuzileiros Navais27 acredita que “não se deveria fazer a apologia da


concepção de operação combinada, reprimindo-se discussões futuras relativas à
organização de combate das tropas”, visto que, “a uniformidade da concepção
combinada provocaria a perda da distinção entre as forças singulares”, e que “isto
seria contrário ao espírito norte-americano de enfatizar a competição e
diversificação”.

A Força Aérea, diplomaticamente, opinou que “o plano de unificação para 2010


deve ser desenvolvido em termos práticos, e que deve estimular a emulação entre as
forças singulares”, e que, “nesta era de mudanças e experimentações, o nosso

26 Para conhecer a publicação “Doutrina Combinada para 2010” concebida em


1996 na reunião militar combinada, consultar a edição Verão de 1996 do periódico
“Joint Force Quarterly” . Na edição de Inverno do mesmo periódico, tanto o
Comandante de Operações Navais Johnson, quanto o Chefe de Estado-Maior da
Força Aérea Fogleman, manifestaram o seu apoio pela “Doutrina Conjunta de
2010”. O Chefe do Estado-Maior do Exército Reimer da mesma forma, em resposta
divulgou, imediatamente, a “Concepção do Exército para 2010”.

27 [N.T.] Algo que os autores não mencionam ou comentam é que na estruturação


da expressão militar norte-americana, o Corpo de Fuzileiros Navais constitui uma
quarta Força Singular, independente das demais.

123
pensamento deve ser flexível, não podendo tornar-se rígido”28. Quanto a este
aspecto, os pontos de vista da Marinha e do Exército são semelhantes, e têm poder
suficiente para destruir, instantaneamente, os diligentes esforços do General
Shalikashvili.

Assim, constata-se que as indesejáveis mudanças em processos, decorrentes de


mudanças na chefia, não é um fenômeno característico do mundo Oriental. Na
qualidade de observadores, podemos, é claro, sacrificar uma ideologia válida em
função do estreito benefício de um grupo. A essência das “operações e planos
combinados”, certamente, não é a concessão ou eliminação de vantagens
específicas e de caráter militar para as forças; ao contrário, seus propósitos visam a
possibilitar que as forças singulares alcancem a unificação operacional no contexto
de uma ambiência de batalha centralizada, reduzindo ao máximo, os efeitos
negativos decorrentes de cada força seguir um curso de ação próprio e
independente.

A implementação de normas para condução de operações e planos combinados


constitui uma etapa tática de alta importância, até que um caminho seja
encontrado para a integração completa das forças singulares. No entanto, a
limitação ainda existente quanto a este processo de integração, reside no fato de
que sua origem e seu objetivo repousam, ambos, no âmbito das forças singulares,
as quais ainda não foram capazes de expandir suas percepções do significado da
concepção “combinado”, para todas as ambiências nas quais os seres humanos
podem gerar comportamentos de confronto.

O que se constata neste final de século XX, como ponto fraco da concepção de
Operações Combinadas, é o pouco interesse que esta concepção despertou, mesmo
numa era em que já emergiram insinuações quanto ao significado amplo e genérico
da guerra. Neste sentido, se a concepção de “C
Combate Onidimensional” não tivesse
sido lançada em 1993 pela publicação do Exército norte-americano “The Essentials
of War”, nós estaríamos simplesmente estarrecidos com o conteúdo “anêmico”
quanto ao tema na ambiência do pensamento militar norte-americano.

28 Ver artigo titulado “Reform Will Not Be Smooth Sailing” escrito pelo Capitão de
Fragata Huofuman, publicado no “United States Naval Institute Journal” em
Janeiro de 1998.

124
O COMBATE ONIDIMENSIONAL
A décima terceira revisão da publicação “The Essentials of War”, apresenta uma
abordagem profunda quanto aos vários desafios que as forças armadas norte-
americanas poderão enfrentar nos próximos anos, e pela primeira vez, foi proposto
um conceito completamente novo de “o
operações militares não-combate”. Foi graças
a esta concepção que os norte-americanos vislumbraram a possibilidade de praticar
a “ttotal positional warf are”29, levando assim o Exército norte-americano a
encontrar uma denominação extremamente significativa para a sua nova teoria
sobre a guerra — “C
Combate Onidimensional”.

O que é interessante é o fato de que a pessoa encarregada de revisar a edição de


1993 da publicação “The Essentials of War”, e que demonstrou um surpreendente
espírito inovador, foi o General Tommy R. Franks, que era criticado por ter uma
mentalidade operacional conservadora, quando comandava o 7º Exército no Golfo.
Não fossem as circunstâncias posteriores, que mudaram a direção do pensamento
norte-americano, este Oficial, Comandante do Quartel-General de Adestramento e
Doutrina do Exército dos Estados Unidos, e que foi o primeiro a assumir este cargo
logo após a guerra, teria levado a história do pensamento militar norte-americano a
uma inovação inédita.

O General Franks e o grupo que o auxiliou na compilação de suas instruções foram


incapazes de conciliar a grande discrepância existente entre as duas sentenças:
“iimplementação e apoio centralizado de operações navais, aéreas e terrestres em
todo o Teatro de Operações” e “m
mobilização de todos os possíveis métodos em todos
os tipos de operações, quer de combate ou não, de modo a, de forma resoluta,
executar de maneira absoluta, qualquer missão atribuída” que constam da
publicação “The Essentials of War”, e eles foram ainda menos capazes de perceber
que, além da considerar a guerra como uma operação militar, existe ainda a
possibilidade da ocorrência de um amplo espectro de operações não-militares.

29 [N.T.] “Positional Warfare” constitui um modelo de guerra baseada na adoção de


uma estratégia defensiva compreendendo o emprego de linhas, ou, rede de posições
fortificadas, guarnecidas de forma estática por forças ou unidade de tropa com
pouca mobilidade. A “Positional Warfare” tem um caráter preventivo, tendo como
propósito impedir uma penetração de forças inimigas, não visando o
enfraquecimento do inimigo.

125
No entanto, a publicação, pelo menos, assinalou que o “C
Combate Onidimensional”
deveria possuir características especiais de “profundidade total, altitude total,
frente total, tempo total, freqüência total e multiplicidade de métodos”, e tal
consideração representa, precisamente, o aspecto mais revolucionário deste modelo
de combate, que nunca foi visto na história da guerra30.

É uma pena que os norte-americanos, e mais especificamente, o Exército, tenha


descontinuado demasiadamente cedo esta revolução.

Uma das divergências ao trabalho de Franks foi apresentada pelo General Holder,
um ex-Comandante de regimento subordinado ao General Franks, o qual
posteriormente assumiu o cargo de Comandante do Setor de Armas Combinadas do
Quartel-General de Doutrina e Adestramento do Exército, e que analisou
minuciosamente as idéias de seu superior. O então General de Divisão Holder já
não era mais um altivo e vigoroso coronel nos campos de batalha, agora ele
desempenhava a função de porta-voz do Exército no contexto de uma tradição
conservadora.

O seu ponto de vista era de que a “crença de que as ‘o


operações militares de não-
combate’31 teriam o seu conjunto específico de princípios não era bem aceita entre
os militares, e que muitos oficiais em comando opunham-se à diferenciação entre
os significados de ‘o
operações militares de não-combate’ e o de operações militares de
combate”.

Após o falecimento do General Holder, “o Exército desenvolveu um consenso quanto


ao erro de considerar uma diferenciação conceitual para as ‘o
operações militares não-
combate’, por entenderem que, em assim procedendo, estariam considerando uma
nova e indesejada modalidade de operação nos regulamentos básicos,

30 Há uma introdução detalhada à “Combate Onidimensional” na edição de 1997 do


“World Military Almanac”

31 Esta classificação engloba um grupo de ações militares, que integram o conceito


de “Military Operations Other than War - MOOTW” e que se caracterizam por não
preverem a entrada em combate. Não obstante, a doutrina norte-americana prevê
que alguns riscos são inevitáveis, e em decorrência, vítimas poderão ocorrer. Desta
forma é prescrito a adoção de medidas defensivas, tanto a nível pessoal
(autodefesa), como a nível de unidade, a cargo dos respectivos Comandantes.

126
enfraquecendo, assim, a característica das forças armadas que seria a de enfatizar
os assuntos militares, podendo, também, gerar confusão na condução das
operações por essas forças”. Com a situação indo por esta vertente, a revolução
proposta pelo General Frank acabou como num aborto inevitável.

Sob a inspiração do novo Comandante do Quartel-General de Doutrina e


Adestramento do Exército, o General William W. Hartzog, o grupo que editou em
1998 a publicação “The Essentials of War” finalmente introduziu uma profunda
correção à nova edição desta publicação, estabelecendo “um único princípio, que
cobria todos os tipos de operações militares conduzidas pelo Exército”, como um
elemento definidor fundamental.

De acordo com esse princípio, não haveria mais a distinção entre operações
militares de combate e as “o
operações militares de não-combate”, e sim, a definição
de quatro tipos básicos de operações, quais sejam: Ataque, Defesa, Estabilização e
Apoio. Além disso, a conceituação de “o
operações militares de não-combate”
restringir-se-ia ao enquadramento de determinadas ações tais como, resgate e
proteção; e, ao mesmo tempo, restabelecia-se o antigo conjunto de operações típicas
de guerra, assegurando, assim, o posicionamento prioritário dos princípios de
guerra centralizada na direção correta, ao mesmo tempo em que se descartava a
Combate Onidimensional”32.
concepção de “C

Aparentemente, este era um movimento radical de reforma e simplificação,


compreendendo o mero corte do supérfluo. Mas na realidade, tratava-se de uma
demonstração norte-americana de um julgamento insatisfatório. E
simultaneamente, na medida em que a confusão teórica causada pelo prematuro
conceito de “o
operações militares de não-combate” foi dirimida, os frutos ideológicos
que acidentalmente foram colhidos, também foram abandonados por conta da nova
versão da citada publicação. Tudo faz crer que, na dança em que se dá um passo a
frente e dois para trás, todos os seres humanos são autodidatas.

Todavia, realçar a falta de visão do Exército norte-americano não significa dizer que
a concepção de “C
Combate Onidimensional” é isenta de críticas. Muito pelo contrário,

32 De acordo com o artigo “Changes to the Newly Published Draft of ‘Essentials of


War’” escrito por Xiaoen Neile; “United States Army Times”; 18 de agosto de 1997.

127
existem falhas conceituais evidentes nesta teoria, tanto em sua denotação 33,

quanto na sua conotação.34

Na realidade, o entendimento do que é a batalha sob ponto de vista do “C


Combate
Onidimensional ” é muito mais genérico em relação àquele que existia em teorias
militares anteriores; todavia no que concerne à sua característica congênita, o
conceito de batalha ainda não se libertou da categoria “militar”.

operações de guerra não-militares” [ver pág.


Por exemplo, o já citado conceito de “o
51], tem um significado muito mais amplo do que o conceito de operações militares
de combate, podendo, pelo menos, ocupar uma posição no mesmo patamar das
outras ambiências de guerra, que estão fora do campo de visão dos militares norte-
americanos — e esta é, precisamente, a grande ambiência na qual os futuros
militares e políticos devem desenvolver sua imaginação e criatividade — e mesmo
assim não se terá alcançado o significado rela do termo “onidimensional”.

Isto sem mencionar que a expressão “onidimensional”, no âmbito do Exército norte-


americano, no final das contas, ainda não teve a sua abrangência definida, ou seja,
não há definição de quantas ambiências ela se refere, e se estas ambiências
interagem com a guerra de forma isolada ou de forma simultânea. Em outras
palavras, isto que dizer que ainda não se elaborou em detalhe este conceito, e que,
portanto, persiste uma situação caótica. E assim, se o real significado da expressão
“onidimensional” não puder ser definido, então esta concepção original com o seu
rico potencial, evidentemente, não poderá ser completamente implementada.

Na realidade, não há quem possa conduzir uma guerra nos 360 graus de uma
ambiência tridimensional, com o tempo e outros elementos não-físicos de uma
dimensionalidade total adicionados, e da mesma forma, qualquer guerra terá
sempre uma ênfase particular, e será deflagrada e encerrada dentro de uma
dimensão também limitada. A única diferença é que, num futuro previsível, as
operações militares não constituirão mais a totalidade da guerra, e ao contrário,
formarão uma das dimensões de um espectro multidimensional.

33 [N.T.] Significado específico ou direto, diferente de uma idéia implícita ou


associada.

34 [N.T.] uma sugestão de significado por uma palavra, aparte daquilo que ela
explicitamente nomeia ou descreve.

128
Mesmo incorporando as “o
operações militares de não-combate” como proposto pelo
General Franks, ainda assim não teríamos a característica onidimensional total.
Somente incorporando todas as “o
operações de guerra não-militares” em paralelo às
operações militares, o significado onidimensional da guerra pode ser atingido.

O que deve ser frisado é que, desde a Guerra do Golfo, esta ideologia não conseguiu
emergir de forma completa nas pesquisas teóricas realizadas pelos militares norte-
americanos.

Provavelmente só há um artigo, “A Military Theoretical Revolution: The Various Mutually Active Dimensions of War”,
escrito por Antuli’ao Aiquieweiliya, que assinalou que as “várias dimensões” da guerra não deveriam ser entidades como
comprimento, largura e profundidade, inerentes à teoria da geometria e espaço; e que, ao invés, deveriam ser
considerados fatores como a política, sociedade, tecnologia, combate e logística que estão intimamente relacionados
com a guerra. É uma pena, no entanto, que a visão da guerra deste autor ainda se concentre no eixo militar, não tendo
rompido com a denotação da guerra.

Mesmo que estas concepções de “o


operações militares não-combate” e de “g
guerra
onidimensional” possuam inúmeras idéias originais e estejam bem próximas de uma
revolução na ideologia militar, que teve origem a partir da revolução tecnológica
militar, pode-se dizer que, ao longo da árdua trilha em que se encontram, os norte-
americanos chegaram à beira de um precipício, e o pico da montanha, que significa
a grande revelação, ainda está muito longe. Neste ponto os norte-americanos
pararam, e as “lebres” norte-americanas que sempre estiveram na dianteira em
relação a qualquer outra nação, nos campos da tecnologia e ideologia militares,
começaram a perder o fôlego.

De nada adiante que Sullivan ou Franks tenham proporcionado algum fôlego para
as “lebres da competição”, por meio das muitas proposições que apresentaram após
a Guerra do Golfo, pois a realidade é que eles não podem permitir que as
tartarugas, que integram o mesmo time, sejam deixadas para trás.

Talvez esta seja a hora apropriada para que o Tenente-Coronel Lonnie Henley35 e
aqueles norte-americanos que questionaram a capacidade de implantação de
revoluções militares em outras nações, façam um exame de consciência.

35 Na Conferência sobre Estratégia, realizada pela Escola de Guerra do Exército dos


estados Unidos em Abril de 1996, o Tenente-Coronel do Exército Lonnie Henley
escreveu um trabalho titulado “21st Century China: Strategic Partner... or
Opponent”, no qual concluía que: “Pelo menos, nos primeiros 25 anos do próximo
século, a China não será capaz de desenvolver uma revolução militar.” (Ver “Foreign

129
Por que é que não ocorreu uma revolução?

Military Data” do Departamento de Pesquisa Militar Estrangeira da Academia de


Ciência Militar, Junho de 1997)

130
PARTE 2 — UMA DISCUSSÃO SOBRE NOVOS
MÉTODOS DE OPERAÇÃO
Um exército não tem um dispositivo rígido, tanto quanto a
água não tem uma forma fixa. Aquele que obtém a vitória,
sabendo aproveitar as manobras do adversário possui
uma arte realmente divina.
Sun Zi

A condução da guerra é uma arte, semelhante a de um


médico examinando um paciente,
Fu Li

O PENSAMENTO NORTE-AMERICANO ENFOCA A ALTA-TECNOLOGIA E RELEGA


A TÁTICA

A expressão “revolução militar” é um modismo assim como a NBA (National


Basketball Association) e Michael Jordan. O fato de que, ao aparecimento de cada
coisa nova correspondem necessidades específicas, no caso dos norte-americanos,
isto é significativo pelo fato deles serem adeptos da criação de modismos. Os norte-
americanos, que sempre apreciaram ostentar uma posição de liderança no mundo
no que concerne a diversas questões, são reconhecidamente eficientes quanto à
apresentação de um excelente pacote, tratando de qualquer tema novo de acordo
com o seu pensamento, disseminando-o, em seguida, para todo o mundo.

Ainda que diversas nações tenham demonstrado ansiedade e resistência à invasão


da cultura norte-americana, ainda assim, adaptaram-se, e imitaram de forma
completa os pontos de vista norte-americanos no que tange aos temas relacionados
com a revolução militar. Os resultados não são difíceis de serem previstos, e desta
forma, quando os norte-americanos ficam resfriados o mundo inteiro começa a
espirrar.

Pelo fato de William J. Perry, o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, ter
priorizado a tecnologia “stealth”, tendo sido denominado o “pai do stealth”, ao ser
perguntado por um professor chinês sobre “quais seriam as realizações
importantes e avanços teóricos na revolução militar dos Estados Unidos”, ele
respondeu sem hesitar: “logicamente que foram a tecnologia ‘stealth’ e a tecnologia
cibernética. A resposta de Perry traduzia o ponto de vista predominante nos
círculos militares norte-americanos — a revolução militar era uma revolução da
tecnologia militar.
De acordo com ponto de vista daqueles que pensavam como Perry, seria apenas
necessária a resolução do problema do ponto de vista tecnológico, possibilitando
que os soldados, diante de uma montanha, possam saber “o que existe do outro
lado daquela montanha” e isto seria o equivalente a realizar esta revolução militar.

Quando o Coronel Chen Bojiang, um colega de pesquisas do Instituto de Ciência Militar visitava estudiosos nos Estados
Unidos, ele conheceu um grupo de pessoas muito importantes no âmbito militar Americano. Chen Bojiang, então,
perguntou a Perry: “Quais foram as realizações e desenvolvimentos mais importantes que foram produzidos pela
Revolução Militar Norte-americana?” A resposta de Perry foi: “O desenvolvimento mais importante foi, é claro, a
tecnologia “stealth”, constituindo um avanço extraordinário. No entanto, eu gostaria de dizer que numa área
completamente diferente, algo de igual importância foi a invenção da “information technology”, que resolveu o problema
que tinha que ser resolvido pelo soldados por vários séculos, qual seja: o que é que existe além da próxima montanha?
O progresso para solucionar este problema tem sido muito vagaroso por diversos séculos. O progresso da tecnologia
tem sido extremamente rápido nos últimos dez anos, nos quais apareceram métodos revolucionários para resolver este
problema. (National Defense University Journal, 1998, Nº 11, p.44). Na qualidade de professor na Faculdade de
Engenharia da Universidade de Stanford, é natural que Perry tenha maior tendência para observar e entender a
revolução militar do ponto de vista técnico. Ele é, sem dúvida, um dos proponentes de tecnologia na revolução militar.

A observação, análise e resolução de problemas sob o ponto de vista tecnológico é


um aspecto típico do pensamento norte-americano, e as vantagens e desvantagens
deste processo, são ambas bem evidentes, assim como o é o caráter dos norte-
americanos.

Este tipo de raciocínio, que iguala a revolução tecnológica com a revolução militar
foi apresentado pelo modelo adotado para a Guerra do Golfo e exerceu um poderoso
impacto com o conseqüente efeito sobre os militares em todo o mundo.

Poucas pessoas puderam manter suficiente calma e discernimento com esta


situação, e naturalmente não poderiam perceber o equívoco provocado pelos norte-
americanos e que provoca, agora, um desentendimento global em relação ao que se
tornou uma ampla revolução global.

O slogan “estruturar a expressão militar com alta-tecnologia” assemelha-se a um


tufão no Oceano Pacífico, atingindo um número cada vez maior de países, e até
mesmo a China, situada no litoral ocidental do Pacífico, parece ter sido atingida,
durante algum tempo, por esse equívoco.

Foi assinalado no “Sumário da Situação Militar” no “1997 World Military Yearbook” que: um avanço especial na situação
militar, no período de 1995-1996, foi que algumas das nações mais poderosas começaram a priorizar “o uso de alta-
tecnologia para a construção do Poder Militar” tendo como arcabouço a qualidade da formação do militar. Os Estados
Unidos implementaram o campo de batalha digital como um objetivo da política de emprego da alta-tecnologia para a
formação do militar. O Japão formulou uma reorganização de suas tropas de autodefesa, redimensionando programas e
requisitos para o estabelecimento de uma “tropa de choque de altamente tecnológica”. A Alemanha apresentou o
Relatório Deerpei propondo avanços significativos em oito tecnologias sofisticadas. A França propôs um novo plano de
reforma, visando elevar a “qualidade técnica” de suas tropas. A Inglaterra e a Rússia também empreenderam ações
neste sentido; algumas nações de médio e pequeno portes, também adquiriram sistemas de armas avançados, numa
tentativa de reposicionar, de uma só vez, o nível técnico de seu pessoal, num nível mais elevado. (1997 “World Military
Affairs Yearbook”; “People's Liberation Army Press”, 1997, p. 2).

132
Não é possível negar que a revolução na tecnologia militar representa a base da
revolução militar, mas, ainda assim, ela não pode ser vislumbrada como sendo a
totalidade da revolução militar. No máximo, ela representa o primeiro passo do
caminho a ser percorrido por esse violento tufão.

O significado mais importante, e o formato derradeiro da revolução militar


concretizam-se com a revolução do pensamento militar, visto que a revolução
militar não pode permanecer no nível mundano das transformações de tecnologia
militar e da formulação de sistemas. A revolução no pensamento militar é, em
última análise, uma revolução nos modelos e métodos de combate.

A revolução da tecnologia militar é tão importante quanto a reforma na formulação


de sistemas, mas os seus resultados finais baseiam-se nas mudanças dos modelos
e métodos de combate. Somente a conclusão dessas mudanças será capaz de
refletir a maturação da revolução militar.

Parte da perspectiva que equipara a revolução da tecnologia militar com a revolução militar, muitas pessoas estão ainda
mais desejosas de ver a revolução militar como o produto da combinação de uma nova tecnologia, com uma nova
estruturação da expressão militar, e com um novo pensamento militar. A título de exemplo, Steven Maizi e Thomas
Kaiweit declararam em ser relatório intitulado “Strategy and the Military Revolution: From Theory to Policy”: a chamada
revolução militar é composta por mudanças simultâneas e mutuamente promotoras de mudanças nas áreas de
tecnologia militar, sistemas de armas, métodos de combate, sistemas de organização de tropa, resultando na ocorrência
de um salto (ou mudança repentina) na eficiência de combate dos militares. (Relatório de pesquisa do Instituto de
Estratégia da Escola Militar do Exercito Norte-americano intitulado: “Strategy and the Military Revolution: From Theory to
Policy”). Em outro relatório de pesquisa relacionado ao tema revolução militar, produzido pelo do Centro Norte-
americano de Pesquisa em Estratégia e Assuntos Internacionais, é citado que a revolução militar é o resultado da
combinação de uma série de fatores. Toffler iguala a revolução militar a uma substituição de civilização, algo bastante
amplo e inexeqüível.

Caso a revolução da tecnologia militar seja considerada como representando a


primeira etapa na revolução militar, estamos então, agora, no início de uma
segunda etapa, essencialmente importante dessa revolução.

A aproximação da conclusão da revolução da tecnologia militar significa um


pressagio do início de uma nova etapa, que apresenta também, em grande parte, os
problemas de conteúdo ideológico da primeira etapa, qual sejam: ainda que a
revolução da tecnologia militar tenha possibilitado que se selecionem maiores
possibilidades, dentro de uma faixa mais ampla, essas possibilidades transformam-
se também, ameaças para os seus autores. E nas mesmas proporções1 (e isto

1 [N.T.] Uma versão mais rebuscada do adágio popular — “quem com ferro fere, com
ferro também poderá ser ferido”.

133
ocorre porque, a monopolização de um tipo de tecnologia é muito mais difícil que a
de inventar um novo tipo de tecnologia).

Tais ameaças nunca se manifestaram como nos dias atuais, porque hoje as
possibilidades são distintas e estão num processo permanente de mudanças, e isto,
na realidade, cria a impressão de estarmos vendo um inimigo escondido por trás de
cada árvore. Qualquer orientação, possibilidade, ou pessoa, tornar-se-á,
possivelmente, uma ameaça em potencial para a segurança de um país e, ainda que
possa ser possível perceber a existência da ameaça, será muito difícil sabermos,
claramente, de onde está vindo essa ameaça.

FORÇAS ARMADAS DE OUTROS PAÍSES NÃO SÃO MAIS A PRINCIPAL AMEAÇA À


SEGURANÇA

Tanto os militares quanto os políticos acostumaram-se raciocinar que o principal


fator de ameaça à Segurança Nacional é representado pela Expressão Militar de um
Estado inimigo, ou, por um Estado inimigo em potencial. No entanto, as guerras e
os principais incidentes que ocorreram no século XX nos proporcionaram, de forma
clara e coerente, a idéia de que o oposto é que é o verdadeiro; freqüentemente, as
ameaças militares já não são mais os principais fatores que afetam a Segurança
Nacional.

Ainda que continuem existindo as mesmas disputas territoriais da Antiguidade, os


conflitos de nacionalidade, os entrechoques religiosos a delineação das esferas de
Poder, e dirigentes deflagrando guerras. Estes fatores tradicionais estão ficando
cada vez mais interligados com a apropriação indébita de recursos, a disputa por
mercados, o controle de capitais, as sanções comerciais e outros fatores
econômicos, a ponto de os fatores tradicionais estarem assumindo um papel
secundário.

Esses novos fatores passaram a representar um novo modelo de ameaça às


seguranças políticas, econômicas, e militares de um, ou, vários países. Este modelo
de ameaça, possivelmente, não tem qualquer nuance militar, quando observado à
distancia e, assim sendo, ele tem sido denominado por alguns analistas como
“g guerras análogas”2. No entanto, a destruição que estes
guerras secundárias” ou “g
novos modelos provocam nas áreas em que atacam, absolutamente não são

2 Ver a obra de Zhao Ying “The New View of National Security”

134
secundários em relação às guerras exclusivamente militares. Quanto a isto, basta a
menção dos nomes de lunáticos como George Soros, bin Laden, Escobar,
Matsumoto e Kevin Mitnick.3

É possível que já não possamos mais determinar, com precisão, o momento em que
os principais atores, responsáveis pela deflagração de guerras, deixaram de ser os
Estados soberanos e passaram a ser as organizações criminosas, as organizações
terroristas, os indivíduos do submundo com intenções malévolas, os financistas
que controlam enormes quantidades de recursos, ou indivíduos psicologicamente
desequilibrados que têm fixação por determinados alvos, personalidades
obstinadas, e de caráter resoluto, e todos dotados das possibilidades de iniciar uma
guerra militar, ou, não-militar. As armas que eles empregam podem ser
representadas por aeronaves, canhões, gazes venenosos, bombas, agentes
bioquímicos, assim como vírus de computador, navegadores de redes, e ferramentas
de ordem financeira.

Em resumo, todos os métodos da nova modalidade de guerra, bem como as


medidas estratégicas que podem ser proporcionadas pela nova tecnologia, poderão
ser utilizados por esses fanáticos, para desencadear todas as formas de ataques
financeiros, ataques em redes interativas de dados, ataques de mídia ou ataques
terroristas.

A maioria desses ataques não são ações militares, mesmo assim, podem ser
encaradas como ações de guerra, que obrigam países a satisfazerem seus próprios
interesses ou exigências. Esses ataques têm uma força destrutiva idêntica, e até
mesmo superior à das guerras militares, e já criaram sérias ameaças a nossa
Segurança Nacional, diferentes daquelas do passado.

Tendo em vista este cenário, basta ampliarmos, ligeiramente, nosso campo de visão,
e entenderemos que o conceito de Segurança Nacional baseada no regionalismo já
está obsoleto. A principal ameaça à Segurança Nacional está muito longe de se
limitar, apenas, à agressão militar por forças hostis contra o território de um país.

3 George Soros é um especulador financeiro; bin Laden é um terrorista islâmico;


Escobar é um famoso e longínquo traficante de drogas; Matsumoto é o fundador da
heterodoxa organização “Aum Shinriko” no Japão; e Kevin Mitnick é um renomado
hacker de computador.

135
Em termos de valor da redução no índice de Segurança Nacional, se compararmos
Tailândia e Indonésia, (que por diversos meses sofreram a desvalorização de suas
moedas em várias dezenas de pontos percentuais, alem de terem suas economias
próximas á falência) com o Iraque, (que sofreu duplo contingenciamento de ataques
militares e boicote econômico), parece-nos não ter havido muita diferença.

Até mesmo os Estados Unidos, que é a única superpotência que sobreviveu à


Guerra Fria, já constatou a realidade de que a nação mais poderosa do planeta é
freqüentemente aquela que se defronta com o maior número de inimigos e a que
sofre o maior número de ameaças.

Nos “Relatórios de Defesa Nacional” dos Estados Unidos, relativos a vários


exercícios fiscais consecutivos, alem de serem relacionados, em ordem decrescente
de magnitude, as dez nações “consideradas potências regionais, e que são hostis
aos interesses norte-americanos”, são incluídas, também, “o terrorismo; as
atividades subversivas e as condições anarquistas que ameaçam a estabilidade do
governo federal, a prosperidade e o crescimento econômico norte-americanos; o
tráfico ilegal de drogas; e a criminalidade internacional”, como ameaças aos Estados
Unidos. Como conseqüência, eles têm ampliado a faixa de busca multiespacial para
possíveis ameaças à sua segurança.

O Secretário de Defesa dos Estados Unidos mencionou as diversas ameaças com as quais defronta-se os Estados
Unidos, em cada um dos Relatórios de Defesa Nacional relativos aos anos fiscais de 1996, 1997 e 1998. No entanto,
este tipo de visão ampla não se constitui, de fato, num padrão de observação que os norte-americanos podem manter
em termos de consciência própria. Em Maio de 1997, foi frisado no “The Global Security Environment”, — a primeira
parte do Relatório de Investigação Quadrienal da Defesa, publicado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos
— que a segurança dos Estados Unidos iria defrontar-se com uma série de desafios.
Primeiro seria as ameaças vindas do Iraque, Iran, Oriente Médio e da Península Coreana; em segundo lugar seria a
difusão da tecnologia de sensores, como o radar; armamentos biológicos e químicos; assim como a tecnologia de
projeção, a tecnologia cibernética a tecnologia “stealth”, e etc; em terceiro lugar seria a atividade terrorista, comércio
ilegal de drogas, organizações criminosas internacionais, e falta de controle de imigração; em quarto lugar seria a
ameaça de armamentos antipessoal de grande poder.

“Nações que estejam capacitadas a rivalizar com os Estados Unidos não têm possibilidade de aparecer antes do ano de
2015, e após 2015, possivelmente aparecerá uma potencia regional ou um inimigo a nível global bem dotado em termos
de poder. Alguns consideram que mesmo não se conhecendo os prognósticos relativos à Rússia e à China, mesmo
assim, é possível que eles se tornem esse tipo de inimigo”.
Este Relatório que corresponde a um esforço conjunto, desenvolvido entre o Gabinete do Secretário do Departamento
de Defesa e a Junta de Chefes de Estado-Maior, evidentemente ainda está transitando no âmbito do conceito de
ameaça militar, sendo considerado em parte real, em parte imaginário. Ao analisar as ameaças especificadas na edição
de 1997 do relatório “United States National Military Strategy” , observa-se que existe uma seção especial que se refere
a “fatores desconhecidos” e evidencia que os norte-americanos estão ansiosos e receosos com relação a futuras
ameaças.

A GLOBALIZAÇÃO GERA UM CONCEITO DE SEGURANÇA NACIONAL AMPLIADO

136
Na realidade, não apenas os Estados Unidos, mas todas as nações que veneram o
conceito moderno de soberania, inconscientemente já deram início à ampliação das
fronteiras da segurança, estendendo-as a múltiplas ambiências, compreendendo a
política, a economia, os recursos materiais, a nacionalidade, a religião, a cultura, as
redes interativas, a geografia, o meio ambiente, o espaço sideral e etc.

O australiano Xiaomohan Malikev assinalou que as sete tendências que irão influenciar a segurança nacional durante o
século XXI são: globalização da economia; globalização de difusão tecnológica; a maré globalizadora da democracia; a
polarização da política internacional; mudanças na configuração dos sistemas internacionais; mudanças nas concepções
de segurança; e mudanças nos pontos focais de conflitos. Os efeitos combinados dessas tendências constituem as
origens das duas categorias de conflitos que ameaçam a segurança na região pacífico-asiática. A primeira categoria é a
fonte de conflitos tradicionais: a disputa pela hegemonia pelas grandes nações; a expansão do nacionalismo por nações
bem sucedidas; disputas em relação a interesses e direitos territoriais e marítimos; competição econômica; e
proliferação de armas com alto poder de destruição. A segunda categoria é constituída pelas novas fontes de futuros
conflitos: nacionalismo (racismo) nas nações em declínio; conflitos culturais entre crenças religiosas; a difusão de armas
leves letais; disputas em torno da explotação de petróleo, da pesca e de recursos marítimos; as ondas de deslocamento
de populações e refugiados; desastres ecológicos e o terrorismo. Todas essas situações interpõem ameaças múltiplas
às nações no decorrer do século 21. A visão deste australiano, com relação à segurança nacional é um pouco mais
ampla que a das autoridades norte-americanas. (Ver a publicação “United States' Comparative Strategies”, 1997, No.
16, para maiores detalhes).

Este tipo de “visão ampliada de soberania” constitui uma premissa para a


sobrevivência e desenvolvimento dos paises modernos, assim como, para os seus
esforços visando alcançar uma posição de influência no cenário mundial. E desta
forma, em contraste, a idéia de que a defesa nacional representa o principal objetivo
da segurança de um país, parece estar, no momento, um pouco desatualizada, ou,
pelo menos, um tanto o quanto insuficiente.

Em correspondência à nova “visão ampliada de soberania”, deveria haver uma nova


concepção de segurança, que incluísse a totalidade generalizada dos interesses
nacionais. O que este conceito deveria realmente significar, certamente, não está
limitado ao tema da Segurança Nacional, mas, ao invés, deve reunir as exigências
de segurança do país em diversas áreas, compreendendo a segurança política, a
segurança econômica, a segurança cultural e a segurança das informações, em um
único conjunto de objetivos nacionais. Isto define uma “visão ampliada de
segurança”, ampliando o tradicional conceito de domínio territorial para incorporar,
também, os interesses nacionais.

O acréscimo de responsabilidades inerente a essa “visão ampla de segurança”


acarreta dificuldades em relação ao seu objetivo, bem como, quanto aos métodos e
meios necessários para a consecução desse objetivo.

Daí decorre que a estratégia nacional capaz de garantir a consecução dos objetivos
da Segurança Nacional — isto é, aquilo que, de modo geral, é denominado Grande

137
Estratégia — também necessita de ajustes que se situam além das estratégias
militares e até mesmo das estratégias políticas.

[N.T.] Os autores, neste ponto da obra, apresentam um conhecimento diverso do corrente, quanto aos significados de
“Estratégia Nacional” e de “Grande Estratégia”. “Grande Estratégia” é um termo criado na Europa, no decorrer do
século 20, e que tinha em última análise o mesmo significado de “Estratégia Nacional”, considerando a nação voltada
para a consecução de uma grande guerra. Na obra, os autores insinuam que ambos os termos teriam o mesmo
significado. Tudo o que os autores prescrevem no que tange à segurança nacional refere-se, segundo o entendimento
brasileiro, exclusivamente ao conceito de Estratégia Nacional.

Tal estratégia deve levar em conta tudo o que se refere a cada aspecto da lista de
segurança dos interesses nacionais, assim como, interligar os fatores políticos
(vontade nacional, valores nacionais e a coesão nacional) e os fatores militares, aos
parâmetros da economia, cultura, relações internacionais, tecnologia, meio
ambiente, recursos nacionais, nacionalidades e outros, antes que se possa definir
uma completa “soberania ampliada” que reúna os interesses nacionais e a
Segurança Nacional, formando um grande mapa da situação estratégica.

A CHAVE ESTRATÉGICA — A COMBINAÇÃO CRIATIVA DE DIVERSOS


ELEMENTOS

Qualquer um que se defrontar com este mapa de situação experimentará,


subitamente, um sentimento de pequenez, devido à sua insignificância diante de
tão vasto oceano.

Como será possível desenvolver um conjunto uniforme e singular de meios e


métodos que seja aplicável a uma área tão ampla e volumosa, tão complexa e
repleta de interesses autoconflitantes, e com alvos tão complexos e até mesmo
reciprocamente antagônicos?

Por exemplo, como poderão ser empregados os meio militares, no contexto da


opinião de Clausewitz — “o derramamento de sangue ajudando a política” — para
solucionar a crise financeira do Sudeste Asiático?

Ou então, de que forma poderemos enfrentar os hackers — que circulam feito


sombras pelos meandros da Internet — utilizando o mesmo tipo de método?

A conclusão evidente é que dispor apenas de uma espada, para o trato da


Segurança Nacional, no amplo nível da segurança a que nos referimos, não é mais o
suficiente. Uma única viga de madeira não é suficiente para sustentar um prédio
que está ameaçando desmoronar.

O grande átrio da segurança de um moderno edifício nacional está muito além de

138
poder ser sustentado pela resistência isolada de um único pilar. A solução para que
ele se mantenha íntegro, e não colapse, reside em sua sustentação ser composta
por uma resultante da composição de forças inerentes a todos os aspectos do
interesse nacional. Alem disso, identificado este tipo de força resultante, também é
necessário materializar essa força em termos de meios que possam ser utilizados
operacionalmente.

Isto deveria ser um “grande método de guerra” que combinasse todas as dimensões
e métodos constantes das duas grandes ambiências, a militar e a não militar, e
assim conduzir a guerra. Isto representa o oposto da formulação de métodos de
guerra que foram utilizados em guerras do passado. Tão logo surgiu este “grande
método de guerra”, foi vislumbrado a necessidade de criação de um modelo de
guerra totalmente novo, que simultaneamente englobasse e se superpusesse a
todas as dimensões que influenciam a Segurança Nacional.

No entanto, quando analisamos os princípios deste “grande método de guerra”


constatamos que, ao contrário de ser complexo, é uma simples questão de
combinação. “O Caminho criou o uno, o uno criou o dois, o dois criou o três, e o
três criou dez mil coisas”4.

Não importa que sejam dois ou três ou dez mil coisas, tudo resulta da combinação.
Com a combinação existirá abundância e com a combinação haverá uma miríade de
mudanças, e com combinação haverá diversidade. A combinação praticamente
ampliou, a um valor infinito, os meios da guerra moderna, e praticamente mudou a
conceituação de guerra moderna elaborada no passado: a guerra executada com
armas e métodos de operações modernos. Isto significa que embora a ampliação das
medidas reduza o efeito das armas, o conceito da guerra moderna também é
ampliado.

