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FACULDADE DE CIÊNCIAS DO PORTO

GEOLOGIA ESTRUTURAL
(PARTE I)

Frederico Sodré Borges

2 0 0 2
ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1
1. ESTADO DE TENSÃO 8
1.1. INTRODUÇÃO 8
1.2. DEFINIÇÃO E NOTAÇÃO DAS COMPONENTES DE TENSÃO 9
1.3. TENSÕES PRINCIPAIS 13
1.4. SINAIS CONVENCIONAIS DAS TENSÕES 14
1.5. TENSÕES ACTUANTES NUMA FACETA DE ORIENTAÇÃO CONHECIDA 15
1.5.1. Estado de tensão bidimensional 17
1.5.1.1. Diagrama de Mohr a duas dimensões 18

1.5.2. Diagrama de Mohr (estado de tensão triaxial) 20


1.6. PLANOS DE MÁXIMA TENSÃO DE CORTE 23
1.7. ESTADOS DE TENSÃO ESPECIAIS 24
1.8. TENSÃO MÉDIA E TENSÃO DEVIATÓRICA 25
1.9. TENSÃO LITOSTÁTICA 26
1.10. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ESTADO DE TENSÃO NUM PONTO 27
1.10.1. Elipsóides de tensão 27
1.10.2. Trajectórias de tensão 28

2. ESTADO DE DEFORMAÇÃO 31
2.1. CONCEITO DE DEFORMAÇÃO 31
2.2. PARÂMETROS DE DEFORMAÇÃO 32
2.2.1. Extensões 33
2.2.2. Cisalhamentos 36
2.3. A DEFORMAÇÃO COMO FENÓMENO PROGRESSIVO 39
2.3.1. Trajecto de deformação 39
2.3.2. Velocidade de deformação 40
2.3.2.1. Subsidência 40

2.3.2.2. Levantamento tectónico 42

2.3.2.3. Expansão dos oceanos 43

2.3.2.4. Expansão da região de Basin and Range (E.U.A.) 44

2.3.2.5. Dobramento 44

2.3.2.6. Falhamento 45

2.3.2.7. “O não-fenómeno geológico” 46

ii
2.4. DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA E DEFORMAÇÃO HETEROGÉNEA 48
2.5. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA A 2 DIMENSÕES 51
2.5.1. Elipse de deformação 51
2.5.2. Deformação rotacional / irrotacional e coaxial / não-coaxial 55
2.5.3. Casos particulares de deformação homogénea (a 2-D) 56
2.5.4. Determinação da elipse de deformação 58
2.5.4.1. Reconhecimento das direcções principais da deformação finita 59

2.5.4.2. Determinação das extensões principais 61

2.5.5. Diagrama de Mohr para a deformação a 2 dimensões 63


2.5.6. Estruturas geológicas básicas, referíveis a uma deformação a duas dimensões 66
2.5.6.1. Estruturas resultantes de estiramento 66

2.5.6.2. Estruturas resultantes de contracção 67

2.5.6.3. Estruturas resultantes da combinação de estiramento com contracção 67

2.6. DEFORMAÇÃO A 3 DIMENSÕES 69


2.6.1. Extensões principais 69
2.6.2. Elipsóide de deformação 70
2.6.2.1. Definição 70

2.6.2.2. Diagrama de Flinn 73

2.6.3. Diagrama de Mohr 75

3. RELAÇÃO ESTADO DE DEFORMAÇÃO − ESTADO DE TENSÃO 77


3.1. INTRODUÇÃO 77
3.2. COMPORTAMENTO REOLÓGICO DAS ROCHAS 81
3.2.1. Comportamentos reológicos ideais 82
3.2.1.1. Comportamento elástico 82

3.2.1.2. Comportamento plástico 85

3.2.1.3. Líquidos viscosos 86

3.2.2. Comportamento das rochas - resultados experimentais 88


3.2.2.1. Ensaios de curta duração 88

3.2.2.2. Ensaios de longa duração (fluência ou creep) 100

3.3. MODELOS REOLÓGICOS 102

iii
4. DOBRAS 106
4.1. INTRODUÇÃO 106
4.2. DESCRIÇÃO GEOMÉTRICA DAS DOBRAS 107
4.2.1. Descrição de uma superfície singular dobrada 107
4.2.1.1. Perfil de uma dobra: linhas e pontos notáveis 109

4.2.1.2. Dobras cilíndricas. Diagrama-π e diagrama-β 111

4.2.1.3. Abertura de uma dobra 113

4.2.1.4. Atitude de uma dobra 115

4.2.2. Relações entre superfícies dobradas sobrepostas 119

4.3. DESCRIÇÃO DA ATITUDE ESPACIAL DE UMA DOBRA 120


4.4. DESCRIÇÃO DA “ATITUDE ESTRATIGRÁFICA” DE UMA DOBRA 123
4.5 CLASSIFICAÇÃO DAS DOBRAS 125
4.5.1. Classificação de Turner e Weiss 125
4.5.2. Classificação de Ramsay 127
4.6. MODELOS CLÁSSICOS DE DOBRAMENTO 131
4.6.1. Dobramento por deformação longitudinal tangencial 131
4.6.1.1. Deformação interna 131

4.6.1.2. Deformação de uma lineação preexistente 133

4.6.1.3. Estruturas menores associadas 134

4.6.1.4. Flexão anticlástica 135

4.6.2. Dobramento flexural 136


4.6.2.1. Deformação interna 138

4.6.2.2. Estruturas menores associadas 138

4.6.2.3. Deformação de uma lineação preexistente 139

4.6.3. Dobramento por escorregamento laminar (shear folding, slip folding) 140
4.6.3.1. Deformação interna 141
4.6.3.2. Deformação de uma lineação preexistente 142

4.6.3.3. Discussão do modelo de escorregamento laminar 143

4.7. REDOBRAMENTO 145


4.8. TEORIAS DE DOBRAMENTO 148
4.8.1. Dobramento de “estrato” individualizado 150

iv
4.8.2. Dobramento de multiestratos 153
4.8.2.1. Estudos analíticos 153

4.8.2.2. Estudos não analíticos 154

4.8.2.3. Estruturas em corpos irregularmente multiestratificados 160

4.8.3. Dobramento de superfícies de contacto ou de superfícies livres 162

5. ESTRUTURAS PLANARES (FOLIAÇÕES) 163


5.1. INTRODUÇÃO 163
5.2. TIPOS DE FOLIAÇÃO 166
5.2.1. Bandagem de diferenciação 166
5.2.2. Clivagem de fractura 168
5.2.3. Clivagem de crenulação 170
5.2.4. Clivagem ardosífera e xistosidade 173

5.2.4.1. Caracterização geral 173

5.2.4.2. Relações de orientação da xistosidade nas dobras 177

5.2.5. Idade relativa de duas foliações 180

6. FALHAS E ZONAS DE CISALHAMENTO 183


6.1. INTRODUÇÃO 183
6.2. FALHAS 185
6.2.1. Classificação de Anderson 186
6.2.2. Nomenclatura das falhas 190
6.2.3. Determinação do sentido do movimento numa falha 194
6.2.4. Produtos das falhas 196
6.2.5. Falhas normais 197
6.2.6. Falhas inversas 199
6.2.7. Desligamentos 200
6.3. ZONAS DE CISALHAMENTO FRÁGIL-DÚCTIL 204
6.3.1. Geometria do cisalhamento simples 205
6.3.2. Formação dos veios sigmoidais “en échellon” 206
6.4. Zonas de cisalhamento dúctil 209

v
7. DIACLASES 211
7.1. INTRODUÇÃO 211
7.2. DESCRIÇÃO DAS DIACLASES 212
7.2.1. Forma de ocorrência 212
7.2.2. Dimensão 213
7.2.3. Orientação 213
7.2.4. Frequência 216
7.2.5. Abertura, preenchimento e rugosidade 217
7.3. GÉNESE DAS DIACLASES 219
7.4. DIACLASAMENTO DE ROCHAS MAGMÁTICAS 222

8. LINEAÇÕES 226
8.1. DEFINIÇÃO 226
8.2. TIPOS DE LINEAÇÕES 227
8.2.1. Estrias de deslizamento 228
8.2.2. Boudinage 230
8.2.3. Bastões de quartzo 232
8.2.4. Estruturas colunares 234
8.2.5. Lineações minerais 236
8.3. Relação entre lineações e dobramentos sintectónicos 240

9. ANÁLISE ESTRUTURAL 241

ANEXO I - Sistemas de unidades, SI e cgs 246


ANEXO II - Tabela de conversão de unidades de tensão 247
ANEXO III - Quadro sinóptico de estruturas geológicas 248

BIBLIOGRAFIA 249

vi
INTRODUÇÃO

Se bem que métodos indirectos (nomeadamente, de índole geofísica, tais como estudos
gravimétricos e magnéticos), técnicas experimentais (tais como ensaios laboratoriais e modelação
laboratorial) e a análise físico-matemática (modelação matemática ou simulação computacional)
contribuam cada vez mais para a compreensão dos fenómenos geológicos, a Geologia continua,
primordialmente, a ser uma “ciência de campo”. É no terreno que o geólogo faz as suas primeiras
observações e colhe as suas amostras. É, normalmente, ao terreno que regressa, para conferir,
confirmar, infirmar ou rejeitar as conclusões a que as observações laboratoriais ou as análises
teóricas o tenham conduzido.
No campo, o geólogo observa o arranjo espacial das rochas, que agrupa, localmente, em
“formações”, isto é, conjuntos de rochas com características litológicas e/ou paleontológicas que lhe
conferem uma certa homogeneidade de fácies que as torna distinguíveis das restantes, com que
contacta e tais que constituem uma unidade cartografável. Este agrupamento das rochas em
formações (assim como, a definição de subunidades e o estabelecimento de correlações) é o
objectivo da Estratigrafia. São outros os objectivos da Geologia Estrutural: aqui, os trabalhos são
dirigidos no sentido de elucidarem a arquitectura dos materiais litológicos deformados e, em
particular, as rochas. Num sentido mais lato, a Geologia Estrutural abrange a Tectónica, ciência que
estuda as forças e os movimentos envolvidos nos fenómenos geológicos, nomeadamente, as forças
e os movimentos que ocasionam os sismos ou os que produzem as estruturas geológicas.

