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Teoria marxista do estado capitalista: uma

comparação entre Gramsci e Poulantzas


Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga
Publicado em 04/2011. Elaborado em 04/2011.
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 TEORIA DO DIREITO
 CIÊNCIA POLÍTICA
 FILOSOFIA DO DIREITO
 GERAL (FILOSOFIA DO DIREITO)

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Sumário: Capítulo 1 – A teoria de Gramsci sobre o Estado
capitalista:1.1) A evolução teórica em relação à visão marxista do Estado e a
revitalização do conceito. de superestrutura;.1.2) A definição gramsciana de
Estado e de poder;.1.3) O conceito de hegemonia;. 1.4) Crise de
hegemonia;.1.5) Guerra de movimento e guerra de posição;1.6) O papel dos
intelectuais;.1.7) Revolução passiva; .Capítulo 2 - A teoria de Poulantzas sobre
o Estado capitalista:.2.1) A definição de Poulantzas para o Estado capitalista e
sua crítica à visão marxista instrumentalista do referido Estado;.2.2) A unidade
política do Estado capitalista;.2.3) A autonomia relativa do Estado capitalista
em relação às classes sociais, inclusive as dominantes; 2.4) Explicação de
Poulantzas sobre a leitura histórica de Marx acerca da França de Luís
Napoleão (meados do século XIX) como exemplo concreto dos conceitos de
unidade política e autonomia do Estado capitalista; 2.5) Leitura marxista de
Poulantzas sobre a questão do totalitarismo;2.6) O bloco no poder;2.7) Leitura
marxista de Poulantzas sobre a questão da separação dos poderes e sobre a
predominância ou do Executivo ou do Legislativo um sobre o outro; 2.8) A
análise marxista de Poulantzas sobre a questão da burocracia; Capítulo 3 –
Semelhanças e diferenças entre as teorias de Gramsci e Poulantzas acerca do
Estado Capitalista: Capítulo 4 – Conclusão:Bibliografia:

Capítulo 1 – A teoria de Gramsci sobre o Estado capitalista:

1.1) A evolução teórica em relação à visão marxista do Estado e a


revitalização do conceito de superestrutura:

Em três pontos principais, Gramsci representou uma evolução, e não


uma ruptura, com o marxismo – leninismo tradicional e ortodoxo:

a) divergência em relação ao determinismo histórico marxista e ênfase


na importância da superestrutura (aspectos religiosos, culturais e ideológicos
da sociedade) para a dominação burguesa no capitalismo, e não somente no
papel da propriedade privada dos meios de produção e na relação de
exploração que ocorre entre burguesia e proletariado na base ou estrutura,
desfazendo, de certa forma, a tradição economicista do marxismo ortodoxo1,
embora reconhecendo que, em última instância, o componente econômico da
sociedade é determinante, sem, contudo, negar a influência dos elementos
ideológico e cultural, e reconhecendo a relevância destes últimos;

b) ampliação do conceito marxista de Estado;

c) consideração de que a sociedade civil está situada na


superestrutura, e não na estrutura, conforme afirmava Marx.

Gramsci apresentou uma visão evolutiva em relação ao materialismo


histórico de Marx e Engels. Segundo o referido materialismo histórico destes
últimos, de acordo com Magalhães (2001:75),

"as instituições sociais, políticas e culturais, as ideologias predominantes e


a própria consciência da coletividade são modeladas pelas relações
econômicas e pelas condições materiais – ou, em termos marxistas, a
superestrutura social é sustentada por uma base econômica. Marx e Engels
identificaram uma série de estágios históricos correspondentes ao
desenvolvimento progressivo da produção material, partindo do comunismo
primitivo, prosseguindo pela escravidão e pelo feudalismo, até chegar ao
capitalismo, o qual seria suplantado pelo socialismo e, por fim, pelo comunismo
avançado".
Segundo Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:253)

"Para Gramsci, a mudança histórica não pode ser entendida em termos de


um desenvolvimento linear simples (Comunismo inevitavelmente supera o
capitalismo), mas tem que ser julgada em toda a sua complexidade. Ela é
aberta e contingente e existem dimensões políticas, ideológicas e culturais que
são cruciais para o desenvolvimento da consciência. ‘Consciência’ aqui se
refere a mais do que a experiência econômica da exploração; ela envolve um
entendimento de como as pessoas estão sujeitas aos efeitos de visões
ideológicas concorrentes em relação ao mundo". Conclui-se, então, que, para
Gramsci, ao contrário do marxismo economicista tradicional, não é só o
aspecto econômico que merece consideração, os componentes
superestruturais, referentes à ‘consciência’ tais como a cultura, a religião, a
ideologia, as diferentes visões de mundo (burguesa e proletária) também são
importantes para explicar a dominação burguesa na sociedade capitalista. Os
argumentos anteriormente apresentados são enfatizados por Taylor, que
escreve que

"a chave para entender a originalidade teórica de Gramsci reside no fato


de que a propriedade privada dos meios de produção é uma base necessária,
mas não suficiente, para a dominação capitalista (...). Se quisermos entender a
complexidade de qualquer conjuntura particular, então é essencial, na opinião
de Gramsci, examinar as dimensões política, cultural e ideológica da luta de
classes. Então, enquanto ele estaria disposto a admitir que o curso básico da
história humana é explicado pelo desenvolvimento das forças produtivas, ele
também enfatiza que sua trajetória seria modelada de acordo com as
circunstâncias particulares de cada país (Gramsci, 1971, p.240)" (Taylor, in
Marsh & Stoker, 1995:253). Ainda sobre a importância atribuída por Gramsci à
superestrutura, o autor antes mencionado afirma que o pensador italiano
considera que "a luta pela consciência é tão importante quanto a luta pela
propriedade dos meios de produção" (Ibidem:254). Por fim, em relação ao
reconhecimento, por Gramsci, da preponderância do componente econômico
no funcionamento da sociedade capitalista, o mesmo autor escreve que
"Entretanto, apesar de Gramsci enfatizar intensamente a autonomia da
superestrutura, ele reconhece que ela está intimamente ligada às relações de
produção. Apesar da hegemonia ser ético-política, ‘ela também tem que ser
econômica, tem necessariamente que ser baseada na função decisiva exercida
pelo grupo líder no núcleo decisivo da atividade econômica’(Gramsci, 1971,
p.160)" (Ibidem:254).
Em relação ao segundo ponto, referente à ampliação do conceito marxista de
Estado, trata-se do aspecto de que "o Estado era muito mais do que o aparelho
repressivo da burguesia; o Estado incluía a hegemonia burguesa na
superestrutura" (Magalhães, 2001:101). Coutinho (1989:76 e 77) também se
refere a este assunto, que denomina de "A teoria ampliada do Estado em
Gramsci (conservação / superação da teoria marxista "clássica")" . De acordo
com ele,

"o Estado em sentido amplo, com novas determinações, comporta duas


esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de
"Estado em sentido estrito"ou de "Estado coerção"), que é formada pelo
conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o
monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os
aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar;
e a sociedade civil formada precisamente pelo conjunto das organizações
responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o
sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações
profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras,
meios de comunicação de massa)etc" (Coutinho, 1989:76 e 77). Ou seja, a
inovação promovida por Gramsci em relação à ampliação do conceito marxista
de Estado foi no sentido de que Marx concebia o Estado apenas como
sociedade política, como braço repressor da burguesia sobre o operariado, e
Gramsci passou a considerar o Estado como parte também da superestrutura
responsável pela imposição e difusão da hegemonia burguesa, embora tenha
reconhecido que o Estado capitalista é, também, braço repressor da burguesia
sobre o operariado, sendo, porém, mais do que isso.
Com referência à questão da sociedade civil, Carnoy (1988:92) escreve que
esta última, para Marx, é o "domínio das relações econômicas". Segundo o
mesmo autor a sociedade civil " engloba o conjunto do intercâmbio material dos
indivíduos, no interior de um estágio determinado de desenvolvimento das
forças produtivas. Ela engloba toda atividade comercial e industrial de um dado
estágio de desenvolvimento..." (Ibidem:92). Já Gramsci considerava que a
sociedade civil era "o conjunto dos organismos vulgarmente denominados
"privados""(Ibidem:93). A diferença entre Marx e Gramsci, segundo Carnoy
(1988:93) é que, "para Marx, a sociedade civil é estrutura (relações na
produção). Para Gramsci, ao contrário, ela é superestrutura, que representa o
fator ativo e positivo no desenvolvimento histórico; é o complexo das relações
ideológicas e culturais , a vida espiritual e intelectual, e a expressão política
dessas relações torna-se o centro da análise, e não a estrutura". Carnoy
também identifica nesse ponto a principal contribuição de Gramsci para a
renovação e evolução do marxismo:

"Foi em sua concepção de sociedade civil e sua elevação da hegemonia


burguesa a um lugar de destaque na ciência política que Gramsci foi além de
Marx, Engels, Lênin e Trotski. Ao fazê-lo, ele enfatizou de forma muito mais
aguda que os teóricos precedentes o papel da superestrutura na perpetuação
das classes e na prevenção do desenvolvimento da consciência de classe (...).
Ele atribuiu ao Estado parte dessa função de promover um conceito (burguês)
único da realidade e, conseqüentemente, emprestou ao Estado um papel mais
extenso (ampliado) na perpetuação das classes" (Carnoy, 1988:90 e 91).
1.2) A definição gramsciana de Estado e de poder:

De acordo com Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:254), "Gramsci argumenta que
‘o Estado consiste de todo um complexo de atividades políticas e teóricas com
as quais a classe dominante não somente justifica e conserva a sua
dominação, mas manobra para conquistar o consentimento ativo daqueles que
estão subjugados a suas regras’ (Gramsci, 1971, p.244)".

