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A comunidade científica em educação: uma abordagem crítica

Article · August 2018

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2 authors:

Amarilio Ferreira Jr. Carlos Roberto Massao Hayashi


Universidade Federal de São Carlos Universidade Federal de São Carlos
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A comunidade científica em educação: uma
abordagem crítica*
The scientific community in education: a critical
approach
Carlos Roberto Massao Hayashi**
Amarílio Ferreira Jr.***
* Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado em Educa-
ção defendida no Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Universidade Federal de São Carlos.

**Mestre em Educação, docente do Departamento de Ciên-


cia da Informação / UFSCar.
e-mail: massao@power.ufscar.br.

*** Doutor em História Social, docente do Departamento de


Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção / UFSCar.
e-mail: ferreira@power.ufscar.br.

Resumo
A comunidade científica é um mundo estruturado e hierarquizado. As normas são impostas, implicitamente
ou não, aos pesquisadores que a constituem. Neste artigo ensaiamos uma abordagem sociológica da
comunidade científica em educação. Diferentes trabalhos em sociologia da ciência foram consagrados à
comunicação científica, mostrando como o ato de publicar é fonte de benefícios materiais e simbólicos, e
notadamente de reconhecimento pelos pares. Apresentamos a abordagem da comunidade científica com
base no modelo de acumulação de crédito científico proposto por Bourdieu, na teoria da credibilidade e da
legitimidade científica de Latour e Woolgar e na noção de “colégio invisível” proposta por Solla Price.
Enfocamos o papel das revistas científicas e da avaliação pelos pares nesse processo. Tecemos considerações
sobre a comunidade de pesquisadores em educação que se organizam em grupos de pesquisa e o papel
da avaliação dos resultados da comunicação científica realizada pelos pesquisadores da área que se
consolida em sua produção científica.
Palavras-chave
Educação. Comunidade científica. Produção do conhecimento. Avaliação científica.

Abstract
The scientific community is a well structured and hierarchical world. The rules are imposed, implicitly or
not, to the researchers of this community. This article is an essay based on sociological approach of the
educational scientific community. Different kind of works in sociology of science had been consecrated to
the scientific communication, showing that the publication act is a source of material and symbolic benefits,
and also of recognition of the peers. We present the approach of the scientific community on basis in a

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.


Campo Grande-MS, n. 21, p. 11-27, jul./dez. 2006.
model of accumulation of scientific credit considered by Bourdieu, in the theory of the credibility and the
scientific legitimate of Latour and Woolgar and in the notion of “invisible college” considered by Solla Price.
We focus the performance of the scientific journals and the peer review in this process. We made reflections
about the researchers community in education organized in research groups and the function of the
evaluation of the results of the scientific communication carried through by the researchers of the area,
consolidated in its scientific production.
Key words
Education. Scientific community. Knowledge production. Scientific evaluation.

1 A comunidade científica Para o monopólio da competência


científica, os pesquisadores entregam-se a
A ciência é produto de uma comuni- uma luta que tem a particularidade de não
dade de pesquisadores (MERTON, 1973). poder ser resolvida senão por outros pesqui-
Diferentes trabalhos em sociologia da ciên-
sadores: o reconhecimento de um cientista
cia foram dedicados à comunicação cientí-
– e sua avaliação – passa por seus pares
fica, mostrando como o ato de publicar é
que são igualmente seus concorrentes:
fonte de benefícios materiais e simbólicos,
O campo científico, enquanto sistema de
e notadamente de reconhecimento pelos relações objetivas entre posições adquiridas
pares. (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço
Pignard (1999, 2000) e Godin (2002) de jogo de uma luta concorrencial. O que
assinalaram que entre estes trabalhos des- está em jogo especificamente nessa luta
tacam-se os de Pierre Bourdieu na sociolo- é o monopólio da autoridade científica
definida, de maneira inseparável, como
gia (1983), Bruno Latour (1994) e Latour e
capacidade técnica e poder social; ou, se
Woolgar (1997) na antropologia e Derek quisermos, o monopólio da competência
de Solla Price (1969) na cientometria. Traze- científica, compreendida enquanto capaci-
mos as contribuições destes autores para dade de falar e de agir legitimamente (isto
o contexto da presente pesquisa, pois suas é, de maneira autorizada e com autorida-
argumentações são importantes para com- de), que é socialmente outorgada a um
agente determinado (BOURDIEU, 1983,
preender a articulação entre a comunica- p.122-123).
ção e a comunidade científica.
Assim, segundo a definição de “cam-
po”, o domínio científico no qual trabalha
2 O modelo de acumulação do
cada pesquisador é relativamente autôno-
crédito científico
mo e fechado e os atores aí formam uma
Em 1983, Bourdieu lança a teoria de espécie de comunidade. O campo científico,
“campo científico”. Para este autor, o campo segundo Bourdieu (1983), é um lugar de
científico é um campo social, semelhante a luta competitiva – com as estratégias de
outros, no qual agem as relações de forças, dominação e de monopolização – para a
de interesses e de estratégias específicas. acumulação do crédito científico e para o