Falando-se de estruturas, convém ter presente que o termo pode ser usado em duas
acepções distintas:

i. significando uma forma bem definida assumida por uma unidade litológica, como, por
exemplo uma dobra, uma falha, etc. (Figs.i1, i2);
ii. significando a organização ou configuração de um corpo, como, por exemplo, em
“estrutura dos Alpes”, “estrutura do Complexo de Bushweld”, etc.

Fig.i1- Dobras com variadas formas, atitudes e dimensões

1
Fig.i2- Estruturas envolvendo fracturação (uma falha, uma zona de cisalhamento e boudinage de um dique)

A relação entre a primeira e a segunda acepção é análoga à que existe entre uma letra do
alfabeto e uma palavra (ou uma frase, ou um texto). À primeira acepção corresponde uma fase
analítica dos estudos de Geologia Estrutural ; à segunda, uma fase de síntese. Nessa análise
intervém a observação de “marcas” de deformação, nomeadamente, corpos distorcidos (Fig.i3).

Fig.1.3- Marcas de deformação: oóides; conglomerado (área fotografada, ~15x9 cm);


trilobites; pillow-lavas (altura do afloramento, ~1,5 m)

A transposição da análise estrutural para uma síntese estrutural não é uma simples
somatório de observações, nem corresponde, como se poderia supor, a uma simples mudança de
escala de observação (como seria, por exemplo, passar de observações de estruturas no terreno a
observações feitas a partir de um avião ou de um satélite artificial).
Na verdade, o problema da escala de observação isto é, da correlação entre observações
feitas a diferentes escalas coloca-se, desde logo, na fase analítica do estudo das estruturas
geológicas.

2
Fig.i4- Dobras e fracturação desde a escala microscópica à megascópica

A escala de observação pode variar de forma muito acentuada (Fig.i.5 cf. Fig.i1-4). Poderão
observar-se deslocamentos, desde os prevalecentes ao nível da estrutura atómica dos cristais
(densidade de deslocações, organização espacial das deslocações, estruturas subgranulares,
geminações submicroscópicas, etc.), até deslocamentos envolvendo as maiores unidades
tectónicas reconhecidas, as placas litosféricas.

Fig.i5- Estruturas observadas ao microscópio electrónico de transmissão (cristal muito deformado, com elevada
densidade de deslocações, com emaranhados definindo bandas de deformação; cristal com alguma recuperação da
deformação, em que as deslocações – em menor número – apresentam duas orientações preferenciais, correspondentes à
activação de dois sistemas de escorregamento; cristal recristalizado, com uma densidade de deslocações muito menor. Em
baixo, estádio inicial de um agregado de cristais de plagióclase e, à direita, o produto final de uma recristalização desses
cristais. As microfotografias de cima corresponder-se-ão, grosso modo, com as de baixo.

3
As observações afectam, pois, entidades de dimensões que vão desde 10-6 cm até cerca de
108 cm, ou seja, uma gama de 15 ordens de grandeza. Entre aqueles valores extremos, um sem
número de situações: deslocamentos intergranulares, deslocamentos correspondentes a estruturas
observáveis em amostra de mão (estruturas mesoscópicas), em afloramentos da ordem do metro
de extensão (estruturas macroscópicas), ou à escala regional (estruturas megascópicas). Apesar da
grande disparidade de escalas de observação, o objectivo do geólogo estruturalista é, sempre,
estabelecer relações entre os diferentes dados de observação e integrá-los coerentemente.

Importa, ainda, não esquecer que fenómenos de natureza química têm, também lugar na
deformação (Fig.i6). Por exemplo, a deformação promove a difusão diferencial dos elementos
químicos (e dos minerais) e as transformações químicas podem facilitar a deformação plástica dos
minerais e dos seus agregados.

Fig.i6- Fenómenos de difusão quimica à escala submicroscópica (decomposição spinodal num cristal de plagióclase,
com bandas com uma largura da ordem da centena do angstrom) e à escala mesoscópica (segregação de quartzo associado
a dobramento e bandagem metamórfica que se estende por dezenas de metros)

Neste curso, dar-se-á especial atenção às estruturas que, frequentemente, se observam à


escala mesoscópica, ou seja, às estruturas habitualmente designadas por estruturas menores:
foliações, lineações, dobras, etc. O estudo dessas estruturas é fundamental para a determinação do
estado de deformação das rochas, da história dessa deformação e da própria estrutura regional
(i.e., megascópica) da área em causa.

No estudo das estruturas patentes nas rochas, desde logo se levanta um problema: o da
distinção entre estruturas primárias e estruturas secundárias. Dizem-se primárias (Fig.i7) aquelas
estruturas resultantes de processos sedimentares (como, por exemplo, marcas de ondulação e
fendas de dessecação) ou de processos magmáticos (estruturas fluidais ou estruturas formadas
durante a consolidação do magma). Mas, não são estas as estruturas que, em geral, interessam ao
estruturalista. A este interessam, especialmente, as estruturas resultantes da deformação de rochas
preexistentes, por efeito de tensões sobre elas exercidas. Frequentemente (mas não
necessariamente), estas estruturas secundárias acompanham ou são parte integrante de
manifestações de metamorfismo.

4
Fig.i.7- Várias estruturas primárias (fendas de dessecação, estruturas sedimentares, um dique,
estratificação magmática). Note-se que o dique, porque está deformado, pode ser importante
para a análise estrutural regional

Se há estruturas cuja natureza, primária ou secundária, é inequívoca, outras há, cujo


carácter é difícil de discernir (Fig.i8). Na maioria dos casos, porém, atendendo ao enquadramento
geológico-estrutural dessas estruturas, é possível chegar a uma conclusão segura.

Fig.i8- Dobra: estrutura sedimentar primária ou estrutura pós-diagenética ?

O objectivo da Geologia Estrutural não consiste, unicamente, em definir e caracterizar,


correlativamente, as estruturas observadas e os episódios de deformação. Ela procura, ainda,
definir as condições ambientais em que se deu a deformação, em particular, caracterizar o estado
de tensão dominante em cada fase de deformação.

5
Aquele segundo objectivo constitui um projecto ambicioso, pois, apesar dos inúmeros
progressos resultantes dos numerosos trabalhos experimentais e teóricos levados a cabo,
especialmente, durante os últimos trinta anos, as respostas ainda são muito precárias. Vários
factores contribuem para a complexidade das situações com que o geólogo se depara:

i. em cada momento da história da deformação de uma dada rocha, existe uma relação
particular entre a deformação incremental (infinitesimal) e o estado de tensão momentâneo, pelo
que só a partir de estruturas formadas instantaneamente se poderão inferir estados de tensão; de
outro modo, determinar-se-ão estados de tensão médios, para uma certa área e um dado período
de tempo;
ii. a anisotropia mecânica das rochas;
iii. o complexo comportamento reológico das rochas, dado que os mecanismos básicos que
comandam o fluxo dos minerais e seus agregados - as rochas - variam no espaço e no tempo.

Sobre este último aspecto, têm-se conseguido notáveis avanços nos últimos vinte anos. A
aplicação de conceitos da Termodinâmica permite determinar a probabilidade de presença de
defeitos nas estruturas cristalinas, estabelecer as equações que regem a sua mobilidade e
determinar os seus modos de organização espacial mais estáveis. Daí, poderão inferir-se
mecanismos de deformação e as condições em que cada um desses mecanismos prevalece, num
dado mineral (Fig.i9).

Fig.i9- Mapa de mecanismos de deformação para a olivina (d=0,1 mm). (Stocker & Ashby, 1973)

6
No entanto, se bem que, qualitativamente, muito se tem avançado (através de análises
teóricas), a determinação dos mecanismos de deformação prevalecentes em cada mineral, em
função de diferentes variáveis físicas (tensões exercidas, temperatura, dimensão do grão mineral),
abrange uma lista muito limitada de minerais (nomeadamente, quartzo, calcite, olivina, halite e
gelo), pois isso exige o conhecimento, para cada mineral, de parâmetros físicos (coeficientes de
difusão dos átomos, diversas energias de activação, por exemplo), cuja determinação experimental
é complexa.
Mas, se tais estudos de microfísica estão, ainda, numa fase de desenvolvimento, já a
abordagem macrofísica da Reologia (i.e., a análise da elasticidade das rochas, a determinação das
condições de fracturação das mesmas e a caracterização geométrica da deformação das rochas) é
uma questão trivial.

7
1. ESTADO DE TENSÃO

1.1. INTRODUÇÃO

Sobre qualquer corpo situado no seio da crusta terrestre actuam forças que tenderão a
deslocá-lo, a deformá-lo ou a fracturá-lo: o corpo está sujeito a um estado de tensão.