Sobre o conceito de poder, o mesmo autor informa que "A concepção de poder
é estendida para incluir ‘um vasto arranjo de instituições por meio das quais as
relações de poder são mediadas na sociedade: educação, a mídia de massa,
parlamentos e tribunais, todas são atividades e iniciativas que formam o
aparato político e cultural da hegemonia das classes dominantes’(Gramsci,
1971, p.244)" (Taylor, in Marsh & Stoker, 1995:254).

1.3) O conceito de hegemonia:

Magalhães (2001:101) define a hegemonia burguesa na sociedade civil


capitalista como sendo "o predomínio ideológico dos valores e normas
burguesas sobre as classes subalternas". Segundo o mesmo autor:

"Hegemonia pode ser entendida como a capacidade de direção intelectual


e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio,
consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se em classe dirigente e
obtém o consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas
impostas à vida social e política de um país.

Esse conceito gramsciano de hegemonia se desdobra em dois significados


distintos, a saber:

. o processo na sociedade civil pelo qual uma parte da classe dominante


exerce o controle, através de sua liderança moral e intelectual, sobre outras
frações aliadas da classe dominante, na medida em que é capaz de articular
todos esses segmentos;

. o processo pelo qual uma classe dominante assim constituída é capaz de


usar sua liderança política, moral e intelectual para impor sua visão de mundo
como inteiramente abrangente e universal, moldando os interesses e as
necessidades dos grupos subordinados"(Ibidem:102). Portanto, a hegemonia
tem um componente horizontal (intra classe dominante) e um componente
vertical (classe dominante sobre classe dominada).
Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:253 e 254) escreve que "De acordo com
Gramsci, o domínio de uma classe particular contém duas dimensões
separadas: coerção (dominação), e liderança social-moral. Hegemonia se
refere ao modo como a dominação de classe não é baseada simplesmente na
coerção, mas na aquiescência cultural e ideológica das classes subordinadas.
O político não pode, portanto, ser entendido como sendo força ou
consentimento: ele é ambas as coisas, força e consentimento. Nesse contexto,
uma classe pode ser considerada hegemônica quando tiver conquistado o
consentimento ativo das classes subordinadas".

Carnoy (1988:93) afirma que "a hegemonia significa o predomínio ideológico


das classes dominantes sobre a classe subalterna na sociedade civil. ‘A
originalidade de Gramsci, como marxista, fundamenta-se em parte no seu
conceito da natureza do domínio burguês (...); em seu argumento de que a
força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no
poder coercitivo do seu aparelho de Estado, mas na aceitação por parte dos
dominados de uma concepção de mundo que pertence aos seus dominadores’
(Fiori, 1970, 238)".

Pode-se depreender, então, que a hegemonia, para Gramsci, consiste no fato


de a classe subalterna, dominada, na sociedade capitalista, o proletariado,
considerar como sendo seus os valores e a ideologia da classe burguesa, que
é a camada dominante da estrutura social capitalista. Para o referido pensador
é esta submissão, por parte do operariado, à visão de mundo da burguesia, o
elemento principal da dominação burguesa na sociedade capitalista, e não a
esfera econômica das relações sociais de produção. Em suma, a hegemonia
consiste no fato de, na sociedade capitalista, a classe dominante conseguir
convencer, persuadir a classe subalterna a aceitar e compartilhar seu sistema
de crenças bem como seus valores sociais, culturais e morais.

1.4) Crise de hegemonia:

A crise de hegemonia, no pensamento gramsciano, ocorre quando existe


equilíbrio de classes, ou seja, nenhuma classe social, seja a burguesia ou o
operariado, tem suficiente poder para arrebatar e conservar, sozinha, o controle
do Estado. Nesse contexto, no qual nenhum estrato social consegue exercer
sozinho o poder no Estado, a burocracia preenche o vácuo de poder, adquire
autonomia em relação à burguesia e passa ela mesma a exercer o poder.
Segundo Magalhães (2001:103) a crise de hegemonia "Ocorre quando as
classes sociais se separam de seus partidos políticos , de forma que a classe
não mais reconhece os homens que lideram os partidos como expressão sua.
(...). Os elementos da burocracia e outras instituições que são independentes
da opinião pública ampliam seu poder e autonomia".

Carnoy (1988:106), citando Gramsci, escreve que ocorre a crise de hegemonia


quando ""a classe dominante perdeu seu consenso, isto é, não é ‘dirigente’,
mas apenas ‘dominante’ , exercendo apenas a força coercitiva, isto significa
exatamente que as grandes massas se separam de suas ideologias
tradicionais e não mais crêem no que costumavam crer anteriormente, etc. A
crise consiste em que o velho está morrendo e o novo não pode nascer".
(Gramsci, 1971, 25-26)".

Sobre os possíveis desdobramentos de uma crise de hegemonia, Coutinho


(1989:93) escreve o seguinte:

"Ela (crise de hegemonia) se caracteriza - (...) - por um período


relativamente longo de maturação, no qual se dá uma complexa luta por
espaços e posições, um movimento de avanços e recuos. Como toda a crise, a
de hegemonia pode dar lugar a diferentes alternativas, isto é, pode ter
diferentes soluções. De imediato, a classe dominante pode ter condições de
continuar dominando através da pura coerção; a médio prazo, ela pode
certamente recompor sua hegemonia, por meio de concessões, de manobras
reformistas, etc, para o quê contará com a incapacidade das forças adversárias
de apresentar soluções positivas e construtivas. Mas a tendência dominante,
ainda que não inevitável, é de que as classes dominadas - favorecidas pelo
caráter estrutural da crise – ampliem seu arco de alianças e sua esfera de
consenso, invertam em seu favor as relações de hegemonia e, desse modo, ao
se tornarem classes dirigentes (ao apresentarem e conquistarem consenso
para propostas de solução dos problemas do conjunto da nação), criem
condições para chegarem à situação de classes dominantes" Ou seja, o
caminho para o operariado alcançar o poder passa pela superação do
sectarismo. As "manobras reformistas" a que Coutinho alude no trecho
transcrito corresponde ao conceito gramsciano de "revolução passiva" que será
abordado no item 1.7.
De acordo com Carnoy (1988:104), a análise da crise de hegemonia, faz parte,
juntamente com o exame feito por Gramsci sobre as questões da guerra de
posição e do papel dos intelectuais, da teoria que o pensador italiano elabora
para tentar responder à pergunta de como as classes subalternas podem
superar a hegemonia das classes dominantes.

1.5) Guerra de movimento e guerra de posição:

A guerra de movimento está associada ao argumento do marxismo-leninismo


segundo o qual para que o operariado conquiste uma posição de predomínio
em relação à burguesia na sociedade capitalista é suficiente que ele detenha o
controle sobre o aparelho de Estado e sobre o poder de Estado, e passe a
exercer sobre a classe burguesa a repressão e a coerção de que antes ele,
proletariado, era vítima. Tem a ver com o postulado de Marx e Lênin no sentido
de que basta controlar o mecanismo repressor e coercitivo do Estado para
obter a hegemonia na sociedade capitalista. O Estado seria, então,
conquistado mediante um ataque direto, de caráter militar, por meio do qual o
operariado obteria o domínio do poder de Estado e de seus mecanismos de
coerção e repressão. A isto se chama de guerra de movimento.

A guerra de posição, conceito de Gramsci, apresenta uma versão diferente da


guerra de movimento, devido ao fato de que, para ele, a conquista do poder de
Estado e dos seus mecanismos de coerção e repressão não são elementos
suficientes para assegurar a obtenção da hegemonia no capitalismo para o
operariado. É necessária a formulação e a difusão de uma hegemonia
proletária, uma contra hegemonia, que, mediante uma guerra de posição, ou
seja, uma conquista gradual e paulatina de membros do proletariado menos
militante, efetuada mediante persuasão, principalmente nos componentes da
superestrutura do capitalismo, na religião, na cultura e na ideologia, de modo a
convencer estes proletários menos engajados de que os valores operários
devem prevalecer sobre os burgueses. Esta conquista seria, para Gramsci, o
elemento fundamental para que uma contra hegemonia operária conseguisse
suplantar a hegemonia burguesa, pavimentando o caminho da obtenção do
poder de Estado para a classe proletária.