Receamos que a maioria das antigas aspirações de alcançar a vitória numa guerra,
exclusivamente através de meios militares, numa situação em que a seleção de
meios necessária para cobrir toda a extensão do campo de batalha sofreu uma

4 [N.T.] Ainda que o autor não faça qualquer menção, esta citação corresponde a
um antigo adágio chinês.

139
grande expansão, tornou aquelas aspirações inócuas, como que “nadar e morrer
na praia”5.

O que deve ser feito por todos aqueles militares e políticos, imbuídos da ambição
pela vitória, é ampliar o seu campo visual, escolher o momento oportuno, avaliar a
situação, confiar na adoção de um método de guerra significativo, e livrarem-se do
miasma que representa a visão tradicional da guerra.

Escalar a montanha e apreciar o nascer do sol.

5 [N.T.] Utilizamos esta adaptação, por entendermos quer a versão em português do


adágio chinês utilizado pelo autor — “and be marginally within the mountain " —
não faria qualquer sentido.

140
CAP 5 - NOVA METODOLOGIA DOS JOGOS DE
GUERRA

“Os grandes mestres da arte da guerra do século 21 serão


aqueles que empregarem métodos inovadores para
possibilitar o reagrupamento de diversas capacidades de
modo a permitir a consecução dos objetivos táticos,
operacionais e estratégicos”.
Yier Tierfude

Tudo está em transformação. Considerando as mudanças decorrentes da explosão


da tecnologia; da substituição dos armamentos; do desenvolvimento de novos
conceitos de segurança; da redefinição quanto a alvos estratégicos; da falta de
clareza no tocante aos limites do campo de batalha; da expansão da esfera de
atuação e da dimensão dos meios não-militares, como, também, do pessoal civil
envolvido na guerra; vemos que tudo está enfocando um único objetivo, o início de
uma nova era de revolução dos métodos operativos.

Esta revolução não está em busca de métodos operativos que se coadunem com
cada tipo de mudança, mas em vez disso, está procurando um método operativo
comum que leve em conta todas essas mudanças. Em outras palavras, está
procurando uma nova metodologia que utilize um método para o trato das
inúmeras alterações das guerras futuras.

A Guerra é o jogo mais típico, e ainda assim, freqüentemente não é suscetível às teorias clássicas dos jogos. A guerra
é, intrinsecamente, o comportamento irritado do homem, e baseando-se em diversas conjecturas do “homem racional”
irá naturalmente e facilmente falhar. Os temidos efeitos decorrentes do uso de armas nucleares têm levado a
humanidade a gradualmente encontrar o seu caminho de volta, do comportamento mais irracional à racionalidade há
muito tempo perdida. Além disso, a direção da globalização tem levado a humanidade a concordar com o pensamento
do “homem racional” no processo de busca da segurança nacional, aprendendo a libertar-se da “condição de vítima”, e
não mais participar de jogos hegemônicos de “briga de galo” como entre os Estados Unidos e a União Soviética. O jogo
econômico compreendendo tanto a cooperação quanto a competição, já começou a infiltra-se na esfera militar e a
influenciar a guerra nesta nova era. (Referências podem ser encontradas na abordagem feita na obra de Zhang
Weiying — “Game Theory and Information Economics”; Livraria Sanlian de Shanghai; Shanghai People’s Press; 1996).

REMOVENDO A COBERTURA DAS NUVENS DA GUERRA


Quem já visualizou a guerra do futuro? Ninguém. A despeito disso, os seus diversos
cenários já foram propagados por muitos profetas e ficaram gravados em nossas
mentes como se fossem desenhos animados vulgares. Desde a sufocante guerra de
satélites em órbitas espaciais até as perseguições angulares por submarinos
nucleares nas profundezas dos oceanos; desde as bombas de precisão lançadas por
bombardeiros “stealth1” até os mísseis lançados de um cruzador equipado com o
“Escudo de Zeus2” aqueles cenários cobrem céus e terra e são muitos para serem
enumerados. O exemplo mais representativo destes cenários é a descrição de um
exercício de manobra de campo, realizado pelas unidades digitalizadas norte-
americanas, no complexo do Centro Nacional de Treinamento de Fort Irwin
(Califórnia, EUA).

Com as unidades digitalizadas como “Forças Azuis”, o sistema de computadores


estava permanentemente recebendo e processando as informações transmitidas
pelos satélites e pelas aeronaves “Joint Star3”. Aviões de alarme aéreo antecipado
(AEW) monitoravam todo o espaço aéreo. Caça-bombardeiros, orientados pelos
satélites e aviões AEW, atacavam seus alvos com mísseis de precisão. Forças
terrestres e helicópteros blindados alternavam-se nos ataques ao inimigo num
padrão tridimensional. Soldados de infantaria dispunham de “laptops” para receber
ordens e estavam equipados com armas automáticas, dotadas de visores óticos
integrados aos capacetes individuais. Neste contexto, a cena mais espetacular, na
realidade, foi a de um soldado que, movimentando o “mouse” em seu laptop, atacou
sucessivamente cinco alvos e orientou o fogo de sua própria artilharia e da aviação
sobre um grupo de tanques posicionado do outro lado de uma linha de elevações. A
tela do seu computador mostrou (os resultados): os tanques inimigos tinham sido
destruídos.

Nestes exercícios, conduzidos no deserto de Mojave, as unidades digitalizadas,


conhecidas como o “Exército do Século XXI” integravam as “tropas azuis”,
equipadas com uma completa gama de equipamentos digitais. No entanto, os

1 [N.T.] Adotada a expressão original por falta de uma versão doutrinaria oficial em
português. Ainda que no texto o tradutor tenha oferecido uma proposta de versão
para algumas dessas expressões.

2 [N.T.] “Zeus Shield” é a denominação dada ao sistema AEGIS de controle de tiro,


que equipou pela primeira vez os Cruzadores da Classe “Ticonderoga”.

3 [N.T.] Adotada a expressão original por falta de uma versão doutrinaria oficial em
português. Ainda que no texto o tradutor tenha oferecido uma proposta de versão
para algumas outras dessas expressões.

142
resultados finais apresentaram uma vitória, um empate e seis derrotas. Na
realidade, o “Exército do Século XXI”, ou as “tropas azuis” perderam para as “tropas
vermelhas” que dispunham de equipamentos tradicionais. Isto, todavia, não
impediu o Secretário de Defesa William Cohen de afirmar, numa reunião com a
imprensa após a conclusão do exercício que: “Eu considero que todos nós estamos
presenciando, aqui, uma revolução militar...”

A partir de 15 de março de 1997, o Exército dos Estados Unidos conduziu, durante 14 dias, exercícios operacionais de
alto nível com Brigadas digitalizadas na área do Centro Nacional de Treinamento do Forte Irwin, na Califórnia. De acordo
com as observações feitas pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Rymer, o propósito deste teste era o de
determinar ou não se o soldado tecnológico do século XXI estaria capacitado a responder, instantaneamente, a três
questões cruciais da guerra atual: Onde estou? Onde estão os meus companheiros? Onde está o inimigo? Em face das
condições em que os testes foram conduzidos, as tropas que foram reestruturadas e empregaram novos armamentos
com tecnologia digital tiveram uma velocidade operativa muito maior, um maior poder de destruição, e maior capacidade
de sobrevivência que o exército atual. Ver os relatórios no periódico norte-americano “Defense News”, edição de 17-23
de Março de 1997, para os detalhes relativos a este exercício.

É obvio que a revolução militar mencionada por Cohen é idêntica àquelas visões
proféticas a que nos referimos na abertura desta seção.

O ERRO DE USAR O PODER COMO ELEMENTO BALIZADOR — UM VÍCIO DA


GUERRA FRIA

O vencedor sempre deseja persistir num caminho de vitória. Da mesma forma como
as forças terrestres francesas que dependeram das trincheiras em Verdun para
vencer a Primeira Guerra Mundial, e que esperavam vencer a próxima guerra da
mesma forma, através da Linha Maginot, os militares norte-americanos que
obtiveram uma vitória na Guerra do Golfo, mantêm a esperança de continuar
praticando os tipos de ações empreendidas na Tempestade do Deserto no decorrer
do século XXI.

Ainda que todos os generais norte-americanos desejem se cobrir de glórias, como


ocorreu com o general Schwartzkopf, todos sabem, perfeitamente, que as guerras
do século XXI não terão possibilidade de ser uma simples réplica da Guerra do
Golfo. Foi por este motivo, que eles começaram a substituir os armamentos das
forças armadas norte-americanas, antes mesmo que a fumaça da guerra se
dissipasse, assim como, fizeram ajustes nas teorias originais de combate e na
organização de suas forças.

As forças armadas, em todo o mundo, tomaram conhecimento da futura estrutura


do poder militar norte-americano, e da sua concepção de um estilo próprio de
guerrear, através dos documentos “T
The Concept of Joint Forces in the Year 2010” e

143
“T
The Army of the Future”. Levando em consideração a imponência do poder militar
norte-americano, suas proposições não têm nada tem de extraordinário. Ninguém
poderia imaginar, no entanto, que um ponto cego no campo de visão dos norte-
americanos estava localizado exatamente no âmbito nestas proposições.

Até o momento, as tendências quanto ao desenvolvimento de armamentos nas


forças armadas norte-americanas, as mudanças nas diretrizes da defesa, a evolução
das teorias de combate, a renovação das práticas e de regulamentos, assim como, o
pensamento das autoridades militares de maior patente, todos esses fatores estão
evoluindo rapidamente e segundo uma única trajetória. Eles sustentam a idéia de
que os meios militares são os meios definitivos para a resolução dos conflitos
futuros, e que as disputas entre países irão resumir-se, ao final, no confronto entre
dois grandes exércitos num campo de batalha. Dada essa premissa, as forças
armadas norte-americanas se propõe a estar preparadas, para vencer guerras em
dois teatros diferentes, e neste sentido, eles têm empreendido um grande esforço de
preparação.

Foi novamente enfatizado no documento norte-americano “1997 National Army Strategy” que a missão e capacitação do
Exército dos Estados Unidos visava a, simultaneamente, vencer dois conflitos regionais de larga escala. Esta diretiva,
de fato, deu prosseguimento à política estratégica de crescimento do Exército predominante na era da Guerra Fria.
James R. Blaker frisa em seu artigo titulado “Building a Military Revolution –Type United States Army – A Troop Reform
Plan Different From the ‘Four Year Military Examination Report’”, que esta política — “foi um plano militar projetado há
20 anos atrás e implementado durante um período que terminou há 10 anos atrás. (“Strategy Review”, Ed Summer
1997).

No entanto, dentro do próprio Pentágono existem correntes contrárias a esta


concepção de dois teatros, como no caso do General Powell, alegando que os
Estados Unidos estavam, novamente, orientando a maior parcela de suas energias
para engajar-se “n
num tipo de Guerra Fria que nunca mais irá ocorrer”, e
possivelmente estava utilizando suas próprias capacidades numa direção errada4.
Esta contradição é conseqüência do fato de que a tendência internacional, no final
do século XX, é claramente perceptível. Em termos práticos, a era das guerras
consistindo num processo de movimentação de armas e soldados ainda não foi
transposta para as páginas da História, mas em termos conceituais é notório que já
começou a ficar para trás.

4 Ver relatório de pesquisa do Instituto de Pesquisa Estratégica da Escola de


Guerra do Exército dos Estados Unidos — “Strategy and Military Revolution: From
Theory to Policy” — Seção 8.

144
GLOBALIZAÇÃO E ALTA-TECNOLOGIA SUBSTITUEM AS AMEAÇAS MILITARES
POR NOVAS AMEAÇAS

Como conseqüência do aumento do número de tratados internacionais, limitando a


corrida armamentista e a proliferação dos armamentos, as Nações Unidas e as
organizações regionais internacionais ampliaram os seus poderes de intervenção
nas guerras localizadas e nos conflitos regionais e, em termos relativos, reduziram a
ameaça militar à segurança nacional. E por outro lado, o surgimento em larga
escala de uma nova e sofisticada tecnologia provocou a ampliação da possibilidade
de que ações não-militares ameacem a segurança nacional; e a comunidade
internacional que não sabe o que fazer, quando confrontada com ameaças não-
militares dotadas de uma capacidade de destruição igual à de uma guerra, também
não dispõe de uma capacidade para impor restrições adequadas que seriam
necessárias e eficazes. Objetivamente, isto tem acelerado a ocorrência de guerras
não-militares, e ao mesmo tempo, faz com que os antigos conceitos e sistemas de
segurança nacional estejam a ponto de um colapso.

AS FORÇAS ARMADAS NORTE-AMERICANAS SE AFASTAM DAS CONCEPÇÕES


MULTIFACETADAS DE GUERRA

Em paralelo aos ataques terroristas, cada vez mais intensos; as guerras dos
hackers; as guerras financeiras; e as guerras de vírus nos computadores; que irão
dominar o futuro, existem atualmente, as novas concepções de guerra, para as
quais é difícil estabelecer uma designação, e que já são suficientes para que a
percepção de segurança, de que — “resistir ao ataque de um inimigo além das
fronteiras nacionais” — passe a ser, da noite para o dia, algo do passado.

Não é o caso que os círculos militares norte-americanos não tenham percebido o


que significa eliminar as ameaças inimigas militares e não-militares, (já nos
referimos, anteriormente, a uma série de relatórios publicados durante vários anos
pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos); na realidade, eles têm
“empurrado” o enfrentamento das ameaças não-militares para os políticos e para a
Agência Central de Informações (CIA) e, com isso, eximiram-se das “guerras em
outras dimensões”, das operações não-militares e de todas as outras novas
concepções de guerra.

Os militares norte-americanos recolheram-se cada vez mais, concentrando-se numa


árvore frondosa e atenta, tendo como frutos vários tipos de armas sofisticadas,

145
aguardando, isoladamente, pela passagem de um coelho idiota e trapalhão que
inadvertidamente nela esbarrasse. No entanto, depois de Saddan, que ficou
nocauteado após esbarrar com o tronco dessa árvore, quem será o próximo coelho
desavisado?

OPERAÇÕES MILITARES DE NÃO-COMBATE EM KOSOVO SÃO VÁLIDAS —


MAS UMA GUERRA NÃO-MILITAR NÃO É VÁLIDA.

Levando em consideração a sua predisposição de “ficar a espreita na escuridão


empunhando uma faca” os militares norte-americanos, que perderam o seu
oponente devido ao colapso da União Soviética, estão procurando, fervorosamente,
uma justificativa que os impeça de se transformarem em “desempregados”. Isto
decorre do fato de que, desde os generais até os soldados; desde a lança de ataque
ao escudo de defesa; desde as principais estratégias aos métodos simples de uma
operação, todas as ações das forças armadas norte-americanas sempre estiveram
direcionadas para a obtenção da vitória em uma grande guerra.

Não deveria ser o caso, mas militares norte-americanos, e até mesmo o Congresso,
ao perceberem que não existiam mais dois exércitos em oposição, tenham passado
a sentir uma sensação de vazio por terem perdido os seus propósitos5. A
conseqüência foi que, na inexistência de um inimigo, um outro deveria ser criado.
Em decorrência, até mesmo numa inexpressiva área de atuação, como foi o caso de
Kosovo, eles não poderiam perder a oportunidade de brandir suas espadas
enferrujadas.

Os militares norte-americanos, cada vez mais envolvidos no insolúvel problema de


aplicação ou não da força, depois de distenderem seus próprios tentáculos, desde a
ambiência da guerra até a ambiência das ações militares de não-combate, parecem
não estar mais dispostos a estenderem sua atuação a grandes distâncias ou ao
universo da guerra não-militar. Isto se deve, possivelmente, a uma falta de
sensibilidade quanto a novos fatos, e também, possivelmente, em função de um
conservadorismo, ou até mesmo devido a limitações de raciocínio.
Independentemente de qual seja a causa, e isto é um fato indiscutível, o militar

5 [N.T.] Instrutores e estudiosos de estratégia no Naval War College costumam


referir-se a este sentimento com a citação de que “os militares norte-americanos
sentem falta, ao acordar, de terem aquele grande urso branco para abraçar”.

146
norte-americano sempre teve o seu campo de visão limitado pelas nuvens da
guerra.

OS EUA ESTÃO MAL ORGANIZADOS E MAL PREPARADOS PARA AMEAÇAS


NÃO-MILITARES

Ainda que os Estados Unidos tenha enfrentado o impacto da confrontação com este
tipo de guerra não-militar, e tenha sido o lado continuamente afetado, ainda assim
o que é surpreendente é que uma nação tão poderosa não possua uma estratégia e
uma estrutura de comando unificado para o enfrentamento desta ameaça. O que
poderia nos deixar sem saber se devemos “rir ou chorar” é que de maneira inédita,
eles dispõe de quarenta e nove departamentos e repartições responsáveis pelas
atividades antiterroristas, e que na realidade, existe muito pouca coordenação e
cooperação entre eles.

Quanto a esse aspecto, outros países não estão em melhores condições em relação
aos Estados Unidos. Os recursos financeiros e as diretrizes básicas de investimento
de muitos países, quanto ao atendimento das necessidades da segurança ainda
estão limitados aos setores militares, políticos e de informações, havendo poucos e
ínfimos investimentos em outros setores de atividades. Utilizando novamente os
Estados Unidos como um exemplo, sabe-se que eles investem sete bilhões de
dólares nas atividades de antiterrorismo, o que significa apenas 1/25 avos dos 250
bilhões de dólares alocados às despesas militares.

Independentemente do modo pelo qual cada país deixa de levar em consideração a


crescente ameaça da guerra não-militar, este fato real está progressivamente
afetando a existência da humanidade, expandindo-se e disseminando-se com o seu
próprio modelo e velocidade. Não é necessário chamar a atenção para este fato
porque as pessoas irão descobrir que, na medida em que a humanidade concentra
maiores atenções em seu apelo à paz e à limitação das guerras, muitas das origens
das guerras estão em aspectos e coisas que constituem a nossa vida pacífica, e que
se tornarão, uma após outra, armas letais que destruirão a paz. Até mesmo aquelas
regras de valor consagrado e os preceitos valiosos que sempre apoiamos começam
também a transformar-se em um recurso para que alguns países possam atacar
outros, ou para determinadas organizações e indivíduos, atacarem toda uma
sociedade.

É algo semelhante aos cenários que são apresentados a seguir: quando existe um

147
computador, passa também a existir um vírus de computador; quando existe a
moeda surge a especulação monetária; a liberdade de crença versus o extremismo
religioso e o herético; os direitos humanos comuns e a soberania nacional;
liberdade econômica e proteção comercial; autonomia nacional versus corporações
transnacionais; liberdade de informação e barreiras às informações, assim como o
compartilhamento do conhecimento e o monopólio da tecnologia. É possível que em
qualquer uma dessas áreas surja, em determinado momento no futuro, uma guerra
entre grupos distintos de seres humanos competindo corpo a corpo. O campo de
batalha está próximo a você, e o inimigo está numa rede de dados. Apenas não
existem o cheiro da pólvora e o odor do sangue.

A GUERRA SEM A PÓLVORA É DIFÍCIL DE SER ACEITA PELOS MILITARES


No entanto, é uma guerra como ela sempre foi caracterizada, porquanto ela se
enquadra na definição de guerra moderna: obrigar o inimigo a satisfazer nossos
próprios interesses. É bastante obvio, que nenhum dos militares, de qualquer país,
possui um preparo mental suficiente para enfrentar esse novo tipo de guerra, que
se localiza completamente fora da ambiência militar. Trata-se, porém, de uma difícil
realidade que todos os militares têm de enfrentar.

As novas ameaças exigem novas visões quanto à segurança nacional, e as novas


visões necessitam, portanto, que os militares, em primeiro lugar, ampliem o seu
campo de percepção, antes de multiplicar suas vitórias. Isto é uma questão de
eliminar a longa e estreita nuvem encobrindo o alcance da guerra na nossa visão.

A DESTRUIÇÃO DAS REGRAS E A AMBIÊNCIA DE PERDA DE


EFICÁCIA

REGRAS DIFERENTES ENTRE PAÍSES GRANDES E PEQUENOS


Como um recurso extremo para a solução de conflitos de sobrevivência e de
interesses a guerra tem sido sempre um monstro domesticado pela raça humana.
De um lado, a guerra é o limpador de ruas da cadeia ecológica da sociedade, e por
outro lado, é a ameaça constituída de forma direta à sobrevivência da raça humana.

Como poderemos controlá-la sem que sejamos consumidos por ela?

Ao longo dos últimos milhares de anos, e especialmente no século XX, durante os


intervalos entre as chamas da guerra, sempre existiu um objetivo a ser alcançado:

148
desenvolver esforços para aprisionar o monstro em sua jaula. É por essa razão que
foram formulados inúmeros tratados e convenções.

Desde a famosa Convenção de Genebra, passando pelas Nações Unidas e até ao


momento presente, tem ocorrido uma contínua elaboração de diversos mecanismos
relativos à guerra, buscando criar barreiras, uma após outra, para impedir o
desenvolvimento de guerras irracionais e sanguinárias, e ao mesmo tempo, tem-se
procurado utilizar as leis e regulamentos internacionais, visando manter os
prejuízos da guerra à humanidade em seu nível mais baixo, especificamente. desde
a proibição do uso de arma bioquímicas, da matança indiscriminada de civis, do
mau trato de prisioneiros de guerra, da limitação o uso de minas terrestres e etc,
até a ampla oposição do uso da força para a resolução de problemas relativos às
relações internacionais. Todos estes regulamentos têm sido progressivamente
aceitos por cada país.

Dentre os mecanismos mais elogiáveis poderíamos citar uma série de tratados


concernentes à não-proliferação nuclear, à proibição de testes nucleares, à redução
bilateral e multilateral de armamentos nucleares, etc., os quais, até a presente
data, que evitaram quer a humanidade ingressasse num inverno nuclear. Ao
término da Guerra Fria o mundo inteiro ficou eufórico, e considerava que como
resultado deste evento estávamos dando início a uma “paz extraordinária”.

Depois que Schwartzkopf usou o punho de uma “tempestade” para derrubar


Saddam, no ringue do Golfo, o Presidente Bush, exultante com o sucesso declarou:
“A nova ordem mundial já passou pelo seu primeiro teste”. Nesta passagem, ele se
pareceu com Chamberlain ao retornar de Munique anunciando que a humanidade
ia “reunir-se em torno de um mundo dotado de uma esperança de paz”. E qual foi o
resultado? De forma semelhante a Chamberlain, Bush também “cantou vitória”
cedo demais.6

A despeito de considerarmos se foi o fim da Guerra Fria ou a Guerra do Golfo,


nenhum destes fatos foi capaz de materializar as promessas feitas para o mundo
pelos políticos, ou de concretizar a nova ordem internacional que havia sido
antecipada por toda a humanidade. O colapso do mundo polarizado libertou, um a

6 De fato, este foi um problema iraquiano o qual Bush também foi incapaz de
resolver de forma completa. Saddam, gradativamente, tornou-se uma ferida difícil
de ser curada para os norte-americanos.

149
um, de suas jaulas, os monstros das guerras localizadas, afogando em um mar de
sangue países e regiões como Ruanda, Somália, Chechenia, Congo e Kosovo.
Descobre-se agora, novamente, como os esforços para a paz, desenvolvidos durante
milhares de anos, podem ser destruídos com um simples golpe!

O desenvolvimento deste tipo de situação está relacionado à atitude comum


adotada por todos os países no tocante às regras internacionais. O reconhecimento
destas regras, por parte de cada país, depende de elas serem ou não benéficas, para
os seus próprios interesses. Os países pequenos procuram utilizar as regras
internacionais para protegerem os seus interesses, ao passo que os países grandes
utilizam essas regras para exercer um controle sobre outros países. Quando as
regras não coincidem com os interesses de um determinado país, e se ele for um
país pequeno, o não cumprimento das regras pode ser imposto pelos grandes
países, sob o título de mantenedores da lei.

No entanto, as grandes nações quebram as regras, como, por exemplo, os Estados


Unidos, que impondo leis supranacionais ao Panamá, onde um Chefe de Estado foi
aprisionado e levando a julgamento em outro país. Um outro exemplo é o
desrespeito por parte da Índia, quanto ao tratado de proibição de testes nucleares,
ou quando ela se apoderou da nação Sikkim no Himalaia, fato semelhante ao do
Iraque ao ocupar o Kuait. Em ambos os casos a comunidade internacional, como
sempre, apenas ficou desolada, sem sequer saber o que fazer.7

No entanto, para qualquer fato, existe sempre a contraposição imbatível, um


inimigo natural e que é adequadamente descrito em um adágio popular chinês: “A
salmoura coagula o sangue de uma ferida e um f ato sempre se sobrepõe a outro”.

Na comunidade internacional, as nações mais poderosas, quando confrontando os


fracos e impotentes, quer na formulação e utilização das regras, quer no seu
descumprimento e até mesmo anulação, quando não lhes são vantajosas,
possibilitam o surgimento de sua contraposição, através de forças não-estatais, que
não reconhecem quaisquer regras, e se especializam em considerar a ordem
nacional reinante como o seu objetivo de destruição.

7 A ação militar “Raposa do Deserto”, recentemente implementada pelos Estados


Unidos e Inglaterra, constitui, também, uma óbvia séria ofensa de uma grande
nação, em violação à Carta das Nações Unidas.

150
OS ATORES NÃO-ESTATAIS NÃO SÃO CONSTRANGIDOS POR FRONTEIRAS
Constituindo-se no inimigo natural da comunidade internacional, e especialmente
das grandes nações, ao mesmo tempo em que elas ameaçam a sobrevivência
humana, produzem também efeitos circunstanciais no equilíbrio da sociedade e da
ecologia. Em outras palavras, essas forças não-estatais, servem como um tipo de
agente destrutivo social que destrói, tanto a ordem internacional costumeira, como
também limita a capacidade de destruição daquelas nações poderosas face à
comunidade internacional.

Por exemplo, ocorreram diversos alertas de incursões de inúmeros hackers8 ao site


do Ministério da Defesa da Índia, depois que os hindus realizaram testes nucleares,
e ocorreu, também, o ato terrorista praticado pelo rico muçulmano Osama bin
Laden, devido à sua insatisfação com a presença dos Estados Unidos no Oriente
Médio. Embora nos seja difícil delinear os efeitos positivos e negativos dessas ações,
ainda assim, é possível concluir que todas elas possuem características destrutivas
e irresponsáveis, que ignoram as regras.

O resultado direto da eliminação das regras é que as áreas limitadas por fronteiras
visíveis ou, invisíveis, e que eram reconhecidas pela comunidade internacional,
perderam a sua efetividade. Isto se deve ao fato de que os principais agentes que
não dispõem do Poder Nacional e que empregam ações de guerra não-militar para
atacar a comunidade internacional, todos utilizam meios que vão além daqueles
circunscritos a nações, regiões, regras ou normas. Fronteiras nacionais visíveis, o
espaço invisível da Internet, a legislação internacional, a legislação nacional, as
normas de conduta e os princípios éticos não tem qualquer efeito restritivo em suas
ações.

Eles não são responsáveis perante quem quer que seja, não são limitados por
quaisquer regras, e não existe nenhum impedimento quando se trata da seleção de

8 O significado original da expressão “hacker” tinha um significado neutro, sem


qualquer sentido denegridor. Os primeiros hackers usavam a sua obsessão
tecnológica com boas intenções, visando o desenvolvimento de uma nova ambiência
do conhecimento na área de lógica, e com este propósito, muitos aderiram a este
grupo, formando diversas gerações de hackers. Contudo, no universo das redes de
hoje, onde a degeneração moral aumente diariamente, não há mais condutas
cavalheirescas.

151
alvos, como também não existe qualquer limitação quanto à escolha de meios a
serem utilizados. Devido à natureza sub-reptícia de suas manobras, eles dispõem
de um grau de ocultamento significativo, criam prejuízos consideráveis devido ao
seu proceder extremado e normalmente parecem cruéis em decorrência de seus
ataques indiscriminados contra a população civil. Tudo isso é propagado em tempo
real, através a cobertura contínua da mídia moderna, o que contribui
significativamente para o fortalecimento dos efeitos do terrorismo.

Ao travar uma guerra com esse tipo de inimigo, não haverá uma declaração prévia
ou formal de guerra; nenhum campo de batalha claramente definido; nenhum
combate corpo a corpo ou a decorrente matança, e na maioria das vezes, nem
haverá a fumaça dos canhões, disparos de armas de fogo e derramamento de
sangue. No entanto, a destruição e os danos sofridos pela comunidade
internacional não serão, de forma alguma inferiores àqueles de uma guerra militar.

AS BOMBAS DOS TERRORISTAS SÃO MUITO MAIS PERIGOSAS QUE AS BOMBAS


MILITARES

Seguindo-se ao desaparecimento gradual dos antigos terroristas, que se


especializaram no seqüestro, no assassinato, e nos assaltos, surgiram, de um dia
para o outro, novas forças do terrorismo, que muito rapidamente preencheram o
vácuo deixado por seus antecessores. Durante um curto período de quase dez anos,
eles se transformaram de pessoas com origens desconhecidas em pessoas
incômodas para o público mundial, e dentre eles os hackers são os principais.

A popularização dos computadores pessoais, e em particular o advento da internet,


redundou em que os atos maliciosos praticados pelos hackers passaram a
representar um perigo crescente à ordem social existente. Os hackers aos quais nos
referimos são aqueles destruidores de redes interativas de dados, que roubam
informações, que apagam ou alteram arquivos de dados, que disseminam vírus de
computador, transferem capitais e destroem programas existentes em redes. No
sentido de diferenciá-los daqueles hackers não-maliciosos deveríamos talvez
denominá-los como “bandidos de rede” ou “tiranos de rede”, o que seria muito mais
correto. Suas potencialidades quanto a prejudicar o mundo atual são chocantes.

No início de 1988, quando os hackers estavam iniciando suas atividades, e o


público em geral nada sabia quanto ao perigo que eles representavam, um pequeno

152
vírus criado por Robert Morris paralisou, totalmente, 6000 computadores de
sistemas militares e civis em rede através dos Estados Unidos, incluindo o
Escritório de Planejamento de Longo Prazo do Departamento de Defesa norte-
americano, os Centros de Pesquisa das Organizações Rand e a Universidade de
Harvard. Mais tarde, este tipo de ocorrência começou a aparecer, sucessivamente,
nas redes interativas de outras nações e regiões. A partir de 1990, quando o
governo norte-americano começou a combater rigorosamente os crimes de ataques
a redes interativas, as atividades dos hackers além de não evidenciarem qualquer
diminuição, muito pelo contrário, espalharam-se em nível global com a força de um
incêndio florestal.

Vale a pena registrar que após a regulamentação da “guerra cibernética” pelos


militares norte-americanos, posicionando as forças armadas de nações inimigas ou
oponentes globais, no mesmo patamar dos usuários não autorizados, do pessoal da
administração interna, dos terroristas, das organizações não-nacionais, das
organizações estrangeiras de Inteligência, representando as seis fontes de ameaças
às redes interativas, os hackers de origem nacional ou militar começaram a revelar
pistas.

Em 1996, o Escritório do Sistema de Informações do Departamento de Defesa dos Estados Unidos foi implantado de
modo a reforçar a proteção dos sistemas militares de informação. No mesmo ano, a criação do Comitê Presidencial para
Proteção de Infra-estruturas Vitais dos Estados Unidos também foi anunciada. Este Comitê é responsável pela proteção
dos sistemas de telecomunicações, dos sistemas financeiros, dos sistemas de distribuição de energia elétrica, dos
sistemas de abastecimento de água e dos sistemas de transporte. Todo este empreendimento estava direcionado contra
ameaças reais, e o manual militar norte-americano “FM100-6 — Field Command Information Operations” estabelece de
forma clara que “as ameaças às infra-estruturas de informações são reais, suas fontes têm amplitude global,
manifestam-se em diversas áreas da tecnologia, e acima de tudo, essas ameaças estão aumentando. Essas ameaças
têm origem em indivíduos e grupos, e sua motivação são os benefícios de ordem militar, política, social, cultural,
religiosa comercial ou individual. Essas ameaças também têm origem em maníacos na área de informação.”

Isto, não só reforçou sobremaneira a ação coletiva dos hackers, pela concentração
de suas ações isoladas e dispersas, projetando-as rapidamente a um âmbito
nacional (tiranos de rede), como também, resultou numa crescente ampliação das
ameaças às redes interativas de dados de todas as nações (inclusive para aquelas
nações que empregam oficialmente hackers nacionais e militares), tornando-se cada
vez mais difícil de serem previstas ou evitadas.

A única previsão que poderia ser feita era a de que o prejuízo causado por esse tipo
de ameaça, em uma nação dispondo de uma grande rede de dados, como é o caso
dos Estados Unidos, certamente seria maior do que em qualquer outra nação.

Diante desta perspectiva, até mesmo J. Saiteerdou, responsável no âmbito do


“Federal Bureau of Investigation” (FBI) pela investigação de crimes na área de

153
informática, afirmou manifestando ao mesmo tempo preocupação e autoconfiança:
“Coloquem ao meu dispor dez hackers, cuidadosamente escolhidos, e em noventa
dias eu serei capaz da fazer esta nação baixar suas armas e render-se”.

Quando comparados a estes “bandidos de redes interativas” ou “terroristas de redes


interativas”, o terror provocado pelas bombas de bin Laden assemelha-se ao que
poderia ser considerado como um legado do terrorismo tradicional. Isto, no entanto,
não nos impede de incluí-lo nas fileiras do novo terrorismo, porque mesmo não
considerando suas origens religiosas ou sua formação intelectual heterodoxa e a
tendência a opor-se ao controle exercido por grandes nações, podemos perceber na
própria personalidade de bin Laden um reflexo daqueles antigos guerreiros, que
propagavam bazófias ruidosas, ainda que vazias de conteúdo, que adoravam a
publicidade, e utilizavam armamentos leves e um único método de ação. Em outras
áreas de atuação do terrorismo, todavia, é impossível estabelecer comparações.

Antes dos sérios ataques com bombas às embaixadas norte-americanas em Nairobi


e Dares Salaam, os quais chocaram a opinião publica mundial, o nome de bin
Laden ainda não constava da lista das trinta organizações terroristas publicada
pela Organização Internacional Antiterrorista, e mesmo que já tivessem lhe
atribuído, diversos casos de assassinato, ele era apenas um “herói anônimo” no
mundo islâmico, uma vez que não havia se vangloriado de suas ações.

Até mesmo depois que os norte-americanos lançaram mísseis de cruzeiro contra ele
e emitiram sua ordem de prisão, bin Laden, repetidamente, negou que estivesse,
pessoalmente, envolvido com aqueles ataques. A ocultação e o disfarce, produzindo
resultados mais significativos, e de maneira imprevista proporcionando uma
reputação não merecida representam, talvez, as primeiras dentre as principais
características das organizações terroristas do tipo bin Laden. Alem disso, tendo
aprendido a utilizar recursos financeiros e aproveitando-se das brechas da
liberdade econômica, iniciada pelo Ocidente, tais organizações criaram empresas
de administração assim como Bancos, e engajaram-se no contrabando e tráfico de
drogas em larga escala; na revenda de armamentos; na emissão de grandes
quantidades de moeda falsa, como também, passaram a contar, com as

154
contribuições de seguidores religiosos para a obtenção de recursos financeiros
estáveis9.

Deste modo, os tentáculos dessas novas organizações terroristas atingem áreas


cada vez mais amplas, e os seus meios também são diversificados como, por
exemplo, utilizando organizações religiosas e hereges para desenvolver o seu próprio
material de propaganda, organizando milícias antigovernamentais e assim por
diante. A fácil captação de recursos financeiros possibilita que eles adquiram e
controlem quantidades significativas de meios de alta-tecnologia e, por via de
conseqüência, passem a dispor da capacidade de infligir com mais facilidade ainda
maiores perdas de vidas humanas.

Embora a grande maioria dos ataques desfechados por essas organizações tenha
sido, até agora, contra as nações ricas e as nações ocidentais, especialmente as
grandes nações que possuem a capacidade de controlar outras nações, elas
representam uma ameaça comum para a ordem existente; representam a
destruição das regras comumente reconhecidas, como também representam uma
ameaça à comunidade internacional. Pode-se observar, a partir de condições
preestabelecidas, que estas novas organizações terroristas, ainda em
desenvolvimento, constituem, meramente, algumas marés negras resultantes das
novas atividades terroristas globais. Pode ser até constatado a existência de densas
correntes, das quais nada sabemos, surgindo abaixo da superfície da águas.

Com uma participação recente nesta contracorrente estão os especuladores


financeiros internacionais. Ainda que até o momento estes garbosos e bem vestidos
indivíduos não estejam sendo incluídos na categoria de terroristas, suas ações e as
conseqüências calamitosas provocadas na Inglaterra, no México e no Sudeste
Asiático foram de tal ordem, que nem os “bandidos” ou bin Laden poderiam oferecer
sugestões quanto ao seu modo de agir.

Analisando-se os grandes “crocodilos” financeiros, como Soros, por exemplo, e o


potencial do volume de negociações diárias, que excede a cifra de US$ 120 bilhões
em capital de giro, ele se valeu de artifícios e métodos financeiros alternativos e das
normas da economia livre, para repetidamente modificar os seus posicionamentos,

9 O que é mais satírico é que a firma de construção pertencente à família de bin


Laden foi a responsável pela construção dos alojamentos do Exército norte-
americano na Arábia Saudita.

155
executando jogadas que visavam criar problemas os quais, um após outro, viriam a
provocar uma série de débâcles financeiras.

Como conseqüência a área das nações atingidas ampliou-se gradativamente, desde


o Sudeste Asiático até a Rússia; em seguida até o Japão e, finalmente, à Europa e
Estados Unidos, os quais, embora às margens do processo também foram
incapazes de fugir do problema criado por um golpe de sorte, e assim sendo, todo o
sistema financeiro e a ordem econômica mundial em vigor foram basicamente
abalados, um evento que significa um novo desastre, ameaçando a sociedade
humana e a segurança internacional.10 As características típicas desse terrorismo,
compreendendo sua condição transnacional, sua ocultação, a inexistência de
regras, e sua capacidade tremendamente destrutiva, permite-nos classificá-lo como
“tterrorismo financeiro”.

Diante da dimensão extraordinária do aparato estatal, talvez os terroristas e suas


organizações não devessem ser levados em conta, quando se considera o número de
pessoas envolvidas e seus métodos. Mas, na realidade, não existe nenhum país que
não se preocupe com eles. Isto decorre do fato deles constituírem um grupo de
maníacos que não age de acordo com as regras. Uma organização terrorista que
possua armas nucleares é certamente muito mais perigosa do que uma nação que
possua as mesmas armas nucleares. O credo de bin Laden estipula que: “Se eu
posso morrer então eu também não deixarei que os outros vivam”. Assim sendo,
nada constitui empecilho para ele, e por via de conseqüência, para matar dez norte-
americanos, ele também afogará vários milhares de inocentes em um mar de
sangue. A lógica de Soros explicita que: “Eu entrei no quarto para roubar o dinheiro
porque a porta estava aberta”, deste modo, ele não terá que se sentir responsável
pela destruição da economia de outras nações e pelo desordenamento de suas
estruturas políticas.

