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Aula 8 Texto Frederico Pieper PDF
Aula 8 Texto Frederico Pieper PDF
Frederico Pieper
UFJF
1. Definição
Ciências da Religião (conforme nomenclatura empregada pela CAPES) é área de estudo
acadêmico da religião surgida em fins do século XIX, que inclui a descrição,
interpretação, comparação e explicação das ideias, textos, comportamentos, instituições,
linguagens (símbolo, mito, rito e doutrina) práticas, etc. das mais variadas tradições
religiosas, como também a reflexão em torno dos conceitos que cada âmbito desse
mobiliza, sem pressupor a superioridade de uma tradição religiosa sobre outras.
A área de CR é fruto do desenvolvimento da cultura, da sociedade e do pensamento
europeus a partir do século XVII, isto é, resultado da modernidade. Ela se origina de um
conjunto de fatores.
Na modernidade, ocorre importante mudança na relação das pessoas com a religião. Ela
já não mais se configura apenas como um modo de vida, mas se torna objeto de
escrutínio e análise da razão. Em outros termos, a religião não somente é praticada, mas
passa a ser tematizada criticamente, não sendo assumida como dimensão social
previamente estabelecida e aceita.
Para que essa alteração no trato com a religião ocorresse, algumas condições se
estabeleceram. Com o processo de secularização, a religião já não é mais vista como
unidade última de sentido, mas é colocada ao lado de outras esferas sociais (economia,
política, estética, ciência etc). Esse processo de enfraquecimento da religião é
acompanhado pela sensível redução do poder político das instituições religiosas. E,
assim como há especialidades que estudam a economia, a política, a arte etc, surgem
também saberes que estudam a religião.
Outro elemento a ser considerado é a crítica que se delineia, principalmente a partir da
filosofia do iluminismo, à religião. Nessa direção, a contribuição de Immanuel Kant
(1724-1804) foi fundamental. O autor da Crítica da razão pura mostrou que o
conhecimento da coisa em si (daquilo que não está no espaço e no tempo) não é
possível à razão finita. Podemos pensar em certos objetos que transcendem o tempo e o
espaço, mas não podemos conhecê-los. Entre esses objetos, estão a ideia de Deus e da
alma imortal. Assumindo esse pressuposto, são empreendidas tentativas de se
compreender a religião nos limites da razão, de modo a abordá-la como produto humano
e não mais os objetos que extrapolam aquilo que a razão pode conhecer.
E, por fim, cabe ressaltar que, como consequência do crescente material que chegava à
Europa, oriundo da colonização do continente africano e asiático, tornava-se cada vez
mais evidente o pluralismo cultural. Isso leva à necessidade do desenvolvimento de
estudos comparados das diversas matrizes religiosas.
Dessa maneira, o estudo da religião se deu como consequência da modernidade,
especialmente do iluminismo e sua abordagem crítica da religião.
Esse desenvolvimento prévio levou à proposição da criação de uma área exclusivamente
dedicada ao estudo da religião a partir de 1870. CR, como estudo acadêmico da religião,
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assume que é possível essa abordagem desse objeto, afinal, a religião não tem a ver com
instâncias inatingíveis pelo discurso cientifico, mas, uma vez que se articula na esfera
intersubjetiva, ela assume dimensão pública, possibilitando a análise dos discursos e das
práticas que estabelece. Diante da multiplicidade de modos de expressão e linguagens
pelos quais a religião se articula (mitos, ritos, performances, dogmas, testemunhos etc),
buscam-se metodologias variadas para se abordar o tema.
Ainda que muitas instituições elaborem conhecimento religioso e, principalmente, sobre
a religião, CR, tal como pensada aqui, restringe-se ao conhecimento produzido nas
universidades. E universidades são instituições que visam elaborar e divulgar
conhecimentos sobre o mundo, incluindo a dimensão simbólica e cultural do ser
humano, onde se insere o dado religioso. Esse aspecto institucional é importante. Afinal
é a saída da sacristia para a sala de aula que cria condições para um estudo mais
autônomo da religião, sem os constrangimentos institucionais e confessionais aos quais
ele poderia estar submetido.