De acordo com Magalhães (2001:104),

"a captura do Estado - a derrubada e o controle do Estado - não significava


em si mesmo o controle da sociedade, não significava o estabelecimento de
uma hegemonia proletária alternativa. Ao mesmo tempo, ele considera pouco
provável que o proletariado pudesse obter o controle sobre o Estado através da
guerra de movimento (de um ataque direto, baseado no enfrentamento físico
crescente), como na Rússia. Uma vez que o Estado era muito mais do que as
forças coercitivas da burguesia, uma vez que era parte da superestrutura
ideológica (hegemônica) da sociedade civil dominada pela burguesia, ele devia
ser enfocado como uma peça do sistema de poder, não necessariamente o
elemento crucial de poder". Neste trecho fica bem caracterizada a distinção
entre as concepções marxista-leninista e gramsciana sobre como a classe
operária deveria se conduzir para obter o poder de Estado e conquistar a
hegemonia na sociedade capitalista.
Coutinho (1989, passim 89-95) explica que uma importante descoberta de
Gramsci para elucidar o malogro revolucionário no Ocidente foi o fato deste ter
percebido que existia uma distinção fundamental entre o Ocidente e o Oriente
no que se refere à estruturação da sociedade, e que esta diferença era a chave
para compreender a ineficácia do ataque frontal ao Estado nos países
ocidentais. Para Gramsci, segundo Coutinho, no Oriente, como por exemplo,
na Rússia, havia uma preponderância extrema do Estado em relação à
sociedade civil, o que fazia com que a conquista do poder coercitivo do Estado
fosse suficiente para garantir a tomada do poder efetivo pelo operariado. Ou
seja, nas formações sociais orientais, a superestrutura era mais débil, e a
guerra de movimentos tinha mais chance de funcionar. Já no caso do Ocidente,
a situação era diferente, devido à existência de elementos superestruturais
mais desenvolvidos e à ocorrência de maior equilíbrio na correlação de forças
entre Estado e sociedade civil. Devido a isso, a guerra de movimento e o
ataque frontal ao Estado eram insuficientes para garantir a obtenção do poder
efetivo para o proletariado. Seria necessário obter o consenso e conquistar a
hegemonia primeiro na sociedade civil para posteriormente arrebatar o poder
coercitivo de Estado e viabilizar a transição para o socialismo. Com referência
a este assunto, Coutinho (1989:89) escreve que

"Gramsci pode formular, de modo positivo, sua proposta de estratégia para


os países "ocidentais": nas formações "orientais", a predominância do Estado-
coerção impõe à luta de classes uma estratégia de ataque frontal, uma "guerra
de movimento", voltada diretamente para a conquista e conservação do Estado
em sentido restrito; no "Ocidente", ao contrário, as batalhas devem ser
travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando à conquista de
posições e de espaços ("guerra de posição"), da direção político-ideológica e
do consenso dos setores majoritários da população, como condição para o
acesso ao poder de Estado e para sua posterior conservação".
Um outro trecho de Coutinho (1989:92) caracteriza bem o conceito de "guerra
de posição" de Gramsci: "as superestruturas da sociedade civil são como o
sistema das trincheiras na guerra moderna". Nesse sentido, o mesmo autor,
citando Gramsci, arremata a caracterização de "guerra de posição":

""No Oriente, o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e


gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e sociedade civil havia uma relação
equilibrada: a um abalo do Estado, imediatamente se percebia uma robusta
estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por
trás da qual estava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; a proporção
varia de Estado para Estado, como é evidente, mas precisamente isso requeria
um cuidadoso reconhecimento do caráter nacional"" (Ibidem:92).
A conclusão a que se chega é de que Gramsci, procurando a melhor alternativa
para formular uma estratégia que permitisse ao operariado italiano a obtenção
da hegemonia na sociedade civil e a conquista do Estado-coerção, acabou por
renovar profundamente o marxismo, o que, nas palavras do pensador italiano
significa que "A fórmula tipo 1848 da ‘revolução permanente’ – conclui Gramsci
– é elaborada e superada na ciência política pela fórmula da ‘sociedade civil’.
Ocorre, na arte política, o que ocorreu na arte militar: a guerra de movimento
torna-se cada vez mais guerra de posição" (Coutinho, 1989:90).

Magalhães (2001:104 e 105) escreve o seguinte:

"Gramsci desenvolveu a estratégia de guerra de posição, a qual tem


quatro elementos importantes:

. ênfase nas especificidades locais: ela enfatiza que cada país particular
exige um reconhecimento acurado da sua própria realidade, devendo haver
uma adaptação de táticas e procedimentos conforme o estágio capitalista e as
peculiaridades culturais concretas em que os revolucionários vão atuar;
. contra-hegemonia: é necessário sitiar o aparelho do Estado com uma
contra-hegemonia, criada pela organização de massa da classe trabalhadora e
pelo desenvolvimento das instituições e da cultura operária – forma de
enfraquecer o Estado burguês e base para o novo Estado proletário;

. consciência política coletiva: a guerra de posição é uma luta pela


consciência da classe operária, (...);

. partido de massa capaz de formar intelectuais orgânicos: enfatiza o


processo de transformação de todos os trabalhadores em intelectuais, no
sentido de serem pensadores -organizadores com uma concepção do mundo
consciente que transcende seus interesses de classe".
1.6) O papel dos intelectuais:

Os intelectuais exercem uma função importante no esquema de Gramsci para


estabelecer a superioridade moral e cultural e a contra-hegemonia operárias,
segundo Carnoy (1988, passim 114-117). Gramsci discordava da visão
leninista, pela qual "o partido de vanguarda, que levantaria a consciência da
massa de trabalhadores, seria composto de antigos operários e antigos
intelectuais burgueses, fundidos numa unidade coesa. Contudo o partido de
Lênin ainda colocava este novo grupo de líderes acima da massa de
trabalhadores, que Lênin via como incapazes de gerar teorias e liderança
política consciente" (Carnoy, 1988:114). O pensador italiano, ao contrário de
Lênin, acreditava nas possibilidades intelectuais dos operários e em seu
discernimento político, a ser estimulado pelos intelectuais, e também
considerava que o intelectual é uma categoria inserida em sua classe social,
não podendo ser analisado fora do contexto desta última.

Segundo Carnoy (Ibidem:114), Gramsci, no que se refere à definição de


intelectual, a considera "como "relacionada aos intelectuais profissionais
tradicionais", literários, científicos , etc, cuja posição nos "interstícios" da
sociedade traz consigo uma certa aura, mas deriva, em última análise, de
relações de classe passadas e presentes e esconde uma vinculação a várias
formações históricas de classe".

De acordo com o mesmo autor (Ibidem:114), para Gramsci, existe o intelectual


"orgânico", que é aquele que ajuda a construir a hegemonia da classe social a
que pertence . Entretanto, as classes dominantes buscam, nas classes
subalternas, intelectuais adicionais para fortalecer seu domínio. Estes
intelectuais deixam de ser orgânicos.

Além desta acepção da definição de intelectual, segundo Carnoy (1988:114 e


115) "Gramsci argumentava que havia uma segunda, e para seus propósitos,
mais importante definição (ou categoria) de intelectual. Isto é, qualquer pessoa
que seja possuidora de uma capacidade técnica específica – o elemento
pensante e organizador de cada classe social. Estes intelectuais "orgânicos"
são diferenciados "menos por sua profissão, que pode ser qualquer trabalho
característico de sua classe, do que por sua função de dirigir as idéias e
aspirações da classe à qual pertencem organicamente" (1971,3)".
De acordo com Carnoy (1988:115), Gramsci considerava que um partido
operário revolucionário comunista deveria se estruturar de modo a fundir

"intelectuais profissionais burgueses descontentes, intelectuais


profissionais (tradicionais) provenientes do proletariado e intelectuais
proletários orgânicos, os pensadores – organizadores com uma concepção de
mundo consciente que transcendesse seus interesses de classe . (...). São
estes os intelectuais que o partido precisa estimular e mobilizar, despertando
os trabalhadores para as suas possibilidades intelectuais, através das funções
educacionais do partido. É esta, portanto, a diferença política crucial entre
Gramsci e Lênin: Gramsci acreditava num partido e numa estratégia baseada
na idéia de que "todos os homens são filósofos"".
Coutinho (1989:106 e 107) enfatiza que, para Gramsci, a classe operária tem
que obter, além da hegemonia econômica, social e política, a direção cultural
da sociedade capitalista, e é neste aspecto que ele atribui importância ao papel
desempenhado pelos intelectuais, que seriam atores essenciais para que o
proletariado consiga impor a sua contra-hegemonia. Sobre o assunto, Coutinho
(Ibidem:106 e 107), escreve que, para Gramsci,

"O partido não luta apenas por uma renovação política, econômica e
social, mas também por uma renovação cultural, pela criação e
desenvolvimento de uma nova cultura. (...).

(...): se a estratégia de transição para o socialismo no "Ocidente" implica


um intenso esforço pela conquista da hegemonia, do consenso e da direção
político - ideológica já antes da tomada do poder, então a batalha cultural –
momento fundamental da agregação do consenso – adquire uma importância
decisiva. Sem uma nova cultura, as classes subalternas continuarão sofrendo
passivamente a hegemonia das velhas classes dominantes e não poderão se
elevar à condição de classes dirigentes. (...).

(...) é imprescindível suprimir não apenas a apropriação privada dos meios


de produção das riquezas materiais, mas também eliminar a apropriação
privada do saber e da cultura. (...).