Para bin Laden, que se esconde à sombra das colinas do fundamentalismo islâmico,
para Soros, que se oculta no interior da floresta da economia livre, e para os
hackers que se escondem por trás das cortinas das redes interativas de dados, para
todos eles não existem fronteiras nacionais, e quaisquer fronteiras não têm o menor

10 O aspecto mais perturbador do terrorismo financeiro é o “dinheiro quente” que


possibilita o lançamento de ataques destrutivos às economias das nações numa
questão de dias, e os alvos variam desde os bancos centrais até as pessoas pobres.

156
valor. O que eles pretendem conseguir é a destruição inconsciente de uma
ambiência organizada, e agir de forma selvagem e desvairada em ambiências que
não possuam regras estabelecidas.

ALGUMAS VEZES É NECESSÁRIO QUEBRAR AS REGRAS PARA COMBATER O


TERRORISMO

Estas novas forças terroristas criaram, para a ordem mundial atual, um sério
desafio que é sem precedentes ao mesmo tempo fizeram com que, até certo ponto,
tenhamos dúvidas quanto ao significado lógico de uma ordem estabelecida. Talvez,
aqueles que impedem a destruição das regras, e aqueles que promovem a revisão
das regras vigentes sejam ambos necessários. Isto se deve ao fato de que qualquer
destruição das regras sempre cria novos problemas que necessitam serem
resolvidos com todo o rigor. Numa era em que uma ordem antiga está prestes a ser
anulada, aqueles na liderança freqüentemente são os primeiros a destruir as
regras, ou então, os primeiros a se adaptarem a esta nova situação. Logicamente,
quanto a este ponto, os novos terroristas já evoluíram para a vanguarda da
comunidade internacional.

O método ideal de operação para enfrentar um inimigo que não obedece a regras
será, com toda a certeza, dispor da capacidade de abrir caminho através de regras.
Recentemente, ao ocorrer o enfrentamento de inimigos que aparecem e
desaparecem na ambiência da guerra não-militar, os norte-americanos empregaram
mísseis de cruzeiro; o governo de Hong Kong usou suas reservas em moeda
estrangeira e adotou providências administrativas; e o governo britânico violou
convenções de modo a permitir que suas organizações do Serviço Secreto,
“legalmente” exterminassem os líderes de nações estrangeiras, que eles
consideravam ser terroristas. Isto revela uma atualização das regras e uma
mudança nos métodos de operação. No entanto, demonstra, também, a fraqueza
decorrente de um raciocínio embotado e a carência de sutileza quanto ao método de
ação. Foi mencionado que os norte-americanos já teriam decidido adotar os
procedimentos de hackers para rastrear e bloquear as contas bancárias de bin
Laden em diversas nações, de modo a basicamente cortar suas fontes de recursos.
Sem dúvida, isto representa uma ruptura em termos de método de operação, e que
vai além da ambiência militar.

157
Quanto a isso, no entanto, deveremos também considerar que nesta área, os novos
e velhos terroristas — os quais consistentemente apoiaram o princípio do recurso a
qualquer meio concebível — continuam sendo os melhores professores para
qualquer governo nacional.

COQUETEL NA TAÇA DOS GRANDES MESTRES

GÊNIOS MILITARES DO PASSADO COMBINAVAM OS ELEMENTOS PARA VENCER


O Rei Wu da dinastia Zhou, há três mil anos atrás, e Alexandre o Grande há mais
de dois mil anos, certamente não saberiam o que é um coquetel e, no entanto,
foram mestres no preparo de coquetéis no campo de batalha. Isto ocorreu porque,
semelhantemente ao preparo de um coquetel, eles adotaram uma engenhosa
combinação de dois ou mais fatores inerentes ao campo de batalha, projetando-os
no combate e obtendo a vitória.

“1 + 1” é o método de combinação mais elementar como também o mais antigo.


Longas lanças e escudos redondos podem equipar um soldado, tanto para o ataque,
quanto para a defesa, estabelecendo uma base, para o avanço ou para o recuo; dois
homens compõem uma unidade na qual “os soldados com armas de longo alcance
são usados para a defesa, enquanto que aqueles com armas de curto alcance são
utilizados para a manutenção de posição”, um par de soldados que se coordenam
entre si, constituem assim a menor unidade tática.11

O cavaleiro Don Quixote e seu escudeiro Sancho Pança demonstraram que a


separação de tarefas entre o Nobre e o seu Escudeiro já haviam sido instituídas e
assim a equipe poderia dar início a uma longa jornada para enfrentar os infortúnios
que afetavam a princesa imaginaria. Uma combinação como estas, tão simples,
incorpora a profunda teoria das infinitas mudanças que ocorrem num campo de
batalha. Desde as armas brancas às armas de fogo e, em seguida, às armas
nucleares, e até à combinação das chamadas armas de alta-tecnologia atuais, todas
representaram o instrumento musical nas mãos mágicas dos vitoriosos, e essa
combinação sempre esteve presente em toda a História da humanidade,
influenciando secretamente o resultado de cada guerra.

11 Ver “The History of Warfare in China”; Military Translations Press; Vol. 1, p.78,
Seção Wilderness Wars.

158
Quando o Rei Wu (primeiro rei da Dinastia Zhuo) atacou Shang Zhuo (último rei da
Dinastia Shang), com um exército composto por 300 carruagens, 3.000 bravos
guerreiros e 45.000 soldados com armaduras, dispunha efetivo muito menor que as
centenas de milhares de soldados a pé que integravam o exército do Rei Zhou12 da
Dinastia Shang, no entanto, naquele pequeno exército, a combinação de
carruagens e soldados, tornou-se um fundamento da organização dos exércitos
durante a Dinastia Zhou, visto que esta combinação aumentou, enormemente, o
poder de combate em áreas descampadas, evidenciando, pela primeira vez, a
importância da combinação de meios numa guerra, fator este que ainda pode ser
evidenciado, decorridos 3.120 anos.

Dado que este foi o exemplo no Oriente, o Ocidente não seria exceção. A razão pela
qual Alexandre foi capaz de derrotar um grande exército no decorrer de uma única
e decisiva batalha em Arbela (em 331 AC) foi porque ele fez adaptações
imediatamente antes de entrar em combate, mudando a tradicional formação de
uma matriz quadrangular que avançava com uma frente linear, homogênea,
surpreendendo o seu inimigo. O seu método foi muito simples. Dispôs a sua
cavalaria, fortemente armada e treinada, em dois grupos, flanqueando um corpo
central formado pela falange13. Ao contrário do que sempre fazia, e contrariando as
expectativas de seu oponente Dario III, Alexandre foi desbalanciou a sua frente de
combate, reforçando mais sua ala esquerda, onde ele se posicionou. Quando Dario
resolveu atacar a posição em que Alexandre estava provocou abriu uma brecha sua
linha, que era exatamente o que Alexandre esperava para investir com a ala
esquerda (que estava reforçada), provocando uma completa ruptura nas linhas
persas. Deste modo, a flexibilidade da cavalaria e a estabilidade de um corpo
central composto pela falange, constituíam uma combinação ideal, um dispositivo
de combate exemplar, onde cada componente podia desenvolver o seu potencial de
maneira mais incisiva. O resultado em Arbela foi que, naturalmente, Alexandre,

12 [N.T.]Os vocábulos Zhou, designando a Dinastia do rei Wu, e como o nome do rei
da Dinastia Shang, são homógrafos, sendo que diferença de significado é percebida
em sua grafia original, por terem ideogramas diferentes. Ver:
http://www3.la.psu.edu/textbooks/PM-China/ch2_main.htm.

13 [N.T.] O corpo central era constituído pela famosa Falange Macedônica,


idealizada por Felipe II, pai de Alexandre o Grande.

159
cuja força militar estava comparativamente em desvantagem, pode ao final beber,
fervorosamente, da taça da vitória14.

Examinando com atenção a história militar, tanto do Ocidente, quanto do Oriente,


jamais encontramos menção ao termo “combinação” em quaisquer das descrições
relacionadas aos métodos de operação. No entanto, através dos tempos,
aparentemente, todos os grandes mestres da arte da guerra conheciam este
princípio.

O Rei Gustavo Adolfo da Suécia foi o reformador militar mais aclamado no início do
período das armas de fogo. Todas as transformações que ele introduziu, tanto no
tocante à formação para a batalha, quanto no posicionamento dos armamentos,
basearam-se no método da combinação. Muito cedo ele idealizou que o retraimento
dos lanceiros e seu posicionamento em conjunto com os soldados com armas de
fogo, permitia a formação de um dispositivo de batalha onde os lanceiros proviam
cobertura aos atiradores nos intervalos entre salvas de tiro; tal condição ampliava o
poderio de cada componente até o seu limite máximo. Ele também, freqüentemente,
combinava elementos da cavalaria ligeira, da cavalaria pesada e dos soldados com
armas de fogo, os quais em seqüência atacavam a vanguarda do inimigo, sob a
proteção de uma densa camada de fumaça, criada pelo fogo de artilharia.

Este Rei, mais tarde considerado a “primeira grande autoridade em artilharia de


campanha”, compreendia como ninguém, os efeitos e o emprego da artilharia, como
elemento básico para o engajamento em batalhas. Ele concebeu as unidades
artilharia ligeira, formadas da combinação de elementos da artilharia de regimento
com elementos de infantaria, permitindo assim a formação de unidades
independentes de artilharia pesada, e o aparente emprego dissociado de unidades
de artilharia leve e de artilharia pesada, na realidade, formavam combinações
perfeitamente integradas em toda a extensão do campo de batalha15. Seria justo

14 Ver “Military History of the Western World” escrito por J.F.C. Fuller, traduzido
por Niu Xianshong.

15 [N.T.] Em outras palavras o rei Gustavo Adolfo dividiu o que era uma unidade,
criando assim a possibilidade de combinar.

160
afirmar que os efeitos do emprego da artilharia foram desenvolvidos ao seu nível
máximo durante este período.16

Todavia, tudo isto ocorreu antes da aparição de Napoleão, um perito nas técnicas
de emprego da artilharia. Quando comparado ao pequeno corso, que chegou a
colocar mais de 20.000 canhões num campo de batalha, Gustavo Adolfo que
dispunha apenas de 200 canhões pode, quando muito, ser visto como um
“aprendiz de feiticeiro na presença de um mestre da feitiçaria”. De 1793 a 1814
transcorreu um período de 20 anos, no qual ninguém entendeu os canhões, de
modo tão completo como Napoleão. Ninguém foi capaz de entender com maior
precisão tal fato, mesmo aqueles que estavam sob seu comando. Logicamente, não
havia quem pudesse combinar, de forma tão completa a força letal da artilharia, a
mobilidade da cavalaria, assim como, a lealdade e a bravura do Comandante
Davout e a impetuosidade do Comandante Murat, para forjar uma força ofensiva,
que iria provocar a debandada de todos os seus inimigos, pela sua mera presença,
transformando o exército francês numa máquina de guerra sem competidores na
Europa. Esta máquina, desde Austerlitz até Borodino, criou o mito de que Napoleão
venceu quase todas as batalhas17.

O General Schwartzkopf, autor do milagre de ter perdido apenas cerca de uma


centena de soldados em uma grande batalha, não pode ser incluído no nível dos
grandes mestres. Sua sorte, no entanto, parece ter sido tão boa quanto a dos
mestres das técnicas militares. Na realidade, o que é verdadeiramente importante é
que não se trata de sorte, e sim, que este Chefe comandou um grande e moderno
exército, onde, como seus antecessores, e com maior ênfase, atribuiu importância à
combinação de elementos significativos para a condução da guerra. Isto se deve ao
fato de que, nos anos noventa, as cartas que Schwartzkopf tinha nas mãos eram em
maior quantidade em relação àquelas de seus antecessores.

Para ele, a solução do problema de expulsar o exército iraquiano do Kuait,


restabelecendo o fluxo de petróleo para o Ocidente e recuperando a influência
norte-americana no Oriente Médio, estava associado, também, a inúmeras
combinações bem sucedidas. Dependia do emprego engenhoso da Aliança, da

16 Ver “The Evolution of Weapons and Warfare”, T. N. Dupuit p.169-176.

17 Ver “Biography of Napoleon”, Taerli; e “Biography of Napoleon I”, Jonh Roland


Ross.

161
manipulação da mídia, do uso de bloqueios econômicos e outros métodos
relacionados, como também do desenvolvimento e reunião dos diversos elementos
dos exércitos, forças navais, forças aéreas, além de meios espaciais e eletrônicos e
etc, compreendendo os militares de mais de 30 nações combinadas, de modo a
tornarem-se um punho de aço para golpear Saddan. Schwartzkopf conseguiu
realizar este feito, e ainda assim, o seu oponente, de forma espantosa, não tinha
conhecimento de tudo isso.

Um grande exército iraquiano, com centenas de milhares de homens, milhares de


tanques e centenas de aeronaves parecia uma massa não misturada de cimento,
areia e aço reforçado, dispersos ao longo de uma linha de batalha, com uma
profundidade de centenas de quilômetros, sendo basicamente incapazes de
enfrentar os severos golpes dos norte-americanos que, ao contrário, combinavam
integralmente seus componentes estruturais, para tornarem-se tão resistentes
quanto o concreto armado. Alem disso houve, inicialmente, por parte do Iraque, a
detenção seguida da libertação dos reféns ocidentais, e na seqüência, um erro após
outro, como também respostas inadequadas no tocante aos problemas de
isolamento político e bloqueios econômicos.

Portanto, independentemente de uma guerra ter ocorrido a 3.000 anos atrás ou, no
final do século XX, parece que todas as vitórias refletem um fenômeno comum: o
vencedor foi aquele que soube criar uma combinação adequada.

A ALTA-TECNOLOGIA PROPORCIONA MUITOS ELEMENTOS NOVOS PARA


SEREM MISTURADOS NO COCKTAIL DA GUERRA

Na medida em que for possível aumentar a gama de meios utilizados na guerra nos
dias atuais, assim como, introduzir contínuos melhoramentos, o significado
específico de guerra estará sendo rapidamente ampliado, o seu teor subjetivo, em
paralelo à acepção em que é empregada, também se aprofundará.

Muitos fatores, que nunca foram cogitados nas guerras do passado, passaram a
estar presentes na ambiência da guerra atual através da combinação de vários e
diferentes métodos. A adição de cada elemento novo, possivelmente, provoca
mudanças na modalidade e tipo de guerra, até chegar a ponto da deflagração
daquilo que consideramos ser a Revolução Militar.

Revendo a história da guerra, não importando se considerarmos estribos, rifles,


armas de carregamento pela culatra, pólvora sem fumaça, telefones de campanha,

162
telégrafo sem fio, submarinos, tanques, aviões, mísseis, bombas atômicas,
computadores, armas não-letais, organização de tropa por Divisões, sistema de
Estado-Maior, táticas de “Matilha de Lobos”18, campanhas militares de alta
intensidade, bombardeio de saturação, contramedidas eletrônicas e as batalhas Ar-
Terra, o surgimento de cada um desses elementos sempre esteve associado a
elementos chaves anteriores, de modo a produzir vantagens híbridas e, ao mesmo
tempo, enriquecer a ambiência da guerra em diferentes aspectos.

Ocorre que nos últimos 20 anos, a tecnologia cibernética, os vírus de computador, a


internet, os instrumentos de atuação no mercado financeiro, e outras fontes, assim
como as tecnologias associadas aos meios não-militares, demonstram, ainda mais,
as dificuldades no tocante à previsão de perspectivas quanto ao resultado das
guerras do futuro.

Contudo, para a grande maioria dos militares de alta patente da atualidade, o


emprego do método de combinação dos elementos para a condução da guerra,
freqüentemente, tem sido um processo inconsciente, ou seja, suas combinações, na
maioria dos casos, resumem-se ao nível dos armamentos, dos métodos de
posicionamento de forças e em relação ao campo de batalha. As perspectivas
quanto às conseqüências da guerra são também, em sua maioria, limitadas ao
campo militar, e isto parece ser considerado o suficiente19.

Somente os gênios militares pioneiros têm a capacidade de tornarem-se uma


exceção desfazendo-se de hábitos costumeiros, rompendo com as limitações e

18 Consistia numa técnica utilizada por submarinos, para atacar navios mercantes,
durante a Primeira Guerra Mundial, inventada por Dönitz, Comandante da Força
de Submarinos da Marinha Alemã. O método consistia em que após a descoberta
de um navio mercante por um submarino, este, imediatamente, notificava outros
submarinos, e após aguardar a reunião de vários submarinos, estes
desencadeavam um ataque em conjunto, da mesma forma que uma matilha de
lobos age contra a sua presa.

19 [N.T.] Em recente curso feito no Naval War College (2001-2002), pode-se


constatar a propriedade da opinião do autor, visto que uma das grandes
preocupações que os estudiosos e catedráticos daquela instituição manifestavam
era a busca da resposta á pergunta: “Por que é que nós (norte-americanos)
continuamos a ganhar as guerras e perder a paz?”.

163
conscientemente combinando todos os meios disponíveis, num determinado
momento, para criar uma obra prima eterna, através da modificação das
tonalidades da guerra.

Se for considerado que o método de combinação representou, apenas, uma fórmula


secreta vitoriosa de uns poucos gênios, sua utilização como uma orientação para
um método de operações está se tornando cada vez mais evidente nos dias atuais, e
a prática da guerra está ocorrendo em uma ambiência cada vez mais ampla e com
maior alcance.

No entanto, tudo aquilo gerado pela era da integração tecnológica proporciona para
a combinação um campo de possibilidades aparentemente ilimitado. Pode-se
afirmar, que quem quer que seja, que for capaz de preparar um coquetel saboroso e
excepcional para o futuro banquete da guerra, estará predestinado, em última
análise, a coroar-se com os lauréis do sucesso.

USANDO A ADIÇÃO PARA VENCER O JOGO

O TODO É MAIOR QUE A SOMA DAS PARTES — ESCOLHENDO OS ELEMENTOS


PARA COMBINAR

Todas as cartas já foram mostradas. Sabemos que a guerra não será mais
caracterizada pelo seu modelo original. Em grande parte, a guerra nem mesmo é
mais a guerra, mas ao invés, passa a ser um enfrentamento na Internet, uma
competição na mídia das grandes massas, a interferência e defesa nas transações
financeiras futuras, juntamente com outros ingredientes que nunca tínhamos
entendido como partícipes da guerra, o que nos obriga, agora, a parar e raciocinar.

É como dizer que o inimigo não será mais o inimigo original significativo; os
armamentos, possivelmente, não serão aqueles originais, e o campo de batalha,
possivelmente, não será o campo de batalha original. Nada é definitivo. Aquilo que
pode ser avaliado, também não é definitivo. Na realidade, mudaram as regras do
jogo, e o que precisamos continuar a fazer é investigar um novo método de luta, em
uma ambiência plena de incertezas. Não é o caso de uma simples prescrição para o
tratamento dos sintomas de uma doença, e sim, um processo híbrido de

164
aprendizagem dos pontos fortes de outros processos, concentrando todos aspectos
vantajosos, permitindo, assim, que uma mesma árvore produza, ao mesmo tempo,
frutas diferentes. Isto, então, seria combinação, e este processo, em particular, já
apresentamos anteriormente.

Aquilo que nós ainda não falamos é de um outro termo: adição, um método de
combinação.

Em um ringue de luta de boxe, aquele que, desde o início e até o fim do embate usa
apenas um método de luta para enfrentar o seu oponente, logicamente, não é
aquele lutador combina socos diretos, “jabs”, jogo de corpo, e ganchos para atacar o
seu oponente como uma tempestade. O ensinamento daí decorrente pode ser
considerado como extremamente simples: um mais um representa um valor maior do
que um.

O problema é que este preceito, tão simples que até um principiante pode
compreender, surpreendentemente, não tem sido entendido por muitas pessoas
responsáveis pelo sucesso ou fracasso da segurança e da guerra em âmbito
nacional.

Essas pessoas apresentam desculpas, alegam que estão aplicando a combinação de


golpes para atacar os seus oponentes, que nunca se esqueceram da adição de
tecnologia com tecnologia, de táticas com táticas, de armas com armas, de
processos com processos; e podem até, com uma atitude insolente, considerar que
as combinações por eles idealizadas podem ser consideradas como algo de novo.
Isto tem ocorrido desde Alexandre, passando por Napoleão, e chegando a
Shwartzkopf. Eles não perceberam que sua capacidade de compreender, ou não, as
combinações, não representa a solução para o problema. O que realmente importa é
o entendimento de quais são os elementos a combinar e como combiná-los.

Finalmente, mas certamente não o ponto mais importante, é se houve ou não a


idéia de se a combinar as ambiências do campo de batalho com outras que não
sejam campos de batalha, a situação de guerra com uma situação de não-guerra,
elementos militares com elementos não-militares, o que em termos mais específicos
significaria combinar aeronaves “stealth” e mísseis de cruzeiro com destruidores de
redes interativas, combinar deterrência nuclear, guerras financeiras e ataques
terroristas ou, simplesmente, combinar Schwartzkopf + Soros + Xiaomolisi + bin
Laden. Estas são, na realidade, as cartas que temos na mão.

165
A CHAVE PARA UMA REVOLUÇÃO EM ASSUNTOS MILITARES É UM
PENSAMENTO CLARO

Seja uma combinação ou uma adição as duas formas representam nada além do
que molduras vazias. Apenas quando o sangue e a crueldade são adicionados a esta
situação, ela se torna critica e começa a ser assustadora.

Confrontados por este inédito conceito de guerra, não há a menor dúvida de que
aquela imagem da guerra, com a qual já tínhamos nos acostumado, será abalada.
Alguns dos modelos tradicionais da guerra, assim como a lógica e as leis a ela
relacionadas serão também contestadas.

O resultado da disputa não é o desmoronamento da mansão tradicional, mas, em


vez disso, uma parte do novo canteiro de obras é que ficará desorganizado. Sob o
ponto de vista legal, muitos de nós iremos considerar como sendo um colapso.

Até este ponto, nós já encontramos a razão pela qual, a partir do surgimento em
cena da alta-tecnologia, essa revolução militar tornou-se, paulatinamente, incapaz
de ser completada. Levando-se em conta uma perspectiva histórica da humanidade
e da história da guerra, nunca houve uma revolução militar que tenha sido
declarada como completada, imediatamente após a ocorrência de uma revolução
tecnológica ou organizacional. Somente após a ocorrência significativa de uma
revolução no pensamento militar, e o entendimento do que isso significa, é que todo
o processo de uma revolução militar chega ao seu término.

O momento atual não constitui exceção, de modo que, se a nova revolução militar,
desencadeada pela alta-tecnologia, poderá chegar a uma conclusão, ou não, vai
depender de sua capacidade em progredir ao longo da estrada da revolução no
pensamento militar. Este é o único caso em que será necessário abandonar-se as
raízes criadas pelo espírito da guerra, e que têm persistido por milhares de anos.

Para alcançar este propósito, é necessária, apenas, a capacidade em buscar ajuda


no processo de adição. No entanto, antes de utilizar a adição, torna-se
imprescindível romper todos os grilhões impostos pela política, pela história, pela
cultura, assim como pela ética, e utilizar um raciocínio claro e completo. Sem um
total processo de raciocínio não poderá haver uma total revolução. Em épocas
anteriores, até mesmo Sun Zi e Clausewitz encerraram-se dentro das barreiras da
ambiência militar, e apenas Machiavel se aproximou da essência deste pensamento
livre e completo. Por um longo período, devido ao fato de que o pensamento contido
tanto no “Príncipe”, quanto o seu autor, estavam ambos muito adiante do seu

166
tempo, eles foram desprezados por nobres e governantes. Naturalmente, eles não
possuíam a capacidade para entender que ir além de todos os limites e fronteiras
representava uma revolução ideológica, a qual incluía a premissa de uma revolução
do pensamento militar.

Da mesma forma, no momento atual, aqueles que apenas vislumbram uma


formação imponente de tropas num campo de batalha, e que julgam que a guerra
consiste apenas em matar pessoas, e que os métodos operacionais constituem,
unicamente, métodos para, também, matar seres humanos, e que não há nada
mais além disso que mereça atenção, eles também não possuem a capacidade de
entender a proposição de um pensamento completo e abrangente.

METZ E KIEVIT EVIDENCIARAM O HIATO EXISTENTE ENTRE O PENSAMENTO


MILITAR E AS AMEAÇAS

Na realidade, os norte-americanos não foram tão insensíveis a ponto de não terem


ainda esboçado, mesmo que de maneira limitada, uma reação a este problema.
Steven Metz e Thomas Kievit, do Instituto Estratégico da Escola de Estado-Maior do
Exército dos Estados Unidos que apresentaram o problema da “largura da faixa de
freqüência da nova revolução militar”, demonstraram sensibilidade quanto ao tema.
Eles descobriram o hiato existente entre o pensamento militar norte-americano
vigente e a ameaça real à segurança nacional. O retardo no pensamento militar,
defasando-se da realidade, não constitui, somente, numa deficiência dos militares
norte-americanos, como também, uma de suas características típicas.

Quando “um militar enfoca, excessivamente, um determinado tipo de inimigo, isto


provavelmente poderá resultar em que ele seja atacado e derrotado por um inimigo
que esteja fora do seu campo de visão”. Steven Metz e Thomas Kievit expressaram
corretamente suas preocupações quanto a esse ponto. Estes autores frisaram ainda
que “...embora os documentos oficiais enfatizem o Exército, (podemos entender
sendo a todas as forças armadas norte-americanas — nota introduzida pelos
autores Metz e Kievit), é necessário que o Ocidente rompa com o seu atual
pensamento estático, de modo a ampliar a concepção de como serão os conflitos do
futuro. No entanto, a maioria das descrições de como as tropas digitalizadas do
século XXI irão atuar na guerra, soam como uma ação de blindados, empregando a
nova tecnologia para combater as nações do Pacto de Varsóvia.” Devido ao fato dos
militares norte-americanos estarem se preparando para a guerra guiados por esse
tipo de raciocínio, naturalmente, eles esperam que a guerra ocorra como eles

167
imaginam, e essas são as suas expectativas.

Tal raciocínio, ilusório e ridículo, só pode gerar um único tipo de perspectiva para o
futuro: “A grande maioria dos atuais planos de desenvolvimento das forças armadas
norte-americanas como, por exemplo, aqueles relacionados ao “Exército do Século
XXI”, estão todos orientados para o enfrentamento de um inimigo que disponha de
blindados pesados convencionais; e caso os Estados Unidos, no início do século
XXI, defronte-se com um inimigo que disponha somente de um baixo nível de
tecnologia, um oponente de nível tecnológico intermediário, ou, um adversário com
poder equivalente, então o problema decorrente de uma amplitude de freqüência
insuficiente provavelmente irá ocorrer”.20

A ESTREITEZA DE RACIOCÍNIO EXPOSTA PELO ATAQUE AO WORLD TRADE


CENTER

Na realidade, às vésperas de um novo século21, os militares norte-americanos já


enfrentaram problemas decorrentes da insuficiência de amplitude da faixa de
freqüência22, desencadeados pelos três tipos de inimigos anteriormente citados.
Seja através do ataque de hackers, ou pela grande explosão no “World Trade
Center”, ou um ataque com bombas por bin Laden, todos esses eventos excederam
muito a amplitude da faixa de freqüências conhecidas pelos militares norte-
americanos.

As forças armadas norte-americanas não estão adequadamente preparadas para


lidar com este tipo de inimigo, quer em termos psicológicos, quer em termos de
medidas e, especialmente, no que concerne ao pensamento militar e métodos
operacionais decorrentes deste pensamento. Isto ocorre porque eles nunca levaram
em consideração, e até mesmo se recusaram a considerar, procedimentos que não
reflitam a tradição, ou o emprego de outras medidas operacionais que não fossem
as militares. Isto, logicamente, não permite que eles somem esses dois aspectos,
(procedimentos e medidas operacionais) gerando novas medidas e novos métodos

20 Relatório de Pesquisa do Instituto de Estratégia da Escola de Guerra do Exército


dos Estados Unidos; “Strategy and the Military Revolution: From Theory to Policy”.

21 [N.T.] O livro foi escrito no ano de 1996.

22 [N.T.] O autor se refere à falta de alternativas.

168
operacionais. Na realidade, é apenas necessário que se amplie um pouco mais o
campo de visão e, simultaneamente, que desapareçam as inibições quanto ao
raciocínio, para que se tire vantagem dos instrumentos proporcionados pela grande
quantidade de novas tecnologias e de novos fatores emergentes da era da tecnologia
integrada, destravando, deste modo, a engrenagem da revolução militar que está
enferrujada como conseqüência do atraso em termos de raciocínio. Neste ponto
poderíamos apreciar o profundo significado do antigo adágio: “uma pedra de outras
colinas poderá servir para polir o jade desta colina.”

Seria muito bom se, de alguma forma, fossemos audaciosos e embaralhássemos


completamente as cartas que temos nas mãos, recombinado-as, para vermos quais
seriam os resultados.

MÉTODOS NÃO MILITARES PODEM PROPORCIONAR A VITÓRIA SEM GUERRA

Supondo-se a eclosão de uma guerra entre duas nações desenvolvidas, já


detentoras, de forma completa, da tecnologia cibernética, e adotando métodos
operacionais tradicionais, o lado atacante empreenderia modalidades de ações
compreendendo: ataque em profundidade, amplas frentes de combate, elevado
poder de fogo e tridimensionalidade para empreender uma campanha ofensiva
contra o seu inimigo. Os métodos operacionais empregados não iriam além do
reconhecimento por satélite, das contramedidas eletrônicas, dos ataques aéreos
maciços e de precisão, do desdobramento terrestre, dos desembarques anfíbios,
lançamentos aéreos por trás das linhas inimigas... e o resultado não seria a
declaração de derrota por parte do inimigo, mas em vez disso, o seu próprio retorno
para casa com todas as suas penas e esporões23.

No entanto, pela utilização do método de combinação, poderão ocorrer cenário e


confrontação completamente diferentes. No caso de o lado atacante, secretamente,
reunir grandes volumes de capital, sem qualquer conhecimento por parte da nação
inimiga, e desfechar um ataque sorrateiro ao mercado financeiro do adversário e,
após ter provocado uma crise financeira, infectar o sistema de computadores do
inimigo com vírus combinado com ações por parte de um destacamento de hackers,

23 [N.T.] A comparação chinesa refere-se à briga de galos (rinha).

169
ao mesmo tempo em que empreende ataques às redes interativas de dados do
inimigo, paralisando completamente suas redes de distribuição de eletricidade, de
controle do tráfego de cargas, de controle de transações financeiras, de telefonia, de
rádio e de televisão, tudo isso irá levar a nação inimiga a um completo pânico
social, provocando levantes, desordem civil e crises políticas. Finalmente, viria a
derrubada pela força, e os meios militares seriam utilizados em estágios graduais,
até que o inimigo fosse forçado a assinar um tratado de paz de forma desonrosa.

Deve-se considerar que este cenário não corresponde àquele preconizado por Sun
Zi, no qual “o outro exército é subjugado sem a ocorrência de luta armada”; no
entanto, pode-se considerar como sendo o caso de “subjugar o outro exército
através de operações astutas”.

Fica bem clara a determinação de quem foi superior e de quem foi inferior ao
comparar os dois métodos operacionais descritos.

Mas isso é, no entanto, apenas uma idéia, embora seja uma idéia factível. Com base
nesta idéia, o que precisamos é somente sacudir o caleidoscópio da adição, para
que sejamos capazes de gerar uma variedade inesgotável de métodos de operação.

TIPOS DE GUERRA

MILITAR TRANSMILITAR NÃO-MILITAR

Guerra Nuclear Guerra Diplomática Guerra Financeira

Guerra Convencional Guerra em Redes Interativas Guerra Comercial

Guerra Bioquímica Guerra de Informações Guerra de Recursos

Guerra de Ajuda
Guerra Ecológica Guerra Psicológica
Econômicas

Guerra Espacial Guerra Tática Guerra de Imposição Legal

Guerra Eletrônica Guerra de Contrabando Guerra de Sanções

Guerra de Guerrilha Guerra ao Tráfico de Drogas Guerra de Mídia

170
Guerra Antiterrorismo Guerra Virtual Guerra Ideológica

Quaisquer métodos operacionais, constantes da tabela acima, podem ser


combinados entre si, de modo a constituir um método operacional totalmente novo.

Em nosso ponto de vista, os três tipos genéricos de guerra definidos, resultam de uma abordagem pragmática, e não
alegórica ou descritiva. As guerras militares são sempre clássicas ou tradicionais, as quais empregam armamentos. Os
diversos tipos de guerras não-militares constituem confrontos sem qualquer conotação anormal; mesmo assim,
apresentam uma característica de guerra e todas constituem novidades. As guerras transmilitares estão situadas entre
as duas anteriores, baseando-se em métodos já previamente estabelecidos tais como a guerra psicológica e a guerra
de informações, e outras baseiam-se em métodos completamente novos, tais como “network warfare” e a “virtual
warfare” (esta última referindo-se a métodos eletrônicos virtuais empregados na obstrução de Gong Shu Ban imposta
por Mozi. (Ver o capitulo intitulado — “Gong Shu Ban Sets Up Machinery for the State of Chu to Attack the State of Song
na obra “Strategies of the Warring States, Prospective Strategy of Song).

Independentemente de ser ou não intencional, o emprego de métodos operacionais


combinados, utilizando diferentes tipos de operações, que vão além das atuais
ambiências e categorias, já foi implementado por diversas nações na condução da
guerra.

Por exemplo, as contramedidas adotadas pelos norte-americanos contra bin Laden


compreendem: Guerra Antiterrorismo + Guerra de Informações + Guerra Financeira
+ Guerra de Redes Interativas + Guerra de Imposição Legal. Um outro exemplo foi o
método adotado pelas nações da OTAN na solução da crise do Kosovo: Deterrência
(pela ameaça de emprego da força) + Guerra Diplomática + Guerra de Imposição
Legal. Em outro exemplo anterior a esse, os Estados Unidos adotou os seguintes
métodos operacionais contra o Iraque: Guerra Convencional + Guerra Diplomática +
Guerra de Sanções + Guerra de Mídia + Guerra Psicológica + Guerras de
Informações, etc. Observamos também que os meios adotados pelo governo de Hong
Kong durante a guerra financeira de Agosto de 1998, para lidar com os
especuladores financeiros foram: Guerra Financeira + Guerra de Imposição Legal +
Guerra Psicológica + Guerra de Mídia, e embora eles tenham pago um preço
bastante alto, ainda assim os resultados da guerra foram muito bons. Alem disso,
os métodos utilizados para o trato de problemas como, por exemplo, a emissão de
grandes quantidades de papel moeda falso em Taiwan, foi resolvido facilmente com
uma combinação de Guerra Financeira + Guerra de Contrabando.

Podemos ver através desses exemplos os efeitos miraculosos da aplicação do


processo de adição - combinação nos métodos operacionais. Se for considerado que
devido às limitações de meios e condições tecnológicas, aqueles que estiveram
engajados em guerras no passado não tiveram a capacidade para combinar
livremente todos os fatores para obter vitórias nas guerras, esta não é a situação

171
atual, onde a grande explosão da tecnologia, liderada pela tecnologia cibernética, já
nos proporciona esta possibilidade.

Desde que estejamos interessados e não deixemos que aspectos subjetivos nos
desviem das leis objetivas poderemos, então, arrumar as cartas em nossas mãos,
em diversas combinações, conforme as necessidades do momento, até que
finalmente vençamos o jogo.

Não existe, no entanto, alguém que possa prescrever uma fórmula vitoriosa e
garantida para todas as guerras do futuro. Diversos tipos de métodos operacionais
surgiram ao longo da história da guerra, e a maioria foi esquecida com o passar do
tempo. Ao analisarmos as razões para esse esquecimento, observa-se que todos
esses métodos operacionais foram estabelecidos visando a em um alvo específico, e
quando este alvo desapareceu, o método operacional para o qual era destinado
também perdia o seu valor. Um método operacional, para ter uma real validade,
tem que ser como uma “cesta vazia”. Esta cesta vazia deve ser constituída apenas
por princípios e pensamentos que sejam imutáveis, para poderem acomodar uma
miríade de mudanças.

O processo de combinação do qual falamos é este tipo de cesta vazia, uma cesta
vazia do pensamento militar. Não se assemelha a quaisquer dos poderosos e
direcionados métodos operacionais do passado, posto que, somente quando esta
cesta é preenchida com um conteúdo lógico ou alvos específicos é que ela passa a
ter uma direcionalidade e um propósito. O elemento fundamental para determinar
se a vitória será ou não alcançada em uma guerra, não será outro que não — o que
você for capaz de colocar dentro desta cesta.

Yue Fei24, estrategista militar durante a Dinastia Song, afirmou ao comentar o


emprego de métodos operacionais, que — “a excelência da sutileza de sua aplicação
repousa na capacidade mental do indivíduo”. Embora esta afirmação seja um tanto
abstrata, ainda assim, é a única e precisa explicação para a correta aplicação do
processo de combinação. Somente pela compreensão desta colocação é que seremos
capazes de elaborar um método operacional que transcenda a multiplicidade de
métodos operacionais existentes. Isto significaria convergir a miríade de métodos

24 [N.T.] Yue Fei foi um Marechal de Campo que serviu ao imperador Chinês
durante a dinastia Song. Ele se tornou famoso por seu patriotismo e lealdade. Ver
http://www.colorq.org/Articles/2003/ahistory.htm.

172
operacionais em um único. Poderia ser, inclusive, um estágio evolutivo final dos
métodos operacionais. Sem considerar a necessidade de combinar-se algo que
transcende quaisquer limitações, não há como se imaginar um outro método
operacional que possa superar o da combinação. A conclusão é, portanto, bastante
simples, e ainda assim, definitivamente, ela não emergirá de um único raciocínio.

173
CAP 6 — A BUSCA DA REGRA DA VITÓRIA
A FORÇA SE AFASTA DO PONTO DE ATAQUE DO INIMIGO

“Quando eu adoto como regra a execução de movimentos


explorando a surpresa; o inimigo espera movimentos
explorando a surpresa; neste caso, eu ataco o inimigo sem
usar o elemento surpresa. Quando eu adoto como regra a
execução de movimentos sem usar o elemento surpresa; o
inimigo espera os movimentos sem o uso da surpresa;
mas neste caso eu uso a surpresa em minha
movimentação para atacar o inimigo.”

Li Shih-min1

Apesar de tudo que já foi dito sobre combinação, ainda é necessário enfatizar que
não basta simplesmente, enfocar a teoria da combinação. É necessário concentrar
ainda mais este enfoque, de modo a nos certificarmos se existe, ou não, algum
segredo que esteja próximo ao núcleo desta concepção. Se não entendermos o
segredo de como programar a combinação será inútil aplicá-la por 100 vezes de
forma incompetente.

