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3 - Psicoterapia Corporal e

Psicossomática
Doenças - Doenças II - A Doença como Caminho de Cura
A doença não é um acontecimento que atinge um indivíduo, o qual passa, então, a estar
a ela submetido.
O organismo doente está envolvido no aparecimento, no desenvolvimento e na cura de
sua doença.
O ser humano pode-se instalar na doença, pode obter com ela benefícios, mas pode,
principalmente, pela doença, exprimir tendências profundas.
Existe, então, um fenômeno psique-soma no processo de adoecimento físico do ser
humano, e seu estudo, dentro de uma perspectiva moderna, a psicossomática, foi
iniciado por Freud, a partir de seus estudos sobre a "histeria de conversão".
No acontecimento histérico, o corpo relata, fala, descarrega e protesta através do seu
próprio adoecimento.
É sempre, uma forma de o organismo expressar conflitos profundos.
Como os distúrbios digestivos, por exemplo, que são, muitas vezes, expressão de
conflitos entre o reter e o expelir, entre o desejo e a necessidade.
A doença, portanto, não é algo que vem de fora ou já está lá antecipada, é, sim, um
modo peculiar de a pessoa se comunicar em circunstâncias adversas.
É, pois, em suas várias formas, um modo de ser no mundo, um modo de se relacionar
com as pessoas em volta.
O conhecimento atual sobre o sistema imunológico, visto como um sistema
intermediário entre o indivíduo, seus outros sistemas e o meio exterior e, também, como
mantenedor da integridade corporal - portanto, um sistema auto-regulável, adaptativo e
da vida de relação, estando, pois, em íntima interação com o sistema nervoso e com o
sistema endócrino -, tem sido uma enorme contribuição na compreensão do tênue limite
existente entre o que é propriamente somático e o que é propriamente psíquico.
Isto nos leva a ter que encarar o limite do conhecimento técnico na compreensão dos
mecanismos de formação das doenças; e, em função desses princípios, colocamo-nos a
refletir sobre a importância de se mudar o foco da ação terapêutica da doença para a
interação com alguém doente, de quem, na verdade, podem advir os recursos realmente
curadores de uma doença.
Uma das mais importantes fórmulas acerca do encontro entre o psíquico e o somático é
a fórmula da energia.
No conceito de "Unidade Funcional" ou "Identidade Básica", criado por William Reich,
considera-se que a fonte de todos os acontecimentos humanos é a bionergia, ou orgon, o
que significa que as atitudes corporais e as atitudes mentais-emocionais se
correspondem, podendo substituir-se e influenciar-se mutuamente.
Cada região do corpo, além de prestar-se a uma determinada função vivente, pode
emprestar-se para representar uma zona específica de conflito, conflito energético entre
o psíquico e o somático.
Esses conflitos são cargas emocionais relacionadas a acontecimentos vitais do passado,
os quais, mal "metabolizados", permanecem e atualizam-se, criando obstáculos diversos
à vida.
Quando mobilizados, podem liberar ou distribuir energia, facilitando a consciência das
circunstâncias vividas, a expressão emocional, antes contida, e a organização de um
novo modus vivendi psico/corporal.
Todo o stress ocorrido durante as fases primitivas do desenvolvimento somato-
emocional do indivíduo geram, em cada organismo humano, reações energéticas
específicas, que servem de base para o desenvolvimento de doenças, no futuro, desse
organismo.
É Frederico Navarro quem diz que as biopatias primárias, que correspondem às bases
energéticas das doenças graves e geralmente "incuráveis", estariam relacionadas ao
stress vivido em períodos mais tenros da vida humana (uterinos).
As biopatias secundárias, bases de doenças graves e geralmente "curáveis", estariam
também ligadas ao stress ocorrido em períodos iniciais (uterinos) e em torno do
nascimento.
As doenças somato-psicológicas conhecidas como "subclínicas" (ex.: gastrites, úlceras
não instaladas, etc) corresponderiam ao stress ocorrido no período da infância.
As somatizações ligadas a fortes acontecimentos emocionais (como paralisias histéricas
diversas), corresponderiam ao stress advindo da puberdade em diante.
Diante dessa concepção de interação mente/corpo/energia, podemos criar relações entre
as diversas regiões do corpo afetado e a expressão de conteúdos subjetivos.
