Você está na página 1de 7

O EVANGELHO SEGUNDO OSÉIAS (PARTE 1)

Introdução

Martinho Lutero nos diz que toda a Escritura está manchada pelo sangue de Cristo, e
proclamar o amor de Deus em Cristo. Porém o livro de Oseias apresenta de forma
singular no Antigo Testamento extraordinário e gracioso amor de Deus. A parte do
evangelho não encontramos nenhuma narrativa de um amor tão extraordinário e
fascinante como encontramos no livro de Oseias. Obviamente, não me refiro ao insistente
amor de Oseias pela sua insólita e infiel esposa. Me refiro a extraordinária história de
amor por trás de Oseias e Gômer. Neste pequeno livro profético encontramos a
maravilhosa história da redenção amorosa de Deus. Aqui Deus revela o seu amor
imensurável que escapa de toda a compreensão humana. Ainda que a história do amor
de Oseias possa nos chocar, a história para qual o livro de Oseias aponta e muito mais
chocante e insondável. Numa perspectiva humana jamais poderemos compreender a
profundidade desse insistente amor de Deus manifestado em Cristo pela sua noiva.

Os Dias em que viveu Oseias

Quando Salomão morreu, por volta do ano de 931 a.C as dez tribos inaugura um novo
regime, rejeitando a linhagem real de Davi. O reino do Norte, autodenominado israel
adotou um modo de adoração sincrética, uma mistura das praticas judaicas genuínas com
as praticas pagãs dos cananeus. A vida religiosa das dez tribos do Norte já estava
contaminada antes da divisão do reino davídico e se acentuo ainda mais quando
proclamaram independência. A aproximação do reino do norte com o paganismo tornou-
se cada vez mais evidente o que levou ao reino de israel a desvios constantes e
desabilitabilidades sociais. Porém quando Oseias iniciou seu ministério profético o reino
do Norte desfrutava de um período de grande prosperidade. Entretanto a prosperidade de
Israel não lhes favorecia :

O progresso econômico inflou a autoconfiança dos líderes da nação e eles se tornaram


gananciosos e autoindulgentes. Consequentemente, viraram as costas para Deus, uma
atitude que agravou a ira dele contra eles. O sucesso econômico e social era
acompanhado pela pobreza e pela injustiça na terra, ao contrário do que exigia a aliança.
A diferença entre o rico e o pobre tinha se tornado de tal modo grande que os pobres
foram reduzidos à posição de trabalhadores forçados/escravos e as classes mais altas
adotando um estilo de vida crescentemente esbanjador. Os ricos estavam prontos para
usar a sua nova riqueza de maneira impiedosa, para corromper os vereditos nas cortes:
“eles vendem os justos por prata e o necessitado por um par de sandálias” (Am 2.6);
“vocês que transformam a justiça em absinto e deitam por terra a justiça” (Am 5.7); “pisam
sobre o pobre… recebem suborno e desviam os necessitados no portão” (Am 5.11–12).
Os políticos de Israel esperaram encontrar uma maneira de manter o prestígio da nação
por meio de uma série de alianças com os poderes estrangeiros, mas essa foi uma
política auto condenatória, pois tratava-se de uma expressão de autoconfiança e rebelião
contra Yahweh.1
Quando Jeroboão morreu em 753 a.C. Israel ruiu internamente em partidarismo e disputa
e seis reis governaram a nação nos 33 anos antes de ela ser eliminada – Zacarias,
Salum, Menaém, Pecaías, Peca, Oseias. Oseias não chega a mencionar nenhum desses
reis que vieram após a morte de Jeroboão pois a maioria desses governantes era de
assassinos oportunistas que utilizaram o assassinato como uma arma política, matando
seus predecessores para ganhar o trono. As ações desses lideres enfraqueceram o reino
diante dos seus inimigos e apressaram a sua queda.

Mas o ministério de Oseias tem inicio em um momento que a queda ainda parecia
distante e o reino do norte estava desfrutado de um período de grande prosperidade
econômica devido à sua influência política na região, chegando próximo do nível
salomônico. Oseias aparece como uma voz solitária e impopular para uma nação surda,

1
pois, como escreveu Calvino: “naquele tempo o culto a Deus estava ali inteiramente
profanado, e a corrupção não havia se iniciado há pouco tempo; mas estavam eles tão
obstinados em suas superstições que não havia esperança nenhuma de
arrependimento”.2 Oseias remava contra a corrente anunciando um juízo eminente em um
período onde tudo parecia apontar para outra direção em vista da prosperidade em que
viviam, afinal estavam desfrutando da riqueza e do prestígio do reino expandido e não
estavam dispostos ao desafio para mudarem suas atitudes complacentes.