12 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


controle da ciência, ou seja: pesquisador, os quais, em sua visão, estão
Não há “escolha” científica – do campo da sempre contaminados, no transcurso de sua
pesquisa, dos métodos empregados, do carreira, pelo conhecimento da posição que
lugar de publicação; ou ainda, escolha entre ele ocupa nas hierarquias instituídas
uma publicação imediata de resultados
(BOURDIEU, 1983, p.123-124).
parcialmente verificados e uma publicação
tardia de resultados plenamente contro- Portanto, as práticas estão orienta-
lados – que não seja uma estratégia polí- das para a aquisição de autoridade cientí-
tica de investimento objetivamente orien- fica, que é uma espécie particular de capital
tada para a maximização do lucro propria- que pode ser acumulado, transmitido e até
mente científico, isto é, a obtenção do reco- mesmo, em certas condições, reconvertido
nhecimento dos pares-concorrentes
em outras espécies.
(BOURDIEU, 1983, p.126-127)
Entretanto, o cientista deve se esfor-
Bourdieu propõe um modelo funda- çar e elaborar suas estratégias para fazer
do na noção de capital: o cientista procura conhecer o valor de sua produção científica
antes de tudo acumular um capital simbó- e o seu mérito. O cientista é então, segundo
lico – chamado de “crédito científico”. Os Bourdieu, um capitalista que tenta colocar
conhecimentos são os recursos que o cien- suas competências no melhor momento e
tista permuta em uma espécie de mercado local do mercado científico, investindo nos
em troca do crédito científico que ele pode assuntos e métodos mais rentáveis em re-
em seguida reinvestir para produzir novos lação às “necessidades” desse mercado.
conhecimentos e ganhar ainda mais crédi- Decorre daí que o cientista pode per-
to. Mas os bens que ele produz (os conhe- mutar seus valores científicos por valores
cimentos científicos) não têm valor eles sociais, convertidos em subvenções, postos
mesmos (valor intrínseco); seu valor reside e estatuto social superior. A todo momen-
no fato de poderem ser permutados por to, os atores científicos podem investir um
outros bens (valor de troca). Por conseqüên- certo crédito (um montante de capital sim-
cia, o valor de troca depende da importân- bólico) ou permutar para tentar tirar o má-
cia que os outros reconhecem na coisa ximo proveito.
trocada. Assim, a definição do que está em jogo
Nessa abordagem, uma produção ci- na luta científica faz parte do jogo da luta
entífica não obtém seu valor do fato de ser científica: os dominantes são aqueles que
verdade ou conforme as normas técnicas e conseguem impor uma definição da ciên-
cia segundo a qual a realização mais per-
éticas, mas do interesse que os colegas lhe feita consiste em ter, ser e fazer aquilo
dão e ao que eles estão dispostos a dar em que eles têm, são e fazem (BOURDIEU,
troca. Bourdieu destaca que o próprio funcio - 1983, p.128)
namento do campo científico “produz e su- Finalmente, na abordagem
põe uma forma específica de interesse” o que bourdieusiana 1, se o campo científico con-
remete aos julgamentos de mérito sobre a tribui para a produção de novos e válidos
capacidade ou competência científica do conhecimentos, isto não é senão um resul-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 23, p. 11-27, jan./jun. 2007. 13


tado ligado ao fato de que os agentes cien- tal simbólico”. Para o autor, os cientistas
tíficos estão em competição e se controlam investem nos domínios e assuntos que
mutuamente. Segundo Pignard (1999, p.12) garantem o maior retorno de credibilidade
a teoria bourdieusiana pode ser resumida e esses investimentos podem se traduzir em
no seguinte esquema: publicações e outras formas de produção
científica: a formação de alunos, o desenvol-
Figura 1 – Ciclo de acumulação do crédito vimento de um equipamento, os pareceres
científico de Bourdieu. etc.
Este processo de legitimação é inti-
tulado “ciclos de credibilidade” (LATOUR,
1994). A publicação científica aparece como
um elemento indispensável para o pesqui-
sador em sua busca de legitimidade: um
artigo conduz ao reconhecimento pelos
pares, gera subvenções; as subvenções in-
vestidas em um novo equipamento darão
Fonte: Adaptado de Pignard (1999, p.12). lugar a novas produções de dados, depois
a novos artigos que assegurarão um suple-
3 A teoria da credibilidade e da mento de reconhecimento etc. Sob esse
legitimidade ponto de vista, os pesquisadores podem
converter uma forma de credibilidade em
Em conferência ministrada a pesqui- outra.
sadores do INRA – Institut National de la Essa abordagem de Latour também
Recherche Agronomique, Latour (1994) está presente em outros trabalhos,
redefine a atividade de pesquisa e explica notadamente naquele realizado em parce-
por que é impossível compreender as idéi- ria com Woolgar (LATOUR e WOOLGAR,
as, os conceitos e as atividades de pesqui- 1997), no qual os autores emprestam dos
sa sem colocá-las em relação com a socie- trabalhos de Bourdieu a noção de capital
dade. Ao mesmo tempo, apresenta o pes- simbólico e introduzem a noção de
quisador como um ator capitalista moder- credibilidade, distintas daquela de crédito,
no que, de maneira cíclica, acumula a uma vez que:
credibilidade através de seus trabalhos, o
o crédito-reconhecimento refere-se ao sis-
que lhe permite obter financiamentos para tema de reconhecimentos e de prêmios
investir novamente na pesquisa. que simbolizam o reconhecimento, pelos
Latour (1994) introduz a noção de pares, de uma obra científica passada. A
credibilidade, ou seja, o reconhecimento do credibilidade baseia-se na capacidade que
os pesquisadores têm para efetivamente
cientista passa também por outras formas
praticar a ciência. (LATOUR e WOOLGAR,
mais tangíveis (as bolsas, os cargos etc.) que 1997, p.220)
não são somente os “sinais visíveis do capi-