Esse lugar decisivo que a "reforma intelectual e moral" ocupa na reflexão


de Gramsci vai determinar o destacado papel que ele atribui aos intelectuais na
formação e na construção do partido político".
Coutinho (1989:108) escreve que "existem – segundo Gramsci – dois tipos
principais de intelectual. Em primeiro lugar , temos o "intelectual orgânico", que
surge em estreita ligação com a emergência de uma classe social determinante
no modo de produção econômico, e cuja função é dar homogeneidade e
consciência a essa classe, "não apenas no campo econômico, mas também no
social e no político"; e, em segundo, temos os "intelectuais tradicionais", que –
tendo sido no passado uma categoria de intelectuais orgânicos de dada classe
(...) – formam hoje, depois do desaparecimento daquela classe, uma camada
relativamente autônoma e independente. O que importa aqui (...) é que ambos
exercem objetivamente funções análogas à do partido político: eles dão forma
homogênea à consciência de classe a que estão organicamente ligados (ou, no
caso dos intelectuais "tradicionais", às classes a que dão sua adesão) e, desse
modo, preparam a hegemonia dessa classe sobre o conjunto dos seus
aliados". Em suma, os intelectuais, para Gramsci, são os elementos que
viabilizam e operacionalizam a obtenção da hegemonia cultural e social de
certa classe social sobre as outras.

1.7) Revolução passiva:

Revolução passiva é o conceito que Gramsci formulou para designar as


concessões que as camadas burguesas fazem às classes subordinadas,
principalmente o proletariado, em momentos nos quais sua hegemonia está
ameaçada, com a finalidade de mantê-la diante do risco revolucionário
representado pelos estratos subordinados. Nesta categoria podem ser
classificados o capitalismo reformista e o Estado do Bem-Estar social, que
acarretaram benefícios para as classes desfavorecidas e um abrandamento
das injustiças do capitalismo, sem contudo implicar obtenção de poder político
efetivo para os referidos estratos. Seria a estratégia burguesa de "entregar os
anéis para não perder os dedos".

Sobre ao assunto, Carnoy (1988:103) escreve que "Gramsci usa o termo


"evolução passiva" para indicar a constante reorganização do poder do Estado
e sua relação com as classes dominadas para preservar a hegemonia da
classe dominante e excluir as massas de exercerem influência sobra as
instituições econômicas e políticas". Prosseguindo, Carnoy (Ibidem:104)
escreve que

"o aspecto passivo consiste em impedir o desenvolvimento de um


adversário revolucionário, decapitando seu potencial revolucionário.Gramsci
desenvolveu esse conceito para explicar como a burguesia consegue
sobreviver apesar das crises políticas e econômicas.

‘A aceitação de certas exigências vindas de baixo, enquanto ao mesmo


tempo encoraja a classe trabalhadora a restringir sua luta ao terreno
econômico-corporativo, é parte desta tentativa, de impedir que a hegemonia da
classe dominante seja desafiada, enquanto mudanças no mundo da produção
são acomodadas dentro da formação social vigente’ (Showstack Sassoon,
1982c, 133)".
Coutinho (1989) também aborda a questão da revolução passiva em Gramsci.
Ele escreve o seguinte:

"Recordemos brevemente algumas características que o conceito de


"revolução passiva" apresenta em Gramsci. Deve-se sublinhar, antes de mais
nada, que um processo de revolução passiva , ao contrário de uma revolução
popular, realizada a partir de "baixo", jacobina, implica sempre a presença de
dois momentos: o da "restauração" (na medida em que é uma reação à
possibilidade de uma transformação efetiva e radical "de baixo para cima" ) e o
da "renovação" (na medida em que muitas demandas populares são
assimiladas e postas em prática pelas velhas camadas dominantes). É assim
que Gramsci afirma que a revolução passiva manifesta "o fato histórico da
ausência de uma iniciativa popular unitária no desenvolvimento da história
italiana, bem como o outro fato de que o desenvolvimento se verificou como
reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar,
desorganizado, das massas populares, mediante ‘restaurações’ que acolheram
uma certa parcela das exigências provenientes de baixo: trata-se, portanto, de
‘restaurações progressistas’, ou ‘revoluções - restaurações’, ou ainda
‘revoluções passivas’". O aspecto restaurador, portanto, não anula o fato de
que ocorrem também modificações efetivas".
Coutinho (Ibidem:123 e 124) faz uma observação muito interessante,
considerando que "o conjunto de leis de proteção ao trabalho, há muito
reivindicadas pelo proletariado (salário mínimo, férias pagas, direito
à aposentadoria etc)", ou seja, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
promulgada por Vargas em 1943, durante a ditadura do Estado Novo, foi uma
modalidade de revolução passiva. Foi uma concessão ao operariado, com
vistas a assegurar a hegemonia e a preponderância sócio – econômica das
classes dominantes nacionais e conter o ímpeto revolucionário das camadas
subordinadas da sociedade. É conveniente lembrar que, em novembro de
1935, houve a Intentona Comunista.

Capítulo 2 - A teoria de Poulantzas sobre o Estado capitalista:

2.1) A definição de Poulantzas para o Estado capitalista e sua crítica à


visão marxista instrumentalista do referido Estado:

A visão marxista instrumentalista de Estado é definida por Taylor (in


Marsh e Stoker, 1995:249) como sendo

"uma visão do Estado como um instrumento da classe dominante que


desempenha a função crucial de coordenar seus interesses de longo prazo.
Dessa perspectiva, mais comumente associada ao Manifesto Comunista, Marx
argumenta que ‘o executivo do Estado moderno é um comitê para administrar
os negócios de toda a burguesia’ (Marx, 1973, p.69). Aqui, Marx considera a
luta de classes em termos de um simples confronto entre dois opositores, com
um número declinante de burgueses e uma explosão no tamanho do
proletariado". Ou seja, o Estado é qualificado como mero comitê gestor dos
interesses da classe dominante, a burguesia. Os adeptos desta análise não
admitem a possibilidade de existência de algum tipo de autonomia do Estado
em relação à classe dominante.
Poulantzas (1977:252) considera a existência de autonomia do Estado
capitalista em relação às classes dominantes, e critica acidamente a visão
marxista instrumentalista de Estado anteriormente referida . Escreve ele:

"Por autonomia relativa deste tipo de Estado, entendo, aqui, não


diretamente a relação das suas estruturas com as relações de produção, mas a
relação do Estado com o campo da luta de classes, em particular a sua
autonomia em relação às classes ou frações de bloco no poder e, por
extensão, aos seus aliados ou suportes. (...). Espero, por isso mesmo, marcar
nitidamente a distância que separa esta concepção do Estado de uma
concepção simplista e vulgarizada, que vê no Estado o utensílio ou o
instrumento da classe dominante. Trata-se pois de (...) demonstrar que a
concepção do Estado em geral como simples utensílio da classe dominante,
errônea na sua própria generalidade, se revela particularmente inapta para
apreender o funcionamento do Estado capitalista".
2.2) A unidade política do Estado capitalista:

Inicialmente, convém definir os conceitos de Estado capitalista e de


hegemonia para Poulantzas. O Estado capitalista é, para Poulantzas, de
acordo com Magalhães (2001:108), a instância que "traduz, no nível político, a
relação entre os interesses das classes dominantes com os das classes
dominadas, sendo, portanto, o fator de coesão da unidade de formação e
também a estrutura na qual se condensam as contradições de diversos níveis
da formação. Ele atua, portanto, como um vaso comunicante para onde são
repassadas as contradições que se dão nos outros níveis".

No que se refere à hegemonia, Carnoy (1988:132) escreve que "A


hegemonia indica, para Poulantzas, (a) como os interesses políticos da classe
dominante se constituem como representativos do "interesse geral" do corpo
político, e (b) como as frações da classe dominante se compõem num "bloco
no poder", que reunifica os capitais concorrentes numa classe dominante e
"controla" o Estado." Ambos os entendimentos sobre o conceito de hegemonia
têm a ver com a função de unidade política exercida pelo Estado capitalista, de
acordo com Poulantzas. Ainda segundo Carnoy (1988:132), a referida unidade
consiste, em linhas gerais, no fato de que "O Estado se apresenta como
representante do "interesse geral" dos grupos concorrentes – é o Estado
nacional – popular de classe", o qual consegue dissimular sua ação política no
sentido de favorecer os interesses do bloco burguês no poder, persuadindo as
camadas sociais subalternas de que está agindo em prol do bem comum de
toda a sociedade.

A função de unidade política das diferentes classes sociais da


sociedade capitalista, desempenhada pelo Estado capitalista consiste no fato
de este último fazer com que burgueses capitalistas e operários, situados em
campos opostos e separados no âmbito das relações sociais de produção,
sejam amalgamados, unificados na esfera das instituições públicas do Estado
capitalista, que aparenta beneficiar a sociedade como um todo em sua ação
política quando, na verdade, favorece as classes dominantes burguesas. O
maior exemplo dessa dissimulação é o lema liberal básico de que "todos são
iguais perante a lei". Ou seja, no ordenamento jurídico das sociedades
capitalistas, em nível político – jurídico, existe igualdade formal quando, na
verdade, no âmbito econômico das relações sociais de produção capitalistas, o
que prevalece é a desigualdade fundamental entre capitalistas e operários e a
relação de exploração promovida pelos primeiros sobre os últimos. É como
escreve Magalhães (2001:109): "Segundo Poulantzas, as instituições políticas
capitalistas tratam a todos como cidadãos em abstrato – sem identificá-los pela
posição que ocupam nas relações de classe -, como indivíduos, e não como
capitalistas e trabalhadores".
Para Poulantzas esta característica da unidade política do Estado
capitalista implica o seguinte: Os indivíduos, na esfera econômica, ao nível da
sociedade civil, encontram-se isolados, separados em suas respectivas classes
sociais. Os capitalistas proprietários dos meios de produção, integrantes da
burguesia, encontram-se em um campo antagônico ao dos operários,
proprietários de suas respectivas forças de trabalho, vendidas por estes últimos
no mercado capitalista em troca dos salários.