As forças actuantes podem ser de dois tipos:

i. Forças distribuídas, i.e., forças que actuam em todos os pontos de um corpo e que
resultam da situação desse corpo num campo de forças tal como um campo gravitacional ou um
campo electromagnético;

ii. Forças externas, i.e., forças que pressupõem uma superfície externa em que se
aplicam, no corpo onde actuam.

A estas últimas forças associa-se a noção de tensão, grandeza que melhor exprime a
importância das forças exercidas sobre o corpo actuado. Efectivamente, observando a Fig.1.1,
intuitivamente, se tem a noção de que a força exercida sobre o corpo A terá um efeito menor
sobre esse corpo que o produzido por igual força no corpo B. A disparidade dos
comportamentos resulta das diferentes áreas das superfícies de aplicação da força actuante.

Fig.1.1- Noção intuitiva da noção de tensão versus força (v. texto).

8
Uma tensão define-se como sendo a força exercida por unidade de área. No Anexo I,
dá-se uma tabela de conversão das unidades de tensão correntemente encontradas na literatura
geológica. Actualmente, as unidades mais frequentemente usadas são, em tectonofísica, o
megapascal (1MPa =106 Pa) ou o gigapascal (1GPa =109 Pa) e, em textos mais gerais, o
quilobar (1kbar =103 bar). Como se depreende daquele quadro, 1kbar = 102 MPa.

Para que o estado de tensão de um corpo fique perfeitamente determinado, é


necessário definir o estado de tensão em todos os pontos desse corpo. Por sua vez, para definir
o estado de tensão num dado ponto do corpo, é necessário conhecer as tensões actuantes em
todos os planos (facetas) que passam por esse ponto. Mas, como veremos, é suficiente
conhecer as tensões exercidas em três quaisquer facetas normais entre si, que contenham o
ponto considerado.

1.2. DEFINIÇÃO E NOTAÇÃO DAS COMPONENTES DE TENSÃO

Seja δF a resultante das forças actuantes num ponto O de um dado corpo (Fig.1.2.).
Sendo δA a área de um elemento de superfície plano (faceta) centrado em O, a tensão nesse
ponto, através da faceta considerada, é definida como sendo:

δF
pON = lim (1.1)
δA=0
δA

A força actuante δF é, habitualmente, decomposta em duas componentes: uma normal


(δFn), segundo a direcção da normal ON à faceta; outra, tangencial (δFt), dita de corte, actuante
ao longo da própria faceta. Correspondentemente, define-se uma tensão normal, representada
habitualmente pela letra grega sigma (σ), e uma tensão de corte, representada habitualmente
pela letra grega tau (τ):

δFn
δF = δFn + δFt ⇒ σ = lim (1.2)
δA=0 δA
δFt
⇒ τ = lim (1.3)
δA=0 δA

N N

9
δF δF
δFn
δA O δA O
δFt

a. b.
Fig.1.2- a) Força δF actuante numa faceta normal a ON e de área δA
b) Decomposição de δF segundo a normal à faceta (δFn) e tangencialmente à faceta (δFt)

A fim de caracterizar o estado de tensão num ponto torna-se necessário definir um


referencial. Na maioria dos casos, adopta-se um referencial cartesiano.
Seja um referencial cartesiano, [XYZ], cuja origem coincide com o ponto considerado, O,
e em que OZ é normal ao elemento de superfície (Fig.1.3- a).
A força (vector δF) será decomposta em três componentes: uma, normal à faceta, e
duas que se orientam tangencialmente e que resultam da decomposição da componente
tangencial δFt segundo os eixos OX e OY.
Como o eixo coordenado OZ coincide com a normal à faceta, designaremos a
componente normal δFn por δFz; das duas componentes tangenciais, a actuante segundo OX

será designada por δFzx e a que actua segundo OY, por δFzy. Como se vê, nesta notação, o
primeiro subíndice numa componente de corte indica a direcção da normal à faceta e o segundo
subíndice especifica a direcção de actuação da força tangencial.

TO = δFt Z
UO = δFzx
VO = δFzy δF δFzy
O V
Y
δA V Y
δFz
O δFt δFzx δFt
U T
U
T

X
X
a. b.

Fig.1.3- a) Decomposição de δF em δFZ e δFt e desta, por sua vez, em δFzx e δFzy.
b) Pormenor de a), ilustrando a decomposição de δFt no plano da faceta
OZ é a normal à faceta e [XYZ] é o referencial cartesiano adoptado.

10
Dada esta decomposição da força actuante na faceta considerada, a definição das
correspondentes componentes do estado de tensão em O, através dessa faceta, far-se-á de
acordo com as seguintes equações (v. Fig.1.3):

δF = δFZ + δFt (1.4a)

δF = δFz + (δFzx + δFzy) (1.4b)

δFz
σ z = δA=0
lim (1.5)
δA

τzx = lim δFzx (1.6)


δA=0 δA
δFzy
τzy = lim (1.7)
δA=0
δA

Analogamente, a tensão no ponto O, através da faceta normal a OX, terá as


componentes:
σx τxy τxz

e a tensão no mesmo ponto, através da faceta normal a OY, terá as componentes:

σy τyx τyz

As nove componentes, acabadas de definir, descrevem o estado de tensão no ponto O


do corpo considerado. Para simplificar, discriminam-se os valores dessas componentes segundo
um esquema fixo, ou seja, mediante uma matriz 3x3, cujos elementos se dispõem, sempre,
como seguidamente se indica:

σx τxy τxz

τyx σy τyz (1.8)

τzx τzy σz

Conhecida esta matriz, é possível determinar as componentes normal e de corte da


tensão actuante no ponto O, através de qualquer faceta, cuja orientação relativamente ao
referencial [XYZ] seja conhecida.

Z
σz σx

11
τxy
τzy
τzx
τyz τyx
τxz O Y
σY σY σY
τxy τyx τyx
σx Y

τxy

X X σx
a. b.
Fig.1.4- a) Cubo de aresta infinitesimal, orientado segundo o referencial cartesiano adoptado, [XYZ]. As tensões
actuantes
nas suas faces correspondem às nove componentes do estado de tensão em O (centro do cubo)
b) Representação da faceta normal a Z, indicando-se as tensões exercidas nas quatro facetas paralelas a Z.

As nove componentes do estado de tensão num ponto são facilmente visualizáveis,


considerando um cubo infinitesimal centrado nesse ponto e cujas arestas sejam as direcções
dos eixos coordenados: as componentes normais actuam perpendicularmente às faces do cubo
enquanto que as componentes de corte actuam tangencialmente a essas faces e segundo as
direcções das arestas do cubo (Fig.1.4).1

Se se admitir que o corpo (e, portanto, o elemento cúbico representado na Fig.1.4.) não
se move, os momentos criados pelas forças actuantes (as quais ocasionariam rotações em torno
de OX, OY e OZ) deverão anular-se, ou seja,
Forçaij x braço − Forçaji x braço = 0

Para que não haja, por exemplo, uma rotação do cubo em torno de Z (v. Fig. 1.4-b), ter-se-á:

(τxy x a2) x a /2 − (τyx x a2) x a /2 = 0

sendo a a medida da aresta do cubo.


Conclui-se que
τxy = τyx (1.9a)

1
Note-se que, sendo o cubo infinitesimal, o seu centro e os seus vértices confundem-se num ponto único (o ponto O,
cujo estado de tensão se pretende descrever).

12
Analogamente, para obstar rotações do cubo em torno de X e de Y, concluiremos que
τzy = τyz e τxz = τzx (1.9b,c)

Conclusão: a matriz que descreve o estado de tensão num ponto de um corpo em


repouso é simétrica, havendo apenas seis componentes distintas:

σx τxy τxz

τxy σy τyz (1.10)

τxz τyz σz

1.3. TENSÕES PRINCIPAIS

Os valores assumidos pelas componentes do estado de tensão de um ponto de um


corpo (i.e., os valores dos elementos da matriz 1.10) dependem do referencial adoptado, ou seja,
da orientação do cubo infinitesimal ilustrado na Fig.1.4.
Demonstra-se que, qualquer que seja o estado de tensão num ponto, é sempre possível
orientar aquele cubo, de tal forma que nas suas faces só actuem tensões normais, anulando-se
as tensões de corte. Essas tensões normais designam-se por tensões principais e,
habitualmente, simbolizam-se por σ1, σ2 e σ3 . Por convenção,

σ3 ≤ σ2 ≤ σ1

Poderemos, então, definir tensão principal como sendo uma tensão normal exercida
sobre uma faceta onde a componente de corte é nula.2
Portanto, se o referencial adoptado for tal que os eixos tenham as direcções das tensões
principais (que são, sempre, três direcções perpendiculares entre si), a matriz que descreve o
estado de tensão será da forma:

σ1 0 0

0 σ2 0 (1.11)

0 0 σ3

2
A recíproca também é verdadeira.

13
Naturalmente, o estado de tensão num ponto pode ser definido recorrendo a qualquer
referencial cartesiano. Contudo, a forma mais simples de o fazer é através das tensões
principais, como decorre da comparação das matrizes 1.10 e 1.11.