14 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


Para Latour e Woolgar (1997, p.221) Os grupos são restritos, formados por
a noção de credibilidade pode aplicar-se, membros de nacionalidades diferentes e
ao mesmo tempo: fundados em relações interpessoais que
(...) à própria substância da produção cien- asseguram um circuito de trocas eficazes.
tífica (fatos) e à influência de fatores exter- Os membros de um colégio invisível repre-
nos: financiamentos e instituições. (...) às sentam “um grupo de poder” (“a power
estratégias de investimento dos pesquisa-
group” ), porque eles são suscetíveis de con-
dores, às teorias epistemológicas, aos sis-
temas de reconhecimentos científicos e trolar, no âmbito local e nacional, a gestão
ao ensino científico. de fundos de pesquisa e também de labo-
A Figura 2 ilustra os “ciclos de credibili- ratórios, os recursos simbólicos do prestígio
dade” e permite, segundo os autores, “distin- e, por vezes, as novas idéias científicas, as-
guir o processo de concessão do reconheci- sim como as decisões concernentes às es-
mento do processo de avaliação da credibi- tratégias de pesquisa.
lidade” (LATOUR e WOOLGAR, 1997, p.224). No interior destes colégios invisíveis,
discussões, draft papers (rascunhos), confe-
Figura 2 – Os ciclos de credibilidade de rências e trocas bilaterais de vários tipos
Latour e Woolgar. provêem os membros com privilégios e
acesso antecipado ao novo conhecimento.
Membros destes colégios invisíveis estão
engajados naquilo que tem sido chamado
“competição”: um meio termo civilizado en-
tre comportamento cooperativo e competi-
tivo. “Colégios invisíveis” são, antes, negó-
cios exclusivos. Aqueles que não podem le-
var nada de novo para a festa não estão
convidados. Como todos os outros, esses
podem ler revistas, mas são largamente
excluídos das trocas informais de técnicas,
métodos e comentários sobre os rumos de
pesquisas que são desfrutadas pelos mem-
Fonte: Adaptado de Latour e Woolgar, 1997, p.225. bros do colégio invisível.
Assim, segundo a noção de “colégio
4 A noção de “colégio invisível” invisível” de Derek de Solla Price (1969), em
qualquer comunidade científica existe uma
A noção de “colégio invisível” foi de- rede pessoal de pares profissionais interre-
senvolvida por Derek John de Solla Price lacionados por interesses comuns em pes-
(1969), ou seja, são os grupos de elite que quisa, laços institucionais ou associações
se constituem no topo da comunidade cien- anteriores que mantêm um estreito relacio-
tífica e em torno de um front de pesquisa. namento, com o mútuo intercâmbio de

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 23, p. 11-27, jan./jun. 2007. 15


informações sobre projetos de pesquisa em oclocrático do semi-espírito e da semicul-
andamento, solicitação de críticas a traba- tura, quanto contra as ocasionais tentati-
vas de, com o auxílio da atuação das mas-
lhos ou relatórios em fase preparatória, dis- sas, erigir uma tirania? Os oligarcas são
cussão dos trabalhos em andamento por necessários uns aos outros, têm uns nos
meio de correspondências, em conferências outros sua melhor alegria, entendem seus
e, também, pela colaboração em vários pro- sinais distintivos – mas, apesar disso, cada
jetos interligados. No “colégio invisível”, cada um deles é livre, combate e vence em
seu lugar e prefere sucumbir a se sub-
cientista se mantém a par do trabalho dos meter (NIETZSCHE, 1978, p.110).
outros muito antes que o mesmo seja pu-
blicado, por meio de visitas, conferências e
5 A comunicação científica e os
seminários fechados, complementados por
pesquisadores
uma troca informal de material escrito.
Finalmente, perante as concepções de A organização da ciência sob a
“colégio invisível” de Price, de “crédito científi- forma que nós vivemos hoje – a pesquisa
co” de Bourdieu e de “credibilidade e legiti- científica – remonta ao século XVII e a idéia
midade científica” de Latour e Woolgar, é foi anunciada na Nova Atlântida por Francis
válido mencionar que Nietzsche em Huma- Bacon (1979), o filósofo impulsionador do
no, demasiado humano (1878), talvez tenha pensamento científico moderno, para quem
sido o introdutor dessas concepções – sob o a ciência podia e devia ser organizada e
rótulo de “oligarcas do espírito” – tomando aplicada a fim de transformar e melhorar
como referência a civilização grega e, em as condições de vida dos homens.
particular, os filósofos gregos. Vejamos: A Nova Atlântida – que recebeu esse
Nas esferas da cultura superior terá de nome para se contrapor à Atlântida men-
haver sempre, sem dúvida, um domínio – cionada por Platão na República, contra-
mas esse domínio, de agora em diante,
pondo ainda o rei-cientista ao rei-filósofo
está nas mãos dos oligarcas do espírito.
Eles formam, a despeito de toda separação de Platão, como o Novum Organum, se con-
espacial e política, uma sociedade solidária, trapôs ao Organum de Aristóteles – é um
cujos membros se conhecem e se reco- clássico da língua inglesa e oferece uma
nhecem, sejam quais forem os estimativas visão profética: a ciência é uma obra coleti-
favoráveis e desfavoráveis que a opinião
va, necessitando de muitos pesquisadores
pública e os juízos dos escritores do dia e
do tempo que atuam sobre a massa pos- que recolham material para ser analisado
sam pôr em circulação. A superioridade pelos especialistas; a ciência não pode ser
intelectual, que antes separava e inimiza- feita a priori, a partir de afirmações teóricas;
va, costuma agora ligar: como poderiam mas sim, a partir de contato com os fenôme-
os indivíduos afirmar a si mesmos e em
sua própria rota nadar pela vida contra
nos reais, por meio da investigação empíri-
todas as correntezas, se não vissem seus ca; a ciência tem finalidade essencialmente
semelhantes, aqui e ali, vivendo sob con- prática, como curar doenças e aumentar a
dições iguais e se não agarrassem suas longevidade e fabricar máquinas de vários
mãos, em combate, tanto contra o caráter tipos, inclusive para voar e navegar sob a