O Estado capitalista consegue promover, em seu interior, a unidade da


sociedade capitalista da seguinte forma: ele realiza a reconciliação, em seu
âmbito interno, das desigualdades e diferenças sociais, que não são
internalizadas em suas instituições, de modo a fazer parecer que a sua ação
institucional e política, por meio do exercício do poder político por ele
desempenhado, é representativa de toda sociedade, do povo – nação, e não
somente do conjunto de frações e classes dominantes burguesas que
compõem o bloco no poder e em nome das quais o Estado atua como
organizador político. O Estado capitalista, em seu interior, consegue ocultar,
mascarar, as relações de classe existentes entre burguesia e proletariado no
mercado capitalista, ajudando a legitimar a hegemonia burguesa na sociedade.

A unidade seria o fator que concretizaria a hegemonia burguesa na


sociedade capitalista, fazendo parecer que a lei do bloco burguês no poder
seria a lei da sociedade como um todo. Ou seja, o poder político
institucionalizado emanado do Estado capitalista, de orientação única e
unificada, atuaria no sentido de favorecer os interesses do bloco burguês no
poder de maneira dissimulada, fazendo com que as classes dominadas
acreditassem que os interesses defendidos pelo Estado capitalista seriam os
da sociedade como um todo, e não os do bloco burguês no poder.

Nas palavras de Poulantzas (1977:274): "O poder de Estado constitui


uma unidade própria, na medida em que as suas instituições são organizadas
como constitutivas da unidade do povo e da nação. O Estado, estabelecido
como lugar do "universal", da vontade geral, do público, é tido como
representando não estes ou aqueles interesses privados e constelações
econômico-sociais, ou a sua soma, mas o conjunto político unitário do povo-
nação".

Em outra passagem (Ibidem:272), o autor nos revela

"o segredo do Estado-nacional-popular de classe: o poder


institucionalizado do Estado capitalista de classe apresenta uma unidade
própria de classe, precisamente na medida em que se pode apresentar como
um Estado nacional-popular, como um Estado que não representa o poder de
uma classe ou de classes determinadas, mas sim a unidade política de agentes
privados, entregues a antagonismos econômicos, os quais o Estado se
apresenta com a função de ultrapassar, unificando esses agentes em um corpo
"nacional popular"". Em suma, o papel da unidade do Estado capitalista é o de
legitimar a hegemonia social do bloco burguês no poder, fazendo com que a
ação do poder político institucionalizado seja encarada como sendo executada
em benefício dos interesses do conjunto das classes sociais, e não em defesa
dos interesses do bloco burguês no poder. Isto é viabilizado pelo fato de o
caráter de classe estar ausente das instituições estatais, neutralizando, em seu
interior, as clivagens sociais.
Ainda sobre a questão da unidade política do Estado capitalista, é
importante ressaltar que o poder institucionalizado unificado exercido pelo
referido Estado é direcionado à defesa da classe ou fração hegemônica do
bloco burguês no poder. As demais frações burguesas não têm seus interesses
diretamente defendidos, como ocorre com a classe ou fração dominante. Não
há "parcelamento" da ação do Estado capitalista, no sentido de contemplar
todas as frações burguesas componentes do bloco no poder, devido,
justamente, à unidade política que caracteriza a referida ação. O autor (Ibidem:
294) escreve que:

"Em outras palavras, se a concepção de um poder de Estado dividido em


parcelas não é válida para as relações classes dominantes - classes
dominadas, (...), também não o é para as relações entre classes e frações que
constituem o bloco no poder. (...). Unidade política do bloco no poder sob a
égide da classe ou fração hegemônica significa, assim, unidade do poder de
Estado, na sua correspondência com os interesses específicos desta classe ou
fração".
Sobre a questão da unidade política do Estado capitalista, Magalhães
(2001:109) escreve que

"A contribuição especial de Poulantzas às teorias do Estado está posta


quando ele mostra como o Estado capitalista fornece o quadro para as lutas
entre frações da classe dominante e reintegra a classe operária, como
indivíduos separados dos meios de produção e de sua classe, numa nação e
num conjunto unificado de regras e instituições. Ao mesmo tempo, o Estado
fornece o espaço político para a luta de classes. É ele que reintegra os
trabalhadores e os burgueses num todo unificado que será reproduzido como
sociedade capitalista – como uma estrutura de classes – através do tempo".
Ainda sobre o mesmo assunto, George Taylor (in Marsh e
Stoker,1995:257) escreve sobre o papel da legislação burguesa na questão da
unidade política:

"Nesta estrutura teórica, a legislação burguesa desempenha uma dupla


função de legitimar a separação do trabalhador dos meios de produção e
reunificar sistematicamente o sujeito sob a égide do Estado-nação. Para
Poulantzas, o Estado é ativamente envolvido na construção tanto da unidade
quanto da separação. Ele reproduz indivíduos atomizados como sujeitos
jurídicos (prevenindo a unidade que emerge em relações de produção
baseadas em classe), e reconstrói a unidade sob a égide do conceito de
Estado-nação (Poulantzas, 1978, pp. 93-120)".
Isto significa que o Estado capitalista, mediante a aplicação da
legislação burguesa, legitima e consolida a separação dos trabalhadores em
relação aos meios de produção que operam, no âmbito das relações sociais de
produção, na esfera econômica. Entretanto, este mesmo Estado, no âmbito
político, não reproduz em seu interior a divisão de classes presente no aspecto
econômico da sociedade capitalista, e, também por intermédio da legislação
burguesa, estabelece direitos e deveres políticos e cívicos iguais para todos os
cidadãos, independentemente de sua classe social. Ou seja, burgueses
capitalistas e operários têm as mesmas prerrogativas e obrigações, sem
distinção, todos tendo igualmente direito a votar e ser votado, sendo, dessa
forma, unificados no âmbito político pelo Estado capitalista. Este último
legitima, consolida e respalda a discriminação econômica, e mascara seu
caráter de classe concedendo igualdade jurídica aos cidadãos, sejam eles
burgueses ou proletários.

2.3) A autonomia relativa do Estado capitalista em relação às classes


sociais, inclusive as dominantes:

A não internalização dos conflitos sociais nas instituições estatais, nas


estruturas institucionais do Estado, permite ao Estado capitalista ser autônomo
em relação às classes sociais e às suas frações, inclusive às do bloco no
poder. A razão da autonomia do Estado capitalista em relação ao bloco
burguês no poder reside no fato de a burguesia ser incapaz de, mediante a
ação de seus próprios partidos políticos, se erigir ao nível hegemônico da
sociedade capitalista. Esta incapacidade é conseqüência, principalmente, de a
burguesia não ser capaz de promover a sua própria unidade política, devido à
luta de suas frações internas.

A autonomia consiste no fato de o Estado capitalista ser independente


para contrariar os interesses de curto prazo das classes e frações de classes
burguesas dominantes do bloco no poder, adotando algumas providências para
favorecer as classes dominadas e subalternas, contribuindo assim para reduzir
seu potencial revolucionário e procedendo desta maneira como estratégia para
garantir os interesses burgueses e assegurar a hegemonia social burguesa no
longo prazo.

Com referência à autonomia, Poulantzas (1977:281) informa que o


Estado capitalista

"toma, de algum modo, a seu cargo o interesse político da burguesia,


entendida como o bloco burguês no poder, que realiza por sua conta a função
de hegemonia política que aquela não pode preencher. Para o fazer, contudo,
o Estado capitalista assume uma autonomia relativa face à burguesia: (...).
Essa autonomia relativa permite-lhe precisamente intervir, não somente com
vistas a realizar compromissos em relação às classes dominadas, que, a longo
prazo se mostram úteis para os próprios interesses das classes e frações
dominantes, mas também intervir, de acordo com a conjuntura concreta, contra
os interesses a longo prazo desta ou daquela fração da classe dominante:
compromissos e sacrifícios por vezes necessários para a realização do
interesse político de classe. Basta mencionar o exemplo das chamadas
"funções sociais" do Estado, que atualmente assumem uma importância
crescente."
Isto corresponde ao conceito de "revolução passiva" de Gramsci
(entregar os anéis para não perder os dedos). O Estado capitalista exerce esta
autonomia sempre com o propósito de defender os interesses políticos
burgueses. Ou seja, o referido Estado atua como organizador político do bloco
burguês no poder.

Magalhães (2001:110) se refere a essa incapacidade de unificação da


burguesia da seguinte forma: "Isso ocorre porque os interesses econômicos
dividem a burguesia. Os burgueses são incapazes de agir coletivamente, dado
que a reprodução do capitalismo é do interesse da burguesia, mas não dos
capitalistas individuais: (...).Isso posto, a tarefa de garantir a reprodução do
capitalismo não pode ser assumida pela burguesia: ela (a tarefa) só pode ser
realizada pelo Estado que age contra as objeções das firmas individuais".
Sobre a questão da autonomia, o mesmo autor (Ibidem:110) escreve que "Para
manter o capitalismo, o Estado precisa ser independente da influência dos
capitalistas – essa é a teoria da autonomia relativa do Estado, de Poulantzas".