Também é obvio que o estado de tensão num ponto é independente do referencial


adoptado. Tal implica que entre as seis componentes da matriz 10.10 e as três componentes da
matriz 10.11 se estabelecem relações bem determinadas. Tais relações designam-se por
invariantes do estado de tensão e, considerando os números de componentes acima referidos,
concluir-se-á que se definem três invariantes. Pode demonstrar-se que tais invariantes são:

J1 = σ1 + σ2 + σ3 = σx + σy + σz (1.12a)

J2 = σ1 σ2 + σ1 σ3 + σ2 σ3 = σx σy + σx σz + σx σz − τxy2 − τxz2 − τyz2 (1.12b)

J3 = σ1 σ2 σ3 = σx σy σz + 2 τxy τxz τyz − σx τyz2 − σy τxz2 − σz τxy2 (1.12c)

Portanto, diferentes matrizes da forma 1.10 e uma matriz da forma 1.11 descreverão o
mesmo estado de tensão num ponto se (e só se) os elementos dessas matrizes satisfizerem as
três equações, 1.12a, b, c.

1.4. SINAIS CONVENCIONAIS DAS TENSÕES

Uma tensão normal pode ser compressiva ou pode ser tractiva. A distinção deste
carácter faz-se mediante a atribuição de um sinal convencional, de mais (valor positivo) ou de
menos (valor negativo). A convenção adoptada varia de autor para autor e, frequentemente,
consoante a natureza do problema em causa.

Em Mecânica das Rochas, onde os estados de tensão decorrem, predominantemente,


da actuação de forças compressivas, a convenção adoptada é a seguinte:

tensões normais compressivas são positivas;


tensões normais tractivas são negativas.

Tratando-se das tensões principais, σ1 representará a máxima compressão (ou mínima

tracção) e σ3 representará a mínima compressão (ou a máxima tracção).

Em Elasticidade e, em geral, quando há necessidade de relacionar estados de tensão


com estados de deformação, porque às tracções correspondem alongamentos positivos e às
compressões correspondem contracções (alongamentos negativos), a convenção mais
conveniente é a oposta da anterior, isto é:

14
tensões normais compressivas são negativas;
tensões normais tractivas são positivas.

Então, σ1 representará a máxima tracção (ou mínima compressão) e σ3 representará a


mínima tracção (ou a máxima compressão).

Ao ler qualquer trabalho, deve-se, pois, ter em conta a convenção de sinais adoptada.
Em Geologia Estrutural, encontram-se exemplos de ambas as notações, mas, em
trabalhos de índole geral e em Tectónica, a convenção mais frequente é a adoptada em
Mecânica das Rochas.
Para se passar de uma convenção para outra, e tratando-se de tensões principais, todas
as tensões mudarão de sinal e σ1 e σ3 trocarão entre si.
As tensões de corte subordinam-se, também, a uma convenção de sinal, consoante o
sentido da sua actuação. Em Mecânica das Rochas, uma tensão de corte é considerada positiva
quando dirigida para a esquerda da normal (vista da faceta para fora) à faceta em que actua
(Fig.1.5).

σ + va σ − va
τ + va τ − va
a. b.

Fig.1.5- Convenção de sinais mais comum em Mecânica das Rochas: em a) as componentes normal e de corte
são positivas; em b) as mesmas componentes são negativas.

1.5. TENSÕES ACTUANTES NUMA FACETA DE ORIENTAÇÃO CONHECIDA

Definido o estado de tensão num ponto, é possível determinar as componentes normal e


de corte actuantes nesse ponto, através de qualquer faceta, cuja orientação relativamente ao
referencial adoptado seja conhecida. Em geral, por se tornar mais simples, esse referencial
corresponde às três direcções principais do estado de tensão (i.e., às direcções das tensões
principais, σ1, σ2 e σ3). Esse problema, ilustrado na Fig.1.6, pode ser resolvido analiticamente,
recorrendo a fórmulas. Vamos, porém, fazê-lo mediante uma construção geométrica.
Antes, relembremos como se pode definir a atitude um plano relativamente a um
referencial cartesiano (Fig.1.6). A atitude de um plano será definida pelos ângulos (φ1, φ2 e φ3)
que a sua normal (ON) define com os eixos coordenados. Em vez destes ângulos, há vantagem,

15
do ponto de vista analítico, em usar os chamados co-senos directores da normal ao plano. Eles
designam-se pelas letras l, m e n, definindo-se assim:

l = cos φ1 m = cos φ2 n = cos φ3 (1.13)

Entre os co-senos directores de qualquer recta verifica-se a seguinte relação:

l2+m2+n2=1 (1.14)

Z (σ3)

σ
φ3
φ1
τ
φ2
O

Y
(σ2)
X (σ1)

Fig.1.6- Tensão normal (σ) e tensão de corte (τ) actuantes numa faceta que passa pelo ponto O.
A orientação da faceta relativamente aos eixos coordenados é definida pelos ângulos φ1, φ2 e φ3

Antes de abordarmos a situação geral de um estado de tensão triaxial (como tem vindo
a ser feito), comecemos por considerar uma situação a duas dimensões. Na verdade, o estado
de tensão num ponto, frequentemente, é independente de uma das três direcções principais.
Nesse caso, os problemas tornam-se bidimensionais e, portanto, mais simples. Além da sua
possível aplicabilidade na prática, a consideração de estados de tensão bidimensionais tem
interesse didáctico, pois permite, por generalização dos conceitos, compreender mais facilmente
a situação geral de estados de tensão triaxiais.

16
1.5.1. Estado de tensão bidimensional
Neste caso, em vez do cubo descrito na Fig.1.4, bastará considerar um elemento
infinitesimal quadrangular, centrado em torno do ponto considerado (Fig.1.7).

Y Y
65

26
26 σ2 = 20
O O
35 X X

σ1 = 80
a. b.

Fig.1.7- Estado de tensão bidimensional num ponto O. (Tensões em MPa)


a) Descrito com um referencial cartesiano geral b) Descrito relativamente às direcções principais.

Nesta situação, há a considerar apenas duas tensões principais e as matrizes 10.10 e


10.11 tomam as formas, respectivamente,
σx τxy σ1 0
e (1.15)
τxy σy 0 σ2

Agora, também surgem invariantes do estado de tensão, mas que se reduzem a duas:

J 1 = σ1 + σ2 = σ x + σy (1.16a)

J2 = σ1 σ2 = σx σy − τxy2 (1.16b)

O problema enunciado − determinação do estado de tensão num ponto, através de uma


dada faceta − está ilustrado na Fig.1.8 (compare-se com a Fig.1.6).

Y (σ2 )

N
σ
τ
O X (σ1 )

Fig.1.8- Considerada uma faceta que passa por O, de orientação conhecida relativamente às direcções das tensões
principais, é possível determinar a componente normal (σ) e a componente de corte (τ ) actuantes nessa faceta.

17
Como ficou dito, vamos adoptar uma resolução geométrica, a qual passa pela definição
do chamado diagrama (ou círculo) de Mohr.

1.5.1.1. Diagrama de Mohr a duas dimensões

A Fig.1.9 ilustra o diagrama de Mohr aplicável a uma situação bidimensional.

σ2

φ P N

τ τ φ
O σ1

τP P


0 σ2 σ1 0 σ2 σP σ1
½(σ1+σ2) ½(σ1-σ2)

Fig.1.9- a) Definição do círculo de Mohr b) Resolução da situação ilustrada: o ponto P representa a faceta normal
a ON e as suas coordenadas (τP e σP) são as componentes, normal e de corte, nela actuantes.

No diagrama, os eixos coordenados são o eixo das tensões normais (em abcissas) e o
eixo das tensões de corte (em ordenadas), perpendiculares entre si e graduados nas mesmas
unidades de tensão. A origem corresponde a valores nulos daquelas componentes. A
circunferência tem o seu centro sobre o eixo das abcissas e intersecta esse eixo em dois pontos,
correspondentes aos valores de σ1 e de σ2 .3 Portanto, o raio da circunferência de Mohr é igual
a ½(σ1 − σ2).
Para determinar as componentes do estado de tensão numa faceta, cuja normal defina
um ângulo igual a Φ com σ1 , marca-se um ângulo igual a 2 Φ , a partir do ponto (σ1,o). O ponto
da circunferência de Mohr obtido (P, na Fig.1.9) representará a faceta considerada e as suas
coordenadas (τP e σP ) são as componentes pretendidas.
Dada a simetria do diagrama de Mohr, habitualmente, só se traça uma
semicircunferência, pelo que o eixo das ordenadas dá, apenas, os valores absolutos das

3
Note-se que, por convenção, σ2 ≤ σ 1

18
tensões de corte. O sentido de uma tensão de corte, então calculada, obter-se-á, atendendo ao
critério descrito na Fig.1.10.

σ1 σ2

Fig.1.10- Na faceta F, o sentido das componentes de corte é o da convergência para O, nos sectores
bissectados por σ1 , e o da divergência a partir de O, nos sectores bissectados por σ2. (N.B.:
pressupõe-
se a convenção de que as tensões normais positivas são compressivas)

Do diagrama de Mohr poderá concluir-se que, num estado de tensão bidimensional, a


tensão de corte máxima (e o sinal é irrelevante, pois apenas traduz um sentido) ocorre nas duas
facetas orientadas a 45º das direcções principais (Fig. 1.11). Conclui-se, ainda, que esse valor
máximo é igual ao raio da circunferência de Mohr, ou seja,
½ (σ1 − σ2) (1.17)

σ2
τ F1
F1’ F1 σ=½(σ1+σ2)
½(σ1−σ2)
τ=½(σ1−σ2)
0 σ1
τ=−½(σ1−σ2)
F2
σ=½(σ1+σ2)
σ2 0 σ2 σ1 σ1 σ

−½(σ1−σ2) F2’ F2

Fig.1.11- Diagramas de Mohr que descrevem dois estados de tensão distintos. Em qualquer dos casos, a tensão de
corte máxima ocorre através das facetas (F1 e F2) orientadas a 45º das direcções das tensões principais.
O seu valor também é o mesmo, pois, neste caso, (σ1 − σ2) é constante.