Essa mudança reflete a emancipação da compreensão da religião proposta pelo
iluminismo, afinal, o objetivo central não é confessional (no sentido de formar ministros
religiosos ou de ajudar as pessoas a desenvolver sua espiritualidade ou sua
religiosidade), mas é a compreensão da religião como dimensão da vida humana.
Assim, o propósito da área não é formação em religião, mas estudo sobre religião.
Muito das suspeitas que pesam sobre a área se devem à falta de clareza da distinção
entre estudar religião e praticar religião. Isso, em parte, tem a ver com pressupostos
positivistas e concepções prévias que não concebem que se possa estudar
academicamente o objeto religião.
Ainda que o tema da religião tenha se mostrado alvo de consideração de vários
pensadores na modernidade, entende-se que CR surgiu, como campo de estudos da
religião, em fins do século XIX. É importante ressaltar que, em geral, CR é definida
como área de pesquisa, não como ensino. Desse modo, nesse contexto mais amplo, não
aparece com relevo relação entre CR e Ensino Religioso (ER). Em parte, isso se deve ao
fato de que esse vínculo é característico do contexto brasileiro.
2. História
A história da área CR pode ser dividida em três momentos. A partir de 1870, há o
surgimento de um campo específico para o estudo da religião. No período pós-guerra,
especialmente nos anos 1960, ocorre expansão e reformulação metodológica. Por fim, a
partir da década de 1980, sob a égide de estudos pós-modernos e pós-colonialistas,
emerge nova consciência crítica.
a) Surgimento (1870-1940)
A proposição de uma Ciência da Religião (em alemão, Religionswissenschaft) aparece
por volta de 1870, num contexto em que os escritos da Bíblia foram submetidos a
análises críticas e históricas e os primeiros textos budistas e hindus foram traduzidos
para idiomas europeus. O idealizador da área de estudos denominada de Ciência da
Religião foi o professor de filologia da Universidade de Oxford, Friedrich Max Müller
(1823-1906). No entanto, do ponto de vista institucional, coube ao holandês Cornelis
Tiele (1830-1902) o estabelecimento institucional da disciplina na universidade.
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Numa tentativa de diferenciar essa nova ciência da teologia, seus idealizadores partiam,
inicialmente, da distinção entre estudo da religião e formação religiosa. Eles defendiam
a possibilidade de um estudo científico da religião sem finalidades religiosas práticas.
No entanto, quanto ao modo de como se conduzir esse estudo, observam-se duas
tendências: ênfase na imparcialidade e distanciamento em relação ao objeto ou destaque
para a postura de empatia (KNOTT, 2005, p.244ss).
Imparcialidade e distanciamento
F. Max Müller considera a Ciência da Religião como um dos mais elevados
empreendimentos humanos, apesar de seus críticos e de reconhecer a resistência que ela
desperta. Esses oponentes se encontram em dois lados. Para alguns, a religião é tão
sagrada e elevada que não pode ser abordada racionalmente. Para outros, é forma
decadente de conhecimento. Max Müller concorda com as duas posturas. Segundo ele, a
religião é digna de reverência. Entretanto, a verdadeira reverência é tratá-la sem medo e
sem favor, com inquestionável fidelidade à verdade.
Portanto, a análise da religião deve ser feita de modo imparcial, não cabendo ao
estudioso interferência prática. Ele deve apenas descobrir o que é a religião, qual a
fundamentação que ela possui na alma humana e quais são as leis de seu
desenvolvimento histórico. E, partindo de uma base linguística, desenvolver estudos
comparativos das diversas mitologias. Dessa maneira, para ele, “uma Ciência da
Religião, baseada na comparação verdadeiramente científica e imparcial de todas (...)
religiões da humanidade, é agora uma questão de tempo” (MÜLLER, 1893, p.26).