Parece contraditório o Estado ser ao mesmo tempo responsável pela


unidade política da sociedade capitalista em seu âmbito interno, apresentando-
se como representativo do interesse geral do povo quando na verdade
favorece o bloco burguês no poder, e, ao mesmo tempo, ser autônomo
relativamente a este último. Sobre isso, Poulantzas (1977:284) escreve que:

"O caráter paradoxal dessa relação reside no fato de esse Estado assumir
uma autonomia relativa face a essas classes precisamente na medida em que
constitui um poder unívoco e exclusivo daquelas. Por outras palavras, essa
autonomia em relação às classes politicamente dominantes, inscrita no jogo
institucional do Estado capitalista, de forma alguma autoriza uma participação
efetiva das classes dominadas no poder político, ou uma cessão a essas
classes de "parcelas" de poder institucionalizado".
Acerca da questão da autonomia relativa, George Taylor (in Marsh e
Stoker, 1995:255 e 256) escreve que

"Adotando o conceito de Althusser de autonomia relativa, Poulantzas


argumenta que para o Estado capitalista funcionar a contento como um Estado
de classe, agindo a longo prazo em favor dos interesses da burguesia, então
ele tem que ter algum grau de autonomia em relação à classe dominante.
Como afirma Jessop, a exclusão de qualquer viés de classe habilita o Estado
capitalista a apresentar-se não como um Estado de classe, um Estado para
defender interesses particulares, mas um Estado operando para os interesses
da sociedade em geral (Estado-Nação) (Jessop, 1985, p.68).
Conforme Poulantzas destaca, no processo de assegurar a hegemonia
de classe, o Estado ‘age num equilíbrio instável’ de compromissos entre as
classes dominantes e as dominadas ‘e como tal pode adotar algumas medidas
que são positivas para as massas’ (Poulantzas, 1978, pp.31)".

2.4) Explicação de Poulantzas sobre a leitura histórica de Marx acerca


da França de Luís Napoleão (meados do século XIX) como exemplo concreto
dos conceitos de unidade política e autonomia do Estado capitalista:
Poulantzas constrói sua teoria sobre a unidade política e a autonomia
relativa do Estado capitalista com base nas análises políticas concretas feitas
por Marx sobre a situação da França na metade do século XIX, época de Luís
Bonaparte, o Napoleão III. Ou seja, Poulantzas formaliza teoricamente as
análises feitas por Marx acerca da situação política concreta da França no
referido período.

Sobre o assunto, Poulantzas (1977:254), citando um trecho de uma


carta de Engels a Marx, escreve que "Vejo cada vez mais que a burguesia não
foi feita para reinar diretamente; por conseqüência (...), uma semi-ditadura
bonapartista torna-se a forma normal; ela toma nas suas mãos...os grandes
interesses da burguesia (contra a burguesia, se necessário), mas não lhe deixa
parte alguma na dominação". Prosseguindo, o mesmo autor escreve que "Marx
nos diz, neste sentido, (...), que o bonapartismo se explica pelo momento em
que a " burguesia já tinha perdido, e a classe operária ainda não adquirido, a
faculdade de governar a nação"(Ibidem:255). Ou seja, trata-se de um momento
de crise da hegemonia burguesa.

Em relação à autonomia do Estado capitalista no contexto político


francês sob Luís Bonaparte, Poulantzas (Ibidem:276), citando Marx, informa
que ""Só sob o segundo Bonaparte é que o Estado parece ter-se tornado
completamente independente. A máquina de Estado reforçou-se tanto face à
sociedade burguesa. (...) . O Estado é assim apresentado como "libertando
completamente a sociedade burguesa da preocupação de se governar a si
própria", (...) sob o segundo Império, " a nação abdica de toda a vontade
própria e submete-se às ordens de uma vontade estranha, a autoridade"".

Ainda sobre a questão da autonomia e sobre esta inserida no referido


contexto político francês, o mesmo autor (Ibidem:282) escreve que

"Vemos, assim, que o Estado capitalista, no cumprimento da sua função


política, chega a apoiar-se em classes dominadas, a fazê-las, por vezes,
funcionar contra as classes dominantes, face a estas realizando concretamente
a autonomia relativa inscrita nas suas instituições: autonomia que lhe permite
encontrar-se em relação constante com o seu interesse político. Convém
sobretudo não esquecer, com efeito, que o Estado capitalista não se afasta,
nesses limites precisos, um único milímetro dos interesses políticos da
burguesia: no caso do bonapartismo francês, Marx mostra-nos como Louis
Bonaparte, representante "oficial" da pequena burguesia e do campesinato
parcelar, não toma nenhuma medida política em favor destes".
Relativamente à questão da unidade política do Estado capitalista,
Poulantzas (1977:279) escreve que

"essa característica de unidade do poder institucionalizado corresponde


precisamente ao fato de constituir um poder unívoco das classes ou frações
dominantes. É sobre este ponto que Marx se debruça ostensivamente. Este
Estado relaciona-se, assim, aos interesses políticos, à organização
propriamente política das classes ou frações dominantes na sua luta política de
classe com as classes dominadas.
Com efeito, o bonapartismo, considerado aqui como tipo de Estado
capitalista, como "religião da burguesia", corresponde aos seus interesses
políticos, ao seu poder político unívoco de classe. Isto é, aliás, o que acontece
com o fenômeno histórico do bonapartismo francês, que serve exclusivamente
os interesses políticos da burguesia, enquanto que os camponeses parcelares,
representados por Louis Bonaparte, não são, de fato, senão uma classe-apoio
que nenhuma influência tem sobre o poder político".
Magalhães (2001) aborda esta questão da autonomia do Estado e da
burocracia frente à burguesia em períodos de crise de hegemonia, termo
cunhado por Gramsci, que seriam situações de equilíbrio de classes, nas quais
nenhuma classe social (nem a burguesia como um todo, nem nenhuma de
suas frações, muito menos o operariado) consegue impor seu domínio e
arrebatar e conservar o poder político no interior do Estado.

Sobre o assunto, Magalhães (2001:79) escreve o seguinte:

"Em tempos excepcionais, as possibilidades de autonomia podem


aumentar, quando a luta de classes é "congelada" pela incapacidade de
qualquer classe demonstrar seu poder sobre o Estado. Essa condição histórica
excepcional permite que a burocracia amplie sua autonomia frente ao controle
de classes, não sendo dominada por nenhuma classe da sociedade civil. O
exemplo histórico comentado por Marx seria o bonapartismo, mais
precisamente o golpe de Estado de Napoleão III, tema de seu livro "O 18
Brumário de Luís Bonaparte" (1852), onde analisa uma forma de governo onde
a burguesia se deixa levar quando se vê na emergência de uma crise.

(...) quando nenhuma classe tem poder suficiente para governar através do
Estado, nesses casos, é o próprio Estado que domina".
Em suma, quando há crise de hegemonia, equilíbrio de classes e
nenhuma camada social consegue impor seu domínio sobre o Estado, é o
próprio Estado, por intermédio da burocracia pública politicamente autônoma
em relação à burguesia, que domina e governa a sociedade capitalista.
Exemplo: França de Luís Napoleão, por volta de 1850.

2.5) Leitura marxista de Poulantzas sobre a questão do totalitarismo:

Inicialmente, Poulantzas faz referência à visão sobre o totalitarismo de


autores como Hanna Arendt , visão esta caracterizada pelo fato de atribuir o
fenômeno totalitário a um agigantamento do setor estatal e um conseqüente
amesquinhamento da esfera privada. O referido autor (1977:286 e 287)
escreve, acerca dessa abordagem, que

"o Estado totalitário decorreria de uma forma de poder institucionalizado


cujo princípio de legitimidade seria baseado em uma sociedade de "massa". O
Estado, essência alienada dos "átomos massificados" de uma sociedade
industrializada, apareceria atualmente em todo o seu antagonismo com a
sociedade. Na sociedade e no Estado liberais, os indivíduos possuiriam uma
esfera de autonomia privada, resultante em princípio da sua participação no
político e favorecida pelas diferenças de classe que impedem essa
massificação global. Em contrapartida, assistir-se-ia a transformações radicais:
(...), o Estado totalitário, monopolizando totalmente a essência individual
através de sua posição antagônica com a sociedade; a um domínio total do
poder de Estado em todas as esferas da atividade individual, a uma absorção
do domínio privado em todas as esferas do (...) estatal".
Poulantzas se contrapõe a esta visão, atribuindo o totalitarismo à
função de unidade política desempenhada pelo Estado capitalista. Poulantzas
(1977: 287 e 288) escreve que:

"Em particular, o Estado capitalista extrai, com efeito, o seu princípio de


legitimidade do fato de se apresentar como a unidade do povo-nação. (...) . É
precisamente nisto, e certos teóricos do fenômeno totalitário justamente o
observaram, que ele difere, radicalmente de outras formas de "despotismo",
por exemplo do poder político "absoluto", formalmente semelhante, exercido
por formas de tirania fundadas na legitimidade divino - sagrada. (...). Por outras
palavras, é exatamente o tipo de legitimidade do Estado capitalista,
representando a unidade do povo-nação, que permite um funcionamento
específico do Estado designado pelo termo de totalitarismo.

(...). Desse modo, o funcionamento do Estado capitalista designado pelo


termo de totalitarismo, e que diz efetivamente respeito à relação entre esse
Estado e as classes, é tornado possível pela relação entre o princípio de
legitimidade desse Estado e o isolamento do econômico, isolamento que,
precisamente, por um lado, oculta aos agentes o caráter de classe das suas
relações, por outro lado permite a ausência de expressão direta da luta de
classes nas instituições desse Estado.