16 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


água. Com esta visão empirista, Bacon Nesse cenário, a correspondência re-
inaugurou uma nova compreensão do presentava um papel primordial nas trocas
mundo e da realidade. entre os cientistas e também o momento
Em Nova Atlântida, encontramos a do aparecimento das primeiras revistas cien-
descrição de um naufrágio de um grupo tíficas.
de marinheiros que chegam a uma costa A data oficial de aparecimento da
habitada por um povo particularmente sá- primeira revista científica é 1665, quando
bio. Essa sociedade se interessava muito apareceram simultaneamente, na França,
pelos avanços da ciência e suas aplicações o Journal des Sçavans (ou Journal des
técnicas, a ponto de possuir uma sociedade Savants, conforme grafia atualizada no
científica encarregada de compilar e desen- começo do século XIX) e, na Inglaterra, o
volver o conhecimento que pudesse ser útil Philosophical Transactions of the Royal
para ajudar os indivíduos a viver melhor. Society of London, fundado por uma socie-
Chamada de “Sociedade da Casa de dade científica.
Salomão” – por seu nome se entende que Henry Oldenburg (1615-1677), pri-
a pesquisa e a utilidade estão relacionadas meiro secretário da Royal Society e admira-
ao religioso – este agrupamento havia sido dor de Bacon, foi quem criou o Philosophical
instituído para o “estudo da verdadeira Transaction of the Royal Society of London.
natureza de todas as coisas e para que Para Meadows (1999, p.6), “Oldenburg era
Deus recebesse maior glória em suas obras um infatigável escritor de cartas destinadas
e os homens mais frutos no emprego delas”. a correspondentes tanto do país quanto do
Dessa perspectiva, o valor da ciência será exterior. Nascido na Alemanha, era um po-
medido em virtude de suas aplicações na
liglota consumado e atuava como um cen-
solução de problemas práticos e no melho-
tro de difusão de informações sobre novas
ramento da vida humana em geral. É o que
idéias e pesquisas”. Com o aumento do
hoje se entende por tecnologia.
volume da correspondência, esta passou a
Desde a segunda metade do século
ser um ônus enorme e a “solução mais
XVII, o projeto científico baconiano teve seu
óbvia seria fazer uma publicação impres-
impulso na Royal Society, sociedade que
sa, com as cartas mais importantes, e distri-
agrupou os pesquisadores mais destaca-
buí-la”.
dos da Ilustração britânica, entre eles Robert
O aparecimento dessas duas revis-
Boyle, John Wilkins, William Petty e Isaac
Newton (1642-1727) que chegaria a ser seu tas, no século XVII, foi conseqüência de um
presidente por vinte anos. longo período de mudanças informais de
Esse é o contexto histórico do apareci- correspondência entre pesquisadores. Sua
mento das academias, como a Royal Society criação deveria resolver os problemas de
em Londres e a Académie des Sciences em rapidez de difusão de conhecimentos, de
Paris, e com as quais – criadas pelo poder po- imparcialidade, de prioridade e de maior
lítico – a pesquisa é oficialmente reconhecida. visibilidade dos trabalhos de pesquisa.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 23, p. 11-27, jan./jun. 2007. 17


Guédon (2001) ressalta que o no cenário científico, traziam nítidas diferen-
Philosophical Transactions – algumas ve- ças de conteúdo e intenções.
zes afetivamente referido como Phil. Trans. O título completo do periódico da
– tornou-se uma instituição venerável. O au- Royal Society – Philosophical Transactions:
tor assinala, no entanto, que a razão de esse giving some accompt of the present
periódico ser regularmente comparado com undertakins, studies and labours of the
o Journal des Sçavans, como se as duas ingenious in many considerable parts of the
publicações fossem irmãs gêmeas, tem uma world – sugere cobertura igualmente ampla.
explicação, assinalando que ele próprio Meadows (1999, p.6-7) refere que, por
cometeu esse erro alguns anos atrás. A raiz sua vez, o Journal des Sçavans verificou que
dessa confusão tem a seguinte explicação: era impossível manter o amplo leque de
Enquanto é óbvio que as duas publica- temas com que havia começado e passou
ções fossem periódicas, divididas em filo- a se concentrar basicamente em temas
sofia natural, e tivessem aparecido sem não-científicos, podendo-se considerá-lo o
um intervalo de meses entre uma e outra,
“precursor do periódico moderno de huma-
não é tão claro que realmente tivessem
objetivos similares. A publicação francesa nidades” enquanto o “Phil. Trans. é o pre-
refletia um pouco de “amenidades”, novos cursor do moderno periódico científico”.
padrões de orientação de trocas de cor- Ben-Romdhane (1996, p.19) assinala
respondências que eram típicas da que, ao lado dos periódicos, encontram-se
Republique des Lettres e assim, atualmen- as monografias que reúnem os trabalhos
te, ficava próxima de alguma coisa como
Scientific American tanto quanto uma
submetidos a discussão pelo viés da corres-
moderna revista escolar e parecia firme- pondência e os artigos já publicados nas
mente enraizada na emergente arte do revistas. Durante esse período, e com o cres-
jornalismo científico. Ainda que o Journal cimento do número de manuscritos subme-
ocasionalmente publicasse artigos origi- tidos às sociedades científicas, a espera do
nais, eles apareciam como uma expres-
exame desses artigos tornou-se insuportá-
são particular de notícias entre outros ti-
pos de notícias. Em contraste, Phil Trans, vel. Foi para lutar contra essa demora que
embora também se dividisse com novas apareceram os primeiros periódicos especia-
informações, realmente objetivou a cria- lizados, independentes das sociedades. É
ção de um registro público das contribui- assim que o aspecto formal do artigo cien-
ções originais do conhecimento. Em outras
tífico evoluiu com maior ou menor precisão.
palavras, a publicação parisiense seguiu
a novidade enquanto a revista de London Como apontamos até aqui, estes an-
ajudou a validar a originalidade. Encon- cestrais do periódico científico moderno
tra-se nisso a diferença significativa (e asseguraram a proteção de descobertas, a
profunda) entre os dois periódicos aprovação pelos pares e ainda as garantias
(GUÉDON, 2001).
para as promoções e as carreiras científicas.
Meadows (1999) também relata esta A comunicação e pesquisa científica
diferença entre as duas publicações científi- estão estreitamente ligadas e na verdade
cas que, embora surgidas simultaneamente são complementares, pois sem pesquisa

