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Sobre os Conselhos Médicos

Colegas Médicos,

Lamento pedir-vos atenção para comentar tempos tão obscuros.

As luzes se apagam. Que a Luz, um dia, possa voltar a iluminar-nos.


Hoje, absolutamente, não é o caso. Poderia calar-me, mas, vendo o
Circus Maximus em chamas, suponho válido este parágrafo último
de indignação.

Acompanhei atentamente esta lacrimosa, arrastada e movediça


história - meses à fio - as batalhas verbais, a indignação coletiva, os
atos de coragem, os de covardia, as manifestações de desespero,
as bocas, as vozes e espíritos implorando justiça. Unânimes.

Todos unânimes no desejo de justiça. Obstinados em nem mais nem


menos do que o garante a lei - apenas o branco, o alvo, o simples -
o correto.

Mas não foi assim.

Não, desta vez não prevaleceu o justo, não sobressaiu o vindicante,


não venceu o que pede por justiça. Perdermos todos. Perdemos
nós, médicos, irremedialvelmente incompreendidos em nossa
plegária, desamparados na injúria e ainda assim, por ofício,
resignados e prontos a trabalhar mais, amanhã e depois por
inúmeras outras manhãs, por nós e pelos outros, contra vento e
maré.

Sentimos na nossa carne e na carne dos enfermos, na ferida aberta,


nos corpos morrentes e exangües. Sentimos diante da morte e
encaramo-la de frente, coisa que poucos fazem com nossa destreza
e caridade, não obstante diplomas e títulos vãos. Somos médicos e
só nós o somos de inteiro direito.

Talvez não amanhã, mas brevemente, e aos poucos, toda uma


nação, todo um povo há de ressentir o enorme, o incomensurável
erro que foi cometido nestes tempos lamentáveis. Folie et Déraison,
Nau dos Insensatos.

Não nos levantaremos.

Subdesenvolvimento não se improvisa e certamente provamos isto


com lauréis. Cecidit corona capitis nostri vae nobis quia pecavimus.
A coroa tombou de nossas cabeças, desgraça à nós porque
pecamos.

Mas pecou também a civilização brasileira - se alguma há.


Equivocada desde o princípio, a ideia mesma dos conselhos
profissionais deriva do fascismo italiano via França de Vichy,
tristemente nacionalizada nos anos cinquenta durante a agonia de
um outro ditador populista.
Justamente quando os próprios inventores já haviam repudiado e
lançado ao escárnio e ao opróbrio estes mesmos Conselhos. Eram
entidades policiais e coercitivas. Talvez acreditassem os europeus e
americanos civilizados que haviam promovido semelhante
hecatombe que a truculência para com os médicos era excessiva
mesmo num mundo pós guerra saturado de milhões de mortos.

Talvez valêssemos mais em tempos ainda mais difíceis.


Possivelmente seja necessário ver o horror de perto para valorizar as
conquistas da civilização ao invés de lança-las ao esgoto.

Ingenuamente a comunidade médica do Brazil foi levada a acreditar


que um Conselho serviria de orgão representativo ou entidade
associativa. Erro crasso. Permanecer nele é menos que
simplesmente tolerável. Conselhos profissionais não são guildas
medievais protetoras, são entidades recentíssimas criadas pelo
fascismo para policiar, coagir, fiscalizar e punir. Que não se iludam
os mais novos e corrijam-se os antigos. Basta uma grande ilusão por
geração. Que nunca mais se creia em quem nos pretende
representar, quando estes representam apenas a si próprios. De
minimis non curat praetor. O pretor não se ocupa dos mínimos.

Naturalmente a Medicina e seu exercício serão controlados. E como


e de que maneira! Certamente usando de atos e subterfúgios que
nos causarão horror e repúdio. Os interesses são inumeráveis.
Agora este mesmo exercício será fiscalizado por outros - os
burocratas tiranetes do momento serão outros. Com diferente
padrão ético, com outras agendas, imersos no projeto socialista, na
Utopia revolucionária do mundo melhor que justifica todas as ações
e que é o derradeiro refúgio de todos os canalhas. Nos novos
tempos a polícia será outra e outros serão seus cúmplices. Somente
outros funcionários, apenas cumprindo ordens como os
antecessores. Não mais conselhos profissionais, mas polícias
políticas, Gestapos, KGB's , Tribunais do Povo.

Que se acautelem os que tem a temer, diz o profeta. E é só o que


temos.

Timor et tremor. Temor e terror.

Inermes, paralisados, estupefatos - mas ainda ( insisto) - dispostos


a trabalhar amanhã e além, pelo pão e pela prata.

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