Na história da guerra, nunca ocorreu uma vitória obtida sem muito esforço.
Portanto, em todas as suas versões, a obra intitulada “Jun Yu” (Conversa Militar)
contém expressões tais como: direção do ataque principal; alvos prioritários; fintas
de ataque, fintas de deslocamento; assim como, envolvimento pelo flanco, as quais
descrevem táticas ou estratégias operacionais, onde podemos identificar uma
distinção entre ações principais e ações secundárias.

O que está implícito nesses conceitos táticos ou operacionais, não é apenas a


necessidade de iludir o inimigo, ou o emprego correto da força, algo mais deve
existir no significado destes conceitos. Por exemplo, quanto à intuição, todos
aqueles famosos generais que obtiveram inúmeras vitórias, ou até mesmo
personagens pouco conhecidos, todos perceberam a existência de algo que talvez

1 [N.T.] No começo do século VII, a China, após quatro séculos de guerras internas,
ressurgiu como uma grande nação. O grande responsável por esse ressurgimento
foi Li Shih-Min, reconhecido como um gênio militar. Depois de alcançar diversas
vitórias, tanto internas quanto externas, principalmente contra os Turcos no leste,
em 626 DC, tornou-se Imperador com o nome de T’ai Tsung.
pudesse ser denominado de “rregra da vitória”, e freqüentemente, eles até
aproximaram-se de tal regra. Não obstante, até hoje, nenhum líder militar ou
filósofo teve a ousadia de anunciar: eu descobri as regras da vitória! Nem mesmo a
tarefa de atribuir nomes a essas regras foi completada.

Na realidade, porém, essas regras estão escondidas no bojo das diversas


empreitadas militares praticadas pela raça humana. É correto afirmar, inclusive,
que cada uma das vitórias clássicas na guerra comprovou tais regras.

Todavia, em todos os eventos os participantes, ou não querem admitir, ou não têm


a coragem de afirmar, a sua interação coma as regras da vitória e em vez disso,
freqüentemente, atribuem os efeitos dessas regras a algum destino misterioso.

Muitas “declarações tardias”, contidas em obras sobre a história militar,


apresentam argumentos que são difíceis de serem entendidos, pois tais argumentos
descrevem os efeitos das regras da vitória de uma forma excessivamente
enigmática. Mas as regras da vitória existem, elas estão lá. Como uma entidade
invisível, elas acompanham cada guerra da humanidade. O lado que for apontado
por seus dedos dourados, irá passar pelo arco do triunfo, pisoteando o infortúnio
dos vencidos. Ainda assim, nem mesmo os vitoriosos na guerra chegaram a
realmente a vislumbrar a sua face verdadeira.

CONFORMANDO-SE À REGRA DA PROPORÇÃO ÁUREA


“Tudo é uma questão de números”. Seguindo esta linha de raciocínio o antigo
filósofo Pitágoras, inesperadamente, encontrou um conjunto misterioso de dígitos:
0,618. Em decorrência ele descobriu a regra, da secção de ouro!

Pitágoras foi um filósofo e matemático da antiga Grécia, autor do famoso axioma: “Tudo é uma questão de números”.
Isto significa que todas as coisas existentes podem, em uma analise conclusiva, serem entendidas como um
relacionamento de números. De acordo com a teoria de Pitágoras, as coisas racionais e as coisas irracionais estavam
mescladas, mas ainda assim, sua teoria exerceu profunda influência no desenvolvimento da antiga filosofia grega e do
pensamento europeu medieval. Copérnico aceitou os conceitos astronômicos de Pitágoras. Galileu também foi
considerado um advogado da teoria de Pitágoras. A utilidade da Regra Áurea, ou, PROPORÇÃO ÁUREA para
demonstrar o relacionamento harmonioso no mundo foi apenas uma das aplicações especificas do pensar de Pitágoras.
Ver Enciclopédia Britânica Vol 1, p 715.

Divida uma linha reta de comprimento “d” em duas partes de tamanhos diferentes
“u” e “d-u”, de modo tal modo que a razão d − u = u ≈ 0,618 seja verdadeira. Tal
u d
proporção é chamada de PROPORÇÃO ÁUREA.
u d-u

175
Nos 2.500 anos que se seguiram, tal proporção tem sido considerada pelos
criadores da arte como a regra dourada da estética. Conforme demonstrado história
das artes, quase todas as obras artísticas tidas como obras primas, quer por
casualidade, quer por uma vontade intencional, todas elas estão próximas ou
concordantes com esse percentual no tocante às suas dimensões.

[N.T.] Muitas são as propriedades desta relação chamada áurea. O campo de visão dos dois olhos do ser humano,
independente da distância dos olhos até o objeto observado, forma um retângulo na relação áurea. Quase todos os
quadros pintados a partir da Idade Média, guardam a relação áurea em suas dimensões. Todas as partes do corpo
humano guardam entre si a relação áurea. Assim, os comprimentos do braço e do antebraço estão nesta relação; a
altura de uma pessoa e altura que se encontra o coração também guardam a relação áurea. Aparelhos de TV e
monitores de computador têm aproximadamente a relação áurea entre altura e largura da tela.

Todas as pessoas, através dos tempos, ficaram maravilhadas com a beleza do


templo do Parthenon da Grécia antiga, chegando-se a supor que se tratava de uma
criação divina. Através a medição e de cálculos foi constatado que o relacionamento
entre suas dimensões verticais e horizontais estava inteiramente de acordo com a
razão 1: 0,618.

Em seu livro “Vers une Architeture” o grande arquiteto moderno Le Corbusier


estabeleceu a sua mais importante teoria quanto à “escala básica de um projeto”
com base na PROPORÇÃO ÁUREA. Essa teoria tem exercido uma ampla e profunda
influência nos arquitetos e na arquitetura em âmbito mundial2. Infelizmente, este
percentual que talvez o Criador pretendesse usar para revelar à raça humana sua
aplicação em todas as ambiências, jamais se propagou muito além da ambiência
artística. Excetuando-se talvez aquelas musas com atributos extraordinários,
praticamente ninguém percebeu que esta PROPORÇÃO ÁUREA da estética poderia se
transformar, ou se constituir, numa regra que deveria ser aplicada em todas as
ambiências.

Foi somente em 1953, que J. Kieffer, um norte-americano, descobriu que a seleção


de pontos experimentais em pesquisas, utilizando a PROPORÇÃO ÁUREA, permitia
atingir, de maneira mais rápida, a condição mais satisfatória. Sua descoberta foi
aperfeiçoada pelo matemático chinês Hua Luogeng e passou a ser conhecida como o
“método de investigação mais favorável”, ou, o “método 0,618”. Este método

2 Ver Summerson, “Linguagem Clássica da Arquitetura”, p.90.

176
durante algum tempo foi popular na China. Até onde sabemos, uma campanha
como esta, tentando laicizar uma teoria não produziu efeitos significativos, mas
esse episódio permitiu demonstrar a possibilidade da aplicação da regra da
PROPORÇÃO ÁUREA em outras ambiências que não apenas aquela das artes.

Desde a antiga Grécia até o século XIX acreditava-se que esta razão era um valor
estético na arte criativa. Nos dias atuais, adotam-se aproximações mais
simplificadas, tais como as razões 2:3, 3:5, 5:8 e 8:13 retiradas da progressão
numérica 2,3,5 8, 13, 21 desenvolvida pelo matemático italiano Leonardo Pisano,
cujo apelido era Fibonacci,

De fato, antes de surgir a consciente exploração sistemática da regra da PROPORÇÃO


ÁUREA, as pessoas aplicaram-na, repetidamente, em suas próprias esferas de
atuação de forma instintiva. E logicamente, a ambiência militar não se constituiria
em uma exceção. Podemos facilmente perceber as pegadas efêmeras das garras
dessa fera misteriosa nas famosas e surpreendentes campanhas e batalhas ao
longo da história da guerra.

Sem nos aprofundarmos no tema, é possível constatar a conformação a essa regra


em toda a ambiência militar. A sombra do número 0,618 pode ser percebida em
coisas que vão desde a curvatura da espada do cavalariano ao ápice da trajetória de
vôo de uma bala, projétil, ou, míssil balístico. Desde a altitude e distância ideais
para o lançamento de uma bomba por um avião em vôo de mergulho até o
relacionamento entre a extensão da linha de suprimentos e o ponto de inflexão de
uma guerra.

O bombardeio de mergulho é o método principal usado por aviões de ataque para lançar mísseis de curto alcance,
foguetes e bombas com, ou sem sistemas de guiagem. Durante um ataque, o avião desloca-se a baixa altitude, até
alcançar o “ponto de combate” (na distância de 40 a 50 km do alvo), e neste ponto ascende para 2.000 - 4.000 metros
adotando a direção final de ataque. Entre 5 e 10 km do alvo inicia o mergulho e as armas são lançadas entre 1300 e
1600 metros ou entre 600 a 1000 metros de altitude dependendo da arma com um ângulo de mergulho entre 30 e 50
graus. Nos ataques de mergulho a precisão destrutiva das armas é mais elevada. Ver o periódico russo “Foreign Military
Peviews” nº. 10 (1992).

Da leitura casual dos registros da história da guerra, é certo que ficaremos


silenciosamente surpreendidos com o fato de que o número 0,618, como se fosse
um elo de ouro, pode ser vislumbrado nas guerras antigas, nas guerras modernas,
nas guerras chinesas e em guerras estrangeiras.

Na batalha de Yanling (575 AC) entre os estados de Jin e Chu, durante o Período da
Primavera e Outono, o Duque Li de Jin comandou uma força terrestre no ataque a

177
Zheng3. As forças de Jin travaram uma batalha decisiva contra a força Chu em
Yanling. Aceitando as recomendações de um desertor de Chu chamado Miro
Penghuam, o Duque Li, como sua ação principal, utilizou a maior parte de sua
força principal para investir sobre um determinado ponto da ala esquerda das
forças de Chu, e o restante de sua força principal para atacar, o centro das forças
Chu; Como ação secundária, usou suas demais forças para atacar o flanco direito
do inimigo. O ponto de ataque selecionado (na ala esquerda das forças de Chu)
correspondia, exatamente, à posição que dividia a linha inimiga segundo a
PROPORÇÃO ÁUREA.

Já na Batalha de Arbela4 entre Alexandre e Dario5, os macedônios escolheram um


ponto do flanco esquerdo com o corpo central do exército persa como o seu ponto
de ataque. Surpreendentemente este ponto correspondia, exatamente, à posição
que dividia a frente persa segundo a PROPORÇÃO ÁUREA.

Durante centenas de anos, achou-se difícil entender porque a cavalaria mongol de


Gengis Khan assemelhava-se a um furacão, capaz de deslocar-se através de todo o
continente eurasiano. Fatores como a truculência dos bárbaros, a sua crueldade e a
sua sagacidade ou a mobilidade da cavalaria, não proporcionavam argumentos
convincentes. Será que existiram outras explicações mais lógicas?

Dentro das expectativas, a regra áurea demonstrou, novamente, todo o seu poder
milagroso. É possível verificar-se que a formação de batalha da cavalaria mongol
era diferente daquela da falange tradicional ocidental. Na sua disposição, em cinco
colunas, a proporção entre a cavalaria pesada e a cavalaria ligeira era de 2 para 3;
cabendo o valor 2 à cavalaria pesada com armadura, e o valor 3 à cavalaria leve,
veloz e com mobilidade. Esta divisão representa um outro exemplo da aplicação da

3 Ver “The History or War of China”, Military Translation Press, Vol. 1, pp. 253-273
e as ilustrações 1-26 do anexo.

4 [N.T.] Para um melhor entendimento desta batalha, consultar a obra “The


Enciclopédia of Military History” de Dupuy and Dupuy; p.49-50; Ed 1970.

5 Ver Fuller, “Uma história militar do mundo Ocidental”, vol. 1, p. 117. Este livro
contém uma ótima análise da Batalha de Arbela como também ilustrações que
graficamente mostram as diferentes situações do campo de batalha.

178
proporção áurea! Nós temos que reverenciar o entendimento, ao nível de gênio,
daquele pensador montado! Seria lógico, que a força, dispondo de um líder como
ele, teria um poder mais contundente do que as forças européias que a ele se
opunham. Parece que, embora altamente talentosos quanto à aplicação da regra
áurea às artes, os cristãos europeus tardaram a reconhecer a aplicação dessa regra
em outras ambiências.

Maurício, general holandês6, que foi o primeiro a alterar a constituição da falange


original, misturando um número semelhante de soldados armados com mosquetes
e de soldados armados com lanças, não chegou a visualizar a importância da
PROPORÇÃO ÁUREA, até mesmo no período da pólvora negra, quando os mosquetes
estavam gradualmente substituindo as lanças.

Foi o Rei Gustavo Adolfo7, da Suécia, redimensionou a estrutura desta formação,


reforçando o poder de fogo e flexibilidade da parte central de suas forças,
transformando, desse modo, o exército sueco no exército que dispunha do maior
poder de combate daquela época na Europa.

[N.T.] Na realidade o que Gustavo II Adolfo fez foi alterar a disposição do dispositivo chamado “tertius” que era uma
evolução da falange macedônica, aumentando a sua linha de frente e reduzindo a sua profundidade, alterando, também,
a forma de abertura de fogo, que era originalmente seqüencial, uma fileira de cada vez, para uma salva única com todas
as armas disponíveis. Outro empreendimento seu foi criar unidades menores com maior flexibilidade, intercalando
infantaria, artilharia e cavalaria.

6 [N.T.] O autor refere-se a Maurice, o Conde de Nasssau, Príncipe de Orange, que


em 10 de julho de 1584, então com 17 anos de idade, assumiu o Principado devido
ao assassinato de seu pai, tendo uma atuação destacada nas guerras em que
procurou preservar a independência da Holanda.

7 [N.T.] Gustavo Adolfo da Suécia foi o responsável por diversas das transformações
ocorridas no início do século XVII, na área militar. Dentre os seus feitos, além do
mencionado no texto, seria possível citar: a transformação dos mosquetes dos
modelos de 15 a 20 lbs, e que eram disparados com o apoio de uma forquilha, em
uma arma mais leve, pesando apenas 11 lbs; adotou o emprego de cartuchos nos
mosquetes; criou a moderna artilharia de campanha e o moderno conceito de
bombardeio maciço.

179
A alteração feita por Gustavo Adolfo consistiu em acrescentar mais 96 soldados
armados com mosquetes ao efetivo do esquadrão composto por 216 soldados
armados com lanças e 198 soldados dispondo de mosquetes.8 Esta transformação
proporcionou uma superioridade instantânea para as armas de fogo, passando a
representar o divisor de águas entre os períodos das armas brancas e das armas de
fogo. É desnecessário chamar a atenção para o fato de que, novamente,
resplandeceu o brilho da PROPORÇÃO ÁUREA, identificável ao considerarmos a
proporcionalidade de 198 + 96 soldados armados com mosquetes em relação a 216
soldados armados com lanças.

Existem ainda outros exemplos. Vejamos como regra da PROPORÇÃO ÁUREA,


teimosamente, tem procurado se “manifestar” de modo a nos proporcionar um
embasamento, antes que a reconheçamos como algo mais do que uma regra
aplicável às artes.

Napoleão invadiu a Rússia em junho de 1812. Em setembro, após ter fracassado na


eliminação das principais forças russas na Batalha de Borodino, ele ocupou
Moscou. Naquele momento ele não percebeu do fato de que o seu gênio e sua sorte
estavam progressivamente abandonando-o, e que tanto o cume, como o ponto de
declínio de sua prolongada carreira estavam simultaneamente sendo atingidos. Um
mês mais tarde, as forças francesas abandonavam Moscou sob uma forte nevasca.
Foram três meses de uma ofensiva vitoriosa, seguida por dois meses de um
continuado declínio. Parece até que o Imperador francês estava posicionado, ao
longo da linha do tempo, no ponto fixado pela PROPORÇÃO ÁUREA, que marcava o
limite entre dois segmentos distintos, enquanto contemplava a cidade de Moscou
sendo destruída pelo incêndio.

Em um outro mês de junho, 130 anos depois, a Alemanha Nazista deu início ao
Plano Barbarosa contra a União Soviética. Durante dois anos as forças alemãs
mantiveram o seu ímpeto ofensivo. E foi em agosto de 1943 que as forças
germânicas passaram a adotar uma postura defensiva após o evento de “Kursk” e
nunca mais foram capazes de lançar uma ofensiva contra as forças soviéticas.

8 [N.T.] Efetuando-se as contas com os valores informados pelo autor obtém-se um


valor que não corresponde ao número áureo. Em Dupuy and Dupuy, citado
anteriormente, os valores de efetivos divergem dos citados pelo autor, aproximando-
se um pouco mas do valor áureo, sem no entanto igualá-lo.

180
Talvez tenhamos também que considerar o exemplo seguinte como uma
coincidência9.

[N.T.] Na versão inglesa da obra foi adotada a palavra “Castle”, porque provavelmente a palavra “Kursk” foi literalmente
traduzida para o inglês. Por tratar-se de uma referência histórica, optamos por utilizar sua forma original. Durante a 2ª
Guerra Mundial, a batalha de Kursk (julho de 1943) travada entre alemães e russos foi uma das batalhas mais
importantes na frente oriental, mantendo-se, até hoje, como um dos maiores conflitos envolvendo blindados de toda a
história da guerra. Nesta os alemães planejaram uma ação ofensiva que foi contida pelas forças soviéticas, que lançara,
em resposta, uma contra-ofensiva que se estendeu até às portas de Berlim.

A Batalha de Stalingrado, que foi considerada por todos os analistas militares como
o ponto de inflexão da Guerra Patriótica dos Soviéticos, ocorreu exatamente no
décimo sétimo mês da guerra, isto é, novembro de 1942. Este é o ponto fixado pela
PROPORÇÃO ÁUREA, no eixo da linha de tempo, que demarca o início do período de
vinte e seis meses, no decorrer dos quais as forças alemãs passaram do sucesso ao
declínio.

Examinemos, também, a Guerra do Golfo. Antes da guerra, os especialistas


militares estimavam que os equipamentos e os componentes das Guardas
Republicanas perderiam, em termos práticos, a sua eficácia em combate, quando as
suas perdas, resultantes dos ataques aéreos, excedessem o valor de 30%. Visando
impor perdas às forças iraquianas até que esse nível crítico fosse atingido, as forças
norte-americanas, estenderam, repetidamente, o tempo de bombardeio. Quando
terminou a operação “Espada do Deserto” as forças iraquianas tinham perdido 38%
de seu efetivo de 4.280 tanques, 32% de seus 2.280 veículos blindados, e 47% de
suas 3.100 peças de artilharia. Sobrou apenas, em média, 60% de seu poderio
militar. A despeito de dados tão impiedosos, o fulgor misterioso do número 0,618
aparecia novamente na manhã de 24 de janeiro de 1991. A guerra terrestre da
“Tempestade no Deserto” terminou 100 horas mais tarde.

Tais episódios, espalhados ao longo da História, representam algo verdadeiramente


surpreendente. Quando analisados isoladamente, podem até parecer uma
seqüência de ocorrências acidentais, mas para o Criador não existe o acaso. Se um
demasiado número de ocorrências vem a comprovar um mesmo fenômeno poderia
ainda um leitor, tranqüilamente, considerá-los como obra do acaso? A nosso ver a
resposta é não. Temos que admitir a existência de uma regra.

9 Masaier Bodug (França) autor de “A Enciclopédia da Segunda Guerra Mundial”,


(Pla Press, 1989); “The Soviet Union’s War Against Germany” pp 684.694

181
A GRAMÁTICA DA VITÓRIA — A REGRA COLATERAL-PRINCIPAL
Na gramática chinesa, a sentença possui uma estrutura básica. Esta estrutura
divide a sentença, ou a frase, em duas partes: o termo central e o modificador. O
relacionamento entre eles é aquele de ser alterado e de alterar, isto é, o modificador
altera o significado do termo central, determinando a tendência e característica
desse termo. De maneira mais clara, o modificador representa a aparência e o
termo central representa o ser.

Normalmente, nós não definimos a diferença entre pessoas ou entre objetos em


função de sua constituição (orgânica ou física) e, sim, em função de suas
aparências ou formas. Sob esta perspectiva, o modificador deveria ser considerado,
praticamente, como o núcleo de uma sentença ou frase. Por exemplo, tomemos a
expressão: “pano de linho”. Antes de ser modificado pelo qualificativo (adjetivo)
“linho” o vocábulo “pano” refere-se, genericamente, a um tipo de tecido ou fazenda.
O qualitativo “linho”, todavia, atribui ao pano uma especificidade que o classifica.
Obviamente o qualitativo “linho” desempenha uma função importante nessa
expressão.

Consideremos, também, a expressão “zona econômica especial”. Sem a qualificação


“econômica”, uma “zona especial” representa apenas um conceito de divisão
geográfica. Quando modificada pelo termo “econômica”, a “zona especial” adquire
nova característica e significado, tornando-se, por exemplo, o componente básico de
suporte para a reforma da China efetuada por Deng Xiaoping.

Esta estrutura representa um modelo básico na gramática chinesa: a ESTRUTURA


COLATERAL-PRINCIPAL

A estrutura de uma frase ou expressão na qual o elemento principal é modificado


pelo elemento colateral é amplamente disseminada na língua chinesa até o ponto
em que, sem o seu uso, não é possível a um chinês expressar-se adequadamente.

Na língua chinesa, se numa frase houver somente sujeitos, sem quaisquer


modificadores, a sentença carecerá de clareza, devido à ausência de tais elementos
indicadores de gradação, localização e modo, e que permitem a compreensão de
forma concreta. Por exemplo, se os modificadores em frases tais como: “pessoa
boa”, “coisa boa”, “edifício alto”, e “bandeira vermelha”, forem removidos, os termos
centrais passarão a ser palavras neutras, sem qualquer significado ou referência
específica.

182
Assim, na ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL o elemento “colateral”, tem a função de
determinar, qualitativamente, a sentença ou expressão. Em outras palavras
podemos perceber a palavra central (elemento principal ou o sujeito) representa a
entidade principal e o modificador (colateral ou qualitativo) serve como elemento
orientador.

Isto é, o elemento principal é o corpo do elemento colateral, enquanto que o


elemento colateral é a alma do elemento principal. Aceitando-se esta premissa
quanto à existência de um corpo, parece ser óbvio que a função da alma é de
importância decisiva.

O relacionamento da entidade principal implicando em uma subordinação ao


elemento orientador constitui o fundamento básico para a existência da ESTRUTURA
COLATERAL-PRINCIPAL.

Ao mesmo tempo, sendo um dos modelos de estrutura do sistema de símbolos que


corresponde ao mundo objetivo, parece nos sugerir algo normativo que vai além da
abrangência do idioma.

Seguindo-se o curso desse raciocínio, iremos observar que o relacionamento na


ESTRUTURA COLATERAL-PRINC IPAL tem uma aplicação bastante ampla, não se limitando
a expressões do tipo “boa pessoa”, “coisa ruim”, “edifício alto” e “bandeira
vermelha”, ou, ainda, termos militares como navio-aeródromo, míssil de cruzeiro,
aeronave invisível, veículo blindado de transporte de pessoal, artilharia
autopropulsada, bombas de precisão, força de resposta rápida, guerra terra-ar e
operações conjuntas.

Este relacionamento existe, também, de inúmeras formas, fora da ambiência da


linguagem, numa miríade de maneiras. É por esta característica genérica que
podemos utilizar por empréstimo — e apenas como empréstimo e não como cópia
— esta relação da retórica, e que de acordo com a nossa teoria, é encontrado,
somente, nos sistemas de linguagem dos seres humanos.

Não pretendemos justapor, arbitrariamente, a guerra às normas da retórica, mas


apenas tomar emprestado a expressão “colateral-principal” para enunciar o
elemento mais profundo da nossa teoria. Pois acreditamos que esse relacionamento
colateral-principal existe de maneira amplamente significativa, tanto no movimento

183
quanto no desenvolvimento de muitas coisas e que, em tal relacionamento, o
elemento colateral, em vez do elemento principal, freqüentemente desempenha as
funções de elemento orientador.

Por hora, vamos descrever este relacionamento como sendo “a modificação do


elemento principal pelo elemento colateral”. (Obs: este não é o significado original
da ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL, no contexto de sua utilização como um
expediente de retórica, mas sim, um significado ampliado que adotaremos).

Por exemplo, em um país, o povo representa a entidade principal, enquanto que o


governo representa o elemento orientador; numa força armada, os soldados e os
oficiais de nível subalterno e intermediário constituem a entidade principal e os
Quartéis-Generais de Comando representam o elemento orientador dessa força
armada; em uma explosão nuclear, o urânio, ou, o plutônio constitui a entidade
principal, ao passo que os meios diretamente relacionados com seu lançamento
representam o elemento orientador, para dar início ao ciclo de reações em cadeia;
numa crise financeira do tipo ocorrido no Sudeste Asiático, os países vitimados são
as entidades principais, enquanto que os especuladores financeiros representam o
elemento orientador, para o desencadeamento da crise.

Sem uma orientação proporcionada pelo governo, o povo passa a representar um


monte aleatório de areia; sem a orientação proporcionada pelo Comando, os
soldados passarão a constituir uma turba; sem os meios para bombardear o urânio
e o plutônio, estes se tornam, apenas, um monte de minérios; sem as ações dos
especuladores financeiros, criando distúrbios, os mecanismos reguladores das
nações vítimas deveriam capacitá-las a evitar a ocorrência de catástrofes
financeiras. Em tal tipo de relacionamento, se deixarmos de lado as interações
bidirecionais, torna-se evidente qual é o elemento colateral, qual é o elemento
principal, e quem modifica quem.

Queremos crer que ficou demonstrado, no decorrer desta apresentação, que a


ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL é assimétrica. Assim sendo, o relacionamento entre o
componente colateral e o componente principal é um relacionamento
desequilibrado. Neste ponto, a situação assemelha-se àquela relativa a regra da
PROPORÇÃO ÁUREA onde 0,618 e 1 também formam uma estrutura assimétrica e um
relacionamento desequilibrado.

Nós estamos plenamente justificados em considerar esta relação como uma nova
maneira de propor a relação colateral-principal, visto que, na ESTRUTURA COLATERAL-

184
PRINCIPAL, aquilo que é importante é o elemento colateral e não o elemento principal.
E da mesma forma, isto também é verdadeiro na regra da PROPORÇÃO ÁUREA, onde o
que é importante é o 0,618 e não o 1. Isto representa a característica comum às
duas relações.

Leis naturais comprovam que duas coisas com características semelhantes devem
obedecer a regras semelhantes. Portanto, se existir alguma regra comum,
governando a regra da PROPORÇÃO ÁUREA e a regra da ESTRUTURA COLATERAL-
PRINCIPAL, ela poderia ser enunciada como:

0,618 = PREDOMINÂNCIA PROGRESSIVA DO ELEMENTO COLATERAL.

O melhor exemplo para ilustrar esta proposição está, talvez, na história da corrida
de cavalos conforme descrita por Tien Chi10. Em uma situação de inferioridade
quanto a um poderio global, o grande estrategista militar Sun Pin realizou a sua
jogada clássica, que representou um exemplo adequado da sabedoria chinesa no
tocante a jogos.

Numa competição de corrida de cavalos, Sun Pin escalou para o 1º páreo pior
cavalo de Tien Chi contra o melhor cavalo do Rei de Qi. Depois de inevitavelmente
ter perdido esse páreo, ele colocou, nos dois páreos seguintes, os seus melhores e
médios cavalos para vencer os médios e piores cavalos de seu adversário obtendo
dessa maneira uma dupla vitória, obtendo, assim, a vantagem necessária para a
vitória geral.

Este método em que é aplicada a estratégia de perder uma disputa e, em seguida,


vencer duas disputas (o elemento orientador) para vencer a disputa de forma geral
(o elemento principal), pode ser visualizada como uma representação típica da
ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL.

O resultado de vencer dois dos três páreos, também está totalmente de acordo com
a PROPORÇÃO ÁUREA, isto é, 2:3. Aqui podemos constatar a convergência perfeita e a
unicidade das duas regras: a regra da PROPORÇÃO ÁUREA = a regra da ESTRUTURA
COLATERAL-PRINCIPAL.

A descoberta de uma regra significa, ao mesmo tempo, o fim e o início da análise de


um tema. Enquanto acreditarmos que algo denominado REGRA COLATERAL-PRINCIPAL
pode ser percebido como influindo na evolução de todos os acontecimentos,

10 Ver “Biographies of Sun Zi and We Q’i” em Shi Ji (Records of History)

185
deveremos, também, acreditar que essa regra do mesmo modo que a REGRA DA
PROPORÇÃO ÁUREA, não deixaria imune a ambiência militar.

Os fatos demonstram essa capacidade.

Por exemplo, a batalha de Ch´ang-Sha11 entre Chi e Chu. Quando as duas forças
defrontaram-se no campo de batalha, o exército de Chi tinha uma atitude bastante
agressiva enquanto que o exército de Chu permaneceu imóvel. As forças de Chi
atacaram três vezes, impulsionadas por três seqüências de rufar dos tambores, mas
não obtiveram êxito quanto a desordenar a vanguarda do exército de Chu, daí
resultando um declínio óbvio no ímpeto atacante. O exército de Chu, então,
aproveitou-se da oportunidade e desfechou um contra-ataque, daí resultando uma
total vitória.

Após a batalha, o conselheiro Kao Ying12 explicou as razões da derrota de Chi e da


vitória de Chu nesta batalha: “O exército inimigo teve um grande ímpeto com a
primeira seqüência do rufar dos tambores; teve um ímpeto menor no segundo
momento do rufar dos tambores e estava exausto quando os tambores rufaram pela
terceira vez, na medida em que nossas forças dispunham de pleno vigor, ocorreu
nossa prevalência”.

Todo o desenrolar da batalha pode ser dividido em cinco etapas: o primeiro rufar
dos tambores das forças de Chi; o segundo rufar dos tambores das forças de Chi; o
terceiro rufar dos tambores das forças de Chi; o contra-ataque das forças de Chu; e
a perseguição ao inimigo empreendida por Chu. Da primeira à terceira etapa, Kao
adotou a estratégia de evitar um sucesso do ataque inimigo e, assim sendo, o
exército de Chi rapidamente ultrapassou o ponto áureo de sua ofensiva, sem que
tivesse obtido quaisquer resultados significativos. Enquanto isso, o exército de Chu
escolheu com precisão aquele momento, como sendo o do início do contra-ataque, e
deste modo demonstrou, efetivamente, num campo de batalha, há 2.700 anos, o
valor da regra da PROPORÇÃO ÁUREA, (3:5 é aproximadamente igual a 0,618)13.

11 [N.T.] Este corresponde o antigo nome da atual cidade de Xangai.

12 [N.T.] No texto em inglês consta o nome “Cao Gui”, que no entender do tradutor
não é o nome correto.

13 Ver “Kao Ying Analysys of War” . Mais tarde, quando participando da reunião de
Chi e Chu na localidade de Ke, Kao Ying capturou o Duque Heng de Chi usando

186
Podemos ter certeza de que, naquela época, Kao Ying não poderia ter conhecido
Pitágoras e a sua teoria da PROPORÇÃO ÁUREA, um fato que só viria a ocorrer 200
anos mais tarde. Além disso, mesmo que Kao Ying tivesse conhecimento dessa
teoria, não teria sido possível determinar com precisão, no decorrer de uma
batalha, onde se situava o ponto, que corresponderia á proporção de 0,618 em
relação à extensão total da batalha, cuja duração não seria possível prever. Por
instinto, acreditamos que ele tenha conseguido visualizar o momento do contra-
ataque, através de um lampejo de sua inteligência. Esta é uma dádiva comum de
todos os militares talentosos.

Aníbal, na batalha de Cannae, raciocinou da mesma maneira que Kao Ying.

[N.T.] A Batalha de Cannae, travada em agosto de 216 AC foi uma batalha decisiva da Segunda Guerra Púnica, e que
se tornou um clássico pela tática empregada por Aníbal, paras derrotar um exército romano amplamente superior em
termos numéricos.

Da mesma forma que Kao Ying, ele entendeu o segredo da seqüência de declínio do
poder de ataque das forças inimigas. Assim sendo, de maneira inusitada, ele
posicionou seu componente mais fraco, composto pelas infantarias espanhola e
gaulesa, no centro de sua vanguarda, onde, normalmente, deveriam estar seus
elementos mais poderosos. Com isso, suas forças mais fracas deveriam enfrentar as
fortes forças romanas. Na medida em que tal enfrentamento proporcionou uma
superioridade romana, ocorreu um recuo do centro da frente de Aníbal,
estabelecendo-se uma nova frente de combate com um formato convexo.

Não importa se essa curvatura tenha sido criada intencionalmente por Aníbal ou
que tenha surgido como conseqüência do engajamento. Na realidade, ela se
transformou em um gigantesco amortecedor que absorveu o poder de ataque das
legiões romanas. Na medida em que esse poder foi sendo gradualmente
enfraquecido, devido à profundidade do corpo central, o ímpeto do ataque chegou
ao seu ponto mais baixo, quando a retaguarda dos romanos estavam se
aproximando das extremidades da frente cartaginesa na forma convexa. Deste
ponto em diante, as forças cartaginesas eram inferiores em termos globais, mas
superiores em termos de cavalaria, que posicionadas nos flancos, rapidamente

uma faca e deste modo obrigou que Chi devolvesse as terras de Chu que haviam
sido ocupadas. Ele foi um bom general demonstrando ao mesmo tempo coragem e
sabedoria; ver “Biographies of Assassins” em Shi Ji.

187
lançaram seus ataques envolvendo completamente as forças romanas, e desta
forma, transformando Cannae em um campo de extermínio para 70.000 homens.

As duas batalhas (Ch´ang-Sha e Cannae) foram diferentes, mas o seu


desenvolvimento foi idêntico. Em ambas, a estratégia dominante foi de minimizar os
efeitos dos ataques frontais do inimigo e enfraquecer a impetuosidade adversária.
Foi adotado um enfoque operacional compreendendo o óbvio desvio de um
engajamento frontal com o inimigo, e a seleção apropriada do ponto de declínio do
poder ofensivo inimigo, como sendo o momento ideal para o início do contra-ataque
pelas forças principais, até então resguardadas. O método operacional utilizado,
obviamente, obedeceu aos mandamentos da REGRA DA PROPORÇÃO ÁUREA e da REGRA
COLATERAL-PRINCIPAL. Caso os dois exemplos apresentados não sejam entendidos
como uma mera coincidência ou um fenômeno isolado, estaremos, então,
percebendo o brilho da luz que representa a regra da PROPORÇÃO ÁUREA, iluminando
uma grande parte da História da Guerra. E esta condição tornou-se, talvez, mais
evidente no período da guerra moderna.

Durante a Segunda Guerra Mundial toda a operação alemã de ataque à França foi
baseada na essência das duas regras que discutimos.

Em 1937-1938 Manstein era o primeiro Subchefe do Estado-Maior do Exército Alemão. Em decorrência de conflitos
internos do Alto Comando e assumiu o comando da 18ª Divisão. Em 1939, o Alto Comando Alemão publicou um plano
operacional no tocante à frente ocidental denominado Plano de Operações “Amarelo”. Tal plano indicava a intenção de
realizar ataques frontais a serem executados por forças poderosas no flanco direito de modo a derrotar as forças franco-
britânicas que se supunha estarem concentradas na Bélgica, enquanto que usando forças de menor poder para cobrir as
demais frentes. Obviamente este plano era uma versão modificada do plano Schliffen de 1914. Manstein, então Chefe
do Estado-Maior do Grupo de Exército “A” formulou o seu próprio plano de operações para aquele Grupo de Exército.
Submeteu, repetidamente, tal plano ao Alto Comando quer sob a forma de um memorando, ou, como a minuta de um
Plano de Operações. Sua proposição, todavia, foi rejeitada seguidamente pelo Alto Comando. Desgostoso do proceder
de Manstein o Alto Comando o transferiu para as funções de Comandante do 38º Exército. Manstein conseguiu
transmitir a Hitler suas idéias usando da oportunidade que teve em um encontro pessoal com o líder nazista. Hitler, que
era um leigo no tocante a assuntos militares possuía, todavia, uma elevada capacidade de percepção. O ponto mais
importante daquele plano pessoal, chamado Plano Manstein por Liddell Hart, depois da guerra, era o de desencadear
um ataque de surpresa através das florestas das Ardenas, executando ataques concentrados no flanco esquerdo e
utilizando as forças blindadas também concentradas. Ver Manstein “Lost Victory”, The Academy of Military Science of
the Chinese People’s Liberation Army, 1980. Guderian era o Comandante do 19º Exército Blindado e o melhor agente
implementador do Plano Manstein; “Guderian-Blitzkrieg Heroes”, Zhanshi Press, 1981.

Decisões que foram tomadas, como por exemplo: a não subordinação dos tanques à
infantaria, transformando-os na força principal de ataque; a utilização da
“blitzkrieg” com principal doutrina operacional, descartando as práticas da Primeira
Guerra Mundial; e a escolha das florestas das Ardenas como o eixo principal do
ataque das forças alemães; surpreenderam, não só o inimigo, como também aos
velhos generais do alto comando alemão, e poderiam ser consideradas não-
ortodoxas, dotadas de uma nítida característica de desvio para o elemento

188
colateral.

Foi esse desvio que deu origem a uma transformação radical de pensamento de
todos os militares alemães, e fez também, com que o sonho de Schlieffen de “lançar-
se sobre Canal da Mancha” se transformasse em um pesadelo para os ingleses em
Dunquerque. Antes daquele tempo, quem poderia ter imaginado que a
documentação deste planejamento milagroso seria produzida por dois oficiais
relativamente modernos14 na hierarquia militar alemã, Manstein e Guderian?

Durante a mesma Guerra Mundial ocorreu também o ataque japonês a Pearl


Harbor, o qual se assemelha à operação de ataque à França. Uma operação que
demonstra uma tendência colateral-principal muito significativa.

Depois que assumiu o Comando da Esquadra Conjunta, Yamamoto rejeitou a idéia do Estado-Maior da Marinha
Japonesa quanto a, inicialmente, atacar as Filipinas. Segundo ele seria necessário realizar inicialmente um ataque de
surpresa à Esquadra norte-americana no Pacífico de modo a imobilizá-la. No dia 7 de Dezembro de 1941, sob o
comando do Almirante Nagumo, seis navios-aeródromos com 423 aviões embarcados atacaram Pearl Harbor de acordo
com o plano de Yamamoto, afundando o encouraçado “Arizona” e três outros encouraçados, e destruindo 188 aviões
causando assim grandes perdas para a Marinha norte-americana. Ver Liddell Hart, “História da Segunda Guerra
Mundial”, pp 276-335.