19
1.5.2. Diagrama de Mohr (estado de tensão triaxial)

O diagrama de Mohr definido para estados de tensão bidimensionais pode ser estendido
a situações triaxiais.
As componentes do estado de tensão observadas numa faceta que contenha uma das
direcções principais podem ser determinadas, recorrendo a um diagrama de Mohr bidimensional
(Fig.1.12). Por exemplo, se uma faceta contém σi , as componentes de tensão nela actuantes
podem ser determinadas sobre a circunferência de Mohr σj − σk (i, j, k =1, 2, 3).

τ
Cada ponto P da circunferência
representa uma faceta que contém
σ1 e cuja normal define um ângulo
P φ1 com σ2 (ou seja, 90º− φ1 com σ3).
2φ1
0 σ3 σ2 σ

τ Q
Cada ponto Q da circunferência
representa uma faceta que contém
σ2 e cuja normal define um ângulo
φ2 com σ1 (ou seja, 90º− φ2 com σ3).
2φ2
0 σ3 σ1 σ

τ
Cada ponto R da circunferência
representa uma faceta que contém
σ3 e cuja normal define um ângulo
R φ3 com σ1 (ou seja, 90º− φ3 com σ2).
2φ3
0 σ2 σ1 σ

Fig.1.12- Diagramas de Mohr que descrevem os estados de tensão bidimensionais, ocorrentes em cada um dos
planos principais (σ1−σ2, σ2−σ3 e σ1−σ3) de um estado de tensão triaxial

20
Demonstra-se que diferentes facetas com uma inclinação constante relativamente, por
exemplo, à direcção de σ3 (ou seja, a cujas normais corresponde um valor fixo do co-seno
director n), corresponderão, no diagrama de Mohr, a circunferências concêntricas com a
circunferência σ1 − σ2 (a qual corresponde ao lugar geométrico dos pontos representativos de
facetas, cujas normais tenham um co-seno director n = 0).
Analogamente, o traçado de circunferências concêntricas à correspondente a l = 0
(circunferência σ3 − σ2 ) permite definir facetas a inclinações constantes de σ1 , enquanto que
circunferências concêntricas à correspondente a m = 0 (circunferência σ3 − σ1 ) permite definir
facetas a inclinações constantes de σ2 (Fig.1.13).

τ
τ 0>n>1
0>l>1

n=0

l=0

0 0 σ3 σ2 σ
σ2 σ1 σ

Fig.1.13- (V. texto).

Juntando, num mesmo diagrama, os três círculos de Mohr, obtém-se o diagrama


aplicável a um estado de tensão triaxial (Fig.1.14).

0 σ3 σ2 σ1 σ

Fig.1.14- Diagrama de Mohr aplicável a estados de tensão triaxiais. Só pontos da área sombreada representam
2 2 2
facetas, pois a todos os outros pontos do diagrama corresponderia uma soma l +m +n = 1

21
Dado que os co-senos directores (l, m e n ) de qualquer recta (referida a eixos
rectangulares) são tais que l 2+ m 2+ n 2
= 1, o ponto representativo de uma dada faceta (cuja
orientação é definida pelos ângulos que a sua normal define com as três direcções principais, ou
pelos correspondentes co-senos directores) cai sempre dentro do domínio sombreado na
Fig.1.14.
O ponto do diagrama correspondente a uma dada faceta pode ser determinado, desde
que se conheçam dois dos co-senos directores da sua normal (uma vez que sendo l2+m2+n2
igual a 1, basta conhecer dois deles para que o terceiro fique determinado, em valor absoluto).
Ou seja, basta conhecer dois dos ângulos que a normal essa faceta define com as direcções
principais.
Na prática, depois de ter traçado o diagrama de Mohr, para determinar o ponto
representativo de uma dada faceta, procede-se da seguinte maneira (Fig.1.15):

Z (σ1)
N φ1 = NÔX ; l = cos φ1
φ2 = NÔY ; m = cos φ2
σP φ3 = NÔZ ; n = cos φ3

τP ( l2 + m2 + n2 = 1 )
O Y (σ2)
P

X (σ3)

Fig.1.15- Construção de Mohr para a determinação da tensão normal (σP) e da tensão de corte (τP) ocorrentes numa
faceta
com a orientação ilustrada, para um estado de tensão, no ponto O, definido por σ1, σ2 e σ3, dados.

22
i. Define-se um arco igual ao dobro do ângulo que a normal à faceta define com σ1 ,
sobre a circunferência σ1 − σ2 (obtendo-se o ponto A), ou sobre a circunferência σ1 − σ3
(obtendo-se o ponto B), sendo esse arco medido a partir do ponto de abcissa σ1 ;

ii. Traça-se, a partir de A (ou de B) um arco de circunferência concêntrico com a


circunferência correspondente a l =0 (circunferência σ2 − σ3);

iii. Define-se, a partir do ponto de abcissa σ3, um arco igual ao dobro do ângulo que a
normal à faceta define com σ3 , sobre a circunferência σ3 − σ2 (obtendo-se o ponto C), ou sobre a
circunferência σ3 − σ1 (obtendo-se o ponto D);

iv. Traça-se, a partir de C (ou de D) um arco de circunferência concêntrico com a


circunferência correspondente a n = 0 (circunferência σ2 − σ1);

O ponto de intersecção dos dois arcos traçados em ii. e iv. (ponto P, na Fig.1.15) é o
ponto representativo da faceta considerada e as suas coordenadas são as componentes (normal
e de corte) do estado de tensão em O, segundo aquela faceta.

Naturalmente, o ponto P poderia ser confirmado pelo traçado do arco concêntrico à


circunferência σ2 − σ1 , correspondente ao valor do co-seno director m da normal à faceta. Esse
traçado seria feito em moldes análogos aos descritos acima, sendo o ângulo 2Φ2 marcado a
partir de σ2.

1.6. PLANOS DE MÁXIMA TENSÃO DE CORTE

Da construção de Mohr (Fig.1.16) é evidente que, qualquer que seja o estado de tensão
triaxial, a tensão de corte máxima ocorre segundo as duas facetas que se intersectam segundo a
direcção de σ2 e que bissectam as direcções de σ1 e σ3 .

Verifica-se que essa tensão máxima é:

τmáx = ½ (σ1 − σ3) (1.18)

e, ainda, que a tensão normal exercida nessas duas facetas é igual a

½ (σ1 + σ3)

23
Fig.1.16- Facetas onde ocorrem máximos relativos de tensão de corte.

1.7. ESTADOS DE TENSÃO ESPECIAIS

Na Fig.1.17 descrevem-se através diagramas de Mohr vários casos particulares de


estados de tensão, que correspondem a situações frequentes, naturais ou laboratoriais.

τ UNIAXIAIS τ

σ3=σ2=0 σ1 σ σ3 σ1=σ2=0 σ

τ BIAXIAIS τ τ

σ3=0 σ2 σ1 σ σ3 σ2=0 σ1 σ3 σ2 σ1=0 σ

τ τ
CORTE PURO COMPRESSÃO HIDROSTÁTICA

σ3=−σ1 σ2=0 σ1 σ 0 σ1=σ2=σ3 σ


Fig.1.17- (V. texto)

24
Definem-se as seguintes situações de estados de tensão:
i. Uniaxiais (Fig.1.17a,b): duas das tensões principais são nulas; podem ser
compressivos (σ1>0) ou tractivos (σ3<0);
ii. Biaxiais (Fig.1.17c): uma (e só uma) das tensões principais é nula; um caso particular
− dito de corte puro − corresponde à situação em que σ2=0 e σ1=|σ3| (Fig.1.17d):
iii. Hidrostáticos (Fig.1.17e): as três tensões principais são iguais; um estado hidrostático
pode ser compressivo (situação de um corpo no seio de um líquido) ou tractivo (análogo à da
situação de enchimento de um balão).

1.8. TENSÃO MÉDIA E TENSÃO DEVIATÓRICA

Num estado de tensão hidrostático, como se vê no diagrama de Mohr que o representa


(Fig.1.18-d), a tensão normal que actua sobre uma faceta é independente da orientação dessa
faceta e a concomitante tensão de corte é, permanentemente, nula. O efeito de tal estado de
tensão é o de ocasionar dilatação (aumento ou diminuição de volume) sem que haja distorção do
corpo.
Num estado de tensão não-hidrostático (biaxial ou triaxial) é sempre possível considerar
duas componentes:

i. Uma causadora de variação de volume - componente hidrostática - definida por uma


tensão média,
σ = 1/3 (σ1 + σ2 + σ3 ) (1.19)

ii. Outra, causadora de distorção - componente deviatórica - dada pela diferença entre a
componente normal total e o valor da componente hidrostática.