18 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


não há nada a comunicar e, sem comunica- os congressos e colóquios que irão permitir
ção, a pesquisa não avança. uma comunicação oral – depois escrita sob
As práticas de comunicação científica a forma de atas do congresso – de trabalhos
diferem de uma disciplina para outra, sendo em fase final de desenvolvimento. Essas
que algumas, do ponto de vista da eficiência comunicações orais permitirão obter um
da comunicação, estão mais avançadas do retorno de outros pesquisadores e um con-
que outras. Por esse motivo, a comunicação tato com editores e outros parceiros para
científica não pode ser apreendida senão as publicações e manifestações futuras.
no quadro das diferentes disciplinas e sua Finalmente, o artigo publicado em
definição compreende-a como uma cons- uma revista (ou em um livro) corresponderá
trução social localizada e historicizada, con- à finalização de uma pesquisa com o reco-
forme atesta Pignard (2000, p.20). nhecimento oficial de uma comunidade de
A comunicação entre pesquisadores pesquisadores. O artigo será, primeiro, sub-
não se limita à entidade do laboratório, mas metido a um comitê científico associado a
se estende às trocas fora dele. Além do labo- uma revista e, muito freqüentemente, as
ratório, é a comunidade de pertencimento a primeiras versões serão distribuídas simul-
entidade pertinente de análise, uma vez que taneamente para um reconhecimento para-
lelo, mais rápido e interativo. Uma vez acei-
reagrupa as trocas entre colegas, sob todas
to, o artigo será publicado na revista e de-
as formas, escritas, orais, formais e informais,
pois mencionado nos serviços de referênci-
e até mesmo as trocas informatizadas.
as: sumários correntes e bases de dados
Chartron (1997) decompôs a ativida-
bibliográficos ou de texto completo.
de comunicacional do pesquisador em mui-
Vetor da comunicação da informação
tas fases e menciona que, quando uma pes-
científica validada, a revista se posiciona
quisa se inicia, o pesquisador começa uma
então, ao lado de outros vetores de trocas,
fase importante de comunicação informal
na função de comunicação científica.
em que se multiplicam discussões, encon- Federico Mayor (1996), em conferên-
tros, visitas, trocas de correio eletrônico ou cia internacional sobre a publicação eletrôni-
não. ca no contexto das ciências, mencionou que,
Segundo Chartron (1997) esta cons- sem comunicação, a pesquisa não avança
trução social está facilitada, hoje, pelos e reafirmou a estreita ligação entre comuni-
meios de comunicação eletrônico e é cação e pesquisa científica, assinalando que
identificada pela mencionada noção de “co- A ciência não é nada se ela não se comu-
légios invisíveis”, desenvolvida nos traba- nica. Sem o intercâmbio regular de idéias
lhos de Derek de Solla Price (1969), consti- e a realização de testes de raciocínios, hi-
tuídos pela rede de relações que o pesquisa- póteses e teorias, não se pode ter nem
dor mantém com os colegas de seu labo- desenvolvimento do pensamento científico
e nem avanços da pesquisa. A transmissão
ratório ou de outros. de idéias e conhecimento é uma das ne-
As outras fases da atividade de co- cessidades humanas mais fundamentais
municação do cientista são os seminários, (MAYOR, 1996).

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 23, p. 11-27, jan./jun. 2007. 19