Isoroko Yamamoto utilizou navios-aeródromos da mesma maneira que Guderian


utilizou seus tanques. Conceitualmente, Yamamoto ainda considerava os
encouraçados como o elemento principal para as batalhas navais decisivas do
futuro, mas, prudentemente e de maneira correta escolheu os navios-aeródromos,
com os seus aviões embarcados, como as armas principais para as operações
contra a Marinha norte-americana. O mais interessante é que, para atacar os
Estados Unidos, ele não idealizou ataques frontais ao longo do litoral norte-
americano no Pacífico, considerando, de forma prioritária, o raio de ação de sua
força combinada para o ataque, isto é, o ponto ideal para que pudesse aplicar o seu
golpe. Deste modo ele selecionou como o alvo para o ataque as ilhas havaianas, que
além de terem importância crítica para o controle de todo o Oceano Pacífico, não
eram consideradas, pelos norte-americanos, como o alvo inicial japonês15. Os

14 [N.T.] Conotação usada no âmbito militar brasileiro para designar oficiais com
pouca antiguidade, quer na sua patente (no caso de recém promovido), quer dentro
do quadro de Oficiais a que pertencem, em função de sua patente ser relativamente
inferior.

15 [N.T.] Esta afirmação do autor é discutível, visto que a marinha norte-americana,


desde a década de 30, estudava no Naval War College, as hipóteses de ações

189
norte-americanos se recusavam a admitir esta hipótese, até mesmo depois de
terem recebido informações dos serviços de inteligência de que isso ocorreria.

Deve ser enfatizado que este entusiasta das batalhas navais decisivas optou por
realizar um ataque furtivo a Pearl Harbor, como o primeiro engajamento que
determinaria os rumos futuros da guerra, ao invés de ser através do método por ele
sempre sonhado, uma batalha naval. Conseqüentemente, ele obteve uma vitória por
meio de surpresa tática, atingindo alvos colaterais.

Em decorrência das análises que fizemos, deve ser entendido que a REGRA DA
PROPORÇÃO ÁUREA e A REGRA COLATERAL-PRINC IPAL não devem ser empregadas em seu
sentido literal, pelo contrário, é necessário compreender a sua essência. Um campo
de batalha em constante evolução não irá proporcionar a qualquer líder ou
comandante militar tempo suficiente e informações adequadas, para que ele possa,
cuidadosamente, determinar o ponto que corresponda à PROPORÇÃO ÁUREA, ou o
grau de desvio no sentido do elemento colateral. Até mesmo os elementos básicos
das duas regras, ou seja, o valor 0,618 e o “desvio para o elemento colateral” não
são constantes em termos matemáticos. Ao contrário, elas representam as milhares
formas de manifestações do Deus da vitória, ao longo das diversas mudanças no
curso das guerras, nos campos de batalha e nas situações de conflito.

Algumas vezes tais manifestações se apresentam quando da seleção de meios. Por


exemplo, durante a Guerra do Golfo, Schwartzkopf utilizou o bombardeio aéreo
como o elemento predominante, empregando o Exército e a Marinha como
elementos de apoio, forças estas que sempre constituíram os elementos principais
de combate. Outras vezes essas manifestações ocorrem na seleção das táticas.
Dönitz, por exemplo, alterou o modelo de guerra naval de “navio – contra – navio”
para o modelo “submarino – contra - navios mercantes”; esta nova tática
denominada “matilha de lobos” representou para a Grã-Bretanha uma ameaça
muito maior que a representada pelas batalhas navais.

Algumas vezes, aquele Deus da vitória manifesta-se na seleção de armamentos. Por


exemplo, a artilharia de Napoleão, os tanques de Guderian, os navios-aeródromos
de Yamamoto, e as munições de precisão usadas na Operação “Gold Coast”, todas

ofensivas por parte do Japão, através de jogos de guerra. E o cenário de Pearl


Harbor, já fora diversas vezes treinado.

190
constituíram armas principais que tiveram a capacidade de alterar o equilíbrio da
guerra.

Algumas vezes tais manifestações ocorrem na seleção do ponto de ataque. Por


exemplo, durante a batalha naval de Trafalgar, Nelson inteligentemente, escolheu a
retaguarda em vez da vanguarda da linha de batalha franco-espanhola como o
ponto do ataque principal, conseguindo, com isso, uma vitória naval decisiva, que
determinaria o nascimento de um Império Marítimo.

Antes da batalha naval de Trafalgar, Nelson apresentou aos seus Comandantes subordinados um novo dispositivo para
o engajamento com o inimigo. Em vez de a tradicional formatura em coluna ele dividiu os seus navios em dois grupos.
Um grupo interceptaria o centro da esquadra inimiga com um ângulo de aproximação de 90º deste modo separando a
retaguarda inimiga de seu centro. Em seguida, os navios concentrados atacariam a retaguarda inimiga. O outro grupo de
navios deveria obter a separação do centro inimigo de sua vanguarda e também desfecharia um ataque concentrado ao
centro do inimigo. Seria muito tarde para que os navios da vanguarda inimiga tentassem inverter seu rumo de modo a vir
apoiar o centro, ou, a retaguarda. A batalha de Trafalgar transcorreu quase exatamente conforme previu Nelson.
Embora ele tivesse falecido devido a um ferimento recebido, a Marinha Inglesa obteve uma vitória total. Ver o livro de
Ding Chaobi “The History of Modern Naval Wars of the World”, Haiyang Press, 1944 pp 143-155.

Algumas vezes tais manifestações ocorrem na escolha das oportunidades para o


engajamento. Por exemplo, na 4ª Guerra do Oriente Médio, Sadat escolheu o dia 6
de outubro, durante o mês do Ramadam, , como o dia “D” para as forças egípcias
atravessarem o Canal de Suez e, assim, desfechou o ataque no período da tarde,
com a luz solar vindo de oeste para o leste, incidindo diretamente nas pupilas dos
olhos israelenses e, assim, destruindo o mito da invencibilidade israelense16.

Algumas vezes elas se configuram nos posicionamentos desiguais das forças. Por
exemplo, antes da Primeira Guerra Mundial, o Alto Comando Alemão elaborou o
Plano Schlieffen para a invasão da França. De acordo com esse Plano, haveria um
audacioso movimento compreendendo o emprego de 53 das 72 divisões alemães no
flanco direito, como a força de ataque principal. As 19 divisões restantes seriam
posicionadas ao longo da extensa frente de combate, no centro e flanco esquerdo.
Deste modo, um exercício de jogo de guerra transformou-se no mais famoso Plano
de Guerra que jamais foi implementado.

Manifestam-se, algumas vezes, no uso de estratagemas. Por exemplo, no ano de


260 AC, havia uma rivalidade entre Chi e Chao. O Rei Zhaoxiang de Chi não tinha
urgência em travar uma batalha decisiva contra o seu inimigo, e adotou o conselho

16 Ver “The Fourth Middle East War”, Shangai Translation Press, 1975; “Middle
East Wars”, Shangai Translation Press, 1979.

191
de Fan Sei de atacar inicialmente Shangdang em Han, de modo a privar Chao do
seu apoio. Em seguida, Zhauxiang fingiu estar disposto a negociar uma paz e, em
decorrência, os Lordes deixaram de apoiar Chao. Ele também usou o estratagema
de disseminar discórdia e, como resultado, o Rei de Chao dispensou o General Lian
Po e nomeou para o seu lugar o estrategista acadêmico Chao Kuo como
Comandante. Conseqüentemente, a força de Chao foi derrotada em Chang Ping. A
vitória de Chi e a derrota de Chao nesta batalha deveriam ser, mais
apropriadamente, atribuídas ao estratagema de Fan Sei do que ao poderio das
forças de Chi17.

Deveríamos enfocar de forma especial, bem como analisar, também, um outro


fenômeno, qual seja, que um número cada vez maior de países está com uma visão
além da ambiência militar, quando tratando de temas importantes como os de
natureza política, econômica e da segurança nacional. Estes países têm empregado
outros meios para suplementar, fortalecer e, até mesmo, substituir os meios
militares, de modo a conquistar objetivos que não poderiam ser alcançados, apenas,
pelo poder militar. Esta tem sido a ocorrência mais importante, em que o elemento
colateral modifica o elemento principal no tocante à guerra, no contexto daquilo que
é uma concepção de guerra. Ao mesmo tempo, isto também indica que nas guerras
futuras haverá a ocorrência cada vez maior da formação da estrutura colateral-
principal, constituída pelos meios militares em conjunto com outros meios.

Todos os exemplos acima apresentados demonstraram a característica do “desvio


no sentido do elemento colateral”. Semelhantemente à REGRA DA PROPORÇÃO ÁUREA,
a REGRA COLATERAL-PRINCIPAl é contrária às formas de posicionamentos paralelos,
equilíbrio, simetria, abrangência e uniformidade. Ao invés disso, ela propõe o uso
da espada para provocar o corte no ponto certo. Somente pelo não engajamento em
colisões frontais será possível que sua espada produza o corte desejado, sem que
ela seja avariada. Esta é a gramática básica da vitória, na interpretação de um
antigo texto sobre a guerra.

Se nós empregamos a REGRA DA PROPORÇÃO ÁUREA na ambiência das artes, como


uma regra de estética, porque não poderíamos também considerar que a REGRA
COLATERAL-PRINCIPAL – através de sua projeção na ambiência militar – como sendo a
regra da vitória?

17 Ver the “The History of War in China”, Military Translation Press, vol 2, p.197.

192
O ELEMENTO DOMINANTE E O CONJUNTO TODO — A
ESSÊNCIA DA ESTRUTURA COLATERAL-PRINCIPAL
Entre os vários elementos que integram alguma coisa, deverá existir um
determinado elemento que assume um papel proeminente ou predominante entre
todos os demais. Se o relacionamento entre esse elemento e os demais for
harmonioso e perfeito estará de acordo com a fórmula 0,618:1 em determinadas
áreas e, também, de acordo com a REGRA COLATERAL-PRINCIPAL, visto que, neste caso,
“todos os elementos” compõem o corpo principal, isto é, o elemento principal; e o
“elemento específico” atua como elemento orientador, e portanto é o elemento
orientador. Uma vez que um determinado objeto adquire um propósito significativo,
o elemento colateral e o elemento principal formarão uma relação “dominante ↔
subordinado”.

Em uma luta entre dois touros, estes representam o elemento principal enquanto
que os chifres são o elemento colateral. Quando duas espadas se defrontam as
espadas representam o elemento principal, enquanto que os fios das lâminas
representam o elemento colateral. Torna-se bastante evidente qual é o elemento
predominante e qual o elemento subordinado.

Quando a finalidade do objeto é alterada, irá surgir um novo elemento dominante,


substituindo o anterior, que irá estabelecer um novo relacionamento colateral-
principal com os demais elementos existentes. O entendimento do relacionamento
entre o elemento dominante e os demais elementos que compõem um objeto é
equivalente ao entendimento da regra da PROPORÇÃO ÁUREA, e da REGRA COLATERAL-
PRINCIPAL.

Tendo como base esse entendimento nós poderemos rapidamente estabelecer os


cinco relacionamentos mais importantes dentre todos os relacionamentos
complexos da guerra: as armas dominantes e todas as demais armas; os meios
dominantes e todos os demais meios; a força dominante e todas as demais forças; a
diretriz dominante e todas as demais diretrizes; e a ambiência dominante e todas as
demais ambiências. O relacionamento entre os cinco elementos dominantes e todos
os demais elementos das cinco áreas mencionadas representa, basicamente, o
relacionamento colateral-principal que existe de maneira generalizada nas guerras.

Consideremos, novamente, o exemplo da Guerra do Golfo. Na operação


“Tempestade no Deserto”, as armas dominantes utilizadas pelas forças aliadas
foram os aviões “invisíveis”, os mísseis de cruzeiro, e as bombas de precisão. Os

193
demais armamentos tiveram um papel suplementar. Os meios dominantes foram
representados por 38 dias consecutivos de bombardeios aéreos com os outros meios
desempenhando um papel suplementar. A força dominante foi o componente aéreo,
com as demais forças tendo a missão de apoio. A diretriz dominante foi atingir os
efetivos da Guarda Republicana por meio de ataques concentrados, ficando os
demais objetivos do campo de batalha como alvos secundários. A ambiência
dominante foi a militar com todas as demais ambiências proporcionando um amplo
apoio através das sanções econômicas, do isolamento diplomático e das ações
ofensivas na mídia.

Não obstante, não é nosso objetivo a mera explicação desses relacionamentos. Para
aqueles engajados em uma guerra o que é mais importante não é a explicação de
tais relacionamentos e, sim, o seu entendimento e aplicação.

Como sabemos, os recursos para a guerra são limitados para todos os países. Até
mesmo uma nação tão poderosa como os Estados Unidos tem que raciocinar
continuamente em termos de custo-benefício (o princípio do “mínimo consumo de
energia”), e de como lutar em guerras de uma forma mais glamourosa, obtendo um
maior número de resultados esplêndidos. É imprescindível, portanto, que qualquer
nação destine e aplique os seus recursos para a guerra de maneira lógica e
estratégica. Isto exige a adoção de um método correto, isto é, de como aplicar
conscientemente a REGRA COLATERAL-PRINC IPAL. Na realidade, muitos países, de uma
forma não intencional, já aplicam tais regras. Depois do colapso União Soviética a
capacidade militar russa entrou em um continuado declínio; não apenas ela perdeu
sua posição como superpotência no confronto com os Estados Unidos como,
também, no momento atual, tem dificuldades para atender as demandas impostas
pela segurança nacional. Sob tais circunstâncias, o alto comando russo adaptou
sua estratégia futura a um cronograma adequado, a despeito de se encontrar em
uma posição delicada, considerando suas armas nucleares táticas e até mesmo
estratégicas como as armas dominantes, que seriam empregadas, prioritariamente,
no caso de uma guerra que fosse desfechada contra a Rússia. Tendo como base
essa decisão, foi também definida, de maneira geral, a proporcionalidade entre
armas convencionais e nucleares.

Ao contrário do procedimento da Rússia, e na condição de única superpotência no


mundo, os Estados Unidos estabeleceram como os seus novos objetivos estratégicos

194
para as suas forças amadas: um “Exército com superioridade completa”;18 uma
“Marinha projetando-se do mar para terra” e “uma Força Aérea com a capacidade
de engajar-se em âmbito global”.

“Engajamento global” representou a estratégia para o desenvolvimento da Força Aérea do século 20I proposta por essa
Força no final de 1997 visando substituir a doutrina estratégica de “força global com alcance global” que havia sido
instituída para o trato dos problemas pós-Guerra Fria. Nessa doutrina eram enfatizadas as seis áreas básicas da
capacitação da Força Aérea: superioridade aérea e espacial; ataque global; rápida mobilidade global; ataque de
precisão; superioridade quanto à informação; e apoio operacional flexível. Ver o documento “Global Engagement and the
Conception of the U.S. Air Force in the 21st Century”.

Neste contexto, equipamentos digitais, novos tipos de navios para o assalto anfíbio
e aeronaves invisíveis com grande raio de ação foram selecionados como sendo
representativos de uma nova geração de armamentos, os quais parecem ser os
sucessores dos atuais “azes” como, por exemplo, os tanques da série M-1, os
navios-aeródromos, os aviões de caça F-16, na posição de armas dominantes do
arsenal norte-americano.

Conforme pode ser percebido dos ajustes estratégicos feitos pelos Estados Unidos e
pela Rússia quanto às suas respectivas armas dominantes, parece que a prática de
selecionar armas dominantes tendo por base a magnitude do seu poder destrutivo
tornou-se obsoleto. No tocante à seleção das armas dominantes, o seu poder
destrutivo é apenas um dos itens do desempenho dessas armas. Mais importante
que o desempenho técnica é a consideração básica quanto a: propósito da guerra,
objetivos operacionais e ambiência da segurança. Assim, as armas dominantes
deverão ser aquelas que atendem a estes três propósitos mencionados. Mas, além
disso, é necessário que elas sejam organicamente combinadas com outras armas,
de modo a constituírem o elemento dominante de um completo sistema de armas.

Na ambiência da moderna tecnologia, as armas dominantes não são mais armas


isoladas, e sim, “sistemas de armas” que por sua vez, são componentes de sistemas
mais amplos.

18 A “superioridade completa” era o objetivo estratégico proposto pelo Exército dos


Estados Unidos no seu documento “Conception of the Army in 2010”

195
O conceito do “Sistema dos Sistemas” representou o resultado de uma pesquisa conjunta dirigida pelo Almirante Owens,
ex Vice Chefe do Estado Maior Conjunto e de seu assessor mais graduado, Black De acordo com Owens a
revolução tecnológica militar contemporânea não se trata de uma revolução relacionada a navios de guerra, aeronaves,
tanques e outras plataformas de armas. O que ocorreu, na realidade, foi o aparecimento de outros elementos como, por
exemplo, os sistemas de sensoriamento, os sistemas de comunicações e os sistemas de armas orientadas com
precisão. O aparecimento desses sistemas irá gerar uma revolução fundamental na estrutura das forças e nos modelos
operativos das Forças Armadas. Talvez no futuro não irá mais existir a divisão em Exército, Marinha e Força Aérea e em
vês disso uma “força móvel de ataque”, uma “força de sensoriamento”, uma “força de apoio ágil”. Ver a entrevista de
Owens com Chen Bojiang, Guofang Daxue Xuebao, Xiandai Junshi e Shijie Junshi.

O surgimento de uma grande variedade de novas e sofisticadas tecnologias, e o


continuado reajuste dos objetivos da guerra proporcionaram um espaço suficiente
para a seleção das armas dominantes, assim como para a combinação dessas
armas dominantes com outros tipos de armamentos e, ao mesmo tempo,
transformaram o relacionamento dominante, subordinado entre armas dominantes

e outros tipos de armas em algo ainda mais complexo19.

Os mesmos fatores estão, também, influenciando a utilização dos meios de guerra.


Está se tornando obsoleto considerar, automaticamente, que a ação militar
representa o meio dominante e que os outros meios representariam apenas meios
de apoio para a guerra. Talvez, num futuro não muito distante, os meios militares
representem apenas um entre todos os meios disponíveis para guerras como a de
enfrentar organizações terroristas da categoria de bin Laden. Talvez, o meio mais
eficaz para atingir bin Laden de maneira letal não seja o míssil de cruzeiro e, sim,
uma guerra de estrangulamento financeiro, executada através da internet.

Na medida em que os meios se tornaram mais complexos surgiu uma conseqüência


que é inédita para os militares: a civilização da guerra. Devido a isso, o problema do
relacionamento entre a força dominante e as demais forças que analisamos, inclui,
também, o tema do grau de participação de toda a população na guerra, somando-
se ao deslocamento, alocação e emprego das forças militares em operações de
combate.

19 Não aceitamos o ponto de vista otimista dos defensores da tecnologia no tocante


a revolução militar. Não acreditamos que a tecnologia possa penetrar no nevoeiro
da “incerteza” da guerra uma vês que essa incerteza não decorre de obstáculos
físicos, ou, geográficos mas sim da mente dos indivíduos.

196
Para os militares profissionais, nas situações de guerra ou quase-guerra, têm se
tornado um fator de importância cada vez maior para a segurança nacional, a
questão relativa a quem constitui a força dominante nas guerras do futuro. Um
tema que jamais foi questionado adquiriu âmbito mundial. Por exemplo, os
ataques dos “bandidos da rede” às redes interativas do Departamento de Defesa dos
Estados Unidos e do Ministério da Defesa da Índia constituem uma evidência desse
fato.

Seja numa ação de guerra, numa ação militar de não-combate ou numa ação de
guerra não-militar, em qualquer ação de natureza bélica, surge o tema da precisão
na seleção da natureza principal da operação e do ponto de ataque principal, isto é,
determinar uma orientação principal levando em conta todos os fatores da guerra
em vista, os campos de batalha e as frentes de combate. Este é o problema mais
difícil, até mesmo para aqueles Comandantes que dispõem de armamentos
adequados, uma multiplicidade de meios e um suficiente potencial humano. No
entanto, Alexandre, Aníbal, Nelson e Nimitz, assim como Sun Tzu e Sun Pin, da
China antiga, todos foram eficientes em termos de selecionar as principais direções
de ataque, que surpreenderam completamente as forças inimigas. Liddell Hart
também observou esse fato. Ele recomendou o método de seleção da linha de menor
resistência e a direção da ação menos esperada pelo inimigo como sendo a
“estratégia de aproximação indireta”.

Na medida em que a ambiência da guerra se ampliou, passando a incorporar as


ambiências política, econômica, diplomática, cultural e psicológica, além das
ambiências terrestre, marítima, aérea, espacial e eletrônica, a interação entre todos
esses fatores tornou difícil para a expressão militar atuar, automaticamente, como
a ambiência dominante em qualquer guerra.

A guerra será praticada em ambiências não-militares. Esta noção parece estranha e


difícil de ser aceita. Todavia, cada vez mais, surgem indícios de que essa é a
tendência. De fato, mesmo nos tempos antigos, a guerra nem sempre esteve contida
em uma única ambiência. A batalha diplomática de Lian Xiangru quanto “ao
retorno do jade sem qualquer dano para Chao” e a guerra virtual conduzida por Mo
Zi e Gongshu Ban representam exemplos clássicos de como vencer ou evitar uma
guerra através ações não-militares.

Este método para a solução do problema da guerra, por meio de ações em múltiplas
ambiências, poderia nos proporcionar no momento atual algumas idéias. A era do

197
emprego inteligente da tecnologia altamente sofisticada proporcionou um campo
muito mais amplo para agir com sabedoria e utilizar meios, do que era disponível
aos povos antigos. Assim, o sonho de obter vitórias militares em ambiência não-
militares, e vencer as guerras usando meios não-militares, pode se transformar em
uma realidade.

Se quisermos ser os vitoriosos nas guerras do futuro deveremos estar plenamente


capacitados intelectualmente para este cenário, isto é, estarmos preparados para
travar uma guerra que, afetando todas as áreas de atividades dos países envolvidos
no conflito, poderá ser conduzida em uma ambiência em que as ações militares não
predominem. Ainda não se sabe quais as armas, quais os meios e que pessoal serão
utilizados em tais guerras, e em que direção e ambiência essas guerras serão
travadas. Sabemos apenas de uma coisa: independentemente do tipo de guerra, a
vitória sempre irá pertencer àquele partido que saiba empregar, corretamente, a
REGRA COLATERAL-PRINCIPAL, de modo a perceber o relacionamento entre o “elemento
dominante” e o “conjunto”.

UMA REGRA E NÃO UMA FORMULA PREESTABELECIDA


É extremamente difícil entender e explicar a Guerra. A guerra necessita do apoio da
tecnologia, mas a tecnologia não substitui a moral e os estratagemas; a guerra exige
uma inspiração artística, mas rejeita o romantismo e o sentimentalismo; exige uma
precisão matemática, mas essa precisão pode algumas vezes torná-la rígida e sem
espontaneidade; ela necessita de uma abstração filosófica, mas o raciocínio puro
não permite que sejam aproveitadas as pequenas oportunidades que aparecem em
alguns hiatos nos entrechoques de aço e fogo.

Não existe uma fórmula para vencer uma guerra. Ninguém ousa proclamar, de
forma arrogante, ter descoberto o método perfeito no âmbito da guerra. Ninguém foi
capaz, até agora, de utilizar um único método para vencer todas as guerras. Isto,
porém, não significa que não existam regras no tocante à guerra. Alguns poucos
tiveram os seus nomes incluídos no rol dos generais sempre vitoriosos, e isto
ocorreu porque eles descobriram e aplicaram as regras da vitória.

Esses nomes representam um testemunho da existência das regras da vitória ainda


que nenhum deles tenha revelado tal segredo. Por um longo período de tempo — tão
longo quanto a história da guerra — considerava-se que tais regras assemelhavam-
se a lampejos que ocorriam nos cérebros de comandantes privilegiados, porém

198
poucos perceberam que tais lampejos estão ocultos nos combates sangrentos,
caracterizados pelo entrechoque das espadas e pela fumaça da pólvora dos
canhões.

Na realidade, qualquer regra assemelha-se a um “papel de janela”20. O que é


importante é saber se temos a capacidade de fazer um furo nessa folha de papel.

A REGRA COLATERAL-PRINCIPAL pode ser considerada como sendo essa folha de papel.
Ele é, ao mesmo tempo, simples e complexa e também estável e variável. Como já
ocorreu muitas vezes, uma pessoa com a ponta de uma unha pode, ocasionalmente
e de forma não intencional, fazer um furo na folha de papel, e então, os portais da
vitória abrir-se-ão imediatamente para ela. É um processo tão simples que pode ser
expresso por um conjunto de dígitos ou, uma regra da gramática, e ao mesmo
tempo, tão complicado, que pode ser impossível encontrarmos uma resposta, ainda
que sejamos peritos em matemática e gramática. Assemelha-se à fumaça e é difícil
de ser percebida. É tão constante como uma sombra e acompanha cada alvorecer
de vitória.

Em função disso, consideramos que a REGRA COLATERAL-PRINC IPAL seja um preceito e


não um teorema, e sob este enfoque, realçamos o caráter de relatividade de um
preceito, ou seja, sua aplicação não deve ser feita de forma mecânica, exigindo,
antes, uma avaliação precisa. A relatividade não representa uma verdade absoluta,
e devido a isso admite o contraditório21.

Todavia, através do estudo da história da guerra, concluímos que a REGRA


COLATERAL-PRINCIPAL constitui-se numa regra para a vitória, mas como usá-la
corretamente será um assunto a ser determinado, individualmente, por cada
operador, em face das circunstâncias específicas. Uma vez que o fenômeno da
contradição na guerra sempre provocou perplexidade em todos aqueles que se
empenham na busca pela vitória — aqueles que desrespeitam as leis, sem a menor
dúvida irão fracassar, no entanto, aqueles que seguem estritamente os
procedimentos já consagrados provavelmente, também não serão os vitoriosos.

20 [N.T.] Um tipo de papel que substituía o vidro na China tradicional.

21 A regra colateral-principal não representa uma espécie de teorema que se


assemelhe a afirmação do tipo “todas as pessoas morrem” ou “todos os cisnes são
brancos”. Em vês disso, trata-se de uma regra que orienta para a vitória na guerra.

199
“Seis multiplicado por seis é igual a 36”. Existem estratagemas intrínsecos aos
números, assim como existem números nos estratagemas. O “yin” e o “yang” estão
em coordenação. As oportunidades existem, não é possível fabricar oportunidades.
O processo de fabricação não irá funcionar”.

A obra Os “36 Estratagemas” constitui uma revelação de como as coisas funcionam.

[N.T.] Entre o final da Dinastia Ming e o início da Dinastia Ch’ing, um anônimo estudioso decidiu compilar 36
estratagemas de guerra em um pequeno livro intitulado — A Arte Secreta da Guerra – Os 36 Estratagemas. Sua versão
inicial difundiu-se e sobreviveu na forma de manuscritos. Foi editado pela primeira vez em 1941 pela Editora “Xinghua
Printing House”. Desde então, diversas edições foram lançadas, tanto em chinês, quanto nos outros idiomas da Ásia
Oriental. A obra “36 Estratagemas” está incluída entre os clássicos militares da China antiga, por sua ênfase no
despistamento como uma arte militar; a maioria dos demais clássicos militares aborda táticas para campos de batalha.
Diferentemente de outras obras do gênero, o livro “Os 36 Estratagemas” enfoca o emprego de despistamento, de
subterfúgios ou táticas secretas na consecução de objetivos militares, e desta abordagem específica resulta o título da
obra: A Arte Secreta da Guerra – Os 36 Estratagemas.

Ou seja, não importa quantos exemplos de guerra possamos encontrar, para


demonstrar que as causas das vitórias consideradas estavam relacionadas à
proporção de 0,618, o próximo indivíduo que planeje uma guerra, uma batalha, ou,
um engajamento, rigorosamente de acordo com a regra da PROPORÇÃO ÁUREA,
certamente irá sofrer as amarguras da derrota. Seja na aplicação da regra da
PROPORÇÃO ÁUREA, ou, da regra colateral-principal, a chave do sucesso é a percepção
da essência do preceito, para então empregá-lo de forma correta, ao invés de fazer
uma mera aplicação mecânica, como no legendário conto em que Dong Shi
procurou emular a beleza de Xi Shi.

[N.T.] Dong Shi era uma mulher feia; ouviu falarem que Xi Shi era tão linda quanto uma fada. Num determinado dia,
Dong Shi foi verificar por si mesma esta beleza. No entanto, Xi Shi estava doente naquele dia, com problemas
estomacais. Ela contraia as suas sobrancelhas e estava com uma expressão de dor, mas mesmo assim, ela era
surpreendentemente linda. Dong Shi, erradamente, deduziu que a beleza de Xi Shi era derivada da expressão de dor em
seu rosto. E na intenção de tornar-se bela, Dong Shi passou a contrair suas sobrancelhas imitando Xi Shi, e é claro,
ficou ainda mais feia.

Nas famosas batalhas de Rossbach e de Leuthen que fazem parte da história


européia os partidos atacantes usaram em ambos os eventos a “formação de ataque
em diagonal” conforme preconizado por Alexandre. Os resultados, todavia, foram
totalmente diferentes.

200
[N.T.] A batalha de Rossbach ocorreu durante a Guerra dos 7 Anos, em 5/11/1757. U exército combinado franco
austríaco que avançava sobre Leipzig, defrontou-se com Frederico o Grande bloqueando sua passagem na localidade
de Rossbach. Frederico simulou um movimento de retirada, e o exército combinado lançou-se na perseguição, perdendo
sua formação de batalha. Então, Frederico lançou um ataque de cavalaria sobre a infantaria austríaca, espalhando-a,
seguido de uma carga geral da infantaria que parecia estar em retirada, e que acabou por dizimar o que havia sobrado
da força franco-austríaca, que teve 3000 baixas entre mortos e feridos, 5000 homens feitos prisioneiros, tendo sido força
a recuar para a Bavária. Ver: http://www.rickard.karoo.net/articles/battles_rossbach.html.
A batalha de Leuthen ocorreu durante a Guerra dos 7 Anos, em 5/12/1757. Esta batalha desenvolveu-se nas
proximidades de Breslau tendo sido travada entre Frederico o Grande da Prússia, e os Austríacos liderados pelo conde
Leopold von Daun. Frederico iniciou a batalha com uma finta contra a ala direita das forças austríacas. Então, os
austríacos deslocaram reforços de seu flanco esquerdo, posição esta que foi, efetivamente, onde Frederico atacou com
a sua força principal, destruindo completamente o flanco esquerdo austríaco. O flanco direito austríaco ameaçou mudar
o balanço da batalha, tendo destruído o fraco efetivo prussiano com que se deparava, mas Frederico havia deixado um
efetivo de cavalaria em reserva, o que conseguiu restabelecer a situação. Assim os austríacos foram obrigados a recuar
até o Rio Oder, cujas pontes não foram suficientes para assimilar o o fluxo da tropa, deixando assim 21.000 homens
para serem capturados pelos prussianos. Do efetivo inicial de 90.000 homens, somente 37.000 retornaram à Áustria. Os
prussianos perderam somente 1440 homens.

Na batalha de Rossbach, os comandantes do exército franco-austríaco seguiram,


fielmente, os ensinamentos da História da Guerra. Eles movimentaram suas tropas
e estabeleceram formações de batalha, diretamente sob as vistas de Frederico o
Grande. O exército franco-austríaco tentou usar uma formação em diagonal para
atacar o flanco esquerdo do exército prussiano. O resultado foi de que, graças aos
ajustamentos feitos pelo exército prussiano no tempo certo, os franco-austríacos
foram completamente derrotados.

Um mês mais tarde, em Leuthen, Frederico novamente defrontou-se com uma força
austríaca que era três vezes superior a sua em números. Mas desta vez ele teve um
desempenho brilhante. Ele também utilizou a formação de ataque diagonal, mas
conseguiu aniquilar o exército austríaco. É de despertar questionamento, que um
mesmo método operacional tenha produzido resultado tão diferentes.22 Estes
eventos nos ensinam que não existe um método de guerra que possa ser sempre
considerado como o método correto. Existem apenas as regras que sempre serão
corretas. Os eventos também nos mostram que a mera existência de regras, e sua
aplicação indiscriminada, nem sempre irá garantir vitórias; o segredo da vitória
reside na aplicação correta das regras.

De mesma forma quanto à REGRA COLATERAL-PRINC IPAL, a ênfase a ser atribuída


refere-se ao emprego do elemento colateral para modificar o elemento principal.
Isto, porém, não significa que o desvio no sentido do elemento colateral irá sempre
produzir uma vitória. O desvio no sentido do elemento colateral significa

22 Ver Fuluer, “Uma História Militar do Mundo Ocidental”, volume 2, p.201; ver “A
Concise History of War”, p.86

201
principalmente um desvio em termos de linha de pensamento e aspectos essenciais,
em vês de um desvio no tocante ao modelo.

Por exemplo, na guerra na atualidade não exige que o ponto de ataque deva estar
sempre relacionado à proporção 0,618 para que estejamos em concordância com as
regras da vitória. É possível, que na atualidade, seja necessária uma completa
transformação nas regras da vitória. Assim sendo, o elemento “principal” passaria a
ser o elemento “colateral”. Esta é a natureza da guerra enquanto arte. Esta
característica de ser uma arte23 não pode ser substituída pela matemática, filosofia,
ou outras áreas da ciência e da tecnologia. Assim, acreditamos uma revolução na
tecnológica militar não pode substituir a revolução na arte dos assuntos militares.

Não rejeitamos e nem omitimos o significado da análise matemática, especialmente numa época do emprego amplo dos
computadores, inclusive em nossa nação onde existe uma tradição no sentido de propor a incerteza e uma aversão
quanto a precisão. Em seu livro “Several Methods of Quantitative Analysis of International Politics and Military Issues”,
Li Hongzhi menciona o emprego do “Método Beiyete” por Nigula Shiweite, para analisar a Guerra do Vietnã, o conflito
sino-soviético e as guerras Árabe-Israelenses. Em 1993, Li Hongzhi e outros analistas apresentaram previsões acuradas
quanto à guerra Bósnia – Herzegovina, usando esse método. Ver Guoji Zhengzhi e outros na publicação da Military
Science Press.

Deve-se observasr, também, que a TEORIA COLATERAL-PRINCIPAL é semelhante à teoria


das ações “ortodoxas-heterodoxas” proposta pelos antigos estrategistas chineses,
mas ainda assim elas não são inteiramente idênticas. Os antigos estrategistas
propunham o emprego das ações ortodoxas e das ações heterodoxas em momentos
diferentes.

De acordo com Sun Zi: “no combate é necessário utilizar ações ortodoxas para
adquirir força e utilizar ações heterodoxas para alcançar a vitória. O combate
implica em apenas ações ortodoxas e heterodoxas. Existe uma troca interminável
no emprego das ações ortodoxas e heterodoxas”.

23 [N.T.] Na opinião do tradutor a arte sempre se caracterizou como uma


manifestação de criação do ser humano, e que portanto não seria correto classificar
a guerra como uma arte, pois a guerra sempre foi um instrumento usado pelo ser
humano para impor morte e destruição.

202
A citação de Sun Zi é do tema “Momentum” no livro de Sun Tzu “Art of War”. O princípio do “heterodoxo” representa um
conceito importante utilizado pelos antigos estrategistas militares no tocante aos métodos da guerra. A execução
imprevista de manobras que não são esperadas pelo inimigo representa o método heterodoxo. Enfrentar o inimigo no
campo de batalha de maneira clara representa o método ortodoxo. O Imperador T’ai Tsung de Tang estava
perfeitamente familiarizado com o “princípio ortodoxo-heterodoxo”. O engajamento de Weiqing é um bom exemplo
quanto a esse ponto. A publicação “A dialogue between Emperor T’ai Tsung of Tang and Li Weigong” registrou as
opiniões de Li Shimin e Li Jong quanto ao “princípio ortodoxo-heterodoxo”.

Diferentemente do princípio ortodoxo-heterodoxo, na TEORIA COLATERAL-PRINCIPAL o


elemento colateral e o elemento principal não representam dois métodos que
possam ser aplicados isoladamente, mas ambos representam uma expressão de
uma lei objetiva.

A principal distinção que poderia apresentar quanto ao ortodoxo-heterodoxo e o


principal colateral é a seguinte: é certo que na História da Guerra os exemplos das
vitórias com o emprego de ações heterodoxas foram excepcionais, devido a sua
excelente execução, mas nem todas as vitórias foram conseguidas através a
aplicação de ações heterodoxas. Existem também muitos exemplos de vitórias que
foram conseguidas por ações ortodoxas. No caso da REGRA COLATERAL-PRINCIPAL a
consideração é diferente. Através uma analise correta, é possível perceber os
vestígios das regras da vitória em cada exemplo de vitória tenha ela sido obtida quer
através ações ortodoxas, ou, quer ações heterodoxas; isto significa que a vitória foi
obtida como uma conseqüência da aplicação DA REGRA COLATERAL-PRINCIPAL usando o
modelo ortodoxo, ou, heterodoxo.

A despeito de nossos melhores esforços para formular a REGRA COLATERAL-PRINCIPAL


ou as regras de da vitória, só nos é possível prosseguir em termos da aplicação da
regra de uma maneira imprecisa. Ser impreciso, algumas vezes, representa o
melhor processo para que se obtenha clareza. Julgamos, de uma maneira geral, que
a imprecisão tem a possibilidade de ser entendida. Este é o procedimento oriental
de raciocínio; mas, de uma maneira inusitada, ele defrontou-se com a sabedoria
ocidental da PROPORÇÃO ÁUREA do número 0,618.

Como resultado, a lógica, o raciocínio e a precisão dos Ocidentais e o instinto, o


entendimento e a obscuridade Oriental criaram uma base de raciocínio gerando
então as regras da vitória que discutimos neste Capitulo. Elas refulgem com brilho,
possuem quer o mistério do Oriente como a inflexibilidade do Ocidente, como se as
cimalhas do Palácio de Taihe fossem instaladas em uma coluna do Templo de
Paternon, de forma majestosa e vibrante.

203
CAP. 7 - DEZ MIL MÉTODOS COMBINADOS EM
UM ÚNICO
COMBINAÇÕES QUE TRANSCENDEM LIMITES

“As guerras atuais irão afetar o preço da gasolina nos


postos de abastecimento, o preço dos alimentos nos
supermercados e o valor das ações nas bolsas de valores.
Elas também irão afetar o equilíbrio ecológico e irão
intrometer-se em todas as nossas residências por
intermédio da tela da televisão”.
Alvin Toffler

O entendimento das regras para a conquista da vitória (o tema do capítulo anterior)


certamente não significa que já equacionamos a sua obtenção, do mesmo modo que
o conhecimento das técnicas da corrida de longas distâncias não significa que
seremos os vencedores de uma maratona.

O entendimento das regras através das quais a vitória é alcançada pode


aprofundar o conhecimento humano quanto às leis da guerra, e aperfeiçoar os
níveis de aplicação das artes militares. No campo de batalha, no entanto, a vitória
não será daquele que tiver um melhor conhecimento das regras da vitória e, sim,
daquele que realmente entender a essência das regras da vitória.