Assim, a tensão normal (σ ) actuante segundo uma faceta pode ser decomposta em
duas partes:
− tensão hidrostática, σ ;4

− tensão deviatórica, σ' = σ − σ (1.20)

Analogamente, segundo as três direcções principais de um estado de tensão, poderão


definir-se três tensões deviatóricas principais:

σ 1 ' = σ1 − σ σ 2 ' = σ2 − σ e σ 3 ' = σ3 − σ (1.21)

4
Alguns autores designam-na por tensão isotrópica.

25
Passar-se de um estado de tensão (real) para o estado de tensão deviatórico
corresponde, do ponto de vista da construção de Mohr, a uma translação das circunferências
desse diagrama, ou seja, modificam-se os valores das tensões normais actuantes nas facetas,
mas não os das tensões de corte. Este resultado é, de resto evidente, se atendermos à
inexistência de tensões de corte nos estados de tensão hidrostáticos.
Em termos gerais, a decomposição acima referida traduz-se pela seguinte
decomposição da matriz 1.8

σx τxy τxz σ 0 0 σ'x τxy τxz

τyx σy τyz = 0 σ 0 + τyx σ'y τyz (1.22)

τzx τzy σz 0 0 σ τzx τzy σ'z

Repare-se que, de acordo com (1.12a),

σ = J1 /3 = (σx + σy + σz)/3 (1.24)

e que, atendendo a (1.19) e (1.20),

(σ'x + σ'y + σ'z) = (σ'1 + σ'2 + σ'3) = 0 (1.25)

A componente deviatórica está relacionada com a deformação permanente dos


materiais e, em geodinâmica, é particularmente importante em problemas de cedência e fluxo
das rochas.

1.9. TENSÃO LITOSTÁTICA

Uma hipótese corrente em Geologia, válida como uma primeira aproximação, é a de que
um corpo no seio da crusta terrestre está sujeito a um estado de tensão hidrostático, designado
por tensão litostática.5 Ela resulta do peso das rochas sobrejacentes, equivalendo ao peso de
uma coluna cilíndrica de altura z (profundidade a que se situa o corpo considerado) e de base
com uma área unitária. O seu valor é dado por

pz = ∫ ρ(z) g dz (1.26)

em que ρ (z) exprime a variação da densidade das rochas com a profundidade z e g é a


aceleração da gravidade.

5
Este estado de tensão litostático foi designado por Anderson, ao considerar a formação de falhas, por estado standard.

26
Sendo ρ(z) praticamente constante e igual a um valor médio ρ, aquela expressão toma a
forma
pz = ρ g z (1.27)

Fazendo
g = 981 cm.s-2 ≅ 1000 cm.s-2
conclui-se que
pz ≅ 10 ρ z MPa (z, km) (1.28)

Finalmente, considerando um valor médio de ρ como sendo 2,4 g.cm-3


teremos

pz ≅ 24 z MPa (z, km) (1.29)

1.10. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ESTADO DE TENSÃO NUM PONTO

1.10.1. Elipsóides de tensão

O estado de tensão num ponto pode ser descrito pela quádrica de tensão de Cauchy, a
qual, referida às direcções principais do estado de tensão é expressa pela equação
σ1 x2 + σ2 y2 + σ3 z2 = ± k2

em que k é uma constante arbitrária . Sendo as tensões principais todas compressivas ou todas
tractivas, aquela superfície é um elipsóide de semieixos iguais a k/√σ1 , k/√σ2 , k/√σ3 .
Em Geologia, frequentemente, em vez do elipsóide de Cauchy usa-se o elipsóide de
tensão de Lamé, que difere daquele por os semieixos (definidos também ao longo das direcções
principais) serem iguais a σ1 , σ2 , σ3 (Fig.1.18).

σ3
σ2 σ1

Fig.1.18- Elipsóide de tensão de Lamé

27
Um elipsóide de tensão, tal como um diagrama de Mohr, descreve o estado de tensão
num ponto. A completa descrição do estado de tensão num corpo requer a especificação do
estado de tensão em todos os seus pontos. Assim, a especificação do elipsóide de tensão para
cada ponto desse corpo dá uma imagem clara da variação do estado de tensão (em grandeza e
orientação) de ponto para ponto desse corpo.

Em muitos casos, porém, é suficiente uma descrição meramente qualitativa da variação


das tensões principais, em orientação e grandeza relativa. Tal passa pela definição de
trajectórias de tensão e linhas similares.

1.10.2. Trajectórias de tensão

Trajectórias de tensão ou isostáticas são linhas (geralmente curvas) que em cada ponto
são tangentes às direcções das tensões principais. Como estas direcções são perpendiculares
entre si, as isostáticas, numa situação bidimensional, constituem duas famílias de curvas
ortogonais (i.e., intersectam-se, sempre, segundo ângulos rectos) e, numa situação
tridimensional, constituem três famílias de curvas ortogonais (Fig.1.19).
As situações representadas na Fig.1.19 são bidimensionais. No caso da Fig.1.19-a, tal
será válido, na medida em que a área crustal em causa puder ser considerada como
homogénea em torno da vertical de A. Em Geologia, tal hipótese simplificadora é usualmente
admitida, quando se consideram estados de tensão em blocos crustais.

a. b.

Fig.1.19- a) Isostáticas para o estado de tensão originado por uma tensão compressiva exercida em A.
Essa compressão poderia resultar de uma intrusão de magma numa câmara subvulcânica, representada
pelo ponto A.
b) Isostáticas para o estado de tensão associado a uma abertura circular.

28
Na Fig.1.19 está, também, patente uma circunstância importante: sempre que uma
isostática encontra uma superfície livre (onde a tensão de corte é nula), ou intersecta-a segundo
um ângulo recto ou orienta-se tangencialmente a essa superfície.

Uma outra representação comum em Geologia Estrutural é a das direcções de máxima


tensão de corte (slip-lines). Como vimos na secção 1.6., as tensões de corte máximas ocorrem
nos dois planos que se intersectam segundo σ2, a ±45º de σ1 (e de σ3), pelo que a situação
também se reduz a uma representação bidimensional, no plano σ1 − σ3 . As slip-lines consistirão
em dois sistemas de curvas ortogonais, bissectoras das isostáticas que descrevem σ1 e σ3
(Fig.1.20-a).

O traçado de slip-lines torna-se relevante, porque a fracturação das rochas dá-se,


frequentemente, em resultado das tensões de corte, pelo que aquelas trajectórias
corresponderiam à orientação das potenciais fracturas (como é o caso, nomeadamente, das
falhas geológicas). Veremos, no entanto, que a fracturação por corte não ocorre segundo os
planos de tensão de corte máxima, mas sim segundo planos orientados, em média, a ±30º de σ1.
Correspondentemente, naqueles diagramas, em vez de slip-lines a 45º, traçam-se linhas a ±30º
de σ1, que materializarão as orientações mais prováveis das possíveis falhas, no bloco crustal
considerado Fig.1.20-b).

Fig.1.20- a) Traçado de slip-lines b) Trajectórias a 30º das tensões principais.

Além das curvas já referidas, outras são, frequentemente, traçadas:

- isóbaras, curvas de tensão principal constante; definem-se, a duas dimensões, duas


famílias de curvas, uma referente a σ1, outra a σ2 ;

29
- isópacas, curvas de tensão média, ½(σ1 + σ2), constante;

- isocromáticas, curvas de tensão diferencial, (σ1 − σ2), constante;

- isoclínicas, lugares geométricos dos pontos em que as direcções principais definem um


ângulo constante com uma direcção de referência.

As duas últimas curvas têm designações que resultam da aplicação directa da


fotoelasticidade, técnica muito utilizada em Mecânica das Rochas, para a determinação de
estados de tensão das rochas in situ.

O princípio do método baseia-se em que certos materiais opticamente isotrópicos se tornam


anisotrópicos, quando sujeitos a um estado de tensão. A birrefringência adquirida por uma folha desse
material é proporcional a (σ1 − σ2), donde, observando-o em nicois cruzados, surgem isocromáticas (na
acepção da Mineralogia Óptica, i.e., franjas com igual cor de interferência), directamente correspondentes
às isocromáticas (na acepção acima dada). Por outro lado, as direcções das refringências principais
coincidem com as direcções das tensões principais: logo, observando em nicois cruzados, as áreas extintas
(isogiras, na Mineralogia Óptica) correspondem aos lugares geométricos dos pontos em que as tensões
principais têm uma dada orientação, ou seja, materializam as isoclínicas acima referidas. Por rotação dos
nicois cruzados, determinar-se-ão as isoclínicas correspondentes a diferentes orientações das tensões
principais.

Neste capítulo, abordaram-se os conceitos de força (uma grandeza vectorial) e de estado de tensão (um
tensor de 2ª ordem).

> Devem-se usar forças em problemas tais como os de Estática.

> Devem-se usar tensões em problemas tais como os da produção de estruturas ou de fracturação.

N.B.: Problemas (enunciados e resoluções) sobre a matéria deste capítulo, assim como dos capítulos

subsequentes, podem ser vistos on-line noutra secção deste mesmo site (www.fc.up.pt).

30
2. ESTADO DE DEFORMAÇÃO

2.1. CONCEITO DE DEFORMAÇÃO

As partículas constituintes de um corpo sujeito a um estado de tensão tendem a


deslocar-se para novas posições. Cada posição final de uma dada partícula define com a sua
posição original um vector de deslocamento. No seu conjunto, os vectores de deslocamento
definidos para os diferentes pontos do corpo, descrevem a deformação sofrida por esse corpo.

D’ C’
Y

D C

B’
A’

A B X
Fig.2.1- Deformação de um corpo ABCD. A forma e posição do corpo deformado são dadas por A’B’C’D’.