O grande pecado de Israel nesses dias era a idolatria. Em vez de se manterem  fiéis para
com Deus, uma vez que tinham em pacto com eles transgrediram a aliança(Oseias 8.1). A
aliança (berith) que Deus fez com Israel é comparado por Oseias a um casamento. A
figura do casamento usada para descrever a relação de uma dividade com um
determinado povo não era exclusiva do profeta, na verdade era muito comum no
paganismo dos dias de Oseias. Os cananeus, que habitavam nas circunvizinhanças de
Israel adoravam a Baal, cujo nome significa “meu marido”. Oseias, também não foi o
único profeta a usar a figura do casamento como uma forma da aliança entre Deus e seu
povo. Isaías de forma comovente se refere ao espantoso e imutável amor de Deus para
com Israel como a a esposa rejeitada que encontraria restauração nos braços de seu
amoroso esposo:

Não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás
humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do
opróbrio da tua viuvez. Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o
seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra.
Porque o Senhor te chamou como a mulher desamparada e de espírito abatido; como a
mulher da mocidade, que fora repudiada, diz o teu Deus (Isaías 54.4-6).

Oseias via, então Israel como uma esposa adultera que se prostituía diante dos postes de
Baal acreditando que era ele que controlava o clima e a fertilidade. Por isso Deus
prometeu castigá-los: Castigá-la-ei pelos dias dos baalins, nos quais lhes queimou
incenso, e se adornou com as suas arrecadas e com as suas jóias, e andou atrás de seus
amantes, mas de mim se esqueceu, diz o SENHOR (Oseias 2.13). E Deus compara a
idolatria com a infidelidade conjugal: O meu povo consulta o seu pedaço de madeira, e a
sua vara lhe dá resposta; porque um espírito de prostituição os enganou, eles,

2
prostituindo-se, abandonaram o seu Deus (Oseias 4.12). E a idolatria de Israel que dentre
outras coisas consistia em adoração a baal estava conformado o caráter aquela teologia
pagã. A idolatria é um pecado terrível porque o nosso caráter é conformado a aquele que
adoramos. A adoração a Deus promove santidade porque Deus é um Deus santo a
adoração a Baal promovia uma vida de ignorância e impiedade e é o que se via na nação
de Israel “ Ouvi a palavra do SENHOR, vós, filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma
contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem
conhecimento de Deus” (Oseias 4.1).A falta de conhecimento de Deus em Israel não
consistia no fato de não tinham a palavra ao seu alcance, mas porque eles decidiram não
conhecer a Deus.

A consequência dessa idolatria e rejeição a palavra de Deus fez de Israel uma terra de
degenerados espirituais e extremamente violenta “O que só prevalece é perjurar, mentir,
matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios” (Oseias
4.2). As ordens pactuais foram completamente ignoradas pelos contemporâneos de
Oseias como escreveu Mackay:

Não existe isso de vácuo espiritual: se as virtudes estiverem ausentes, então elas serão
substituídas por vícios. Oseias lista de modo resumido cinco mandamentos que
representam ordens pactuais que estavam sendo ignoradas pela comunidade. Os últimos
três termos são precisamente aqueles usados no Decálogo, embora a ordem varie (3, 9,
6, 8, 7 sendo a ordem dos mandamentos em Êx 20 que são citados aqui). De fato, a
evidência da quebra dessas ordenanças da aliança aponta para a total rejeição do pacto
(cf. Tg 2.10).3

Foi a essa audiência que Oseias enviado a pregar. Porém, é precisamente a luz desse
pano de fundo tão desolador que brilha mais intensamente a graça e a misericórdia de
Deus exemplificada não somente na mensagem mas também na vida do profeta Oseias.

Uma Mulher Adultera

Palavra do SENHOR, que foi dirigida a Oseias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão,
Acaz e Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel.

3
Quando, pela primeira vez, falou o SENHOR por intermédio de Oseias, então, o SENHOR
lhe disse: Vai, toma uma mulher de prostituições e terás filhos de prostituição, porque a
terra se prostituiu, desviando-se do SENHOR. (Oseias 1.1-2)