Em uma possível guerra do futuro, as regras da vitória irão estabelecer


severas exigências para o vencedor. Elas não irão somente, como no passado, exigir
que sejam perfeitamente bem conhecidas as engenhosas maneiras para disputar-se
a vitória no campo de batalha; elas irão, também, impor exigências, em relação às
quais a maioria dos combatentes estará inadequadamente preparada para atender
ou, então, terá a impressão de estar envolta na escuridão.

A guerra será travada e vencida em uma outra guerra, além do campo de batalha; a
luta pela vitória irá ocorrer em um campo de batalha além do campo de batalha.

No contexto deste conceito especifico os militares atuais como Powell,


Schwartzkopf e até mesmo ou, Schalikashvili, não podem ser considerados como
“modernos”. Ao contrário, eles parecem mais um grupo de militares tradicionais.
Isto ocorre porque já surgiu uma lacuna entre os militares tradicionais e aqueles
que denominamos militares modernos. Embora esta lacuna possa ser eliminada,
isto exige uma transição em termos de uma reavaliação militar abrangente.
Para muitos militares profissionais, a exigência desta transição representa algo que
virtualmente eles não podem pretender alcançar, mesmo que empenhem o restante
de suas vidas nesta tarefa. Mas a realidade é muito simples. O que é necessário é
criar um Machiavel militar completo.

A consecução de objetivos, através de processos honestos ou desonestos,


representou o mais importante legado espiritual provido por aquele pensador
político italiano da era da Renascença.

Bertrand Russell assim se manifestou quanto a Machiavel: as pessoas sempre se


sentiram ofendidas por ele, e, algumas vezes ele foi na verdade chocante. Mas se as
pessoas pudessem se liberar de sua hipocrisia como ele fez, então muitas delas
iriam pensar como ele... (de acordo com a visão de Machiavel) se um objetivo é
considerado satisfatório deveremos então selecionar os meios suficientes para
atingi-lo. “No tocante aos meios isto pode ser tratado com um enfoque puramente
científico, sem levar em conta se o objetivo é bom ou mau. Ver “On Monarchs”,
Human Peoples´s Publishing House, 1987. Pp. 115-123.

Na Idade Média tal legado representou um rompimento com o cavalheirismo


romântico e a declinante tradição da nobreza. Significou a utilização de meios,
alguns dos quais possivelmente lógicos, que não estabeleciam restrições, para a
conquista de um objetivo, isto também se aplicando à guerra.

Embora Machiavel não tenha sido a primeira fonte da “ideologia de prosseguir além
dos limites” (foi precedido pelo chinês Han Feizi) na realidade ele foi o mais lúcido
expoente dessa ideologia.

Nascido durante o período dos Estados Guerreiros (475-221 AC) Hans Feizi foi o
grande expoente da Escola de Pensamento Legalista. Tanto em seu discurso,
quanto nas suas ações, ele enfatizava a conseqüência real, como por exemplo, em
“o alvo ao qual as palavras e feitos se destinam são os resultados”. Não existiriam
outros objetivos ou restrições. (Ver “A Comprehensive History of Chinese Thought”;
Ed. Hunan People’s Publishing House; 1987; p.115-123)

A existência de contornos é um pré-requisito para estabelecer a diferença entre dois


objetos, e num mundo em que tudo é interdependente o significado do contorno é
meramente relativo. A expressão “e
exceder os limites” significa ir além do que é

205
denominado ou entendido por — contorno.

Não importa se estamos tratando de contornos físicos, espirituais ou técnicos, ou se


eles recebem a denominação de “limites”, “limites definidos”, “restrições”,
“fronteiras”, “regras”, “leis”, “limites máximos” ou, até mesmo “tabus”.

Em termos da guerra estamos nos referindo ao que constitui a fronteira entre o


campo de batalha e o que não é o campo de batalha; entre o que é uma arma e o
que não é uma arma; entre um militar e o não-militar; entre o Estado e o não-
estatal, ou, supra-estatal. Possivelmente, incluirá, também, outros tipos de
fronteiras tais como as tecnológicas, teóricas, psicológicas, éticas, tradicionais,
costumeiras, e assim por diante. Em resumo, estamos nos referindo a todos os
contornos que podem restringir a guerra a determinados limites.

O verdadeiro significado do conceito de exceder limites que estamos propondo é, em


primeiro lugar, transcender a ideologia. Apenas, secundariamente, esse conceito
significa que ao praticar ações, devamos ultrapassar limites e fronteiras, quando
necessário e possível, ou, selecionar os meios mais adequados, mesmo que incluam
aqueles considerados radicais, o que não significa que devamos selecionar os meios
radicais a qualquer hora ou em qualquer situação.

Quando falamos de militares, nesta era tecnologicamente integrada, passam a


surgir muitos aspectos que devem ser considerados, e uma abundância de recursos
utilizáveis (materiais e não-materiais), de modo que não importa com quais limites
ou fronteiras os militares defrontar-se-ão; sempre irão existir meios de romper
essas fronteiras, e em maior número do que na ambiência que deu origem a
Machiavel. Assim, entre as exigências para os militares modernos, no que se refere
a transcender o seu modo de pensar, inclui-se, também, uma maior consistência de
raciocínio.

Mencionamos em páginas anteriores que as combinações eram coquetéis nas taças


dos grandes mestres da guerra (Alexandre o Grande e os reis militares da dinastia
Chu nunca ouviram falar de coquetéis, mas eles reconheciam o valor do emprego
combinado de meios).

Nas guerras da Antigüidade, todavia, a combinação de armas, meios, formações


para a batalha e estratagemas, era efetuada apenas dentro dos limites da
ambiência militar. Este entendimento limitado do conceito das combinações,
logicamente, é inadequado nos dias atuais.

206
Aquele que pretende vencer as guerras atuais ou aquelas do futuro, quer dizer, ter
a vitória firmemente segura em suas mãos, deverá “combinar” todos os recursos de
guerra à sua disposição e utilizá-los como meios para a condução da guerra. E até
mesmo isso não será suficiente. Ele terá de combinar aqueles recursos de acordo
com as exigências das regras da vitória. E ainda assim, tal condição não será
suficiente, porquanto as regras da vitória não podem garantir que a vitória irá “c
cair
como uma f ruta madura na cesta de colheita”. Ainda será necessária uma mão hábil
para colhê-la da árvore.

Esta mão hábil representa o conceito de “iir além dos limites”, ultrapassando todos
os contornos e fronteiras, em consonância com as regras da vitória quando
travando uma guerra com o auxílio das combinações. Assim, obtivemos um
conceito completo, um método de guerra totalmente novo e que se intitula “g
guerra
de combinação modif icada para exceder os limites” ou “G
GUERRA EM

SUPRACOMBINAÇÃO”1.

COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS
COMBINAÇÕES DE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS, INTERNACIONAIS E NÃO-
ESTATAIS.

Parece que nos defrontamos com um outro paradoxo: em termos teóricos, “iir
além dos limites” deveria significar a inexistência de restrições de qualquer tipo, ou
seja, ultrapassar tudo. Mas na verdade, a ultrapassagem ilimitada de limites é
impossível de ser conseguida. Qualquer ultrapassagem de limites, somente poderá
ser efetivada atendendo a determinadas restrições, ou seja, “iir além dos limites”
não significa “nenhum limite” e sim a ampliação daquilo que era “limitado”.

Em outras palavras, isto significa ir além das fronteiras intrínsecas de uma


determinada ambiência ou, orientação, e assim combinar oportunidades e meios
criando um maior número de ambiências e orientações, visando alcançar o objetivo
pretendido, e esta é a nossa definição de “GUERRA DE COMBINAÇÃO MODIF ICADA PARA
EXCEDER OS LIMITES” ou “G
GUERRA EM SUPRACOMBINAÇÃO”.

1 [N.T.] O termo “supracombinação”, inexistente no vernáculo, foi introduzido pelo


tradutor de modo a, sem perder a conotação dada pelo autor, permitir, na tradução,
o emprego de termos com uma semântica mais compreensível.

207
Constituindo-se num método de guerra em que “iir além dos limites” representa sua
característica principal, o seu princípio básico consiste na reunião e combinação do
maior número de meios para solucionar um problema, constituindo uma ambiência
mais ampla que a do problema em si. Por exemplo, quando a segurança nacional é
ameaçada, a resposta não consiste em, simplesmente, selecionar meios para
enfrentar militarmente a outra nação, mas em vez disso, trata-se de dissipar a crise
através o emprego de “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS”.

Constatamos através da história que o Estado-nação é o mais alto patamar da idéia


de segurança. Para o povo chinês, o Estado-nação até mesmo se iguala ao conceito
magno de “tudo o que existe sob o firmamento”. Atualmente, o significado da
palavra “país” em termos de nacionalidade ou de território, nada mais é do que um
grande ou pequeno elo na sociedade humana da “aldeia global”.

Os países modernos são cada vez mais afetados pelas organizações regionais ou
globais tais como a Comunidade Européia ([sic] agora União Européia), a ASEAN,
OPEP, APEC, o FMI, o Banco Mundial, a OMC e a maior de todas elas, as Nações
Unidas.

Além dessas, existe um grande número de organizações multinacionais e não-


estatais de todos os modelos e tamanhos, tais como as corporações multinacionais,
as associações de comércio, as organizações para a paz e preservação do meio
ambiente, o Comitê Olímpico Internacional, as organizações religiosas, as
organizações terroristas, pequenos grupos de hackers, e assim por diante,
projetando-se da direita e da esquerda, sobre a singradura seguida por um país.
Estas organizações multinacionais, não-estatais e supranacionais representam um
ativo e emergente sistema de poder global.

Em seu livro “Powershift: Knowledge, Wealth, and Violence at the at the Edge of the
21st Century” Alvin Toffler dedica uma pequena seção à discussão dos “novos tipos
de organizações de âmbito mundial:”, citando: “Nós estamos vendo agora uma
mudança de poder extremamente significativa, especificamente, de países isolados
ou blocos de países, para lutadores de nível ‘mundial’”. Ao referir-se a lutadores de
nível mundial ele quer dizer corporações não-estatais, grandes ou pequenas, desde
o âmbito da Comunidade Européia até às corporações multinacionais. De acordo
com estatísticas constantes do Relatório de Investimentos das Nações Unidas de
1997, o mundo, então, tinha 44.000 corporações filiadas a multinacionais, e
280.000 companhias subsidiárias ou subordinadas a grandes empresas. Estas

208
multinacionais controlam um terço da produção mundial, têm sob seu poder 70%
do volume mundial de investimento externo direto, dois terços do volume de
comércio mundial, e mais de 70% das patentes e outras transferências de
tecnologia. (Ver “Guangming Daily, 27/12/1998, p.3, artigo assinado por Li Dalun,
intitulado “The Duality of Economic Globalization).

Talvez não tenha sido percebido por muitas pessoas, mas os fatores acima descritos
estão nos levando a um período de transformações em que as diretrizes políticas
das grandes potências estão sendo suplantadas pelas diretrizes políticas das
organizações supranacionais. A principal característica deste período é a de que ele
representa um período de transição; muitas indicações desta característica
começam a surgir, assim como muitos processos estão se iniciando. O poder
nacional constitui um elemento capital, e o poder supranacional, ou, multinacional
e não-estatal também constitui outro elemento capital, e a definição final, de qual
deles irá desempenhar o papel principal no cenário internacional, ainda está para
ser estabelecida.

De um lado, as grandes potências ainda desempenham um papel proeminente no


cenário internacional. Em particular, a superpotência onipresente, os Estados
Unidos, e as grandes potências econômicas como o Japão, a Alemanha, a China
(como potência emergente), e a Rússia (como potência em declínio), todos
continuam tentando exercer sua própria influência na ambiência mundial.

Por outro lado, existem as grandes potências com visão prospectiva que já
começaram, claramente, a utilizar o poder dos atores supranacionais,
multinacionais e não-estatais, reforçando e expandindo sua própria influência. Elas
perceberam que não podem conseguir os seus objetivos dependendo apenas do seu
próprio poder. O exemplo mais recente, como também o mais típico, é da integração
da Comunidade Européia (através a implantação de uma moeda única — o Euro).
Este vigoroso processo continua em andamento, estando em recuperação após um
período conturbado. Ainda falta muito para que este processo seja concluído. Sua
atual orientação e perspectivas de longo prazo não são suficientemente claras, por
constituírem fatores que decorrem do próprio curso dos acontecimentos2.

2 [N.T.] O livro original foi escrito no ano de 1999.

209
Ainda assim, são evidentes alguns sinais que indicam uma tendência; isto é, uma
cortina está lentamente cerrando-se sobre uma era em que a decisão quanto à
vitória ou derrota decorria de competições de poder entre Estados. E outra cortina
está lentamente sendo descerrada, apresentando uma era em que os problemas
serão resolvidos e os objetivos serão alcançados, através o emprego de meios
supranacionais em uma ambiência maior do que a área de um Estado-nação.

De acordo com o ponto de vista de Brzezinski irão surgir no século 21 grupos de


nações como, por exemplo, um grupo de norte-americanos, um grupo de europeus,
um grupo de leste asiático, um grupo do sul da Ásia, um grupo islâmico e um grupo
da Europa Oriental. A disputa entre esses grupos representará a ambiência do
conflito do futuro. (Ver a tradução de “Out of Control: Global Turmoil on the Eve of
the Twenty First Century”, China Social Sciences Publishing House, p. 221). A
utilidade das Nações Unidas irá crescer continuadamente, uma tendência que já é
evidente. Ver “The United Nations Toward the Last Century”, “World Knowledge
Publishing House”.

Assim sendo, nós consideramos que as “C


COMB INAÇÕES SUPRANACIONAIS” fazem parte
da relação daqueles fatores essenciais da guerra que excede os limites.

Em um mundo em que há uma íntima interação de influências políticas,


econômicas, ideológicas, técnicas e culturais com redes interativas, clones,
Hollywood, sexo explícito na televisão e na Internet, e o campeonato mundial de
futebol, e tudo isso facilmente ultrapassando os marcos dos limites territoriais, é
muito difícil conceber a existência de esperanças no provimento de segurança e na
busca pela consecução de interesses dentro de um contexto meramente nacional.
Somente um louco, como Saddam Hussein, poderia tentar satisfazer suas
desvairadas ambições pela ocupação ilegal de outro território. Os fatos
demonstram, claramente, que agir dessa maneira, no final do século XX, significa
estar nitidamente desatualizado e certamente provocará uma derrota como
resultado.

Os Estados Unidos, também procurando garantir a sua segurança nacional, e a


consecução dos seus interesses nacionais, atuando como uma grande potência
madura, demonstrando ser mais sagaz do que o Iraque. Desde o momento em que
os norte-americanos passaram a ter uma presença significativa no cenário mundial,
eles vêm alcançando os seus objetivos através da força ou fraude, e os benefícios
que eles obtiveram, à custa de outras nações, foram muito maiores do que aqueles

210
que poderiam ser obtidos pelo Iraque na invasão do Kuwait.

As razões desse acerto na política externa norte-americana não podem ser


explicadas simplesmente pelo adágio “o poder estabelece a verdade”, assim como
elas não representam apenas um mero problema de descumprimento de “vetos” ou
normas internacionais. Isto ocorre porque, em todas as suas intervenções externas,
os Estados Unidos procuram sempre, conseguir tantos adeptos quanto possível, de
maneira a não representar uma liderança sem apoio, e agindo isoladamente.

Excetuando-se os casos de pequenas nações como Granada e o Panamá, onde os


norte-americanos empreenderam uma ação direta, estritamente militar, na maioria
dos casos os Estados Unidos buscam a consecução de seus interesses utilizando
meios supranacionais. No trato do problema com o Iraque, o método utilizado pelos
norte-americanos representou uma típica “C
COMBINAÇÃO SUPRANACIONAL”. Durante
todo o desenrolar dos eventos, os norte-americanos agiram em conluio com outras
nações, manipulando vários grupos políticos e obtendo o apoio de, praticamente,
todos os membros nas Nações Unidas.

Os Estados Unidos conseguiram, inclusive, que a organização mais importante a


nível mundial emitisse uma resolução, autorizando o uso de força militar, sob um
pretexto criado pelos Estados Unidos e, com isso, conseguiu reunir mais de trinta
nações em uma força combinada que atacou o Iraque.

Depois da guerra, novamente os Estados Unidos foram bem sucedidos ao


organizarem um embargo econômico contra o Iraque, e que se manteve nos oito
anos seguintes, como também utilizou as inspeções de armamentos de modo a
manter uma contínua pressão, política e militar, sobre o Iraque. Isto deixou o
Iraque em um isolamento político de longa duração e com terríveis dificuldades
econômicas.

Desde a Guerra do Golfo, esta tendência no sentido da aplicação de “C


COMBINAÇÕES
SUPRANACIONA IS” na guerra ou em outros tipos de conflito, tem sido cada vez mais
óbvia. Quanto mais recente é o evento, mais proeminente se torna essa
característica, e com maior freqüência passa a ser o recurso usado por um número
crescente de nações. Nos últimos dez anos esta tendência passou a constituir o
pano de fundo para o trato de drásticas turbulências sociais no âmbito
internacional.

A integração econômica global, a internacionalização das políticas internas, a


interatividade em rede dos recursos de informações, o crescente ritmo de

211
surgimento de novas tecnologias, a dissimulação dos conflitos culturais e a
crescente ameaça das organizações não-estatais, tudo isso gera para a sociedade
humana, numa mesma proporção, conveniências e problemas.

Esta é a razão pela qual as grandes potências e, até mesmo, algumas médias e
pequenas nações, agem em conjunto sem necessidade de uma coordenação prévia,
e visualizam as “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONA IS” como um meio para resolver os seus
problemas3 . É apenas por esse motivo, que as ameaças ás nações modernas
decorrem, cada vez mais, de poderes também supranacionais, e não
especificamente de uma ou duas nações, não havendo nenhum meio melhor para
enfrentar tais ameaças, do que o emprego das “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONA IS”.

De fato, não existe nada de novo sob o sol, e as “C


COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” não
constituem um território recém descoberto. Desde o Período Primavera-Outono (722
- 476 AC), dos Estados Guerreiros (403 - 201 AC) e da Guerra de Peloponeso (431 -
404 AC) as “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” já representavam o mais antigo e clássico
dos métodos empregados pelos antigos estrategistas tanto no Oriente, quanto no
Ocidente4.

Tal idéia não perdeu o seu fascínio nos dias atuais.

COMBINAÇÃO SUPRANACIONAL” de Schwartzkopf na Guerra do Golfo pode ser


A “C
considerada como uma versão moderna da clássica fórmula — “aliança + forças
combinadas”. “Se formos evidenciar a lacuna entre gerações, desde a Antigüidade
até os dias de hoje, e identificar as diferenças existentes entre essas gerações,
constataremos, então, que para os antigos, a idéia era apenas a combinação entre
Estados, e na atualidade, elas são verticais, horizontais, supranacionais,
transnacionais e não-estatais”5.

3 Por exemplo, um fato que não pode ser ignorado é que organizações como a ASEAN, a
ONU e outras, transformaram-se ou estão se transformando em organizações
supranacionais para a resolução de problemas regionais.
4 O eixo “norte-sul” (seis Estados reunidos em oposição à Q’in) e o eixo “leste-oeste” (Q’in
integrado ou uma aliança de alguns Estados para atacar um outro Estado) que surgiram
no período dos Estados Guerreiros representam exemplos de alianças entre nações. (Ver
“Warring States Strategy Explained), China Press, 1990, p.4.
5Nos dias atuais as combinações supranacionais não ocorrem apenas entre nações. Elas
também incluem combinações entre nações e organizações transnacionais e até mesmo
organizações não-estatais. Na crise financeira do Sudeste Asiático pudemos observar
uma cooperação tática entre países, o FMI e fundos agressivos.

212
Os povos envolvidos nos três períodos históricos mencionados não poderiam ter
imaginado que o princípio por eles aplicado iria permanecer inalterado até os dias
atuais, como também, não poderiam imaginar as mudanças revolucionárias que
ocorreram, desde os meios técnicos até a sua aplicação prática.

O novo modelo “Estado + supranacional + transnacional + não-estatal” irá provocar


alterações fundamentais nas características e no resultado final da guerra,
modificando até mesmo a natureza essencialmente militar da guerra, que tem
representado uma verdade inquestionável, desde os tempos antigos.

Este método para a resolução de conflitos ou a realização da guerra, que incorpora


não apenas o Poder Nacional, como também as combinações de poderes
supranacionais, transnacionais e não-estatais é o que entendemos, de um modo
geral, como sendo “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS”.

Através de uma análise de alguns exemplos anteriores, bem sucedidos, podemos


COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” irão representar a
prever que, daqui por diante, as “C
arma mais poderosa para a consecução dos objetivos de Segurança Nacional e
garantia dos interesses nacionais, com uma abrangência maior que a da própria
nação .

Em seu novo livro, “The Grand Chessboard: American Primacy and its Geostrategic
Imperatives” Brzezinski cria uma nova prescrição para a segurança mundial: o
estabelecimento de um sistema de segurança trans-eurasiano. O centro do sistema
é composto pelos Estados Unidos, Europa, China, Japão, Rússia, Índia e outras
nações. Não importa se a prescrição de Brzezinski é válida ou não. Pelo menos ela
indica claramente uma linha de pensamento idêntica à nossa, quer seja solucionar
os problemas de Segurança Nacional em uma ambiência mais ampla. Segundo Carl
Doe “As organizações internacionais freqüentemente tem representado uma ótima
solução através da qual é possível orientar a raça humana além da ambiência
étnica nacional”; e que a principal tarefa da integração é “manter a paz”. (Ver
“Analysis of International Relations”, Worlds Knowledge Publishing House, p. 332)

Na qualidade de única superpotência no mundo, os Estados Unidos é quem melhor


utiliza as “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” como uma arma. Os Estados Unidos
nunca perdem qualquer oportunidade de estar presente nas organizações
internacionais que possam afetar seus próprios interesses. Dito de outra maneira,
os Estados Unidos, de forma consistente, consideram as ações de todas as
organizações internacionais como intimamente relacionadas aos interesses norte-

213
americanos. Não importa se a origem da organização internacional é européia,
americana, asiática, de outras regiões ou até mesmo global, os Estados Unidos
sempre se esforça em participar e manipular essas organizações.

O relatório do Departamento de Defesa norte-americano de 1996 expõe esse fato de


modo evidente: “para proteger e alcançar os interesses dos Estados Unidos, o
governo norte-americano deve ter a capacidade de influir nas diretrizes e ações de
outras nações. Isto obriga que os Estados Unidos mantenha o seu envolvimento no
exterior, especialmente naquelas regiões em que os interesses mais importantes dos
Estados Unidos são ameaçados”6.

Por exemplo, em relação à criação da Organização de Cooperação Econômica


Pacífico-Asiática, a idéia inicial de seu idealizador, o Primeiro Ministro da Austrália
Hawke, previa a inclusão, unicamente, dos países da Ásia, da Austrália e da Nova
Zelândia. No entanto, tal idéia defrontou-se imediatamente, com uma forte oposição
do Presidente Bush e, posteriormente, a organização ampliou-se, para incluir os
Estados Unidos e o Canadá. Ao mesmo tempo, de modo a obstaculizar o impulso da
cooperação econômica Pacífico-Asiática, os Estados Unidos não poupou esforços
quanto a instigar algumas nações asiáticas em assinar acordos independentes com
a Área de Livre Comércio Norte-americana7. Não apenas os Estados Unidos
forçaram a sua admissão, como também conseguiu atrasar a entrada de outras
nações na Organização. Poder-se-ía dizer que os norte-americanos usaram uma
tática de dupla combinação.

O que se percebe, como sendo um segredo rigorosamente protegido, é a atitude e os


métodos norte-americanos no trato da crise financeira asiática. Quando surgiu o
problema, os Estados Unidos, imediatamente, opuseram-se a uma proposta
japonesa no sentido da criação de um fundo monetário asiático. Em vês disso, os
norte-americanos propuseram a implementação de um plano de recuperação,
patrocinado e vinculado ao Fundo Monetário Internacional, do qual a nação norte-
americana é um sócio majoritário. Esta proposta implicaria em que os países
asiáticos seriam forçados a aceitar as diretrizes para liberação de recursos, que
fossem estipuladas pelo governo norte-americano. Por exemplo, quando o FMI
liberou um empréstimo de 57 bilhões de dólares para a Coréia do Sul, isto ocorreu

6 Relatório Anual do Secretário de Defesa; ano fiscal de 1996.


7 [N.T.] Não estaríamos evidenciando a mesma linha de ação com relação ao eixo EUA-
Mercosul-ALCA-Nações Sul-americanas?

214
sob a condição de que a Coréia do Sul abrisse totalmente o seu mercado e
proporcionasse ao capital norte-americano a oportunidade de aquisição de
empresas sul-coreanas a preços irracionalmente reduzidos.

Uma exigência como essa representa um assalto a mão armada. Proporciona aos
países desenvolvidos, tendo os Estados Unidos como líder, a oportunidade de
acesso irrestrito aos mercados de outra nação, ou entrar e esvaziar, completamente,
setores inteiros do mercado interno de outras nações. Existe muito pouca diferença
deste processo, em relação a um processo disfarçado de ocupação econômica 8.

Se nós interligarmos os fatos relacionados a seguir, quais sejam:

- os tipos de métodos utilizados pelos norte-americanos;

- os ataques furtivos praticados por indivíduos como Soros, contra as finanças das
nações asiáticas;

- o aumento nos últimos dez anos dos fundos de investimentos norte-americanos


que evoluíram de 810 bilhões para 5 trilhões e continuam crescendo num ritmo de
30 bilhões por mês9;

- as firmas Moody´s Standard & Poor’s e Morgan Stanley aumentando os índices de


risco do Japão, Hong Kong e Malásia nos momentos mais críticos e delicados;

- a preocupação de Allan Greenspan10 quanto a se à reação do governo de Hong


Kong contra os “aventureiros dos Fundos”, iriam, ou não, alterar as regras do jogo;

- a exceção às regras promovida pelo Banco Central norte-americano no sentido de


auxiliar a corporação “Long-Term Capital Management” (LCTM), que havia perdido
recursos em operações especulativas;

- as constantes negativas oferecidas pelos norte-americanos a qualquer solicitação


durante todo o alvoroço e excitamento na Ásia; e

8Em um ensaio intitulado “A Discussion of the New Asian Resistance to Foreigners” na


edição de agosto de 1998 de uma publicação japonesa intitulada “Bungei Shunju”,
Shintaro Ishihara exprime o seu ponto de vista de que as várias ações dos Estados
Unidos deixam clara a sua intenção estratégica de um ataque contra a Ásia. Embora as
opiniões deste “Mr. No” (ele foi co-autor do livro nacionalista “The Japan that can Say
No”) sejam de algum modo extremadas elas não representam uma opinião isolada.
9 Ver “Reference News”, 29 setembro 1998, p. 11, que reproduz artigo da Revista norte-
americana “Fortune”.
10 [N.T.] Presidente do Banco Central norte-americano

215
- a gradativa redução de referências à expressão “o século da Ásia”; constataremos
o quão inteligentemente tudo está interligado, sem que apareçam as costuras11.

— Supondo que tudo isso foi completamente estruturado para atacar um alvo
sempre ambicionado, não seria esta uma ação combinada bem sucedida utilizando
organizações supranacionais + organizações transnacionais + organizações não-
estatais?

Ainda que não existam evidências formais para provar que o governo dos Estados
Unidos e o seu Banco Central tenham, pacientemente, projetado e utilizado esta
arma extremamente poderosa e dissimulada, analisando os indícios, poderemos
dizer que, no mínimo, determinadas ações tiveram a sua aprovação prévia e uma
concordância tácita. A questão principal com relação aos temas que desejamos
discutir aqui, certamente, não é se os norte-americanos utilizaram, ou não, de
forma intencional tal arma. Mas, sim, que como uma superarma, ela é eficaz?

A resposta é afirmativa.

SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNCIAS12
COMBINAÇÕES ALÉM DA AMBIÊNCIA DO CAMPO DE BATALHA

“Ambiência” é um conceito derivado do conceito de espaço e utilizado para delinear


um campo de ação das atividades humanas. Assim entendido, a ambiência da
guerra representa uma delimitação daquilo que é abrangido pelo significado da
guerra.

Da mesma forma como no contexto das “C


COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” a noção de
“S
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNC IAS” que estamos propondo também representa uma
simplificação. Para sermos corretos, essas duas expressões deveriam ser seguidas
das palavras “d
de ações de guerra”, caso pretendamos transmitir, de forma completa,

11 O número de analistas que tem a mesma opinião de Shintaro Inshihara certamente não é
pequeno. O analista econômico Konstantin Sorochin apresentou uma opinião
semelhante em um artigo intitulado “War Role Does the CIS Play in the Asian Financial
Crisis”, publicado em 16 de julho em uma publicação russa. Ver “Reference News”,
15/08/1998.
12 [N.T.] Não adotamos a tradução literal de “Supra-Domain” como constante na obra, por
considerar que a expressão decorrente — “Supra-Ambiência” — não teria uma boa
conotação semântica, em razão do que, utilizamos a versão “Supracombinação de
Ambiências”.

216
o propósito destes conceitos que estamos estruturando e empregando. Isto se faz
necessário para deixar bem claro que as visões quanto às “Supra Combinações ou
Combinações Supra...”, inspiradas pelo pensamento de “iir além dos limites”, estão
restritas ao escopo da guerra e das ações a ela relacionadas.

O conceito de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMB IÊNCIAS” situa-se entre o conceito
previamente abordado da “C
COMBINAÇÃO SUPRANACIONAL”, e o conceito da
“S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS”, que será apresentado a seguir.

Da forma como está posicionado em nossa análise, o conceito da “S


SUPRACOMBINAÇÃO
DE AMBIÊNCIAS” representa um elo indispensável no processo desbravador do
conceito de “iir além dos limites”. Da mesma forma que um avião tem que quebrar a
barreira do som, antes de poder desenvolver velocidades supersônicas, aqueles que
estão engajados na prática da guerra devem “quebrar” os confinamentos das
ambiências, de modo a alcançar uma situação de liberdade de pensamento no que
tange à guerra.

Ultrapassar as fronteiras da ideologia representa um pré-requisito para romper com


as fronteiras do modo de agir. Sem o rompimento das fronteiras ideológicas, ainda
que possa ocorrer uma ruptura quanto ao modo de agir, com base numa intuição,
será difícil obter-se, no final, a consciência de que esse representou um
procedimento correto.

Por exemplo, a doutrina de “o


operações em dimensão total” do Exército dos Estados
Unidos e a concepção de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNC IAS”, que propomos, são
diferentes quanto aos seus enfoques, mas igualmente adequadas no que tange à
sua eficácia (a expressão “em dimensão total” significa em todas as ambiências).
Ocorre que o conceito de “o
operações em dimensão total” do Exército dos Estados
Unidos parece decorrer de um eventual lampejo de raciocínio de um grupo de
militares inteligentes, ao invés de uma linha de pensamento desenvolvida de forma
sistemática, tendo como base um processo de raciocínio, e que, por sua
característica, representasse uma completa ruptura. Assim, como as concepções
que não são idealizadas de forma completa e profunda certamente irão enfrentar
todos os tipos de obstáculos, esse lampejo ideológico que poderia ter dado início a
uma revolução de assuntos militares, rápida e lamentavelmente se extinguiu.

Nos dias atuais, o entendimento da “dimensão total” do Exército dos Estados


Unidos, isto é, “em todas as dimensões” é um conceito apenas aplicável à ambiência
militar. Por exemplo, o princípio da “proteção em dimensão total” na publicação

217
“Joint Vision 2010” significa basicamente o fortalecimento da proteção das
informações militares norte-americanas. Na opinião do General John Wilson, do
Comando do Material do Exército dos Estados Unidos, o “Exército do Futuro”,
capaz de deslocar-se para qualquer ponto do globo terrestre é uma “força de
dimensão total”. Pode-se ver, assim, que o raciocínio do Exército norte-americano
quanto ao conceito de “dimensão total” não leva em conta sua essência, mas
apenas o seu significado literal. (Ver “Joint Forces Quaterly”, Ed. Verão,1996).
(“Joint Forces Quaterly” é uma publicação da Universidade de Defesa Nacional. O
tema é abordado em um artigo intitulado “Joint Vision 2010: America´s Military-
Preparing for Tomorrow”).

A expansão da ambiência da guerra é o resultado necessário da contínua expansão


do campo de atividades humanas e de sua recíproca fusão. O entendimento da
humanidade quanto a esse fenômeno sempre esteve em atraso em relação ao
próprio fenômeno em si.

Ainda que, desde a época de Kao Gui (um herói do período Primavera-Outono) até
os dias atuais com Collins (John M. Collins autor do livro “Grand Strategy:
Principles and Practices”), tenham surgido indivíduos de visão ampla, possuidores
de uma elevada percepção, e que, em diversos graus, demonstraram os
relacionamentos mutuamente restritivos entre as várias ambiências da guerra; até
agora a maioria dos indivíduos envolvidos com a guerra consideravam que todas as
ambiências não-militares, independentemente de sua origem, seriam apenas
acessórios para atender às alterações das necessidades militares.

A estreiteza do campo de visão desses indivíduos, e o seu modo de pensar


restringiram o desenvolvimento do campo de batalha e as mudanças na estratégia e
na tática a somente uma ambiência.

Desde Kutuzov incendiando Moscou (antes de abandoná-la em 1812), e destruindo


impiedosamente mais da metade do país, numa estratégia de fortalecimento da
defesa e devastando os campos como um processo para o enfrentamento de
Napoleão; aos maciços bombardeios de Dresden e à destruição nuclear de
Hiroshima e Nagasaki, que provocaram incontáveis perdas na população civil, com
o objetivo de obter uma vitória militar completa; até as proposições estratégicas da
“retaliação maciça” e da “destruição mutuamente assegurada”, nenhuma dessas
ações fugiu ao modelo resultante daquela estreiteza de campo de visão.

Este é o momento para corrigir esta tendência errada.

218
A significativa fusão de tecnologias está fazendo com que as ambiências da política,
da economia, militar, cultural, diplomática e religiosa se sobreponham. Os pontos
de ligação das várias ambiências estão muito claros. Acrescente-se a isso a
influência da grande onda de conscientização dos direitos humanos e da
moralidade da guerra. Tudo isso está tornando cada vez mais obsoleta a idéia de
restringir a guerra à ambiência militar e usar o número de perdas de vidas
humanas como um índice da intensidade da guerra.

A guerra está afastando-se das fronteiras representadas por massacres


sanguinários e mostrando uma tendência no sentido de poucas perdas ou, se
possível, nenhuma perda, mas ainda assim, com uma alta intensidade. Isto é o que
vem a ser a guerra cibernética, a guerra financeira, a guerra comercial, e várias
outras formas de guerra inteiramente novas, que constituem novas áreas que se
abrem na ambiência da guerra.

Neste sentido não existe, atualmente, qualquer ambiência que não possa ser
utilizada pela guerra, assim como, praticamente não existe uma ambiência que não
disponha de uma configuração para emprego ofensivo na guerra.

Em 19 de outubro de 1987, navios da Marinha dos Estados Unidos atacaram uma


plataforma de exploração de petróleo iraniana no Golfo Pérsico. A notícia desse
evento chegou à Bolsa de Nova Iorque e, imediatamente, causou a maior queda no
mercado de ações em toda a história da “Wall Street”. Esse evento, que passou a ser
conhecido como a “Segunda-feira Negra”, provocou uma perda, em valor nominal,
de 560 bilhões de dólares na bolsa de ações norte-americana. O montante desta
perda é equivalente ao da perda completa do Produto Nacional Bruto de um país
como a França.

No passar do tempo, as ações militares, seguidamente desencadearam desastres no


mercado de ações que, por via de conseqüência, produziram pânicos econômicos.

Em 1995-1996, a China Continental anunciou que iria realizar testes de


lançamento de mísseis no estreito de Taiwan, assim como outros exercícios
militares. Na medida em que os rastros das trajetórias dos mísseis apareceram na
atmosfera, a bolsa de Taiwan, imediatamente, entrou em queda como uma
avalanche provocada por um estrondo.

Ainda que os dois eventos citados não constituam exemplos das “S


SUPRACOMBINAÇÕES
DE AMBIÊNCIAS” de que estamos falando, no entanto, eles enquadram-se na categoria
de ações estúpidas, como a de jogar uma pedra para esmagar o próprio pé. Não

219
obstante, as conclusões inusitadas desses eventos possibilitam colocar o “trem” do
nosso raciocínio em movimento: Se alguém, intencionalmente, utilizar duas ou mais
ambiências mutuamente distintas, e combiná-las produzindo um tipo de tática que
possa ser aplicada, não teríamos um melhor resultado?

além dos limites”, a “S


Sob o ponto de vista do raciocínio “a SUPRACOMBINAÇÃO DE
AMBIÊNC IAS” significa combinar os campos de batalha. Cada ambiência, como, por
exemplo, a ambiência militar, pode constituir a principal ambiência da guerra do
futuro. Porém, um dos objetivos da “S
SUPRACOMB INAÇÃO DE AMBIÊNCIAS” é analisar e
selecionar qual ambiência será o campo de batalha principal, ambiência esta que
será a mais favorável para a consecução dos objetivos da guerra.

Considerando-se a experiência prática do conflito entre Estados Unidos e Iraque é


possível constatar que a ação militar de 42 dias da “Tempestade no Deserto” foi
seguida por um período ininterrupto de oito anos de pressão militar + bloqueio
econômico + inspeções de armamentos, o que constitui um exemplo de como os
Estados Unidos usou as “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” para atacar o Iraque em
novos campos de batalha. Sem levar em consideração os gigantescos danos não-
militares causados ao Iraque pelo bloqueio econômico, a ação do Comitê Especial
das Nações Unidas para Inspeções de Armamentos, dirigido por Butler, localizando
e desmantelando um grande número de armas letais, durante vários anos, o que
representou um ataque ao poder militar iraquiano, que excedeu, em muito, o
resultado dos bombardeios durante a Guerra do Golfo.

Tais fatos demonstram, claramente, que a guerra não é mais uma atividade
confinada, apenas, à esfera militar, e que o curso de qualquer guerra pode ser
alterado ou o seu resultado decidido, por fatores políticos, econômicos,
diplomáticos, culturais, tecnológicos ou quaisquer outros fatores não militares.

Diante da grande influência exercida pelos conflitos militares e não-militares em


todas as regiões do mundo — somente pelo rompimento dos diversos tipos de
fronteiras existentes nos modelos de nossa linha de pensamento, tomando as
diversas ambiências que estejam afetadas pela guerra como se fossem cartas de um
baralho, e habilmente as embaralharmos com mãos experientes; e assim, utilizar a
estratégia e a tática de “iir além dos limites” na combinação de todos recursos de
guerra — é que teremos a possibilidade de ter confiança na obtenção da vitória.