Na deformação sofrida pelo corpo, podem separar-se duas componentes:

i. Um transporte, em bloco, do corpo (translação e/ou rotação do corpo);

ii. Uma variação da posição relativa das partículas que formam o corpo, ou seja, uma
distorção desse corpo.

Frequentemente, usa-se o termo deformação para significar esta segunda componente,


apenas. Neste caso, a caracterização da deformação resume-se à comparação da forma do
corpo deformado com a do corpo original. É nesta acepção em sentido restrito que passaremos,
daqui por diante, a usar o termo deformação.
As duas componentes acima referidas ocorrem, evidentemente, em simultâneo e os
seus valores relativos podem variar entre os extremos imagináveis à escala geológica: há
formações afectadas por um transporte global de dezenas ou centenas de quilómetros, sem que
ocorra grande distorção das rochas (caso de muitos carreamentos alpinos); mas, por outro lado,
ocorrem estruturas que, não envolvendo, praticamente, qualquer transporte global,
correspondem a uma intensa deformação das rochas (caso das chamadas zonas de
cisalhamento dúcteis, como a que se ilustra na Fig.2.2).

31
Fig.2.2- Zona de cisalhamento dúctil num metagabro (in. J.G. Ramsay & R.H. Graham, 1970). De um e outro lado
da z.c., vê-se a rocha original, não deformada, de estrutura granular.

Habitualmente, ao nível da análise mesoscópica das estruturas, o geólogo só consegue


determinar a deformação.

2.2. PARÂMETROS DE DEFORMAÇÃO

Para quantificar a deformação sofrida por um corpo recorre-se à definição de parâmetros


de deformação. Uma deformação compreende, em geral, duas componentes de distorção do
corpo:
i. Uma modificação dos comprimentos originais de linhas traçadas nesse corpo
(deformações longitudinais);

ii. Uma modificação dos ângulos definidos por linhas concorrentes, traçadas no corpo
original (deformações de cisalhamento).

A grandeza destas duas componentes de deformação é expressa por parâmetros


distintos, designados, respectivamente, por extensões e por cisalhamentos.

32
2.2.1. Extensões

Várias definições de extensão têm sido avançadas. Vejamos essas definições,


designando, sempre, por lo o comprimento original do corpo na direcção considerada (AB na

Fig.2.3) e, por l’ , o comprimento do corpo, naquela direcção, após a deformação (A’B’, na


mesma figura).

B
B’

A
A'

CORPO ORIGINAL CORPO DEFORMADO

Fig.2.3- (v. Texto)

i. Extensão convencional ou extensão de Cauchy (e ou eC )

Define-se como sendo a variação de comprimento por unidade de comprimento inicial

l’ − lo δl
e= =
lo lo

Os valores extremos que este parâmetro pode assumir são −1 (anulação de um


segmento original) e, em limite, + ∞ (extensão ilimitada de um segmento finito original).

ii. Extensão quadrática (λ)

Define-se como sendo


2
l’
λ=( l ) (2.3)
o

Facilmente se conclui que λ está contido no intervalo [0 , + ∞ [ e que

λ = (1 + e)2 (2.4)

33
iii. Extensão de Hencky ou extensão logarítmica (ε) 1

Define-se como sendo

l’
ε = ln
lo (2.5)

Os valores possíveis da extensão de Hencky definem o intervalo ]−∞ , +∞ [.

Das definições dadas, verifica-se que as extensões são grandezas adimensionais.

Em princípio, nenhuma das definições de extensão acabadas de definir é preferível às


restantes. Em Geologia, no entanto, o parâmetro de extensão mais usado é a extensão
quadrática (λ), ou, em sua substituição, por conveniência meramente formal, o parâmetro λ', que
se define como o recíproco de λ:
λ‘ = λ−1 (2.6)

As qualificações de “natural” e de “verdadeira” conferidas à extensão de Hencky


sugerem que tal parâmetro corresponde a uma definição mais consentânea com a realidade
física do que os restantes parâmetros de extensão. Se bem que tal não tenha um valor de
verdade “absoluta”, dois argumentos se poderão avançar para justificar aquela afirmação.

Em primeiro lugar, porque a definição da extensão de Hencky está de acordo com a


natureza progressiva da deformação permanente, em Geologia. Efectivamente, uma extensão é
o resultado de um somatório de extensões incrementais, que têm lugar ao longo de um período
mais ou menos longo de tempo:

δli
ε = ∑ ei ⇔ ε=∑ lo
i i

e, em limite, para incrementos infinitesimais


(2.7)
l’
ε= ∫
dl = ln l’
lo lo lo

Em segundo lugar, porque em corpos homogéneos e isotrópicos, a relação entre estado de


tensão e os incrementos de deformação longitudinal é linear, quando essa deformação é
descrita por extensões logarítmicas.

1
Nos textos em inglês usam-se, como sinónimos, os termos logarithmic strain, true strain e natural strain.
Note-se, também, que o símbolo ε é, frequentemente, usado para designar extensões de Cauchy.

34
Acresce, ainda, que ela conduz a valores que se escalonam de uma forma mais
concordante com a nossa própria percepção da realidade física do que as outras definições de
extensão (v. Quadro 2.1)

Quadro 2.1- Valores dos diversos parâmetros de extensão, para diferentes variações relativas de comprimento (l’/lo)

SITUAÇÃO l‘ /lo e λ ε
Anulação de um segmento 0 -1 0 −∞
Redução de um segmento para metade do comprimento original 1/2 -1/2 1/4 −0,693
O segmento mantém o seu comprimento original 1 0 1 0
Duplicação do comprimento original de um segmento 2 1 4 +0,693
Extensão infinita do segmento original ∞ ∞ ∞ +∞

Como se vê das definições, para determinar a extensão sofrida por um corpo


deformado, numa dada direcção, tem de se conhecer o comprimento original desse corpo na
direcção considerada.

O geólogo confronta-se com rochas deformadas e só em casos particulares conhece (ou


pode avaliar) as dimensões originais de elementos identificáveis nessas rochas. Habitualmente,
para calcular extensões (e outros parâmetros de deformação), recorre a “corpos” presentes nas
rochas, cuja forma ou dimensões originais conheça ou possa reconstituir, mais ou menos
completamente.2 Tais corpos designam-se, genericamente, por marcas de deformação.

Frequentemente, aquelas marcas correspondem a fósseis contidos nas rochas e que


com elas se deformaram. Mas, uma marca pode ser, também, por exemplo, um oólito (cuja
forma original se suporá ser esférica) constituinte de um calcário oolítico.

A título de exemplo, vejamos uma situação que muitas vezes tem sido usada para
determinar extensões longitudinais em rochas naturalmente deformadas. É o caso dos rostros de
belemnites que, situados num meio mais dúctil, tendem, quando estirados, a fracturar (Fig.2.3).
Admite-se, habitualmente, que os segmentos resultantes da fragmentação não foram
deformados, pelo que o comprimento original do rostro pode ser reconstituído, unindo esses
fragmentos.

2
Por vezes, em vez da análise da forma das próprias marcas, recorre-se a uma análise estatística da distribuição dessas
marcas na rocha deformada, face à hipotética distribuição dessas mesmas marcas, antes da deformação.

35
l’ = AB = 5 cm
lo = l1 + l2 + ... + l5

eAB = (l’ – lo) / lo

λAB = (l’ / lo )2

CORPO DEFORMADO CORPO ORIGINAL EXTENSÕES

Fig.2.3- Determinação da extensão segundo a direcção AB, recorrendo a um rostro de belemnite fragmentado.
Admite-se, geralmente, que a extensão da rocha que o contém é a mesma, para aquela direcção
definida no corpo (rocha) deformado.

Veremos, adiante, outras situações frequentes de determinação de extensões em


rochas naturalmente deformadas, a partir de marcas deformadas e de outras estruturas.

2.2.2. Cisalhamentos

Um parâmetro de cisalhamento traduz variações entre as posições relativas das rectas,


antes e após deformação.
Se num corpo definirmos duas direcções perpendiculares entre si (como OA e OB, na
Fig.2.4) e, depois, o deformarmos, em geral, essas duas direcções deixam de ser
perpendiculares entre si. Os parâmetros de cisalhamento definem-se a partir da variação de
orientação relativa de rectas que, originalmente, eram perpendiculares entre si.

Definem-se dois parâmetros de cisalhamento: o ângulo de cisalhamento (ou


cisalhamento angular) e a deformação de corte (shear strain).

i. Ângulo de cisalhamento ( ψ)

Define-se como sendo o desvio da perpendicularidade de duas direcções originalmente


perpendiculares entre si (Fig.2.4).

36
CORPO ORIGINAL CORPO APÓS DEFORMAÇÃO (duas situações distintas, possíveis)

B’ B’ ψ
ψ

O A

O’ A’ O’ A’
a. b.

Fig.2.4- Definição do ângulo de cisalhamento (ψ). O’A’ e O’B’ são as posições, no corpo deformado,
de dois segmentos que, no corpo original (não deformado), eram perpendiculares entre si.
De acordo com a convenção referida no texto, o cisalhamento seria positivo em a) e negativo em b)

O sentido do desvio angular é definido através de uma convenção de sinal.


Habitualmente, considera-se positivo um cisalhamento em que o desvio angular se dá no sentido
horário.

Consideradas duas direcções originalmente perpendiculares entre si (i e j , na Fig.2.5), o


sinal do ângulo de cisalhamento (mas não o seu valor absoluto) depende da direcção (i ou j )
considerada.