Essa é uma característica do meio legitimidade e de reconhecimento, que são
científico ou da profissão do pesquisador e traduzidos de maneira científica pela busca
sobre ela assim se manifesta Day (1998), de credibilidade dos pares ou de citações
no prefácio de sua obra: em outros artigos e, do ponto de vista eco-
Não é necessário que o soldador escreva nômico, pela atribuição de bolsas, subven-
sobre os materiais que ele repara, nem ções, etc. Essa necessidade de publicar pode
que o advogado escreva sobre suas defe- ser traduzida pela célebre máxima “publish
sas (salvo, talvez, de pequenos textos pon-
or perish” (publique ou pereça).
tuais), mas o cientista – caso sem dúvida
único entre as ocupações e profissões –
A principal característica das revistas
deve fornecer um documento mostrando científicas é que elas concorrem para a ava-
o que ele fez, por que ele fez, e como ele liação dos pesquisadores, ou seja, a pu-
fez e quais os ensinamentos extraídos. blicação faz parte do sistema de reconheci-
Assim, o cientista não somente deve “fa- mento científico. Existem diferentes méto-
zer” a ciência, mas “escrever” a ciência
dos de análise quantitativa das publicações:
(DAY, 1998).
as análises de citações e de co-citações de
Essa afirmação de Day ilustra como,
autores, os cálculos estatísticos de impacto
no seio da comunidade científica, a infor- das revistas e as análises de palavras asso-
mação passa essencialmente pelo viés das ciadas. Esses métodos estão consolidados
publicações científicas. Hoje, elas ocupam nas análises bibliométricas, informétricas e
um lugar primordial na pesquisa e consti- cientométricas.
tuem o próprio objetivo da pesquisa cientí- Outra característica das revistas cien-
fica, uma vez que um pesquisador é geral- tíficas é o controle da qualidade das infor-
mente avaliado por suas publicações. mações comunicadas: a revista é associada
Como refere Pignard (2000, p.22), a a uma estrutura de validação identificada
necessidade de publicar artigos responde, por um comitê editorial composto de pesqui-
portanto, às exigências científicas: expor os sadores reconhecidos em seu domínio. Este
resultados de seu trabalho, demonstrá-los, processo de validação é chamado “contro-
explicar os percursos metodológicos etc. le pelos pares”.
Neste contexto, as revistas representam o Além de sua função de difusão dos
meio privilegiado de comunicação da infor- trabalhos de pesquisa e de avaliação dos
mação científica e dos resultados dos tra- pesquisadores, as revistas científicas desem-
balhos; notadamente no domínio das ciên- penham um papel de manutenção da pro-
cias exatas, em que as monografias são priedade intelectual, uma vez que elas vão
relativamente raras e ficam, a maior parte se consolidando como um meio de regular
do tempo, reservadas a obras pedagógi- o problema da prioridade entre os pesqui-
cas ou de divulgação científica, ou ainda a sadores (a data de uma descoberta cientí-
relatórios de conferências (os proceedings). fica é estabelecida pela sua data de publi-
Como já mencionado, o ato de publi- cação) e da propriedade intelectual das des-
car se inscreve no esquema da busca de cobertas científicas.

20 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


Finalmente, como refere Pignard área Educacional brasileira e, especifica-
(2000, p.24), as revistas científicas são o pi- mente, sobre o campo da pesquisa nesta
área do conhecimento (VIEIRA, 2003, p.168).
lar, em longo prazo, da escrita da ciência.
Os periódicos científicos constituíram a me- Para traçar a configuração da área
mória da ciência por sua função de arquivo, de pesquisa em educação, Vieira remete-
assegurada pela rede de bibliotecas que per- nos ao longo período que vai da história
mite a conservação das revistas impressas. colonial no país até os anos 1930. Observa-
se que neste período não havia um esforço
6 Comunidade científica na área sistemático de produção de conhecimento,
de Educação: primeiras o que só vai se esboçar a partir dos anos
aproximações 1930, juntamente com o processo de insti-
tucionalização das Ciências Humanas e
Em A era dos extremos (1995), obra Sociais no país. Neste momento, destaca o
que se tornou referência sobre a história do papel de Anísio Teixeira que, à frente da
século XX, Hobsbawn assinala que a com- Diretoria de Instrução Pública do Distrito
preensão de determinados fenômenos da Federal, nos 1930 a 1935, cria um espaço
realidade necessita de conhecimentos re- próprio para a pesquisa educacional, culmi-
trospectivos. As histórias das mudanças nando com a criação, em 1938, do Institu-
sociais e econômicas ocorridas naquele to Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep).
século só foram possíveis devido à diversi- Como é de amplo conhecimento na
dade de fontes de informação, entre elas a literatura da área de educação, inaugura-
sua própria vivência de historiador, a opi- se aqui a primeira fase de implantação da
nião de colegas, a imprensa diária ou perió- pesquisa em educação no Brasil, sendo que
dica, os relatórios econômicos e também a fase de implementação se dá posterior-
outras pesquisas já realizadas. mente, em 1956, no interior do próprio Inep,
Vieira (2003), apoiado na literatura com a criação do Centro Brasileiro de Pes-
sobre pesquisa em educação, destaca as quisa Educacional (CBPE) e dos Centros
implicações da concepção de Anísio Teixeira Regionais de Pesquisas Educacionais
sobre as relações entre ciência e educação (CRPE). Como refere Vieira (2003, p.171),
assim como as dificuldades verificadas no sob a gestão de Anísio Teixeira a pesquisa
processo de formação dos intelectuais da educacional ganhou institutos, recursos e
área. Este entendimento é reforçado quan- quadros próprios.
do se considera que o lugar institucional As atividades e o ideário do CBPE e
ocupado por Anísio Teixeira, ou seja, do CRPE de São Paulo – órgãos do Inep –
(...) a sua vinculação ao grupo dos pioneiros, durante o período 1951-1956 foram anali-
a sua capacidade de organização e de lide-
sados por Cunha (2002) que estabelece
rança, a sua visão estratégica do lugar da
educação na sociedade, a sua interlocução algumas relações entre a atuação desses
com o pragmatismo são alguns fatores que órgãos e as principais características da
possibilitaram a sua ascendência sobre a administração Juscelino Kubitschek, em par-

