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O debate contemporâneo da reconceituação do Serviço Social: ampliação e

aprofundamento do marxismo

Introdução/Legado da reconceituação

Se a descoberta do marxismo pelo Serviço Social latino-americano contribuiu decisivamente


para um processo de ruptura teórica e prática com a tradição profissional, as formas pelas
quais se deu aquela aproximação do Serviço Social com o amplo e heterogêneo universo
marxista foram também responsáveis por inúmeros equívocos e impasses de ordem teórica,
política e profissional cujas refrações até hoje se fazem presentes. O primeiro equívoco se deu
a partir do fato de que o encontro do Serviço Social com a perspectiva crítico-dialética deu-se
por meio do filtro da prática político-partidária, fazendo com que muitas inquietudes da
militância fossem transferidas para a prática profissional. Outro equívoco foi que a aproximação
do Serviço Social com a tradição marxista, não se deu através da consulta aos clássicos. Foi
uma aproximação a um marxismo sem Marx, resultando numa invasão às ocultas, do
positivismo no discurso marxista do Serviço Social. O resultado é o dilema até hoje presente na
profissão: o fatalismo e o messianismo. O primeiro naturaliza a vida social e compreende a
profissão como totalmente atrelada às malhas do poder, entendido como monolítico, o que
resulta numa prática de subjugação do profissional ao instituído; o segundo, privilegia os
propósitos do profissional individual, resultando num voluntarismo. O enfrentamento com a
herança da reconceituação vai dar-se tardiamente no Brasil, no bojo da crise da ditadura,
quando o próprio revigoramento da sociedade civil faz com que se rompam as amarras do
silêncio e do alheamento político forçado.O debate brasileiro contemporâneo e a tradição
marxista Se a reconceituação viabilizou a primeira aproximação do Serviço Social com o
marxismo por rotas tortuosas, o primeiro encontro do Serviço Social com a obra marxiana, dela
decorrendo explícitas derivações para a análise do Serviço Social, deu-se no Brasil, apenas na
década de 80.

Os eixos do debate do Serviço Social, no campo da tradição marxista, na década de 80, podem
ser enfeixados em duas grandes temáticas:a) a crítica teórico-metodológica tanto do
conservadorismo como do marxismo vulgar, colocando a polêmica em torno das relações entre
teoria, história e método, com claras derivações no âmbito da formação profissional; b) a
construção da análise da trajetória histórica do Serviço Social no Brasil.

O debate brasileiro, do ponto de vista teórico-metodológico nos anos 80, em relação ao legado
do movimento de reconceituação Latino-Americano:a) avança da negação e denúncia do
tradicionalismo ao enfrentamento efetivo de seus dilemas e impasses teórico-práticos; b)do
metodologismo à inserção da polêmica teórico-metodológica no Serviço Social nos principais
marcos do pensamento social contemporâneo; c) da apologética no trato do marxismo no
Serviço Social ao debate clássico contemporâneo dessa tradição intelectual; d)do ativismo
político-profissional à criação de condições acadêmicas e sócio profissionais que propiciaram
maior solidez a práticas renovadoras inscritas no mercado de trabalho dos assistentes sociais;
e) do ecletismo ao pluralismo; f) de uma abordagem generalista sobre a América Latina a
ensaios históricos sobre o Serviço Social em diferentes momentos conjunturais da formação
social no país, ampliando as possibilidades de análise da profissão na história brasileira.
Avaliando o debate contemporâneo, ressalta-se o avanço que o debate contemporâneo vem
apresentando ante o tradicionalismo profissional – presidido pela ideologia do mando e do
favor no trato da coisa pública, metamorfoseando o cidadão em súdito do Estado; avanço
também em relação ao legado da reconceituação. Esta, retraduzindo os objetivos profissionais
em organização, capacitação e conscientização dos oprimidos tendo como alvo a
transformação social, não considerou, em suas análises, as mediações históricas e teóricas
que possibilitassem articular os propósitos profissionais às conjunturas nacionais particulares e,
em especial, ao mercado de trabalho.O debate do debateO que este ângulo de análise, no
entanto, tem ocultado. A ênfase nas relações do Serviço Social com as políticas sociais do
Estado e os aparatos institucionais que a implementam vem apresentando, como contrapartida,
o relativo obscurecimento da sociedade civil, o verdadeiro cenário de toda a história,
secundarizada na produção acadêmica no Serviço Social. O enfrentamento da pauperização
torna-se necessário como meio para a compreensão das políticas sociais e não o contrário: o
estudo da gênese e as formas particulares de desenvolvimento e vivência da pauperização, o
outro lado da maturação capitalista, como condição para a explicação e avaliação das
respostas governamentais diante desse fenômeno. O relativo o cultamento das mudanças
históricas recentes produzidas na sociedade civil, em decorrência mesmo da intervenção do
Estado, pode levar à perda do chão daquelas análises que ora polarizam o debate do Serviço
Social. É a sociedade civil que explica o Estado. A contrapartida do ocultamento da sociedade
civil na análise é a negação, na prática, do caráter revolucionário que distingue a teoria
marxiana, dela destituindo a história.Ao colocar-se como objeto de sua própria pesquisa, o
Serviço Social voltou-se sobre si mesmo e descortinou ângulos inusitados para o
desdobramento dos estudos. Urge agora que o Serviço Social se alimente d história da
sociedade brasileira presente, como condição de renovar e continuar assegurando a sua
conciliação com a realidade social, condição para decifrar e recriar sua prática profissional,
dando transparência aos elos que as articulam.

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