220
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS13
COMBINAÇÃO DE TODOS OS MEIOS DISPONÍVEIS (MILITARES E NÃO
MILITARES) PARA A EXECUÇÃO DE OPERAÇÕES

Numa guerra entre dois países, durante o combate e a matança entre dois
exércitos, seria necessária a utilização de meios especiais para deflagrar uma
guerra psicológica dirigida contra as famílias dos militares, as quais estão longe, na
retaguarda?

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos intensificou o controle sobre os web sites militares na internet, visando
prevenir que potencias hostis tivessem acesso a endereços familiares, Códigos de Seguridade Social, e números de
cartões de crédito, e assim pudessem atacar as famílias dos membros das Forças Armadas.

Quando a proteção da segurança financeira de uma nação está em jogo, seria válido
usar o recurso do assassinato, para eliminar os especuladores financeiros?

Uma vez que o governo inglês permite que seus agentes secretos eliminem os líderes das chamadas (por eles) nações
terroristas — seria correto o caso de uma nação que considere os especuladores financeiros que pratiquem ataques
destrutivos contra sua economia, como criminosos de guerra ou terroristas e, deste modo, tratá-los da mesma maneira
que o governo inglês?

Será que ataques “cirúrgicos” podem ser executados contra regiões que
representam fontes de drogas, ou, de outros itens de contrabando, sem uma prévia
declaração de guerra?

Poderão ser criados recursos monetários especiais, para exercer uma maior
influência sobre o governo e o legislativo de uma outra nação por meio de “lobby”?

Os legislativos de nações que adotam o modelo representativo de governo não podem evitar o envolvimento por parte
dos grupos de “lobby”. Por exemplo, as organizações judaicas norte-americanas e a “Rifle Associaton” representam
grupos de “lobby” bem conhecidos. Na realidade, esta prática pode ter sido problema muito tempo atrás na antiga
China. Na guerra entre C’hu e Han, no final da dinastia Ch’in (209 – 202 AC), Liu Pang deu a Chen Ping uma enorme
quantia em dinheiro, visando derrotar Hsiang Yu [N.T.] Hsiang Yu era um General poderoso e muito inteligente], fora do
campo de batalha. O General rebelde Liu Pang [N.T.] Liu Pang era um líder revolucionário popular] expulsou Hsiang Yu,
o qual tinha ganhado a disputa para ser o sucessor da dinastia Chin. [N.T.] Com a vitória, Liu Pang assumiu o governo
com o nome imperial de Kao Tsu, tendo sido o primeiro imperador da Dinastia Han].

13 [N.T.] Não adotamos a tradução literal de “Supra-Means” como constante na obra, por
considerar que a expressão decorrente — “SupraMeios” — não teria uma boa conotação
semântica, em razão do que utilizamos a versão “Supracombinação de Meios”

221
Poderia a compra ou obtenção do controle de ações ser usada para transformar os
jornais e as cadeias de televisão de uma outra nação como instrumentos de uma
guerra da mídia?14

Sem levar em conta qualquer justificativa quanto ao emprego de meios, isto é, se


eles atendem ou não as regras de moralidade consensuais, um outro ponto em
comum entre os questionamentos acima apresentados é que todos eles abordam a
utilização de meios no âmbito das “C
COMBINAÇÕES SUPRANACIONAIS” e da
”S
SUPRACOMBINAÇÃO DE AMBIÊNC IAS”. Eles também constituem temas relacionados ao
que estamos tratando agora, quando falamos de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS”. E se
quisermos esclarecer o significado de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS”, e por que
deveria existir este conceito, então deveremos, em primeiro lugar, formular a
seguinte pergunta: O que são “meios”?

Na realidade, isto não deve representar um questionamento. Todos sabem que um


meio significa um método, ou, instrumento, por meio do qual realizamos um
objetivo. Mas se parâmetros tão importantes como um país ou um exército, tão
parciais como um estratagema ou uma arma, são todos, de forma imprecisa,
denominadas de meios, então a questão está longe de ser simples.

A relatividade do conceito de “meios” é um tema em relação ao qual tem sido


despendido um considerável esforço de raciocínio. Podemos perceber esse tipo de
relatividade pelo fato de que, em um determinado nível, algo pode se constituir em
um meio, e em outro nível, poderá ser um objetivo.

Quando nos referimos às ações supranacionais, um país é considerado um meio,


mas quando falamos de ações nacionais, uma força armada ou a força armada de
outra nação, representa um meio, e a nação passa a ser o objetivo. Prosseguindo
neste raciocínio, os meios com dimensões diferentes são semelhantes a um
conjunto de caixas chinesas que se encaixam uma dentro da outra. Um meio em
um determinado nível atende a um objetivo mais elevado e, ao mesmo tempo,
representa o objetivo de outros meios num nível inferior.

Deixando de lado a discussão no tocante a objetivos, a complexidade quanto ao que


representam “meios” continua existindo. Nós podemos selecionar qualquer objeto, e
examiná-lo sob qualquer perspectiva ou nível, e entender o que significa um meio.

14 Segundo artigo publicado na imprensa, Soros controla a área política da Albânia através
da imprensa legal.

222
No que se refere à perspectiva das ambiências: a militar; a política; a diplomática; a
econômica; a cultural; a religiosa; a psicológica; e da mídia; todas podem,
freqüentemente, serem percebidas como meios. E as ambiências podem ainda ser
subdivididas. Por exemplo, na ambiência militar, a estratégia, as táticas, a
deterrência militar, as alianças militares, os exercícios militares, o controle de
armas, os embargos de armas, os bloqueios, todos estes elementos constituem, sem
sombra de dúvida, meios militares. E ainda que outros elementos como o auxilio
econômico, as sanções comerciais, a mediação diplomática, a infiltração cultural, a
propaganda da mídia, a formulação e implementação de regras internacionais, o
emprego das resoluções das Nações Unidas, e assim por diante, pertençam a
diferentes ambiências como as da política, da economia ou da diplomacia, os
estadistas utilizam-nos, cada vez mais, como se fossem meios militares tradicionais.

Sob a perspectiva dos métodos, os métodos filosóficos, os métodos científicos e os


métodos artísticos, todos são usados pela raça humana para produzir benefícios em
seu proveito. No entanto, eles também podem ser utilizados como meios em uma
guerra.

Tomemos, por exemplo, a tecnologia. A emergência e o desenvolvimento da


tecnologia cibernética, da tecnologia de materiais, da tecnologia espacial, da
tecnologia de bioengenharia, e todas as demais novas tecnologias, todas compõe um
leque de expansão de meios.

Um outro exemplo é a matemática. Os métodos matemáticos estão presentes em


praticamente todo o universo de atividades e processos militares, por exemplo: na
distribuição das forças, nos valores básicos para o planejamento do consumo de
munição, nos cálculo das trajetórias, nos cálculos de probabilidades de perdas, na
previsão de possibilidades de mortos e feridos, no cômputo de raios de ação e na
capacidade de destruição dos explosivos.

Além disso, os métodos filosóficos, científicos e artísticos também são úteis no apoio
tanto no desenvolvimento da confiança militar, quanto na ação militar. Este é o
motivo pelo qual se recorre à ideologia militar, à teoria militar, e à prática militar em
termos filosóficos, científicos e artísticos. Liddell Hart (um Oficial britânico e
estudioso militar) definiu o termo estratégia como sendo “a arte do emprego de
meios militares para a execução de objetivos políticos”.

Podemos desta forma, perceber que o conceito de “meios” abrange uma grande
área, em vários níveis, com funções que se sobrepõem, e assim sendo, não é um

223
conceito de fácil entendimento.

Somente pela ampliação de nosso campo de visão e do nosso entendimento sobre


“meios”, e admitindo o principio de que nada existe que não possa ser considerado
um “meio”, é que poderemos evitar a situação embaraçosa de sermos confrontados
com muitas dificuldades a serem solucionadas, simultaneamente, e não sabermos
como proceder quanto ao emprego de “meios”.

Durante a crise de 1978, quando o Irã ocupou a Embaixada dos Estados Unidos e
manteve reféns, a princípio, todo o pensamento norte-americano voltou-se para o
emprego impetuoso dos meios militares. Somente depois que esses meios
fracassaram, as táticas foram alteradas. Congelando-se, inicialmente, as reservas
monetárias do Irã no exterior, e em seguida, impondo-se um embargo de
armamentos e fornecendo apoio ao Iraque na Guerra contra o Irã. A partir de então,
é que surgiram as negociações diplomáticas. Quando todos esses processos foram
usados em conjunto a crise chegou ao seu final15.

Isto demonstra, claramente, que num mundo com uma complexidade sem
precedentes, o modelo e a amplitude de aplicação dos meios está, também, num
processo de contínua alteração; o uso isolado de um meio de melhor qualidade, não
apresentará vantagens em relação à utilização de vários meios em combinação.

Deste modo, a “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE MEIOS” está se tornando extremamente
necessária, sendo lastimável que isto só seja percebido por poucas nações. E, por
outro lado, são as organizações não-estatais, na busca de diversos interesses, que
não estão poupando esforços na pesquisa quanto ao uso de meios em combinação.
Por exemplo, a máfia russa combina o assassinato, o rapto, e os ataques de hackers
contra os sistemas eletrônicos dos bancos, objetivando o seu próprio
enriquecimento. Algumas organizações terroristas visam objetivos políticos através
da combinação de meios, tais como: o lançamento de bombas, captura de reféns e a
realização de ataques às redes interativas.

Agitar a água e procurar aleatoriamente por um peixe, este é o modo de ação de


indivíduos como Soros, que combinam a especulação nos mercados financeiros, nas
bolsas de valores e nos mercados de fundos. Eles, também, exploram a opinião
publica e criam situações favoráveis de modo a seduzir e reunir os “colossos” como

15 Ver Carl Doe, “Analysis of International Relations”; Editora “World Knowledge Publishing
House”; p.272-273. (O nome do autor é uma aproximação de sua versão em chinês)

224
a “Merill Lynch”, a “Fidelity”, e a “Morgan Stanley” e seus parceiros para uma
conjugação de forças no mercado financeiro em uma escala gigantesca e, deste
modo, desencadear, uma após outra, terríveis guerras financeiras.

O analista Barton Bigs é funcionário da Morgan Stanley Holding Company. Ele é considerado como o melhor e mais
influente estrategista de investimentos no mundo. Ele preside a empresa que tem um capital de 30 bilhões de dólares,
dos quais 15% pertencem a ele. Antes das tempestades financeiras na Tailândia e Hong Kong ele e a empresa
implementaram algumas medidas que possibilitaram a atuação dos especuladores. (Ver o artigo “A Preliminary
Exploration of the Patters of Action of Today’s International Capitalism”; “China Social Science”, nº 6, 1998).

A maioria desses meios não possui uma característica militar (ainda que,
freqüentemente, tenham uma tendência para a violência); no entanto os métodos
pelos quais eles são combinados certamente não deixam de servir como uma
inspiração para o uso eficaz dos meios militares e não militares na guerra.

Isto ocorre, porque atualmente o julgamento da eficácia de um determinado meio


não representa, fundamentalmente, a determinação da categoria em que ele se
enquadra ou se ele obedece ou não a algum padrão de moralidade. Em vez disso,
trata-se principalmente de verificar se ele atende ou não a determinado princípio,
especificamente falando, se ele é o melhor meio para a consecução do objetivo
desejado. Desde que ele atenda a esse princípio, então representará o melhor meio.

Embora não se possam desprezar totalmente outros fatores relativos aos meios, eles
devem atender ao pré-requisito de que o seu emprego ser vantajoso para a
consecução do objetivo. Isto significa que aquilo que as “S
SUPRACOMBINAÇÕES DE
MEIOS” devem sobrepujar, não são os outros [meios] e sim os padrões morais ou os
princípios morais intrínsecos aos próprios meios. Isto é muito mais difícil e
complexo do que combinar determinados meios com outros meios.

Nós só poderemos nos desvencilhar dos tabus e entrar no campo da livre escolha de
meios — a ambiência do “além dos limites” — se tivermos a visão completa do
conceito de “além dos limites”. E isto porque não podermos alcançar objetivos
simplesmente pelo emprego de meios já prontos. Nós ainda precisamos encontrar o
processo ideal para alcançar os objetivos, um modo correto e eficaz de empregar
meios. Em outras palavras, descobrir como combinar meios diferentes e criar novos
meios para a consecução de objetivos.

225
Por exemplo, nesta era de integração econômica, se alguma nação16
economicamente poderosa deseja atacar a economia de uma outra nação e ao
mesmo tempo atacar suas defesas, ela não poderá depender, exclusivamente, do
emprego de meios prontos, como os bloqueios econômicos e as restrições ao
comércio, ou ameaças militares e o embargo de armamentos. Em vez disso, ela deve
ajustar sua própria estratégia financeira, usar prioritariamente a valorização ou a
desvalorização monetária, e combinar outros meios, como por exemplo, a conquista
de maior influência na opinião pública e mudança de regras de maneira suficiente a
criar turbulência financeira e uma crise econômica no país ou área alvo,
enfraquecendo o seu poder global, incluindo o seu potencial militar.

Na crise financeira do Sudeste Asiático, temos um exemplo em que uma crise


provocou uma diminuição no ritmo da corrida armamentista naquela região. Deste
modo, podemos perceber as possibilidades de uma crise financeira, ainda que neste
exemplo, ela não tenha sido causada de forma intencional, pela ação de alguma
grande potência, como por exemplo: alterando, intencionalmente, o valor de sua
própria moeda.

Até mesmo um eminente poder mundial como a China, já dispõe do potencial para
abalar a economia mundial simplesmente alterando suas diretrizes econômicas. Se
a China fosse uma nação egoísta, e tivesse faltado com a sua palavra em 1998,
permitindo que sua moeda fosse desvalorizada, sem a menor dúvida, tal atitude
teria ampliado os infortúnios das economias asiáticas. Teria também provocado um
cataclismo nos mercados de capital do mundo, daí resultando, que até mesmo a
nação mais devedora do mundo, uma nação que depende da entrada de recursos
monetários externos para manter sua prosperidade econômica, e que é os Estados
Unidos, teria certamente sofrido pesadas perdas econômicas. Tal desfecho
certamente seria melhor do que um ataque militar.

A realidade das trocas de informações e do entrelaçamento de interesses está


continuamente ampliando o significado da guerra. Por outro lado, qualquer nação
que desempenhe um papel decisivo dispõe de várias capacidades para ameaçar
outras nações, e não apenas através os meios militares.

16 [N.T.] No texto original o Autor refere-se a “Empresa” ao invés de “Nação”. Creio que o
emprego de Nação seja mais correto.

226
O emprego isolado de meios produzirá efeitos progressivamente menos importantes
e as vantagens do uso combinado de vários tipos de meios tornar-se-á cada vez
mais evidente. Isto abriu uma ampla possibilidade para as “S
SUPRACOMBINAÇÕES DE
MEIOS” e para o emprego desses tipos de combinações nas ações de guerra ou de
quase guerra.

227
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS
COMBINAR TODOS OS NÍVEIS DE CONFLITO EM CADA CAMPANHA

Quando uma guerra transforma-se em um evento histórico o seu enredo surge


passo a passo, como no resfriamento do aço fundido.

A guerra, em um sentido amplo, desenvolve-se numa escala crescente de nível em


nível, como que percorrendo uma escada com degraus invisíveis, que vão desde as
mais antigas escaramuças locais e de pequena escala, passando pelas campanhas,
compreendendo uma série de batalhas inter-relacionadas, chegando às guerras,
que agregam campanhas chegando até o ponto de uma guerra intercontinental ou
mundial. Possivelmente, poderá ocorrer, também, um retrocesso.

Em cada nível existe um lamentável amontoado de vítimas e de corpos dos que


morreram; as bocas dos canhões dos vencedores apontando para o alto, e os fuzis
dos derrotados abandonados no chão; o mesmo ocorrendo com muitos planos e
estratagemas, alguns inteligentes outros estúpidos.

Se começássemos pela última página da História da guerra, e voltássemos atrás,


capítulo por capítulo, iríamos constatar que todo o processo da guerra decorre de
um acúmulo ou acervo, e que todos os resultados decorreram em função desse
acúmulo. A vitória representa um acúmulo, o mesmo ocorrendo quanto à derrota.

No tocante a esses dois lados oponentes em combate, eles seguem uma única via
até os resultados que obtiveram. A única diferença entre eles consiste na
determinação de qual dos dois lados, ao subir aqueles degraus invisíveis, atingiu
uma posição mais alta, e de qual lado tropeçou e caiu. Mudanças súbitas e eventos
imprevistos poderão ocorrer até mesmo quando você atinge o último degrau.

Isto é, praticamente, uma regra, e as regras devem ser respeitadas.

Fugir às regras ou quebrá-las exige prudência.

O tema em torno do qual estamos raciocinando é, precisamente, como fugir das


regras ou quebrá-las. Não acreditamos que todas as guerras devam progredir
seqüencialmente, nível por nível, gerando um acúmulo, até que seja atingido o
momento fatal do destino. Acreditamos que esse momento é algo que pode ser
criado. O que devemos fazer é descobrir um método através do qual possamos,
continuamente, criar esse momento sem que tenhamos de esperar pela

228
conseqüência do processo de acumulação, e a partir daí, transformar esse método
em um tipo de estratégia, ou seja, naquilo que deveríamos procurar fazer.

Logicamente, sabemos que uma batalha não representa uma guerra, como também,
um soldado não constitui um exército. Isto, porém, não é o tema em discussão. O
nosso problema é de como empregar algum método para dissociar todos os níveis e
reconstituí-los arbitrariamente.

Consideremos, por exemplo, uma luta ou ação no nível tático e combinemo-la,


diretamente, com uma ação no nível operacional, ou, no nível estratégico.
Transformaríamos, então, a guerra em algo semelhante a um dragão, com
membros, tronco e cabeça intercambiáveis, os quais poderíamos montar como
desejássemos, e que poderia deslocar-se livremente em qualquer direção. Isto é o
que entendemos como o método de “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS”.

O “n
nível” representa, também, uma espécie de restrição semelhante às fronteiras
nacionais, as fronteiras territoriais e os limites dos meios. São fronteiras e limites
que devem ser ultrapassados na prática efetiva da “G
Guerra de Supracombinações”.

Herman Khan dividiu o espectro de uma guerra nuclear em um determinado


número de estágios, que existem, também, de maneira semelhante, em outras
formas de guerra. Não obstante, seguindo fielmente a linha de raciocínio de Khan
iremos constatar que o delineamento de seus 44 níveis é excessivamente refinado e
não é fácil de ser utilizado17, existindo uma outra dificuldade, porque ele enfocou a
divisão da guerra com base na intensidade de conflito, não tendo, desta forma,
penetrado no âmago da natureza essencial dos níveis da guerra.

Sob o nosso ponto de vista, se a divisão dos níveis das guerras for feita sob os
aspectos da escala da guerra e dos métodos de guerra correspondentes, então os
níveis da guerra serão significativamente simplificados, e será suficiente uma
divisão em apenas quatro níveis.

17 Com relação à obra de Herman Khan “Rungs of Escalation: A Conceptual Explanation”,


ver Carl Doe “Analysis of International Relations”, World Knowledge Publishing House, p.
234. Os militares norte-americanos, normalmente, dividem as atividades de combate em
três níveis: estratégia, campanha e tática. (Ver “Air Force Manual AFM 1-1” “Basic
Aereoespace Doutrine of the United States Air Force”, edição 1992; Military Sciences
Publishings House, pp. 106-111)

229
Quanto a esta conclusão, nossa opinião e as opiniões de alguns analistas militares
norte-americanos são basicamente as mesmas, a diferença ocorrendo apenas na
terminologia. O nosso delineamento específico é o que se segue:

ESCALA DA GUERRA MÉTODOS DA GUERRA


Grande Guerra Diretriz de guerra
Guerra Estratégia
Campanhas Arte Operacional
Batalhas Táticas

O primeiro nível é o da “Grande Guerra ↔ Diretriz de Guerra”. Em termos de


escala, corresponderia ás ações militares e não-militares da guerra tendo o
“supranacional” como o limite superior e a nação como o limite inferior. A função
correspondente a esse nível é o que denominamos de “diretriz da guerra” e que
Collins chama de “Grande Estratégia”. Nós usamos a denominação “diretriz da
guerra” porque a estratégia neste nível implica, principalmente, nos estratagemas
políticos relativos à guerra.

O segundo nível é o da “Guerra ↔ Estratégia”. As ações militares neste nível


incluem as ações não-militares da guerra. O método correspondente a este nível é a
“estratégia”, isto é, os estratagemas militares ou estratagemas de guerra de uma
nação.

O terceiro nível refere-se às “Campanhas ↔ Arte Operacional”. Em termos de escala


configuram-se ações de combate numa amplitude menor do que uma guerra, porém
maior do que a das batalhas. O método correspondente a esse nível não possui uma
denominação reconhecida e muitas vezes o conceito de “fazer campanhas” é usado
indiscriminadamente. Obviamente, esta imprecisão conceitual obscurece as
implicações relativas aos propósitos e métodos das operações de combate e, assim
sendo, escolhemos a expressão “arte operacional”. A seleção do posicionamento
deste nível, abaixo da estratégia e acima da tática, iria exigir a elaboração de um
conceito para a “arte da guerra”.

O quarto nível refere-se às “Batalhas ↔ Táticas”. Neste nível enquadram-se as


ações básicas de combate. O método correspondente a este nível é representado
pelas “Táticas”.

Pode-se observar que cada um dos níveis possui um correspondente método de


combate específico. No caso dos militares tradicionais, pode-se dizer que, ao longo
de suas vidas, as lições que lhes foram ensinadas visavam capacitá-los a empregar

230
esses métodos e a lutar bem, qualquer que fosse o nível em que estivessem.

Mas, para os militares do século 21, não será suficiente a mera colocação em
prática dos métodos previstos nos quatro níveis. Eles deverão descobrir como
romper esses níveis de modo a vencer as guerras pela combinação de todos os
métodos, desde as ações supranacionais até o combate nas batalhas específicas.
Esta é, certamente, uma missão que poderá ser cumprida.

Colocando de maneira simples, no processo de ajuste da diretriz de guerra, da


estratégia, da arte operacional, e das táticas, com os correspondentes níveis, o
princípio da “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS” nada mais é do que uma questão de
atribuições intercambiáveis e facilmente transponíveis.

Como exemplo, poderíamos citar o uso de um método estratégico, que se constitui


num tipo de ação não-militar, integrado ao cumprimento de uma ação tática ou,
usar uma ação tática para a consecução de um objetivo ao nível de uma diretriz da
guerra.

Isto decorre do fato de que a tendência na evolução da prática da guerra evidencia,


de forma cada vez mais clara, a indicação de que: definitivamente não é mais
possível que os problemas de um determinado nível só possam ser solucionados
pelos meios disponíveis naquele nível.

Não importa se iremos utilizar apenas uma fração dos recursos disponíveis ou usar
um machado para matar uma galinha; o método empregado será adequado, desde
que funcione corretamente.

Bin Laden usou um método tático quando utilizou apenas dois veículos com cargas
explosivas e, com isso, estabeleceu uma ameaça para os interesses nacionais dos
Estados Unidos a nível estratégico; ao passo que, para os norte-americanos
poderem obter a consecução do seu objetivo estratégico, qual seja a proteção da sua
própria segurança, teriam de executar uma retaliação a nível tático contra bin
Laden.

Um outro exemplo é de que nas guerras do passado o menor elemento de combate


representava a combinação de um homem com uma máquina e a sua utilidade,
normalmente, não iria além do nível de uma batalha. Na guerra “além dos limites”,
ao contrário, a combinação homem-máquina realiza funções ofensivas múltiplas
que ampliam os níveis desde a batalha até a diretriz de guerra. Um hacker equipado
com um modem pode causar danos e perdas a um inimigo quase iguais àquelas

231
que seriam provocadas pela guerra. Por dispor do ímpeto e a discrição do combate
“transnível” este método de combate individual, muito facilmente, produz
resultados positivos nos níveis estratégicos e até mesmo no nível da diretriz de
guerra. Esta é a substância e o significado da “S
SUPRACOMBINAÇÃO DE NÍVEIS”.

Na guerra militar e na guerra não-militar que são básica e respectivamente


nacionais e supranacionais, não existem ambiências que não possam ser
ultrapassadas, não existem meios que não possam ser usados na guerra; como
também não existem campos de ação e métodos que não possam ser combinados.

A aplicabilidade das ações de guerra em relação à tendência da globalização é


demonstrada pelo qualificativo “a
além”, e esta palavra é suficiente para identificar o
emprego de um método que se aplique a dez mil métodos, assim como, dez mil
métodos combinados em um único.

Guerra em Supracombinação”, que vai além


Deve ser ressaltado, novamente, que a “G
dos limites, nada mais é do que uma maneira de pensar, e a partir desta condição é
que ela pode se transformar em um método.

232
CAP. 8 - PRINCÍPIOS ESSENCIAIS

“Os princípios representam um código de conduta, mas


não têm um valor absoluto”.
George Kennan

Sun Tzu é o personagem na história da guerra a quem é atribuído o uso, pela


primeira vez, de princípios para regulamentar os métodos de combate. Alguns de
seus princípios como, por exemplo, “conheça o inimigo melhor do que a si mesmo e
em cem batalhas você nunca será derrotado”; “ataque onde o inimigo não está
preparado, tome-o de surpresa”; e “evite o forte e ataque o fraco” constituem, ainda,
uma profissão de fé para os modernos estrategistas. Porém, no Ocidente, 2400 anos
mais tarde, Napoleão iria revelar o seu verdadeiro desejo aos alunos da Academia
Militar de Saint-Cyr, desejo este que, um dia, passou a ornar, o portal principal
daquela Academia, qual seja: “E
Escrever um livro, descrevendo detalhadamente os
Princípios da Guerra, e torná-lo disponível para todos os militares”.

Infelizmente, enquanto ele combatia e vencia guerras não teve tempo disponível
para escrever; e depois que foi derrotado, não teve mais disposição para a tarefa.
Não obstante, para um general que obteve cerca de 100 vitórias durante sua vida,
isto não deveria representar um fato a se lamentar. Porém, tendo sido um homem
notável, foi suficiente que ele deixasse um brilhante legado de vitórias,
possibilitando que a posteridade examinasse, detalhadamente, seu caminho para a
vitória.

E assim foi que 100 anos mais tarde, tendo como fundamento as guerras
comandadas por este antigo inimigo, que gerava temor no povo inglês, quer durante
sua vida, como também após o seu falecimento, um general inglês chamado J. F. C.
Fuller criou cinco princípios para a condução da guerra1. Todos os princípios de
guerra moderna, adotados no Ocidente, são descendentes desta proposição de

1 Os cinco princípios que Fuller deduziu a partir das Guerras Napoleônicas são: ataque,
manobra, surpresa, concentração e apoio. Em paralelo a isso, Fuller, adotando os pontos
de vista de Clausewitz, também deduziu sete princípios, semelhantes aos referentes às
Guerra Napoleônicas, quais sejam: manutenção do objetivo; segurança da ação;
mobilidade da ação; exaurir a capacidade ofensiva do inimigo; concentrar forças; e a
surpresa. Estes princípios tornaram-se o fundamento dos modernos princípios militares.
(Ver “The Writings of Fuller” em “Combat Command”; Ed. Liberation Army Publishing
House”; p. 38-60)
Fuller. Ainda que, mais tarde, os regulamentos militares de algumas nações, bem
como diversos analistas militares tenham proposto isto ou aquilo como princípios
de guerra, tais propostas diferem muito pouco daqueles princípios que foram
enunciados por Fuller2. Esta perenidade conceitual ocorre, porque desde o início
das Guerras Napoleônicas, até o período imediatamente anterior à Guerra do Golfo,
salvo o contínuo aumento na letalidade e poder de destruição dos armamentos, não
existiram motivos para uma alteração significativa na natureza da guerra em si.

Atualmente, devido ao que ocorreu durante e depois da Guerra do Golfo, a situação


mudou. O advento das armas orientadas por sistemas de precisão, das armas não-
letais e das armas não-militares, afastou a guerra de sua trajetória enlouquecida no
sentido de uma maior letalidade e capacidade destrutiva, e provocaram o início da
primeira mudança de rumo desde os primórdios da história, estabelecendo uma
nova trajetória para a guerra no século XXI, gerando princípios, em relação aos
quais os militares profissionais não estão familiarizados.

Nenhum princípio pode apoiar-se em uma plataforma frágil, passível de


desmoronar, e este pressuposto é ainda mais verdadeiro, quando se trata de
princípios de guerra. Os princípios de guerra, independentemente de qual pensador
militar os elaboraram, ou de que regulamentos militares eles foram extraídos,
representam, sem dúvida, o produto de repetidas têmperas realizadas na fornalha e
na bigorna da guerra.

Se não tivessem ocorrido as guerras no Período da Primavera – Outono, não


existiriam os princípios de Sun Tzu. Se as Guerras Napoleônicas não tivessem
ocorrido, não existiriam os princípios de Fuller. Da mesma forma, se não tivessem
ocorrido grandes e pequenas guerras militares, quase-militares e até mesmo não-
militares em todas as regiões do mundo, antes e depois da Guerra do Golfo, não
existiriam propostas de novos conceitos como, por exemplo, as “o
operações
onidimensionais” dos norte-americanos e a nossa proposição de “G
Guerra em
Combinação Além dos Limites”. Logicamente, os princípios de guerra que decorrem
desses conceitos também estariam fora de questão.

2 Um exemplo são os nove princípios militares básicos do Exército norte-americano:


objetivo; ofensiva; concentração; economia de forças; mobilidade; segurança; surpresa;
simplicidade e unidade de comando. Estes princípios assemelham-se muito àqueles que
baseavam-se na era Napoleônica.

234
Ainda que lamentemos o fato de que a teoria das “o
operações onidimensionais”
tenha morrido no seu nascedouro, estamos decididos no propósito de que a “G
Guerra
em Combinação Além dos Limites” não irá permanecer restrita, ao nível de uma
especulação teórica. Ao contrário, desejamos que ela seja incorporada aos métodos
de combate e possua uma aplicação prática.

Ainda que o objetivo da ideologia “a


além dos limites” que propomos, seja o de romper
com todas as restrições, ainda assim, existe uma limitação que deve ser
rigorosamente observada, qual seja, a obediência de princípios essenciais, quando
da execução das ações de combate. Apenas em situações excepcionais será válido
desobedecer a um princípio.

Quando um raciocínio profundo em relação às regras da guerra solidifica-se,


transformando-se em algum tipo de método de combate, nasce, ao mesmo tempo,
um princípio. É muito difícil dizer se esses princípios e métodos, que ainda não
foram experimentados em novas guerras, podem ou não sinalizar o caminho para a
próxima vitória. No entanto, a proposição de princípios essenciais é, sem dúvida,
um processo teórico indispensável para o aperfeiçoamento do método de combate.

Aqui temos um giroscópio, deixemos que ele nos oriente! Examinemos os princípios
relacionados a seguir, e vejamos o que eles podem acrescentar à “G
Guerra de
Combinação Além dos Limites”: Onidirecionalidade; Sincronia; Objetivos limitados;
Medidas ilimitadas; Assimetria; Consumo mínimo; Coordenação onidimensional; e
Ajuste e controle de todo o processo;

ONIDIRECIONALIDADE
PLANEJAMENTO E OBSERVAÇÃO EM 360 GRAUS.
EMPREGO COMBINADO DE TODOS OS FATORES RELACIONADOS

A “ONIDIRECIONALIDADE” representa o ponto de partida da ideologia da guerra sem


limites3, proporcionando um invólucro para essa ideologia.

Em se tratando de um princípio geral de guerra, as exigências básicas que a


ONID IRECIONALIDADE impõe ao executor da guerra compreendem: considerar todos os
fatores existentes e relacionados à guerra específica; e quando observando o campo
de batalha, ou um provável campo de batalha, na elaboração de planos, na adoção

3 [N.T.] Na versão apócrifa em inglês foi usada a expressão “unrestricted warfare”, mas os
autores, originalmente, sempre se refeririam à guerra além dos limites.

235
de medidas, ou na combinação de todos os recursos que possam ser mobilizados
para a guerra, esse executor tenha um campo de visão desimpedido, uma
concepção sem obstáculos e uma orientação nítida.

guerra além dos limites” não existe mais qualquer distinção entre o
No tocante à “g
que é, e o que não é, o campo de batalha. Os espaços naturais, compreendendo a
superfície terrestre, os oceanos, a atmosfera e o espaço exterior, constituem campos
de batalha, e os espaços sociais, tais como os militares, políticos, econômicos,
culturais e psíquicos, também são campos de batalha. O espaço tecnológico,
unindo esses dois grandes espaços, representa um campo de batalha ainda mais
importante, dentro do qual os antagonistas não medem esforços em sua contendas.

O campo de batalha da “guerra além dos limites” difere dos campos de batalha do passado, pelo fato de que ele
incorpora todos os espaços naturais, tais como a ambiência social, e a esfera de desenvolvimento contínuo da
tecnologia, onde o espaço, agora, já é medido em nanômetros. Atualmente, estes espaços estão interligados uns aos
outros. Por exemplo, o espaço cósmico pode ser encarado como um espaço natural, e também como um espaço
tecnológico, uma vez que, cada passo no sentido da militarização do espaço exterior requer um avanço tecnológico. Da
mesma forma, a interdinâmica entre a sociedade e a tecnologia deve ser vista como uma constante.Não existe um
exemplo mais típico deste fenômeno que o efeito da tecnologia cibernética sobre a sociedade. Em decorrência desses
aspectos, podemos ver que o campo de batalha é onipresente e desta forma só podemos vê-lo de forma onidirecional.

A guerra pode ser militar, quase-militar ou não-militar. Pode usar a violência ou


pode ser não-violenta. Poderá ser um confronto com profissionais militares ou com
novas forças emergentes compostas basicamente de pessoas comuns ou de peritos.
guerra além dos limites” representam a linha divisória que
Essas características da “g
a separa da guerra tradicional, assim como a linha de partida para novos tipos de
guerra.

Sendo um princípio bastante significativo, aplicável à guerra atual, a


ONID IRECIONALIDADE também se aplica em cada um dos níveis da “g
guerra de
combinação além dos limites”, descrita no Capítulo 7.

No nível da diretriz de guerra, ela se aplica ao emprego combinado de todo o poder


de combate de uma nação, incluindo o poder de combate supranacional, no caso de
um confronto intercontinental ou mundial.

No nível estratégico da guerra, ela se aplica no uso combinado dos recursos


nacionais que estão relacionados aos objetivos militares.

No nível operacional aplica-se ao uso combinado de diversos tipos de medidas e,


basicamente, de um exército ou força equivalente para a consecução dos objetivos
da campanha no âmbito de um determinado campo de batalha.

E no nível tático, aplica-se ao emprego combinado dos vários tipos de armas,

236
equipamentos e métodos de combate e, principalmente, de uma unidade militar, ou
força equivalente, para a execução de uma determinada missão em uma batalha.
Devemos ter sempre em mente, que todas essas combinações devem incluir,
também, combinações interativas entre os respectivos níveis.

Finalmente, deve ser esclarecido que o âmbito das operações de combate, em cada
guerra específica, nem sempre irá se expandir para todos os espaços e ambiências,
mas o primeiro princípio da “guerra em combinação além dos limites” é o de pensar
onidirecionalmente e entender as condições do combate.

SINCRONIA
A CONDUÇÃO DAS AÇÕES EM ESPAÇOS DISTINTOS DENTRO DO MESMO
PERÍODO DE TEMPO

Os processos técnicos utilizados na guerra moderna, particularmente, a expansão


da tecnologia cibernética; a emergência da tecnologia da guerra a longa distância; a
crescente capacidade de transformar o campo de batalha; o entrelaçamento dos
campos de batalha que se ampliam continuamente e que estão dispersos, ou são
diferentes quanto à sua natureza; e a introdução de diversas forças militares e não-
militares em iguais proporções na guerra — todos esses fatores reduzem a
dimensão do processo da guerra.

Inúmeros objetivos, que no passado eram conquistados em etapas mediante um


acúmulo de batalhas e campanhas, podem agora ser rapidamente conquistados,
sob as condições de ocorrências simultâneas, ações simultâneas, e conclusões
simultâneas. Em decorrência, a importância da “S
SINCRONIA” nas operações de
combate sobrepõe-se, atualmente, à importância do aspecto seqüencial4.

Considerando-se que a exigência de um planejamento detalhado já é um fato


consagrado, a “g
guerra além dos limites” introduz fatores fundamentais quanto à
guerra, que estavam dispersos em ambiências distintas, para que coincidam no
mesmo espaço de tempo. Estes fatores relacionam-se intimamente aos objetivos da
guerra, e tratados no âmbito de um trabalho de equipe bem organizado, visando um

4 As guerras do passado envolviam, em termos de espaço, o ataque de forças a partir de


áreas fronteiriças em grande profundidade, e em termos de tempo, a sua divisão em
fases. De forma contrastante, em termos de espaço, a guerra além dos limites.

237
ataque combinado, permitem que sejam alcançadas: a surpresa, o sigilo e a
eficácia.

Uma única ação de grande profundidade, mas que seja sincronizada, poderá
representar apenas uma pequena operação de “combate além dos limites”, mas
poderá ser suficiente para representar o desfecho de toda uma guerra. O que
queremos caracterizar como “S
SINCRONIA” não significa “simultaneidade”, sem que
haja até mesmo a diferença de um segundo; ao contrário, deve ser entendida como
“dentro de um mesmo período de tempo”. Neste sentido a “g
guerra além dos limites”
merece ser chamada de “guerra no momento determinado”. Usando esta definição
como um padrão, a força armada cujas capacidades militares estão bastante
próximas desse nível é a dos norte-americanos.

Considerando-se seus atuais equipamentos e tecnologia, um dos sistemas de


informação de campanha empregado pelos militares norte-americanos pode, no
espaço de um minuto, prover informações de 4.000 alvos a 1.200 aeronaves. Além
disso, existe também o amplo emprego de sistemas de armas de ataque de longo
alcance. Esta capacitação deu origem a uma proposta de ideologia operacional
compreendendo o “a
ataque simultâneo de máxima profundidade”. Em termos de
espaço, os militares norte-americanos começaram a abandonar o modelo de ações
em profundidade a partir da periferia, e no tocante ao tempo das operações, eles
estão abandonando o já obsoleto modelo de combate por ações seqüenciais.

No entanto, considerando-se alguns documentos de livre circulação publicados


pelos órgãos militares, o pensamento norte-americano quanto ao assunto ainda
está restrito ao campo de ação militar e eles foram incapazes de expandi-lo para os
campos de batalha além da ambiência militar5.