(...) é certo que o funcionamento, designado como "totalitário", do Estado


capitalista, se encontra em correlação, não com uma ausência qualquer de
interesses opostos de classe ou de associações "mediadoras" entre o
"indivíduo" e o "Estado", mas com uma ausência de expressão direta da luta de
classes nas instituições do poder político".
Em outras palavras, Poulantzas identifica o componente totalitário
presente no Estado capitalista no fato deste último conciliar as diferenças
sociais de classe em seu interior por meio do exercício do poder político no
qual há a ocultação do caráter de classe do citado Estado, com este último
agindo em benefício do bloco burguês no poder e fazendo as outras classes
sociais da sociedade capitalista acreditarem que ele está agindo em prol da
sociedade como um todo. Para Poulantzas, a natureza totalitária do Estado
capitalista consiste no fato deste viabilizar, de forma dissimulada, a hegemonia
do bloco burguês no poder, em detrimento das classes subordinadas,
principalmente o proletariado.

2.6) O bloco no poder:

Poulantzas (1977:293) define o bloco no poder escrevendo que " (...) o


bloco no poder constitui uma unidade contraditória das classes ou frações
dominantes, unidade dominada pela classe ou fração hegemônica. Essa
unidade do bloco no poder é constituída sob a égide da classe ou frações que
dele fazem parte".

Convém salientar novamente que este bloco não implica a partilha do


poder político institucionalizado do Estado capitalista, que sempre age no
sentido de organizar politicamente o interesse da classe ou fração hegemônica
do bloco burguês no poder, que é a verdadeira detentora do poder de Estado.

Sobre a relação entre o bloco no poder, a unidade política do Estado


capitalista, sua autonomia relativa e a luta de classes, Poulantzas (1977:294)
escreve o seguinte:

"Unidade política do bloco no poder sob a égide da classe ou fração


hegemônica significa, assim, unidade do poder de Estado, na sua
correspondência com os interesses específicos desta classe ou fração. Esta
característica relaciona-se, entre outras coisas, ao jogo interno das instituições
do Estado capitalista, à sua própria unidade e à sua autonomia relativa
consideradas aqui do ponto de vista da função do Estado com relação ao bloco
no poder".
Sobre o Estado capitalista e o bloco no poder, Magalhães (2001:110)
escreve que

"Cabe ao Estado unificar os interesses dos capitalistas individuais, na


manutenção do sistema, construindo um bloco de poder que venha a agregar
as diferentes frações da classe dominante em torno de uma ideologia que
legitime o seu domínio. (...) o bloco no poder é a expressão política das
diferentes frações da classe dominante. É através do bloco no poder que essas
diferentes frações são unificadas para governar; na verdade, sua função (do
bloco no poder) é a de traduzir a ideologia dominante em ação concreta que se
expressa por uma série de práticas materiais, costumes e valores, as quais
agem como cimento na ligação das relações sociais, políticas e econômicas."
Em outras palavras, a função do bloco no poder é organizar a hegemonia
burguesa no interior do Estado capitalista.
2.7) Leitura marxista de Poulantzas sobre a questão da separação dos
poderes e sobre a predominância ou do Executivo ou do Legislativo um sobre o
outro:

O entendimento tradicional acerca da separação dos poderes de


Montesquieu é de que se trata de uma distinção jurídica formal. Corresponde a
uma repartição, multicentrista e equilibrada, do poder interno do Estado. É a
idéia liberal clássica dos freios e contrapesos, de poder controlando poder.

Já a interpretação marxista de Poulantzas (1977:300) sobre esta


questão é a de que "De fato, a despeito da declaração da separação de
poderes, particularmente do poder legislativo – parlamento – e do poder
executivo, podemos constatar que o Estado capitalista funciona como unidade
centralizada, organizada a partir da dominância de um desses poderes sobre
os outros".
Trata-se de "relações precisas entre as forças políticas e as diferenças
reais no funcionamento das instituições do Estado. Porém, (...), é sempre
possível decifrar a dominância característica de um desses poderes, daquele
que constitui a instância principal da unidade do Estado. Essa instância – em
regra geral, o legislativo ou o executivo – constitui o ponto nodal em que se
concentra, no interior da organização complexa do Estado, o poder
institucionalizado unitário; reflete o índice das relações internas de
subordinação, por delegação de poder, dos diversos "poderes" do Estado, a
esse "poder" dominante, constituindo o princípio de unidade do poder de
Estado" Poulantzas (1977:300).

Poulantzas (Ibidem:302) prossegue a sua interpretação:

"(...), a unidade do poder institucionalizado é mantida pela sua


concentração em torno do lugar dominante, onde se reflete a classe ou fração
hegemônica. Os outros poderes funcionam sobretudo como resistências ao
poder dominante: inseridos na função unitária do Estado, contribuem para a
organização da hegemonia da classe ou fração que se reflete, como força
política, no poder dominante."
Pode-se concluir então que, na opinião de Poulantzas, a referida
separação não teria relação com a necessidade de dispersar o poder para
evitar sua concentração e eventuais desmandos, conforme prega a visão liberal
tradicional acerca da teoria de Montesquieu, e sim teria relação com a luta de
classes e com os confrontos sociais objetivando a conquista da hegemonia no
interior do bloco no poder.

Sobre a questão do relacionamento executivo e legislativo, o


argumento de Poulantzas é, em linhas gerais, o seguinte: o bloco burguês no
poder pode exercer sua hegemonia tanto no Parlamento, mediante a ação dos
partidos políticos que o representam organizando os interesses políticos do
citado bloco, quanto no Executivo. Nesse último caso, isto ocorre devido à
incapacidade dos partidos políticos representativos do bloco burguês no poder
de organizar a hegemonia burguesa no Legislativo, e, com isso, o próprio
aparelho de Estado passa a exercer a função diretiva da organização política
do bloco no poder. É a situação de autonomia do Estado capitalista e da
burocracia, o que acontece quando as classes sociais se descolam de seus
respectivos partidos políticos. Foi o que ocorreu no caso do bonapartismo
francês de 1850, aproximadamente. As diversas frações burguesas não
estavam mais conseguindo se articular para impor sua hegemonia e, devido a
isso, foi adotado o Executivo forte, a semiditadura de Luís Napoleão, que
passou a ser a instância organizadora da hegemonia do bloco burguês no
poder. Ocorreu o que Poulantzas (Ibidem:308) denomina de "deslocamento da
dominância do legislativo para o executivo. Trata-se de transformações das
formas burguesas de legitimidade".

2.8) A análise marxista de Poulantzas sobre a questão da burocracia:

Poulantzas (1977:328) menciona dois significados distintos atribuídos


pelos marxistas ao termo burocracia. Pode tanto ser o "efeito específico da
estrutura regional do Estado sobre os agentes em uma formação social", como
"um sistema específico de organização e de funcionamento interno do aparelho
de Estado, que manifesta sobretudo o impacto político da ideologia burguesa
sobre o Estado: fenômeno este freqüentemente expresso pelo termo particular
de burocratismo ou de burocratização."

O referido autor não considera a burocracia nem como classe social


nem como fração de classe. Para Poulantzas (1977:329), o que a especifica é
"a sua relação particular com o poder institucionalizado e o fato de pertencer ao
aparelho de Estado, ela não pode ser mais que o efeito da relação do Estado
com as estruturas econômicas por um lado, e com as classes sociais e frações
de classe, por outro".

Sobre a burocracia, Poulantzas (Ibidem:331) escreve que "ela constitui


uma categoria específica. Quer isto dizer que o seu funcionamento particular,
aquilo que a especifica como categoria, não é diretamente determinado pela
sua atribuição de classe, pelo funcionamento político das classes ou frações de
que saiu: depende, antes, do funcionamento concreto do aparelho de Estado, a
saber do lugar do Estado no conjunto de uma formação e das suas relações
complexas com as diversas classes e frações." O que Poulantzas quer dizer é
que a dinâmica de funcionamento da burocracia não está associada nem às
classes sociais das quais são provenientes a maioria dos burocratas, a "classe
detentora do Estado", nem à classe ou fração hegemônica do bloco no poder, a
qual detém o poder de Estado. A dinâmica de funcionamento da burocracia
está relacionada ao funcionamento concreto do aparelho de Estado, no
contexto de uma formação sócio-econômica na qual o referido aparelho se
relaciona com as diferentes classes sociais.