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ticular no que se refere à ideologia desen- sempre se pautou pelo desenvolvimento e
volvimentista adotada no período. O autor consolidação do ensino de pós-graduação
detém-se na atuação do CBPE e do CRPE e da pesquisa na área da Educação no
de São Paulo, destacando os esforços des- Brasil. Desde então se tornou importante
tes órgãos para a “formação de quadros fórum de debates das questões científicas
para a educação, desenvolvimento de pes- e políticas da área, tendo se tornado refe-
quisas e divulgação de idéias por meio de rência para acompanhamento da produção
seus boletins” (CUNHA, 2002, p.134). brasileira no campo educacional.
Conforme Buffa e Nosella (2006), Suas atividades são estruturadas em
dois fatores relevantes contribuíram para programas de pós-graduação em educa-
essa caracterização que se sintetizou na ção stricto sensu e nos grupos de trabalho
expressão educação e sociedade: (GTs) que congregam pesquisadores interes-
processo de elaboração da LDB aprovada sados em áreas de conhecimento especia-
em 1961, e à expansão do ensino superi- lizado da educação. Ao longo desses quase
or, a partir de 1950, pelo interior do Estado, trinta anos de atuação, os GTs da Anped
com a criação dos seis primeiros Institutos
têm propiciado a discussão de diversas te-
Isolados de ensino superior (futura UNESP).
máticas, desde aquelas ligadas aos funda-
Ainda, segundo Buffa e Nosella (2006),
mentos históricos, sociológicos, econômicos,
são sempre lembrados os nomes de pro-
filosóficos e políticos da educação até as
fessores tais como: Laerte Ramos de Car-
valho, líder do grupo, Roque Spencer mais recentes, entre elas os estudos sobre
Maciel de Barros, José Mário Pires Azanha, a questão do gênero, sexualidade e educa-
Heládio César Gonçalves Antunha, João ção, educação ambiental e de afro-brasi-
Eduardo Rodrigues Villalobos, Maria de leiros. As reuniões anuais da Anped cons-
Lourdes Mariotto Haidar e, no interior, tituem-se, assim, em espaço privilegiado de
Casimiro dos Reis Filho (da FFCL de São
José do Rio Preto) e Rivadávia Marques discussão dessas temáticas. Além disso, a
Júnior, Jorge Nagle e Tirsa Regazzini Peres entidade tem, ao longo dos anos, divulgado
(da FFCL de Araraquara). trabalhos com característica de balanço da
A implantação dos programas de atuação dos seus Grupos de Estudo, os
pós-graduação no País, nos anos 1970, quais oferecem importantes contribuições
trouxe um crescimento da produção cientí- para se acompanhar os temas, problemas
fica nacional. Na área da educação, a situa- e a produção científica dessas sub-áreas de
ção não foi diferente. A divulgação dos re- conhecimento.
sultados de pesquisa, através dos canais Como refere Gatti (2003), o campo
formais (artigos científicos) e informais (teses de estudos em educação abrange um gran-
e dissertações, comunicações em anais de de conjunto de sub-áreas com característi-
eventos científicos) comprovam a intensi- cas distintivas e objetos de estudo diferentes
dade da pesquisa em educação. (por exemplo, história da educação, g estão
A Associação Nacional de Pesquisa escolar, políticas educacionais, sociologia da
e Pós-Graduação – Anped, criada em 1976, educação, currículo de ensino, etc). Assim,

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como refere a autora, “não é trivial” refletir Levantamentos preliminares sobre o
sobre a pesquisa no campo da educação, universo da pesquisa em educação no país
e para tanto é preciso compreender que o – tendo como referência os dados do
campo da educação subsistiu muito tempo Diretório de Grupos de Pesquisa/CNPq –
e ainda hoje subsiste pela apropriação de Censo de 2004 – (http://dgp.cnpq.br/cen-
estudos produzidos em áreas afins, como so2004/) fornecem uma macro-dimensão
a psicologia, a antropologia, a sociologia, do campo da pesquisa em Educação no
a economia, sem colocar estes estudos sob País, pois revelaram a existência de 1.194
o crivo de uma perspectiva própria. grupos, 2.990 linhas de pesquisa e 6.499
Quando se reflete sobre perfil da co- pesquisadores (súmula estatística). Esses
munidade científica em Educação no país, dados ainda podem ser filtrados possibili-
esses argumentos revestem-se de importân- tando análises – quantitativas e qualitati-
cia, pois indicam que devemos buscar ou- vas – e discussão das atividades científicas
tras fontes de informação além daquelas realizadas pelos grupos de pesquisa, sua
oferecidas pela associação da área. distribuição geográfica e institucional, os te-
Nesse contexto, desde 1992, uma im- mas de pesquisa, os padrões de divulgação
portante base de dados de informações so- de resultados das pesquisas e a relevância
bre a pesquisa e os pesquisadores vem sen- social das pesquisas realizadas.
do produzida no país por iniciativa do CNPq: Destaca-se que o caráter censitário
o Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil do Diretório permite o aprofundamento do
que se constitui de bases de dados (censitá- conhecimento dos grupos de pesquisa e
rias e corrente) com informações sobre os dos pesquisadores em Educação por meio
grupos de pesquisa em atividade no País, já das inúmeras possibilidades de estudos
tendo realizado até hoje seis censos (1993, empíricos, entre os quais aqueles referentes
1995, 1997, 2000, 2002 e 2004). Além de se ao financiamento ou à avaliação qualitati-
constituir instrumento para o intercâmbio e va da produção científica e tecnológica
a troca de informações entre os pesquisado- desenvolvida no País.
res, os dados constantes no Diretório permi- Nesse contexto da avaliação da
tem descrever com precisão os limites e o produção científica dos grupos de pesqui-
perfil geral da atividade científico-tecnológica sa em Educação, é possível conduzir análi-
no Brasil. Ademais, as informações constan- ses com base nos dados do Diretório de
tes nas bases dizem respeito aos recursos Grupos de Pesquisa no Brasil/CNPq. Pes-
humanos constituintes dos grupos, às linhas quisas anteriores conduzidas por Guima-
de pesquisa em andamento, às especialida- rães, Lourenço e Cosac (2001) e Prado e
des do conhecimento, aos setores de aplica- Sayd (2004) também procuraram, respecti-
ção envolvidos, à produção científica e tecno- vamente, retratar a pesquisa em
lógica e aos padrões de interação com o setor epidemiologia no país e a pesquisa sobre
produtivo, sendo que cada grupo é situado envelhecimento humano, utilizando como
no espaço e no tempo. fonte de dados o Diretório.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 23, p. 11-27, jan./jun. 2007. 23