OBJETIVOS LIMITADOS
UTILIZAR UMA BÚSSOLA PARA ORIENTAR A AÇÃO — DENTRE UMA SÉRIE
ACEITÁVEL DE MEIOS DISPONÍVEIS

5 Não há um exemplo mais típico disto que os quatro princípios, definidos na publicação
militar norte-americana “Joint Vision 2010”, quais sejam: “manobra dominante,
engajamento de precisão, logística com ação concentrada, proteção em dimensão total”.
Todos estes novos princípios destinam-se à guerra militar.

238
Ao qualificarmos um objetivo como limitado isto significa que ele será limitado em
relação às medidas adotadas para a sua consecução. Deste modo, o princípio do
estabelecimento de objetivos limitados significa que os objetivos sempre devem ser
menores do que as medidas utilizadas.

Quando estabelecendo objetivos deve-se atribuir a máxima consideração quanto à


exeqüibilidade de sua consecução. Não se devem estabelecer objetivos que sejam
ilimitados no espaço e no tempo. Eles devem situar-se, sempre, dentro de limites
que possam ser explícitos e práticos e que, funcionalmente, possam ser
alcançados. Adicionalmente, após a conquista de um objetivo, deverá existir a
capacidade de prosseguir-se para a conquista do próximo objetivo.6

Ao estabelecermos objetivos, é obrigatório que superemos a mentalidade de desejar


da obtenção de grandes sucessos. Ao contrário devemos, conscientemente,
selecionar objetivos limitados, assim como, eliminar aqueles objetivos que estão
além de nossas possibilidades, ainda que eles pareçam adequados, isto porque o
número de objetivos que se pode conquistar é limitado. Não importa qual o motivo,
o estabelecimento de objetivos que excedam os limites levarão, apenas, a
conseqüências desastrosas.

O exemplo mais típico quanto à expansão de objetivos foi o erro cometido por Mac
Arthur na guerra da Coréia. Seguindo-se a este podem ser mencionados erros
semelhantes cometidos pelos norte-americanos no Vietnã e pelos soviéticos no
Afeganistão. Isto prova que não importa apenas qual é o tipo de ação, mas também
quem está executando essa ação.

Quando os objetivos são mais amplos do que as medidas adotadas, a derrota é


praticamente certa. Nem todos os estadistas e estrategistas na atualidade
demonstram um entendimento claro deste tema.

O relatório do Departamento de Defesa dos Estados Unidos em 1996 contém esta


premissa do Presidente Clinton: “sendo a nação mais poderosa do mundo temos
uma obrigação de liderança e quando nossos interesses e percepção sobre valores
forem ameaçados nós agiremos”. Obviamente, ao pronunciar essas palavras até

6 Estabelecer objetivos limitados não é uma questão de estarmos ou não restringidos


subjetivamente, e sim, se excederemos ou não o caráter restrito das medidas a serem
adotadas. As medidas são restrições que não podem ser excedidas, quando estabelecendo
objetivos.

239
mesmo Clinton não percebeu que os interesses nacionais e a percepção de valores
são objetivos estratégicos com duas escalas de medida completamente distintas.

Se dissermos que os interesses nacionais representam um objetivo que o poder


militar norte-americano pode proteger por meio de ações, a percepção de valores
não representa um objetivo que o seu poder militar possa alcançar, como também,
não se constitui num objetivo que os Estados Unidos deva procurar alcançar fora
do seu território.

“Os primeiros do mundo” uma ideologia que redunda no seu “isolacionismo”,


alimenta a tendência dos Estados Unidos a assumirem objetivos ilimitados, na
medida em que expandem o seu poder nacional. Esta, porém, é uma tendência que
poderá ter como resultado um fracasso.

Uma empresa que disponha de recursos limitados, mas que ainda assim esteja
disposta a assumir responsabilidades ilimitadas, irá obter o único resultado
possível e que é a falência.

MEDIDAS ILIMITADAS
A TENDÊNCIA É NO SENTIDO DO EMPREGO IRRESTRITO DE MEIOS, SENDO,
PORÉM, RESTRITA À CONSECUÇÃO DE OBJETIVOS LIMITADOS

Iremos discutir medidas ilimitadas e seu relacionamento com objetivos limitados7.

A tendência no sentido do “sem limites” representa uma tendência no sentido da


contínua ampliação da faixa de seleção e dos métodos de emprego das medidas.
Não se trata do emprego imoderado de medidas e muito menos, de um emprego
incondicional de medidas ou o emprego de medidas absolutas. O uso de medidas
ilimitadas para a consecução de objetivos limitados, representa a última fronteira.

As medidas e os objetivos são inseparáveis. Uma medida ilimitada significa que


para a consecução de determinado objetivo poderemos ignorar as restrições e fazer
uma seleção entre várias medidas. Isto não quer dizer que uma medida possa ser
isolada dos objetivos e aplicada como quisermos. As armas atômicas, que podem
exterminar a humanidade, têm sido vistas como medidas absolutas, precisamente
porque elas violaram o princípio de que uma medida deve atender à consecução de

7 Para maiores detalhes ver “How Great Generals Win” de Bevin Alexander; p.101-125.

240
um objetivo. Finalmente, foram deixadas de lado. O emprego de medidas ilimitadas
somente pode ser concretizado, de acordo com o pensamento de Confúcio, “c
como
for de seu agrado, mas sem desrespeitar as regras”. Neste caso, as “regras”
significam os objetivos.

A ideologia do “a
além dos limites” amplia o significado de “c
como for do seu agrado”, à
faixa de seleção e os métodos de emprego das medidas, mas isto certamente não
significa uma ampliação dos objetivos “c
como for de seu agrado”.

Significa apenas empregar medidas sem restrições, além das fronteiras, visando a
consecução de objetivos limitados.

No sentido oposto, um General inteligente não irá limitar suas medidas levando em
conta que os objetivos são limitados. Isto muito possivelmente produziria um
fracasso à beira de um sucesso. Assim sendo, o limitado deve ser buscado através o
ilimitado.

A ofensiva de Sherman para Savana, na Guerra da Secessão norte-americana, não


visava ao combate e sim à destruição e à pilhagem durante todo o seu avanço. Isto
representou uma medida utilizada para destruir a economia na retaguarda do
exército sulista, para fazer com que a população sulista, assim como o exército
confederado, perdessem suas capacidades de resistência e, deste modo, atingir o
objetivo de guerra da União. Este é um exemplo da utilização bem sucedida de
medidas ilimitadas para a consecução de um objetivo limitado.

Em comparação a este exemplo, na Quarta Guerra do Oriente Médio (A Guerra de


Yon Kippur, 1973), o Comando Supremo do exército egípcio, para a consecução do
objetivo concebido por seus principais oficiais generais — a ocupação da Península
do Sinai — concebeu um plano de batalha previa apenas romper a linha de defesa
“Bar Lev” e consolidar o controle do Sinai. O Egito tentou usar medidas limitadas
para alcançar um objetivo limitado. Os resultados são bem conhecidos. O Egito não
conseguiu a obtenção da vitória quando essa vitória estava ao seu alcance imediato.

Antes da Quarta Guerra do Oriente Médio, o “Plano Badr” egípcio (a guerra começou na data de aniversário da Batalha
de Badr em 626 DC) estava dividido em duas etapas. A primeira etapa consistia na travessia forçada do Canal de Suez,
rompendo com a Linha de Defesa Bar Lev, assumindo o controle de uma área com 15 a 20 quilômetros de profundidade,
na margem leste do canal. A segunda etapa compreendia o ataque e captura de uma linha que se estendia da
Passagem de Mitla, passando pela Passagem Giddi indo até a Passagem Khatima, visando a garantia da segurança da
margem leste do canal, para depois avançar sobre o inimigo, na medida em que a situação assim o permitisse. Porém,
durante as ações de combate, assim que o Exército egípcio cruzou o canal assumiu uma posição defensiva,
permanecendo nesta postura por cinco dias, antes de prosseguir na sua ofensiva, dando assim oportunidade ao exército
israelense de se recuperar.

241
DESEQUILÍBRIO
A BUSCA DE MODOS DE AÇÃO NA DIREÇÃO OPOSTA DOS CONTORNOS DO
EQUILÍBRIO DA SIMETRIA.

O “D
DESEQUILÍBR IO”, como um princípio, representa um sustentáculo importante na
apreciação das regras da ideologia “além dos limites”. O seu aspecto fundamental é
o de canalizar o pensamento na direção oposta ao equilíbrio da simetria e
desenvolver ações de combate neste contexto.

Desde o posicionamento e emprego das forças e a seleção do eixo principal de


combate, assim como do centro de gravidade para o ataque, até a alocação dos
armamentos, em todos esses aspectos será necessário uma dupla consideração
quanto ao efeito dos fatores assimétricos e quanto ao emprego da assimetria como
uma medida para a consecução dos objetivos.

Não importa se a assimetria funciona como uma forma de pensamento ou como um


princípio orientador das operações de combate; ela se manifesta de alguma maneira
em todos os aspectos da guerra.

O entendimento, e o emprego correto do princípio da assimetria possibilitam que


possamos, sempre, encontrar e explorar os pontos fracos do inimigo.

O principal elemento de combate de algumas nações pobres, de nações fracas e de


entidades não-estatais tem sido o método de combate assimétrico do tipo “gato e
rato”, quando em combate contra adversários muito mais poderosos.

Nos casos como, por exemplo, da Chechenia versus Rússia, Somália versus Estados
Unidos, guerrilha da Irlanda do Norte versus Inglaterra, Jihad Islâmico versus todo
o Ocidente, podemos constatar, sem exceções, a consistente e sábia recusa de
enfrentar diretamente as forças da potência mais forte. Em vez disso, o lado mais
fraco tem enfrentado o seu adversário utilizando a guerra de guerrilha 
principalmente a guerrilha urbana, a guerra terrorista, a guerra santa, a guerra de
desgaste8, a guerra em redes interativas e outras formas de combate.

8 [N.T.] Tradução adotada para o conceito “protracted war”.

242
No que concerne a guerrilha urbana, o famoso pesquisador do desenvolvimento da sociedade capitalista, Fernand
Braudel enfatizou, em particular, a “grande importância da função organizacional” das grandes cidades no mundo
capitalista. A despeito de seu grande tamanho, este mundo, ainda assim, possui um grande número de pontos de
aglomeração compreendendo cidades tais como: Nova Yorque, Londres, Tókio, Bruxelas e talvez Hong Kong. Se estas
cidades fossem atacadas simultaneamente, ou se uma guerras de guerrilha eclodisse simultaneamente nestas cidades,
isso levaria o mundo a um caos. (“The Motive Force of Capitalism”; Fernand Buluodaier; Ed. Oxford Press).

Na maioria das vezes o lado mais fraco seleciona como seu principal eixo de batalha
aquelas áreas ou linhas de batalha onde o adversário não espera ser atacado. O
centro de gravidade do ataque é sempre um local que irá provocar um enorme
impacto psicológico no adversário.

Este emprego de medidas assimétricas, criando poder para um determinado


indivíduo ou grupo, possibilitando que a situação evolua como desejado, é muitas
vezes extraordinariamente eficaz. Muitas vezes, faz com que um adversário que
emprega forças convencionais e medidas convencionais como o seu principal
poderio de combate assemelhe-se a um enorme elefante investindo contra uma loja
de louças. Ele estará sem saber o que fazer e incapaz de utilizar o poder de que
dispõe.

Além da eficácia que a assimetria demonstra, quando utilizada, que ela se constitui
numa aplicação prática da regra da proporção áurea. Dentre todas as regras ela é a
única que estimula a ruptura das regras assim como a utilização das regras. É,
também, uma prescrição eficaz para um tratamento metódico e bem equilibrado
para a enfermidade crônica do raciocínio.

CONSUMO MÍNIMO
UTILIZAR O MÍNIMO DE RECURSOS DE COMBATE [QUE SEJAM] SUFICIENTE
PARA A CONSECUÇÃO DO OBJETIVO

O princípio do CONSUMO MÍN IMO significa, em primeiro lugar, que a racionalidade


é mais importante que a fragilidade9; em segundo, que a dimensão do consumo no
combate é decidida pela configuração do combate10; e em terceiro lugar, dever-se-á

9 Os princípios militares sempre incluíram a concepção de “economia”, referindo-se,


principalmente, à necessidade de se ter atenção ao controle do consumo do potencial
humano e materiais em tempos de guerra. Na “guerra além dos limites” o “uso racional” é
a única forma correta de economizar.
10 A “guerra alem dos limites” permite uma considerável margem na seleção das formas de
combate. Naturalmente, existe uma grande diferença entre o custo entre uma guerra
militar convencional e outra em que o aspecto financeiro exerça um papel capital.
243
usar “mais” (mais medidas) para obter (“menos”) um menor consumo. A
racionalidade pode ser considerada sob dois aspectos: a designação racional dos
objetivos e o emprego racional dos recursos.

A designação racional de objetivos, além de especificar os objetivos que se


enquadram no conjunto de medidas a serem empregadas, refere-se, também, à
necessidade de reduzir a quantidade de objetivos e, tanto quanto possível, torná-los
simples e concisos. O emprego racional dos recursos, obviamente, significa a
utilização do método mais adequado para a consecução de um objetivo e não a
mera imposição de uma exigência unilateral quanto a economizar. Economizar, isto
é, o emprego da quantidade mínima de recursos, somente faz sentido se forem
atendidos os pré-requisitos para a consecução de um objetivo.

Mais importante do que uma familiaridade cabal com os princípios será saber como
os princípios são aplicados. A consideração quanto a usar, ou não, a quantidade
mínima de recursos para a consecução de um objetivo irá depender do tipo de
combate que for selecionado. Por exemplo, a campanha de Verdun é considerada
pelos historiadores da guerra como um “moedor de carne”, porque ambos os lados
travaram uma insensata guerra de atrição. Em contraste com esse exemplo, a razão
pela qual a Alemanha foi capaz de eliminar a força conjunta franco-britânica, após
o cruzamento da Linha Maginot, foi por ter combinado o menor intervalo temporal
com uma ótima rota,e com as armas mais poderosas, formando uma “blitzkrieg”.
Assim sendo, pode-se constatar que a solução para realmente obter um “consumo
mínimo” é descobrir um método de combate que utilize racionalmente os recursos
para o combate.

Nos dias atuais, em que os objetivos e as medidas necessárias a sua consecução


vem assumindo muitas formas complexas, como nunca ocorreu anteriormente, o
processo para a consecução de um objetivo complexo em apenas uma ambiência,
empregando apenas um método, definitivamente, não irá produzir o resultado
desejado. A conseqüência de uma combinação inadequada entre medidas e
objetivos resulta, inevitavelmente, um alto consumo e uma reduzida eficácia.

O raciocínio que nos leva a ultrapassar essas dificuldades é de que devemos usar
“mais” para obter “menos”. Isto é, combinar as vantagens de vários tipos de
recursos para o combate em vários tipos de ambiência de modo a estruturar um

Portanto, o custo de uma guerra futura depende, principalmente, de qual tipo de guerra
for selecionado.

244
modelo de combate totalmente novo, conquistando o objetivo e, ao mesmo tempo,
minimizando o consumo.

COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL
A COORDENAÇÃO E A ALOCAÇÃO DE TODAS AS FORÇAS QUE PODEM SER
MOBILIZADAS NAS AMBIÊNCIAS MILITAR E NÃO-MILITAR EM RELAÇÃO A UM
OBJETIVO.

O termo “M
MULTIDIMENSIONAL” aqui citado representa uma outra maneira de
referirmo-nos a ambiências múltiplas e forças múltiplas. Ele nada tem a ver com a
definição de “dimensionalidade” no sentido da Matemática ou da Física.

“C
COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL” refere-se à coordenação e cooperação entre
forças distintas, em diferentes ambiências, visando à consecução de um objetivo.
Portanto, esta definição nada tem de original. Explicações semelhantes podem ser
encontradas em muitos regulamentos de combate, tanto antigos, quanto
recentemente publicados.

A única diferença que existe entre nossa definição e definições semelhantes é, e isto
representa a grande diferença, a introdução direta, em vez de indiretamente, de
f atores não-militares e não-bélicos.

Em outras palavras, uma vez que qualquer ambiência pode transformar-se em um


campo de batalha, e que qualquer força pode ser usada em condição de combate,
deveríamos estar mais inclinados a entender a coordenação multidimensional como
sendo a coordenação da dimensão militar com várias outras dimensões para a
conquista de um objetivo específico. Isto não significa que, em todas as guerras, a
ação militar deva ser considerada com o principal modelo de ação.

Levando-se em conta que a guerra se defronta com a uniformização de várias


dimensões, este conceito passará a representar uma fórmula para a resolução dos
problemas das futuras guerras11.

11 A etapa mais importante no sentido da uniformidade entre as várias dimensões é superar


o conceito de que “o militar é superior”. Nas futuras guerras, as medidas militares serão
apenas consideradas como uma das opções convencionais.

245
O conceito da COORDENAÇÃO MULTIDIMENSIONAL somente poderá ser
estabelecido no contexto de um objetivo específico. Sem um objetivo, não podemos
falar de coordenação multidimensional. Mas o tamanho do objetivo determina o tipo
e a profundidade da coordenação em cada ambiência. Se o objetivo selecionado, ao
nível da diretriz de guerra, for o de vencer uma guerra, as ambiências e forças que
necessitam ser coordenadas podem abranger toda a nação, ou, até mesmo o nível
supranacional. A partir desse ponto poderemos fazer generalizações dizendo que em
qualquer ação, militar ou não-militar, independentemente do grau de presença das
ambiências e da quantidade de forças a serem empregadas, a coordenação entre as
várias dimensões é absolutamente necessária. Isto certamente não implica que,
para cada ação, quanto mais medidas forem mobilizadas melhores serão os
resultados, ao invés disso, o limite é determinado pela medida do necessário.

O emprego de um valor excessivo, ou insuficiente em cada dimensão terá como


conseqüência que a ação irá oscilar entre o edema e a atrofia e, em última análise, o
objetivo estará sob risco. Um fragmento da sabedoria Oriental, a saber: “iir além dos
limites é tão ruim quanto f icar aquém dos limites” é útil para o nosso entendimento e
aplicação deste princípio. Adicionalmente, precisamos, urgentemente, expandir o
nosso campo de visão com relação às forças que podem ser mobilizadas e em
particular, as forças não-militares.

Além do mais, assim como no passado, ao considerar os recursos materiais


convencionais para as forças, deveríamos ter atenção, em particular, ao emprego de
recursos estratégicos intangíveis, tais como fatores geográficos, o papel da história,
tradições culturais, senso de identidade étnica, o domínio e exploração da
influência de organizações internacionais, etc12.

Mas, ainda assim, isto não é suficiente. Ao aplicar este principio temos que
desenvolver, também, uma ação “além dos limites”, e na maior extensão possível,
fazer da coordenação multidimensional um procedimento operacional comum,
trazendo os processos de interligação e combinação gradual a todos os níveis desde
o das diretrizes até o das táticas.

12 Quanto a isso, a China é bem provida pela natureza. Uma extensa tradição cultural, uma
ideologia pacífica, nenhum registro histórico quanto a agressões, o forte poder econômico
do povo chinês, um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e assim por
diante, tudo isso representar importantes “recursos estratégicos”.

246
AJUSTE E CONTROLE DE TODO O PROCESSO
DURANTE TODO O TRANSCORRER DE UMA GUERRA, DESDE SEU INÍCIO, SUA
PROGRESSÃO ATÉ SUA CONCLUSÃO, OBTER, CONTINUADAMENTE,
INFORMAÇÕES, ADAPTAR AS AÇÕES E CONTROLAR A SITUAÇÃO.

A guerra é um processo dinâmico, pleno de acasos e de criatividade. Qualquer


tentativa de condicionar uma guerra a um conjunto de idéias no contexto de um
plano pré-determinado é quase que um absurdo ou uma demonstração de
ingenuidade.

Torna-se necessário, portanto, um processo de realimentação e de revisões durante


todo o transcurso da guerra, enquanto ela está em transcurso, afim de que seja
mantido o controle da iniciativa. Isto é o que significa o AJUSTE E CONTROLE DE
TODO O PROCESSO.

Devido à introdução do princípio da SINCRONIA não podemos admitir que o


processo de ajuste e controle do transcurso da guerra tenha uma longa duração.
Com as modernas facilidades da alta tecnologia, este processo pode ter a duração
de um piscar de olhos. Como citado anteriormente, o tempo necessário para travar
uma batalha pode ser o suficiente para concluir toda a guerra. Isto poderá fazer
com que o transcurso da guerra seja extremamente curto e, circunstancialmente,
passe a ser muito mais difícil o ajuste e o controle.

Hoje, com a tecnologia cibernética agregando todo o globo terrestre em uma rede, o
número de fatores a serem considerados em uma guerra é muito maior do que nas
guerras do passado.

A capacidade desses fatores em obscurecer os problemas da guerra, e sua


influência significativa na ambiência da guerra, implica que a perda de controle
sobre qualquer de seus elos assemelha-se ao proverbial exemplo de que a perda de
um cravo da ferradura de um cavalo poderá acarretar a perda da guerra.

Na guerra moderna, fatores fortuitos influenciam os resultados do mesmo modo que na Antigüidade. Caso um fusível no
computador de um centro de comando fique superaquecido ou for destruído em um momento crítico isto poderia causar
um desastre. (Isto é inteiramente possível de ocorrer, e foi uma das causas de um ataque por engano efetuado por um
F-16 na região do Golfo. Ocorreu porque o circuito elétrico do equipamento de identificação “amigo ou inimigo” a bordo
de um helicóptero Blackhawk freqüentemente ficava superaquecido e os pilotos de quando em vez desligavam o
equipamento para reduzir a temperatura).

Deste modo, defrontando-se com a guerra moderna e as conseqüentes explosões de


novas tecnologias, novas medidas, e novas ambiências, o ajuste e o controle de todo
o processo está se transformando, progressivamente, em algo mais do que uma

247
habilidade. Não é, todavia, um novo tipo de tecnologia. O que é necessário para
controlar a situação do campo de batalha, sempre em alteração, é o emprego mais
amplo da intuição em vez da dedução matemática. Mais importante do que
constantes alterações do posicionamento das forças e de uma contínua atualização
dos armamentos são o conjunto completo de regras de combate resultantes da
transferência do campo de batalha para as ambiências não-militares.

O resultado de tudo isso é que poderemos ser conduzidos para um campo de


batalha desconhecido, para travar uma guerra estranha contra um inimigo que
desconhecemos. Não obstante, é obrigatório que nos ajustemos e passemos a
exercer o controle deste total e desconhecido processo caso a vitória seja
pretendida.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA GUERRA ALÉM DOS LIMITES


A GUERRA EM COMBINAÇÃO ALÉM DOS LIMIT ES representa o emprego de métodos
de combate completamente novos e inusitados para a execução da guerra, onde
todos os princípios acima são aplicáveis.

Certamente a vitória não está garantida apenas porque um dos oponentes adere a
tais princípios. Todavia, e sem a menor dúvida, o seu não cumprimento leva à
derrota. Os princípios representam, sempre, condições essenciais para a vitória na
guerra, mas eles não representam as únicas exigências.

Na falta de um princípio que garanta a vitória, aquilo de que dispomos são apenas
princípios essenciais. Deveremos sempre ter em mente esta conclusão.

248
CONCLUSÃO
“A computadorização e a mobilização criaram vários
milhares de empreendimentos globais e dezenas de
milhares de organizações internacionais e
intergovernamentais”.
E. Laszio

“A humanidade está evoluindo e não mais acredita que a


Guerra representa um potencial tribunal de apelações”.
Bloch

Num tempo em que o antigo ideal de uma “família humana” é usado como um item
de propaganda da IBM, a “globalização” não mais representa uma profecia de
futuristas.

Vivemos numa era em que somos impulsionados pela significativa tendência da


integração tecnológica, estampada em todos os rótulos informativos. Vivemos numa
era agitada, alternadamente, por correntes oceânicas quentes e frias que surgem do
conflito e da fusão das civilizações. Vivemos numa era perturbada pelas guerras
locais que surgem aqui e ali, pelas crises financeiras do “tipo dominó” e pelo
buraco de ozônio sobre o Pólo Sul. Vivemos numa uma era cujo processo de
desdobramento que teve início entre o fim do século XX e o início do século XXI, e
que provoca, em cada um de nós, inclusive nos futuristas e visionários, um
sentimento de perplexidade e, ao mesmo tempo, de inadaptação.

A integração global é ampla e profunda, e como decorrência deste fenômeno


implacável, o que inevitavelmente terá de ser alterado ou até mesmo eliminado são
os conceitos de autoridade nacional e de fronteiras de interesses nacionais.

O conceito moderno de Estado-Nação que surgiu na Paz de Westphalia em 16481


não é mais o único representante ocupando a posição mais elevada nas
organizações sociais, políticas, econômicas e culturais. O surgimento de um grande

1 Um termo amplo para definir acordo europeu firmado em 1648. Através dele ocorreu o
término de uma guerra que durou 80 anos entre Espanha e os Países Baixos. Assim
como, a guerra de trinta anos na Alemanha. Tal acordo pode também ser considerado
como a base de todos os tratados firmados após o desmembramento do Sagrado Império
Romano em 1806.

- 249 -
número de organizações multinacionais, transnacionais e não-nacionais,
juntamente com as contradições inerentes entre uma nação e outra, estão
apresentando um desafio sem precedentes para a autoridade nacional, os
interesses nacionais e a vontade nacional.

O posicionamento do Estado como sendo a entidade definitiva tem sido questionado por vários setores, e o que é mais
significativo e mais preocupante é que o monopólio do Estado, quanto aos armamentos também está sendo seriamente
contestado.
De acordo com a publicação “Nationalis and Nacionalism”, um Estado é definido como a única entidade que pode
legalmente aplicar a força. De acordo com uma pesquisa de opinião pública realizada pela revista “Newsweek” em
1997, nos Estados Unidos quanto à origem da ameaça que irá surgir no século XXI: 32% dos entrevistados disseram
que viria do terrorismo; 26% indicaram o crime internacional e os traficantes de drogas; 15% acreditavam que seria do
ódio racial; os Estados-Nação ficaram em quarto lugar na pesquisa.
Em um pequeno panfleto que o exército norte-americano divulgou pela internet intitulado “Traduc Pamphlet 525-5: Force
XXI Operations”, as forças não-nacionais, são claramente listadas como “futuros inimigos” sendo mencionado, também,
que “as ameaças a segurança partindo de forças não-nacionais as quais utilizando modernas tecnologias obtiveram
capacidades semelhantes àquelas dos Estados-Nação, estão cada vez mais visíveis, representando um desafio para a
ambiência do Estado-Nação tradicional
Tendo em vista o seu campo de ação, as ameaças à segurança podem ser divididas em três categorias:
1 - Subnacional – As ameaças subnacionais incluem conflitos políticos, raciais, religiosos, culturais e étnicos e esses
conflitos desafiam as características e a autoridade do Estado-Nação a partir do interior do próprio Estado-Nação.
2 – Não-nacional – As ameaças não-nacionais não estão relacionadas aos países onde elas têm origem. As entidades
criadoras dessas ameaças não fazem parte de um Estado-Nação e nem desejam estabelecer tal condição, o crime
organizado regional, a pirataria e as atividades terroristas são exemplos dessas ameaças.
3 – Transnacional – As ameaças transnacionais transcendem as fronteiras dos Estados-Nação, operando em escala
regional ou até mesmo global. Elas incluem os movimentos religiosos, as organizações do crime internacional e
organizações econômicas informais que facilitam a proliferação dos armamentos. Ver “The World Map in the Information
Age”, Chinese People: University Pres, 1997, pp. 44-46.
Os militares norte-americanos não consideram as empresas multinacionais que obtêm lucros através de monopólicos
como ameaças à segurança, à ambiência militar. Empresas multinacionais como a Microsoft e a Standard Oil-Exxon,
cujas riquezas iguala-se à de muitas nações, podem também vir a constituir ameaças reais à autoridade nacional e
podem inclusive provocar significativo impacto nos assuntos internacionais

A emergência da maioria dos primeiros Estados-Nação foi através de guerras


cruentas. Igualmente, durante a transição dos Estados-Nação para a globalização
não existe nenhuma maneira de evitar colisões entre gigantescos blocos de
interesses. A diferença reside no fato de que os meios de que dispomos atualmente,
para desfazer o “nó górdio”2, não são apenas espadas, e devido a isso, não temos
mais que imitar nossos ancestrais que invariavelmente tinham o recurso à força
armada como sendo o último tribunal de apelação. Atualmente, quaisquer dos

2 Conta a lenda que Alexandre o Grande após ter invadido a Ásia Menor com o seu exército
foi orar no templo de Zeus na cidade de Gordium. No templo havia uma biga que estava
totalmente envolvida e presa por um cabo com um nó no final da amarração. Essa biga
teria pertencido a Midras Rei da Phygia e segundo se dizia ninguém tinha sido capaz até
o momento de desfazer esse nó. Defrontado com o problema Alexandre empunhou sua
espada e com um sói golpe rompeu o nó. A expressão “nó Górdio” tem o significado de
algo problemático e insolúvel.

- 250 -
meios políticos, econômicos ou diplomáticos possuem agora suficiente poder para
suplantar os meios militares. Entretanto, a humanidade não tem razões para se
regozijar, pois o que foi feito nada mais é que substituir, o quanto possível, a guerra
sanguinária por uma guerra sem derramamento de sangue.

As guerras futuras terão, com mais freqüência, certos tipos de hostilidades como, por exemplo, a guerra financeira em
que uma nação poderá ser subjugada, sem que ocorra derramamento de sangue. Pense um pouco sobre isso! Quais
teriam sido as conseqüências desastrosas para as economias de Hong Kong e até mesmo da China se a batalha de
agosto de 1998 para proteger as finanças de Hong Kong, tivesse sido perdida? Tais situações são possíveis de ocorrer
e se não tivéssemos o colapso do mercado financeiro da Rússia que colocou sob ataque por todos os lados as
especuladores financeiros. É difícil prever quais teriam sido as conseqüências.

Como decorrência, ao mesmo tempo em que, num sentido estrito, contraímos a


ambiência da batalhas, num sentido amplo, transformamos todo o globo terrestre
em um campo de batalha. Neste campo de batalha as pessoas ainda brigam entre
si, pilham e matam-se umas as outras como antes, mas as armas são mais
aperfeiçoadas e sofisticadas e deste modo, embora menos sanguinária, a guerra é
igualmente brutal.

Considerada esta realidade, o sonho da raça humana quanto à paz é ainda tão
ilusório como sempre foi. Mesmo que procuremos ser otimistas, a guerra não será
eliminada totalmente dentro um futuro previsível, seja ela sanguinária ou não.

Uma vez que tudo o que for acontecer, em última análise, tornar-se-á coisa do
passado, o que nós podemos e devemos fazer no presente é enfocar como alcançar a
vitória.

Defrontados com a guerra em sua interpretação mais ampla, e que irá desdobrar-se
em um campo de batalha sem fronteiras, não é mais possível depender apenas das
forças armadas e de seus armamentos para alcançar a segurança nacional em seu
significado mais amplo, como também, não é possível proteger aqueles interesses
nacionais já estratificados.

Obviamente a guerra está em um processo de transcender a ambiência dos


militares, das unidades militares, e dos assuntos militares, transformando-se, cada
vez mais, em um tema para os políticos, cientistas e até mesmos os banqueiros.
Como conduzir uma guerra, obviamente, não é mais um problema a ser resolvido,
isoladamente, pelos militares.

- 251 -
No início do século XX, Clemenceau declarou que “a guerra é um assunto muito
sério para ser deixado a cargo dos generais”. A história dos últimos cem anos,
todavia, nos mostra que a transferência da direção da guerra para os políticos
também não representa a solução ideal para solucionar este importante assunto3.

As pessoas estão se desviando para a civilização técnica, esperando encontrar, nos


desenvolvimentos tecnológicos, uma válvula de escape que permitiria o controle da
guerra. Todavia, o que causa desesperança é constatar que o século XX está em
seus derradeiros momentos e, ainda que a tecnologia tenha feito grandes avanços, a
guerra continua sendo um cavalo indomado.

As pessoas ainda esperam milagres da revolução nos assuntos militares, esperando


que as armas de alta tecnologia e as armas não-letais possam reduzir as perdas de
vidas humanas civis e, até mesmo militares, visando com isso a diminuir a
brutalidade da guerra.

Entretanto, a ocorrência da revolução nos assuntos militares, em paralelo a outras


revoluções, provocou uma alteração na última década do século XX. O mundo já
não é mais o que era antes, mas a guerra continua sendo tão brutal como sempre
foi. A única diferença é que essa brutalidade expandiu-se através dos diferentes
modos pelos quais dois exércitos se confrontam.

Raciocinem quanto ao desastre aéreo em Lockerbie. Raciocinem quanto às duas


bombas em Nairobi e Dar es Salaam. Em seguida, raciocinem sobre a crise
financeira no leste asiático. Não deveria ser difícil entender o que significa este tipo
diferente de brutalidade. Isto sim é a globalização. Isto é a guerra na era da
globalização. Ainda que represente apenas um de seus aspectos, ele é chocante.
Quando os militares, testemunhas desta encruzilhada dos séculos, se defrontarem
com essa realidade, talvez cada um deles devesse perguntar a si mesmo: — o que é
que ainda podemos fazer?

Se indivíduos como Morris, Bin Laden e Soros podem ser considerados “militares”
das guerras do futuro, então quem não é um militar? Se personalidades como

3 Não importa se estamos nos referindo a Hitler, Mussolini, Truman, Johnson, ou, Sadan,.
A realidade é que nenhum deles conseguiu controlar a guerra com sucesso. O próprio
Clemenceau pode ser inserido nesta relação.

- 252 -
Powell, Schwartzkopf, Dayan e Sharon podem ser considerados políticos
envergando uniformes militares, então quem não é um político? Este é o enigma
que a globalização e a guerra na era da globalização deixaram para a consideração
dos militares.

Ainda que as fronteiras entre militares e não-militares tenha sido eliminada e o


hiato entre guerra e não-guerra seja praticamente inexistente, a globalização
interligou e encadeou todos os problemas difíceis, e nós devemos encontrar a chave
para desvendar estes problemas.

Esta chave deveria abrir todos os encadeamentos que estejam ligados à guerra,
devendo ser aplicável a todos os níveis e ambiências, desde a diretriz de guerra,
passando pela estratégia, pelas técnicas operacionais até as táticas, como também
deve ajustar-se ao proceder dos indivíduos, desde políticos e generais até os
soldados rasos.

Nós não podemos conceber qualquer outra possível chave que não seja a “guerra
além dos limites”.

- 253 -
PALAVRAS FINAIS

As motivações para a elaboração deste livro originam-se das manobras militares


que despertaram a atenção do mundo.

Três anos atrás, devido à minha participação em manobras, encontrei-me com


Xiangsui em uma pequena cidade em Fujian, chamada Zhao An. Naquela época, a
situação, a cada dia, estava ficando mais tensa na costa sudeste, com os
oponentes em ambos os lados dos estreitos prontos para uma demonstração de
força e, até mesmo, uma força tarefa norte-americana com dois porta-aviões
aproximava-se da área, a grande velocidade, para adicionar mais confusão ainda.
Naquela situação uma tempestade já estava se formando nas montanhas e a
situação militar era tão grave, que subitamente as pessoas foram levadas a
“imaginar estratégias capazes de responder àquela situação”.

Daí, que resolvemos escrever este livro, um livro que pudesse reunir as
preocupações e os pensamentos que cada um de nós acumulou em várias décadas
anteriores, e especialmente durante os últimos dez anos, quanto aos assuntos
militares.

Não há como relatar, detalhadamente, quantas chamadas telefônicas foram feitas, o


volume da correspondência que enviamos, e quantas noites ficamos acordados nos
três anos seguintes, e a única coisa que pode servir de evidência de todo esse
esforço é este pequeno livro.

Devemos, em primeiro lugar, pedir desculpas aos leitores pelo fato de que, embora
fossemos muitos escrupulosos e nos esforçássemos com todo o esmero na
elaboração deste livro ainda assim depois que a palavra escrita passou a refletir as
idéias, de modo semelhante às estrelas cadentes que cruzam os céus,
transformando-se em meteoritos após o seu resfriamento, todos vocês, (incluindo
nós mesmos), ainda poderão encontrar muitos erros e colocações que são
inadequadas.

- 254 -
Não iremos usar aquelas palavras de desculpas “pedimos sua generosa boa
vontade” visando obter perdão. Tão somente iremos introduzir as correções
necessárias na segunda edição deste livro (se houver uma).

Por ocasião da publicação deste livro desejamos sinceramente agradecer ao Chefe


do Estado-Maior Cheng Butao e ao Vice-Chefe do Estado-Maior Huang Guorong da
“PLA Literature and Arts Publishing House” por seus constantes apoios, que
possibilitaram que este livro fosse publicado em um curto período de tempo.

Gostaríamos também de agradecer a Xiang Xiaomi, Diretora do “First Book Editing


Department”. Ela reviu cuidadosa e rigorosamente todo o livro, de modo
semelhante ao que fez com os outros quatros livros que editamos, e nos
proporcionou recomendações muito valiosas. Nós não conhecemos outra maneira
mais adequada para expressar nossos agradecimentos além da profunda gratidão
que sentimos.

Por último, também gostaríamos de agradecer a nossa família pelos sacrifícios que
enfrentaram, como conseqüência da elaboração deste livro e, novamente, isto não
pode ser expresso por palavras.

O livro, em sua versão manuscrita, foi elaborado entre 2 de março e 8 de dezembro


de 1998 em Beijing. Estas palavras finais foram escritas em 1 de fevereiro de 1999.

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CURRÍCULO DOS AUTORES

Qiao Liang, cujos antepassados vieram da Província de Huan, nasceu no condado


de Xin, na Província de Shanxi, de uma família de militares, no ano de 1956.

Ele é um membro Da União Chinesa de Escritores, e atualmente serve como


Diretor-assistente do Escritório de Produção do Departamento de Política da Força
Aérea e tem o posto de Coronel na Força Aérea além de ser um escritor de nível um.

Suas obras mais importantes incluem “Gate to the Final Epoch”, “Spiritual
Banner”, e “Great Glacial River”.

Ele tem recebido diversos prêmios nacionais e militares.

Além de suas criações literárias ele tem se dedicado, durante muito tempo, à
pesquisa da teoria militar e juntamente com outros escritores produziu as seguintes
obras: “A Discussion of Military Office Quality”; “Viewing the Global Military Big
Powers”; “A Listing of the Rankings of Global Military Powers”.

Wang Xiangsui nasceu em Guangzhou em 1954 e sua família é de origem militar.


Ele foi sucessivamente instrutor político, comissário político de grupo, comissário
político regimentar e sub-comissário político divisional. Atualmente ele serve na
unidade política da região militar da Força Aérea em Guangzhou e tem o posto de
Coronel.

Ele colaborou com outros autores na elaboração dos livros “A discussion of Military
Officer Quality”, Viewing the Global Military Powers”; e “A Record of Previous Major
Global Wars”.

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