A respeito da classe detentora do Estado, Poulantzas (Ibidem:331)


escreve que

"A importância dessa classe ou fração em que são recrutadas as "cúpulas"


da burocracia, assinalaram-na Marx e Engels, através de um conceito
específico, o da classe detentora do Estado. Este conceito pareceu-lhes
indispensável a fim de indicar que essa classe ou fração pode identificar-se,
mas também não se identificar, com a classe ou fração hegemônica do bloco
no poder, aquela que habitualmente se designa, embora impropriamente, como
classe ou fração politicamente dominante. Em suma, essas cúpulas da
burocracia podem provir de uma classe ou fração politicamente dominante, que
faz parte do bloco no poder, mas que não é a classe ou fração hegemônica
desse bloco".
Com referência a esse assunto, qual seja, o fato de que a camada da
qual é oriunda a maior parte dos integrantes da burocracia poder não ser a
classe ou a fração de classe hegemônica do bloco no poder, Poulantzas
(Ibidem:332) considera que, ocorrendo a situação anteriormente enunciada, a
burocracia exercerá o poder de Estado representando os interesses da classe
ou fração de classe hegemônica no bloco no poder, e não representando a
classe ou fração de classedetentora do Estado.
Por fim, Poulantzas (Ibidem: passim, 342-345) destaca dois aspectos
importantes: primeiro o fato de a burocracia ser o elemento que operacionaliza
a hegemonia do bloco burguês no poder, já que é por seu intermédio que o
Estado capitalista exerce suas funções estruturais essenciais de unidade
política e autonomia relativa; e, segundo, o fato de o caráter político, e,
portanto, a maior ou menor importância da burocracia no modo de produção
capitalista, depender de o Estado ser ou não uma alternativa importante de
emprego para a pequena burguesia e o campesinato parcelar.

Em relação ao primeiro aspecto, Poulantzas (1977:344) considera que


a ação da burocracia retira o caráter de classe das instituições estatais, além
de encarnar a unidade política do povo-nação, ocultando o caráter de classe do
Estado capitalista e transmitindo, exitosamente, a falsa idéia, para as classes
subalternas, de que age em favor do conjunto da sociedade, e não da classe
ou fração de classe hegemônica do bloco no poder. Deste fato é derivada a
idéia de neutralidade da burocracia, desenvolvida por Weber. Isso ocorre pelo
lado da unidade política. No que se refere à autonomia relativa, Poulantzas
considera que, em momentos de crise de hegemonia, a burocracia governa de
forma independente das classes sociais, embora, a longo prazo, garanta a
hegemonia da fração de classe ou classe preponderante no bloco burguês no
poder. Relativamente ao segundo aspecto, Poulantzas (Ibidem:342) considera
que, pelo fato de o Estado ser uma alternativa relevante de emprego para a
pequena burguesia e para o campesinato parcelar na França, e não o ser na
Grã-Bretanha, a burocracia se fortaleceu na primeira e permaneceu fraca na
segunda.

Capítulo 3 – Semelhanças e diferenças entre as teorias de Gramsci e Poulantzas


acerca do Estado Capitalista:

Em relação às semelhanças, pode-se apontar as seguintes:

a) Ambos são críticos com referência à visão marxista instrumentalista do


Estado capitalista, considerando que o aludido Estado representa mais do que o comitê
executivo dos negócios da classe dominante, a burguesia, e que existe autonomia do
Estado capitalista em relação às classes dominantes, embora os dois concordem que, a
longo prazo, tal Estado defende os interesses das camadas sociais dominantes;

b)Tanto Gramsci quanto Poulantzas desenvolvem análises sobre a


independência que o Estado capitalista pode assumir em relação às camadas dominantes
(no caso de Poulantzas, em relação ao bloco no poder). Gramsci aborda este tema
quando examina a questão da crise de hegemonia e da revolução passiva, e Poulantzas
quando analisa a questão da autonomia relativa do Estado capitalista em relação ao
bloco no poder, examinando a leitura de Marx sobre o episódio de Luís Napoleão na
França, na metade do século XIX;

c)Poulantzas incorpora à sua análise o conceito de hegemonia de Gramsci, isto


é, a capacidade que as classes dominantes possuem, no capitalismo, de fazer com que as
camadas subalternas (o operariado principalmente), assumam como seus valores e
crenças que na verdade são provenientes da burguesia. A noção gramsciana de
hegemonia é central para o exame que Poulantzas faz sobre a função de unidade política
exercida pelo Estado capitalista;

d)Em sua análise sobre a questão da autonomia relativa do Estado capitalista


em relação ao bloco burguês no poder, Poulantzas utiliza o conceito de revolução
passiva concebido por Gramsci.

Com referência às diferenças, pode-se apontar as seguintes:

a)Apesar de Gramsci também discorrer sobre o Estado Capitalista e seu


funcionamento, a ênfase do marxista italiano é em relação à importância desempenhada
pelos fatores superestruturais (os aspectos culturais, religiosos, ideológicos da vida
social) na manutenção da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, enquanto a
ênfase de Poulantzas é sobre o funcionamento do Estado capitalista propriamente dito,
suas funções estruturais de promoção da unidade política e de exercício da autonomia
relativa, a questão da separação dos poderes, e também o relacionamento do
funcionamento do mencionado Estado com as classes sociais que nele operam. Em
resumo, pode-se dizer que Gramsci enfatiza em sua análise a sociedade civil, enquanto
Poulantzas se concentra mais na questão do Estado propriamente dito;

b)A abordagem de Gramsci tem uma preocupação mais prática, mais voltada
para a formulação de uma estratégia política de transição para o socialismo que seja
eficiente e proporcione à classe operária a conquista da hegemonia e do consenso na
sociedade civil, proporcionando ao proletariado a obtenção do poder de Estado
em sociedades onde há equilíbrio de forças entre Estado e sociedade civil e onde a
superestrutura burguesa é mais sólida. Por seu turno, Poulantzas desenvolve uma
abordagem mais teórica, na qual procura explicar como o Estado capitalista consegue
unificar na esfera política indivíduos que se encontram separados na esfera econômica
das relações sociais de produção, além da análise da questão da autonomia relativa, o
exame da burocracia entre outros temas;

c)A formulação de Gramsci tem caráter estratégico, no sentido de que se


preocupa em encontrar uma maneira de fazer com que o operariado se transforme na
classe hegemônica da sociedade capitalista não por intermédio de um ataque frontal
(guerra de movimento) ao Estado, mas sim mediante uma tática de persuasão e
convencimento dos proletários não militantes de que os valores e crenças operários é
que devem prevalecer. Ou seja, a contra hegemonia operária iria ser vitoriosa após a
realização de uma guerra de posição contra a superestrutura burguesa, que seria
transformada em superestrutura proletária. Tal caráter estratégico não está presente no
pensamento de Poulantzas;

d) Poulantzas examina em sua análise a questão do totalitarismo, assunto que


Gramsci não aborda;

e)Gramsci atribui aos intelectuais um papel central na guerra de posição a ser


travada pelo proletariado pela conquista da hegemonia superestrutural na sociedade
burguesa, ao passo que Poulantzas não se ocupa detidamente, como Gramsci, deste
tema.
Capítulo 4 – Conclusão:

A conclusão a que se chega é que ambos os autores são fundamentais na


renovação e no enriquecimento da teoria marxista acerca do funcionamento do Estado
capitalista, além de convergirem para uma visão crítica no que se refere à concepção
marxista instrumentalista sobre o Estado capitalista, pela qual este último seria um mero
instrumento de promoção do poder e da preponderância da classe dominante, a
burguesia. Ambos rejeitam este ponto de vista.

Gramsci desenvolve uma abordagem mais concentrada na análise da relevância


da superestrutura (aspectos culturais, religiosos, ideológicos da vida social) para a
existência da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, e elabora uma teoria da ação
política que visa proporcionar ao operariado a obtenção da hegemonia social no
capitalismo, a ser conquistada por meio da realização de uma guerra de posição que
culminará no estabelecimento da contra hegemonia operária na sociedade capitalista.
Neste aspecto, a função a ser desempenhada pelos intelectuais é de extrema relevância
na opinião de Gramsci.

Já Poulantzas concentra mais fortemente sua análise no funcionamento do


Estado capitalista, relegando a sociedade civil e a superestrutura a segundo plano. Ele
enfatiza as duas funções estruturais mais importantes desempenhadas pelo Estado
capitalista: a unidade política e a autonomia relativa. A primeira consiste no fato de o
referido Estado ser capaz de unificar, no âmbito político, no interior das instituições
públicas nas quais o caráter de classe é abolido, burgueses e operários que, na esfera
econômica das relações sociais de produção, encontram-se dissociados e situados em
campos opostos. A segunda consiste na independência que o aludido Estado possui em
relação ao bloco burguês no poder, e que é essencial à manutenção da hegemonia
burguesa na sociedade capitalista, posto que, quando a referida hegemonia está
ameaçada, o Estado capitalista faz concessões às classes subalternas, neutralizando seu
potencial revolucionário e assegurando, desta maneira, a sobrevivência da hegemonia
burguesa no capitalismo. Para realizar esta análise da unidade política e da autonomia
relativa do Estado capitalista, Poulantzas lança mão de várias categorias formuladas por
Gramsci, tais como hegemonia, crise de hegemonia, revolução passiva, entre outras.

Notas:

1 - A tradição economicista do marxismo ortodoxo é, segundo Taylor (in


Marsh & Stoker, 1995:252) "uma variante do marxismo que superestima a
determinação da vida social pela base econômica e, conseqüentemente, subestima a
importância da ideologia e da ação política na formação da história".

Bibliografia:

Carnoy, Martin. Estado e Teoria Política. Campinas: Papirus, 1988;


Coutinho, C. N. Gramsci – Um estudo sobre seu pensamento político. Rio de
Janeiro: Campus, 1989.

Magalhães, José Antônio Fernandes. Ciência Política. Brasília: Editora


Vestcon, 2.001;

Poulantzas, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. São Paulo: Martins Fontes,
1977;

Taylor, George in Marsh, David e Stoker, Gerry. Theory and Methods in


Political Science. Nove Iorque: St. Martin’s Press, 1995.

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