Conforme referem Guimarães, Lou- um determinado ramo do conhecimento,
renço e Cosac (2001, p.323), a definição permite dignificar o saber quando métodos
mais importante na constituição da base confiáveis e sistemáticos são utilizados para
de dados do Diretório é a de sua unidade mostrar à sociedade como tal saber vem
de análise, que é o grupo de pesquisa. Este se desenvolvendo e de que forma tem con-
se define como um conjunto de indivíduos tribuído para resolver os problemas que se
organizados hierarquicamente, no qual o apresentam dentro de sua área de abran-
fundamento organizador dessa hierarquia gência. Nesse contexto, a avaliação cientí-
é a experiência, o destaque e a liderança fica constitui elemento importante para co-
no terreno científico e tecnológico. Além dis- nhecer a expertise e o conhecimento exis-
so, existe envolvimento profissional e per- tentes nas instituições de pesquisa e produ-
manente do grupo com atividades de pes- zidos pelos grupos de pesquisa. A avaliação
quisa e o trabalho se organiza em torno de também funciona como instrumento para
linhas comuns de pesquisa. Seus integran- tomada de decisões sobre a alocação de
tes, em algum grau, compartilham instala- recursos e investimentos e a capacitação
ções e equipamentos e os resultados das de recursos humanos, permitindo orientar
pesquisas são divulgados em eventos e as pesquisas para atendimento das neces-
publicações científicas da área. sidades da sociedade.
O Diretório de Grupos de Pesquisa/ No Brasil, a avaliação da pós-gra-
CNPq também apresenta os indicadores duação e, por decorrência da pesquisa
quantitativos da produção científica dos realizada no seu âmbito, é realizada pela
grupos. Com base nesses indicadores é Capes. Ao longo dos anos vários foram os
possível realizar estudos voltados para a padrões de avaliação adotados por essa
análise qualitativa das atividades e da agência de fomento e em todas as vezes
produção científica dos grupos de pesqui- que a avaliação ocorreu – o que inclui ava-
sa em educação procurando identificar, liar a produção científica – sempre provo-
entre outros, os temas mais pesquisados, cou inúmeras discussões entre a comuni-
as parcerias científicas, as metodologias dade científica, devido, principalmente, ao
adotadas nas pesquisas desenvolvidas e fato de que os instrumentos de medição
as contribuições teórico-metodológicas para adotados são, em sua maioria, quantitati-
a área. vos, restando pouco espaço para uma ava-
Esse entendimento traz implícito o liação qualitativa o que, no entender dessa
conceito de avaliação. Ou seja, para anali- comunidade, acaba por prejudicar a avali-
sar as atividades e a produção científica dos ação como um todo.
grupos de pesquisa em Educação – como No caso específico da área de Educa-
se propôs até aqui – é necessário explicitar ção, inserida na grande área de Ciências
o que se entende por avaliação da produ- Humanas, a situação não é diferente. Nessa
ção científica. Compartilhamos com Vanti comunidade de pesquisadores muito se tem
(2002, p.152) que a avaliação, dentro de discutido sobre a avaliação da produção

24 Carlos R.M. HAYASHI; Amarílio FERREIRA JÚNIOR. A comunidade científica em...


científica.. O trabalho de Axt (2004, p.60) entre produção de conhecimento e produ-
lança luzes sobre a questão, ao trazer para tividade científica, ou seja, ambas são par-
o centro dessa discussão três aspectos, tes de um processo que deve ser realizado
enfocando-os da perspectiva do pesquisa- de maneira integral de forma a envolver os
dor: “indicadores de produtividade do pes- principais atores envolvidos: a universida-
quisador; indicadores de qualidade defini- de e os centros de pesquisa, os pesquisa-
dos pelos QUALIS das áreas; e a ressusci- dores, os gestores institucionais, entre ou-
tada taxa de bancada do CNPq” A autora tros. Só assim é possível ampliar a discus-
argumenta que são de modo a contemplar, na avaliação,
(...) se a avaliação é condição necessária múltiplas variáveis e não apenas a mais
para o crescimento da excelência na Pes- evidente: a produção científica.
quisa e na formação Pós-Graduada, não é,
contudo, condição suficiente: cabe criar
Nota
condições de possibilidade na instância
1
micropolítica para, com base em avaliações Encontramos em textos científicos a terminologia
coletivas de conjunto, propor estratégias de “bourdieusiana” e “bourdieana” para qualificar as
intervenção que trabalhem no engen- teorias de Bourdieu. Neste trabalho adotamos a pri-
dramento de novos agenciamentos, na meira, tendo em vista que utilizamos na revisão de
contracorrente do pensamento homogêneo, literatura alguns textos em língua francesa em que
individualizante e de competição excludente. o termo empregado é “bourdieusienne” que tradu-
Finalizando, cabe mencionar ainda zimos por “bourdieusiana”.
que no contexto da avaliação há diferenças

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Recebido em 25 de julho de 2006.


Aprovado para publicação em 24 de setembro de 2006.

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