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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM I (2019.2)

Atividade Avaliativa II
No Brasil, a condição social é um fator que influencia na hierarquização dentro das
escolas, dado que muitos alunos que são limitados economicamente sofrem de exclusão. Na
história de Ângela, a pobreza trouxe consequências como a culpabilização da sua reprovação e
a associação da escassez com a ausência de capacidade intelectual. Desse modo, o que muitos
profissionais da educação têm argumentado é que o problema do fracasso escolar em algumas
crianças decorre da miséria, deixando para segundo plano o preconceito ainda existente, ou
seja, o foco norteia-se nos fatores extra-escolares como condição econômica, fome e
desnutrição. Por consequência disso, as causas intra-escolares salientadas no currículo,
programas e avaliações do desempenho dos alunos são camufladas e entendidas como
desnecessárias para a problematização da má-educação. Em um momento da história, conta-se
que uma psicóloga avaliou a Ângela e inferiu que os motivos dos problemas dela baseavam-se
apenas nos conflitos familiares, constatando assim como as escolas são propagadoras de
exclusão, mas ao mesmo tempo colocam-se isentas de uma filosofia que visa o desempenho
saudável de todos os indivíduos.

Outrossim, a escola perpetua um processo de afastamento desde o início do seu processo


de escolarização, visto que a criança foi renegada a uma classe que “não se esperava muito em
termos de rendimento acadêmico”, mostrando, assim, como essas instituições possuem um
controle proposital sobre a alocação dos alunos em diferentes turmas e turnos.
Consequentemente, os impactos de tal segregação são nocivos quanto à qualidade do ensino
recebido, ao reforço de rótulos, além de incitar uma demasiada competição e individualismo,
na qual os alunos apenas reproduzem a estrutura proposta pela própria escola. Ademais,
segregações educacionais em diferentes turmas aumentam nocivamente a associação entre
desempenho acadêmico e condição socioeconômica por reproduzir preconceitos sobre alunos
em desvantagem que podem, assim como na vida de Ângela, enfrentar diversos fatores extra-
escolares que afetam seu rendimento, como a falta de materiais e a introdução forçada ao
trabalho doméstico.
Desde a antiguidade, a mulher ocupa um papel subalterno ou complementar ao homem,
sendo estabelecida uma função puramente doméstica para a mesma em uma sociedade
patriarcal. O contexto do relato de Ângela encaixa-se nessa sociedade, visto que seu pai é o
provedor enquanto a mãe é renegada aos papéis de cuidado da casa e dos filhos. Além do mais,
Ângela é precocemente destinada ao trabalho doméstico devido ao seu ambiente social de
pobreza, o qual necessita ajudar sua mãe a cuidar dos outros cinco irmãos. Consequentemente,
é notória a insatisfação da mãe de Ângela – Cícera- com a ausência do pai no contexto
domiciliar, porém, devido ao fato dele ser o único que sustenta a família, ela encontra-se
dependente economicamente, além disso, sua inserção no mercado de trabalho ficaria ainda
mais inacessível, pois era analfabeta. Em suma, devido ao papel da mulher na sociedade ser
inflexível e predestinado, o desenvolvimento escolar de Ângela e sua possível ascensão social
tornam-se um processo ainda mais complexo, pois lhes são impostos padrões machistas e
patriarcais.

Pierre Bordieu, sociólogo francês, aborda em seu livro, A reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino, a teoria da reprodução social, que, em suma, trata-se da
tendência que os sujeitos possuem de atuar por meio das estruturações e posicionamentos
sociais, nos quais estão previamente inseridos. Desse modo, é notável que a lógica de Bordieu
evidencia-se na realidade de Ângela, quando ela declara que sua infância foi semelhante a do
seu pai, uma vez que ambos tiveram de assumir precocemente papéis não destinados à criança,
pois ele também teve que se responsabilizar pelos cuidados dos seus irmãos desde cedo. Diante
disso, é evidente que a sociedade contemporânea brasileira está submetida à falta de mobilidade
social e isso define o escasso acesso às oportunidades de ascensões sociais das camadas mais
pobres.