Pouco sabemos sobre Oseias, nada ele de era filho de Beeri e como o seu
contemporâneo, Amós, Oseias foi um profeta para o norte de Israel e casou com uma
mulher chamada Gômer. Por razoes obvias, a natureza do casamento de Oseias tem sido
motivo de muita controvérsia. Como é possível que Deus tenha pedido a um dos seus
profetas que se case com uma mulher impura? Deus havia proibido explicitamente que os
sacerdotes se cassasse com uma mulher imoral: Não tomarão mulher prostituta ou
desonrada, nem tomarão mulher repudiada de seu marido, pois o sacerdote é santo a seu
Deus (Levitico 21.7). Acaso essa instrução não se aplicaria aos profetas? Se Gômer era
prostituta conhecida pelo povo, casar-se com uma mulher assim não desqualificaria
Oseias para o ministério? Alguns defende que Deus estava ordenando que Oseias se
casasse com uma mulher que anteriormente fora prostituta. Outros afirmam que tomar
uma esposa de prostituição se referiria apenas a se casar com uma mulher do reino do
norte de Israel, uma terra que era culpada de adultério espiritual. Há ainda aqueles que
tentam resolver o problema defendendo que a narrativa no incio do livro de Oseias é uma
situação hipotética, uma linguagem simbólica. Porem, o casamento de Oseias não trata-
se de uma narrativa ficcional, criada para contar uma fábula, mas um relato de incidentes
da vida real, tão factuais quanto a própria má conduta de Israel. O contexto não indica
que Gômer e os seus filhos sejam outra coisa que não figuras históricas. Em qualquer um
dos casos, é óbvio que ela era uma mulher profundamente afetada pela negligência moral
de sua sociedade, e Deus pretendia usar o relacionamento pessoal do profeta com ela
como uma lição penetrante e objetiva de Seu próprio relacionamento com Seu povo infiel. 
Deus é retratado como um marido ciumento (2: 2-13) devido à infidelidade de sua esposa
Israel (como simbolizada por Gomer). Israel brincou de prostituta flertando com a idolatria
pagã (por exemplo, 4: 10-18; 5: 3-4; 6:10; 7: 4; 8: 4-6, 9; 9: 1, 10, 15; 10 : 5; 11: 2, 7;
12:11), bem como em suas alianças políticas imprudentes e imoralidade social injusta. No
entanto, Deus também é retratado como um marido fiel e amoroso, que anseia e está
disposto a perdoar Israel (2: 14-3: 5; 9: 1; 14: 4). Ao lemos o livro, logo se torna claro que
Oseias não foi ordenado a fazer qualquer coisa com respeito a Gômer que o próprio
SENHOR não havia feito em relação a Israel. A ênfase está no fato de que as
circunstâncias do casamento de Oseias ilustram vividamente o próprio relacionamento do
SENHOR com Israel. Em vez do relacionamento íntimo e harmonioso de comunhão que
poderia ter existido entre as partes dessa união, a infidelidade aconteceu. Mesmo assim
Deus não abandonaria seu compromisso com sua esposa infiel.

Gômer era filha de sua própria geração e deve ter participado em aberrações religiosas e
na infidelidade do Norte, de modo que ela não é diretamente descrita como alguém que
ganha sua vida oferecendo sexo em troca de compensação financeira. A palavra
traduzida por prostituição aponta para o fato de que Gômer, muito embora não fosse uma
prostituta profissional era notória pelo seu comportamento promíscuo. No entanto, tudo
indica que Oseias a amava mesmo sabendo que estava entregando seu coração a uma
mulher que iria trai-lo e humilhá-lo publicamente.

As pessoas se casam com a expectativa de dar amor e receber amor, mas Oseias não
tinha nenhuma razão para espera tal coisa. A palavra de Deus havia sido muito clara
“Oseias você entregara seu coração a uma mulher que lhe desprezara não importa o que
você faça por ela, Gômer seguira atrás dos seus amantes. Certamente tudo isso nos
parece demasiadamente chocante entretanto, a história por trás dessa história é mil vezes
mais chocante. Talvez o leitor fique mais chocado se eu lhe disse que você e eu somos
Gômer e Oseias não nada mais do que uma sobra imperfeita do nosso marido (Deus).
Quando Deus nos escolheu para ser seu desde a fundação do mundo ele não nos fez
porque nos achou atraente, ele conhecia perfeitamente o tipo de pessoa que nós
haveríamos de ser. Ele sabia que depois de redimidos nos muitas vezes seriamos
infiéis. Ele sabia que seriamos adúlteros porque cada cada pecado que um crente
comente é um adultério espiritual.

Cada pecado que nos cometemos é idolatria, nós estamos dizendo que isso (seja lá o que
seja isso) é mais satisfatório do que Deus. Todas as vezes que decidimos dar as costas a
Deus e momentaneamente ir atrás de outros amantes estamos cometendo adultério
espiritual. E quando Deus te escolheu antes da fundação do mundo já sabia e mesmo
assim nos escolheu para sermos recipiente de sua bendita graça. Pois como disse
o apóstolo Paulo “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e
pecados”(Efésios 2.1). Sim, eu sei que nos espata ler a ordem que Deus deu a Oseias,
mas o que mais deveria nos produzir espanto é o evangelho. Esse Deus santíssimo,
perfeitamente justo, que ordenou a Oseias casa-se com Gômer e esse mesmo Deus que
decidiu tomar uma mulher infiel como esposa. Mais ainda, sabendo de antemão o que
essa decisão iria lhe custar o seu próprio Filho.
Por: Josué Marcionilo

Mackai L. Jonh. Comentario do Antigo Testamento Oseias. Cultura Cristã. São


Paulo,2015, Pag. 11
Calvino Jonh. Comentário Sobre Oseias . http://www.monergismo.com/textos/livros/comentário-oseias-livro_calvino.htm . Pag.24
Mackay L. Jonh. Comentario do Antigo Testamento Oseias. Cultura Cristã. São Paulo,2015, Pag. 137

Você também pode gostar