E assim, podemos observar que, mobilizando o movimento respiratório irregular, o
silêncio peristáltico, a contração ocular e as diversas disfunções organísmicas,
possibilitaremos o encontro com os sentidos mais profundos da gênese da doença de
uma pessoa.
E restabelecendo o ritmo respiratório espontâneo, os sons peristálticos rítmicos, o
contato ocular descontraído, em síntese, o estado natural do organismo humano, estaria
a pessoa ambientando um novo campo energético onde basear a sua saúde.
Um acompanhamento terapêutico baseado numa visão da integração do organismo
pode, pois, propiciar uma busca mais profunda do sentido da cura.
Outra maneira de olhar para o acontecimento doença/grave e a possibilidade/da/morte é
a que pretende integrar o somático, o psíquico e o espiritual.
Nessas visões, como na de David Boadella, dá-se uma grande ênfase ao grounding
espiritual e aos estados transpessoais, reconhecendo-se que o trabalho psicossomático
abre conexões para além do físico.
O trabalho terapêutico, dentro de perspectivas que consideram a questão "espiritual",
requer uma profunda reflexão sobre a relação entre o terapeuta e seu cliente.
Ressonância, empatia, amor de transferência, tele são conceitos diversos para falar da
mesma e necessária humanidade dessa relação.
Conceitos como o de inner-ground, self, eu superior e outros fazem referência a uma
realidade essencial, relacionada à presença e ao ser mais profundo em cada um de nós.
Haveria, pois, na experiência de estar doente e/ou de morrer, um sentido espiritual de
contínuo aprendizado.
Nesse sentido, poderia haver um grande amparo no processo de adoecimento e de morte
de uma pessoa se ela experimentasse a presença de um outro
corpo/espelho/apoio/contato a estimular-lhe a vida.
Como terapeutas precisamos encontrar vias em nós mesmos e nos prepararmos para
exercer essa forma de ajuda.
Segundo Susan Sontag, "a doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania
mais onerosa.
Todas as pessoas vivas têm dupla cidadania, uma no reino da saúde e outra no reino da
doença.
Embora todos prefiramos usar somente o bom passaporte, mais cedo ou mais tarde, cada
um de nós será obrigado, pelo menos por um curto período, a identificar-se como
cidadão do outro país. (...)
Meu ponto de vista é que a doença não é uma metáfora e que a maneira mais honesta de
encará-la - e a mais saudável de ficar doente - é aquela que esteja mais depurada de
pensamentos metafóricos..."
Atendendo Alice, muito refletimos sobre essa questão:
Alice teve que fazer uma cirurgia cardíaca para instalar uma válvula-prótese.
Era a consequência de anos de um longo curso de uma febre reumática, que tinha sido
bem tratada.
Evidentemente, passara uma infância limitada em seus movimentos e possibilidades, já
que quaisquer esforços agudizavam a sua doença.
A família, estóica, ensinou-a a lidar, bastante naturalmente, com as suas condições de
saúde, mas "esqueceu-se" de valorizar os aspectos emocionais vividos por uma criança
diante de experiência tão limitadora.
E, provavelmente, também, não pôde valorizar os aspectos emocionais ligados às suas
próprias vivências diante de tarefa tão árdua como a de cuidar, ininterruptamente, de
uma criança com febre reumática.
Tudo bem "contidinho", Alice construiu-se, sempre, objetivamente natural.
Perto da cirurgia, sentiu medo - mas tranqüilizou-se e cuidou-se muito bem:
fisicamente. Teve uma boa cirurgia, excelente recuperação, exímios cuidados médicos e
familiares.
E agora, passado o pós-operatório, sozinha, sem a proximidade de sua família, sente-se
machucada no seu peito: deprime-se. Luta consigo própria: "que é isso?, eu, sentindo
essas coisas incontroláveis...?"
É preciso "convencê-la" a emocionar-se.
Permitir-se sofrer por suas próprias dores. É verdade, é "natural" a sua doença; é
"apenas uma doença", que "dói aqui, dói ali..."
Mas chore, Alice! Seu peito foi aberto. Lamente-se. É só ser humana!
Alice "atende". Transforma-se, agora, em lágrimas e estoicismo. Bravo, Alice! Bravo!
Haveria como aplicar essa visão não-preconceituosa da naturalidade da doença para
com as concepções acerca da morte?

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