Ademais, a pesquisadora narra a curiosidade sexual da criança e o modo como sua


família e escola não abordam o tema “sexo”, tornando-o um tabu. Desse modo, devido à uma
inexistência de educação e explicações sexuais, Ângela encontra-se com uma gravidez
indesejada aos 18 anos, que a forçou a parar de estudar, situação recorrente em milhares de
adolescentes brasileiras. Logo, é necessária a reflexão sobre a importância de uma educação
sexual na escola, visto que o Brasil, desde a sua colonização, aparece como um país ditado por
uma visão mínima de sexualidade, moralista, no qual os valores cristãos determinam o sexo
como um mero instrumento reprodutivo. Pode-se afirmar, portanto, que as escolas brasileiras
necessitam de uma educação sexual não mais pautada em teorias puramente biológicas e
médicas, mas teorizada de modo a abordar todas questões da sexualidade, como o prazer, a
dúvida, os riscos, buscando uma educação cada vez mais humanizada e libertadora.

Visto que Cícera, mãe de Ângela, não havia sido alfabetizada durante sua infância,
matricula Ângela em uma escola para que essa possa ter a educação que sua progenitora não
teve. De acordo com a pesquisadora, "A qualidade que as atividades de preparação para a
alfabetização geralmente têm - uma repetição interminável de exercícios e perguntas
descontextuadas e até mesmo absurdas sobre localização espacial e temporal, partes do corpo,
noção de tamanho etc.", (PATTO, 1987, p. 311) é possível entender que a teoria empirista-
associacionista estava sendo utilizada na educação dos alunos desse colégio. Sendo assim, essa
proposta de ensino se conecta muito bem com a passividade intelectual em relação ao aluno, na
qual o professor determina que o estudante seja um simples receptor de informações, utilizando-
se de métodos de condicionamento e reforço para que a disciplina seja apreendida e copiada.
Além disso, Paulo Freire cita o conceito de "educação bancária'", que ele pressupõe uma relação
vertical entre o educador e o educando, sendo o educador "bancário" quem realiza "depósitos"
em seus educandos, que os absorvem acriticamente. Tal proposta foi nociva a Ângela visto que
houve pouca participação e muita competição dentro da sua sala de aula.

Como citado acima, desde o princípio, Ângela ao adentrar na escola foi subjugada à um
sistema de ensino empirista-associacionista que trabalha a reprodução e a não criticidade.
Diante de tal conjuntura, a menina foi estigmatizada não somente pela abordagem educacional,
que potencializa o caráter inerte do indivíduo, mas pelas próprias educadoras que tornavam
explícitas suas opiniões pessoais, de cunho preconceituoso sobre Ângela e sua família, fato
evidenciado nas falas que as professoras dirigem à pesquisadora, alegando que a família, o
contexto histórico e social, eram fatores irrefutáveis para o fracasso da menina. O conto da
escritora brasileira, Ruth Rocha, Quando a escola é de vidro, relata a história de uma escola em
que cada criança possuía um respectivo pote de vidro, o qual deveriam permanecer durante as
aulas para não se movimentarem em demasia. Esse conto pode ser associado com o contexto
de vida da Ângela, pois de uma forma (in)direta foi submetida desde o começo a um pote de
vidro, a qual, evidentemente, ela não cabia simplesmente por ter sido, desde o início,
estigmatizada, e, consequentemente, não seguir o mesmo padrão de desenvolvimento dos seus
colegas de sala.

REFERÊNCIAS:
DEMARTINI, G. R. Articulação entre Paulo Freire e Herbert Marcuse para uma educação
sexual humanizadora. 2015. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Ciências
Humanas, Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2015.

COLLARES, C. A. L. ; Ajudando a Desmistificar o Fracasso Escolar. Ideias (UNICAMP), v.


6, p. 24-29, 1990.

SEBER, M. G.; LUÍS, V. L. F. F. Psicologia do pré-escolar: uma visão construtivista.


Colaboradora Vera Lúcia Freire de Freitas Luís. São Paulo: Moderna, 1995.

PISCITELLI, Adriana.“Gênero: a história de um conceito”. In: BUARQUE DE ALMEIDA,


H.; SZWAKO, J. (org.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009. pp.
116-148.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São


Paulo: Intermeios, 2015, p. 305-322; 414-419.

ROCHA, Ruth. Quando a escola é de vidro. São Paulo: Salamandra, 1986.

FREIRE. P. ‘Educação “bancária” e educação libertadora’. In: PATTO, M. H. S. (Org.).


Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997, p. 54-70.

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