C. Tiele, no espírito dessa nova ciência, defende que ela não deve se dedicar ao estudo
do “sobre-humano”. Antes, a tarefa de “investigar a religião como fenômeno histórico-
psicológico, social e totalmente humano pertence ao domínio dessa ciência” (TIELE,
1897, p.05). Além disso, argumenta que a Ciência da Religião não tem finalidade
prática. Assim como a Ciência da Linguagem não pode criar novas linguagens ou novas
regras, a Ciência da Religião na cria religiões ou normas. Ele também defende que o
estudo da religião deve ser feito com distanciamento. Entretanto, considera errônea a
concepção de que somente um cético pode ter a neutralidade necessária. Em sua
perspectiva, uma pessoa religiosa pode colocar sua crença pessoal em suspensão para
estudar a religião imparcialmente (TIELE, 1897, p.11).
Empatia e distanciamento
Ao lado dessa abordagem, compartilhando do pressuposto de que é possível estudar
cientificamente a religião, desenvolve-se a vertente que defende a necessidade de
empatia com a religião. Por meio da imaginação seria possível compreender o que o fiel
experimenta ou sente, abstendo-se de julgar sobre a verdade ou falsidade da crença
religiosa. Essa perspectiva foi dominante na Fenomenologia da Religião.
W. Brede Kristensen (1867-1953) elabora essa proposta. Para ele, “Toda religião busca
ser compreendida do seu próprio ponto de vista, isto é como ela é compreendida por
parte de seus aderentes (...) Mas o historiador não pode compreender o caráter absoluto
dos dados religiosos do mesmo modo que o crente os compreende. Há uma distância
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entre ele o objeto de pesquisa, ele não pode se identificar com ele como o crente faz”
(KRISTENSEN, 1971, p.07). Dessa maneira, compreender a religião implica numa
postura de afinidade, mas que, num segundo momento, deve se reverter em afastamento
a fim de se formular categorias de compreensão com o intuito de esclarecer o sentido da
religião da perspectiva da sua vivência. A ênfase de Kristensen na experiência tem por
objetivo evidenciar limites das teorias evolucionistas que, de antemão, buscavam
enquadrar a religião nos estágios da evolução humana. Afinal, no estudo da religião
“não estamos então lidando somente com nossas próprias ideias de religião, e não
devemos nos iludir que nós temos também de aprender com as ideias dos outros”
(KRISTENSEN, 1971, p.13).
4. Modelos de CR
Como o próprio verbete alude, no Brasil, a terminologia que nomeia os cursos não é
homogênea. Esses nomes foram idealizados no decorrer da história da área, em lugares
geográficos delimitados e denotam modelos distintos de entendimento. Ciência da
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5. Sugestão de Leituras
GRESCHAT, H. O que é Ciência da Religião. Trad. Frank Usarski. São Paulo:
Paulinas, 2005.
HOCK, k. Introdução à ciência da religião. Trad. Monika Ottermann. São Paulo:
Loyola, 2010.
PASSOS, João D; USARSKI, F. Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo:
Paulinas, 2013.
SOARES, Afonso Ligório. Religião e educação. Da ciência da religião ao Ensino
religioso. São Paulo: Paulinas, 2010
6. Referências
KNOTT, kim. Insider/outsider perspectives. HINNELS, John. The Routledge
companion to the study of religion. London/New York: Routlegde, 2005, p.243-258
KRISTENSEN, W.B. The meaning of religion. Trad. John B. Carman. The Haugue:
Martinus Nijhoff, 1971.
MÜLLER, F. Max. Introduction to the Science of Religion. London: Longmans, 1893.
TIELE, C.P. Elements of the Science of Religion. London: William Blackwood and
Sons, 1897.
WIEBE, Donald. Religious Studies. In: HINNELS, John. The Routledge Companion to
the study of religion. London/New York: Routlegde, 2005, p. 98-124.
WIERGES, Gerard (editor). Modern societies and the science of religions. Leiden: Brill,
2002.