CORPO APÓS DEFORMAÇÃO

j’ ψi j’
j’

Φ
i’
i’ i’

ψj
Φ = 42º
ψi = 48º ψj = −48º

Fig.2.5- Determinação do cisalhamento, relativamente a duas direcções inicialmente perpendiculares entre si.
Habitualmente escreve-se ψi = ψj = 90º− Φ; mas, em rigor, deverá escrever-se (aplicando uma convenção
de sinal): ψi = − ψj

37
ii. Deformação de corte (γ)

Define-se a partir do ângulo de cisalhamento (ψ):


γ = tg ψ (2.8)

Por mera conveniência formal, surge, ainda, o parâmetro

γ’ = γ / λ
em que λ é a extensão quadrática verificada na direcção considerada.

Decorre da definição dos parâmetros de cisalhamento que, para a sua determinação, é


indispensável reconhecer no corpo deformado direcções que, antes da deformação, fossem
perpendiculares entre si. Ou seja: se se quiser determinar o cisalhamento segundo uma dada
direcção, r’, do corpo deformado, teremos de ser capazes de reconhecer, nesse corpo, uma
direcção s’ que, antes da deformação fosse perpendicular a r, direcção original de r’. 3

Como a Fig.2.6 exemplifica, tal passa, frequentemente, pela consideração de marcas


com simetria bilateral (simetria axial). Outra situação comum consiste em considerar marcas
originalmente circulares que, após deformação, se tornam, frequentemente, elípticas. Recorre-
se, então, a particularidades da geometria dessas curvas: na circunferência (original) um raio é
sempre perpendicular à tangente à circunferência no ponto extremo desse raio, enquanto que na
elipse tal, em geral, não acontece.

Fig.2.6- Determinação do cisalhamento angular segundo a direcção i


a) A partir de uma trilobite deformada b) Considerando uma secção de um oólito deformado (originalmente
esférico).

3
Aqui (como é habitual e se fará sempre durante o curso), uma designação de ponto, recta ou plano com plicas indica
que esse elemento geométrico está a ser observado no corpo deformado. Assim: O’ é o ponto resultante da deformação
do ponto O, original; r’ é a direcção de recta resultante da deformação da direcção de recta r, original, etc.

38
2.3. A DEFORMAÇÃO COMO FENÓMENO PROGRESSIVO

2.3.1. TRAJECTO DE DEFORMAÇÃO

A deformação natural é um fenómeno histórico: do estado original de um corpo até ao


seu estádio “final”, decorre uma sucessão de estádios contingentes que constituem a história da
deformação (Fig.2.7). Vectores de deslocamento, tais como os definidos na Fig.2.1 não
reconstituem essa história: apenas relacionam os estádios original e “final”, sendo compatíveis
com sequências muito diversas de acontecimentos.

t=2Ma

t=1Ma

t=0
x
Fig.2.7- Possível história de deformação de um corpo originalmente quadrangular

Podemos supor que, durante a história da deformação de um corpo, a deformação vai


“avançando” através de incrementos infinitesimais que originam, em cada momento da história
da deformação, uma deformação finita (i.e., não infinitesimal). Assim, a Fig.2.7 ilustra uma
sequência de deformações finitas, desde o estádio original (não deformado) até ao último
momento considerado, na história da deformação. O que o geólogo observa no campo é, pois,
sempre, uma deformação finita, ou seja o produto (não, necessariamente, final) de uma história
de deformação.

Mais esquematicamente, poderemos descrever uma história de deformação,


representando a variação do estado de deformação (expresso por qualquer parâmetro de
deformação, como, por exemplo, uma extensão) ao longo do tempo (Fig.2.8). Os pontos
sucessivamente obtidos definem um trajecto de deformação (deformation path) e cada um deles
representa um estádio de deformação finita.

39
εf
εf ε média =
tf - t0

ε = dε
Deformação
dt
0
t0 Tempo tf

Fig.2.8- Representação (parcial) da história de deformação através de um trajecto de deformação.

Como se disse, entre o estádio inicial e o “final” (εf) muitos trajectos de deformação
poderiam ter ocorrido. Na prática, é impossível determinar perfeitamente a história de uma
deformação. No entanto, em algumas situações de estruturas menores, é possível determinar,
com alguma segurança, segmentos limitados de trajectos de deformação.

Um outro aspecto importante, aparente na Fig.2.8, é a possível irregularidade do trajecto


de deformação: os sucessivos incrementos não são constantes, podendo, por exemplo, a uma
extensão positiva suceder uma extensão negativa, ou vice-versa.

2.3.2. VELOCIDADE DE DEFORMAÇÃO

A sequência dos acontecimentos deformacionais pode ser mais ou menos rápida. Surge,
assim, a noção de velocidade de deformação (strain rate). Novamente, sendo a deformação
expressa por um dado parâmetro (extensão ou de cisalhamento), uma velocidade de
deformação é a derivada, em ordem ao tempo, desse parâmetro. Tal representa-se,
simbolicamente, sobrepondo um ponto ao parâmetro considerado:

dε e γ= dε (2.10a,b)
ε = dt dt

Qualquer destas duas velocidades de deformação, uma vez que os parâmetros de deformação
envolvidos são grandezas adimensionais, é expressa em (unidade de tempo)−1. A unidade
habitual é o por segundo (s−1).

40
O valor acima definido corresponde a uma velocidade média da deformação e, em limite,
definir-se-á uma velocidade instantânea, variável durante a história deformacional (cf. Fig. 2.8):


ε=
dt

Valores da ordem de 10-14 s-1 são, frequentemente, referidos como representativos de


velocidade de deformação geológica. Tais valores correspondem à movimentação associada a

grandes sistemas de falha, como é o caso da falha de Santo André. A gama de valores de ε
correspondentes a fenómenos geologicamente relevantes varia, contudo, entre largos limites.

Determinemos valores correspondentes a várias situações, mas, antes, para


apreendermos melhor o significado dos valores obtidos, consideremos uma experiência
facilmente imaginável. (Entretanto, anotemos um valor que nos será muito útil: 1 ano
corresponde, aproximadamente, a 3 . 107 segundos).

Seja um provete de rocha com 10 cm de altura que vai ser submetido a um ensaio de
compressão uniaxial (Fig.2.9). Suponhamos que, ao fim de 1 segundo, a sua altura passa a ser
de 9 cm. Qual foi a velocidade de deformação?
t=1s

ε = δl/l = 1/10 = 10-1


a velocidade de deformação será: 10
9
ε = ε/t = 10 s
-1 -1

Se o mesmo efeito só tivesse sido conseguido ao fim


de 4 meses (!), a velocidade de deformação seria: Fig.2.9

ε = 10-1 : 107 = 10-8 s-1

e este valor corresponde, ainda assim, a uma velocidade de deformação 1 milhão de vezes
maior que a considerada como tipicamente geológica!

Alternativamente, poderemos calcular o tempo que o mesmo ensaio deveria levar para
que a mesma deformação de 10% tivesse sido conseguida a uma velocidade tida como
geologicamente típica: 3 . 10-14 s-1 (valor indicado por H.C. Heard, 1963):

0,10 = ε x t Î t = 10-1 / (3 . 10-14) = 3,3 . 1012 s ≅ 105 a

e aquele resultado só teria sido conseguido, se o ensaio se tivesse iniciado com o primeiro
Homem de Neanderthal!

41
Calculemos, então, as ordens de grandeza que tipificarão as velocidades de deformação
correspondentes a vários processos geológicos.

2.3.2.1. Subsidência

Após a deposição de sedimentos, poderá assumir-se que a deformação resultante da


compacção (ocasionada pela carga das rochas sobrejacentes) se dá de forma aproximadamente
contínua, ao longo do tempo.
Autores, como M.K. Hubbert e W.W. Rubey (1959), mostraram que a velocidade de
deposição em certos campos petrolíferos dos E.U.A. foi de ca. 100 metros/Ma. A porosidade
desses sedimentos varia progressivamente com a profundidade, conforme se ilustra na Fig.2.10,

Fig.2.10- Variação da porosidade dos sedimentos com a profundidade, segundo G. Dickinson (1972). (in. N.J.Price
1975)

diminuindo de ca. 20%, a 3 km de profundidade, para ca. 15%, a 5 km de profundidade.

Se essa variação de volume de 5% foi, essencialmente, resultante de compactação

vertical, a extensão (negativa) vertical foi, também, de 5%:

|ε| = 5 . 10−2

42
Admitindo a referida velocidade média de deposição, o tempo correspondente à
deposição e subsidência de uma coluna sedimentar com 2 km de possança é

t = 2000/100 Ma = 20 Ma = 6 . 1014 s

e a velocidade de deformação será

ε = 5.10−2 / (6.1014) = 10−16 s−1

2.3.2.2. Levantamento tectónico

Consideremos um modelo muito simples (Fig.2.11), em que um estrato em A, de


comprimento original L , por levantamento tectónico, vai para B, sofrendo, concomitantemente,
uma extensão igual a δL.

Determinemos a deformação longitudinal


B δL correspondente:
A dR L=R.θ
L
dL = dR . θ

ε = dL/L = dR . θ / (R . θ)
ε = dR / R
R
Apliquemos o modelo a um caso concreto:
θ
o levantamento pós-glaciário da Escandinávia, o
qual foi de ca. 200 m, na sua parte central, nos
últimos 9000 anos.
Fig.2.11

Considerando R (raio da Terra) igual a 6400 km, calcula-se:

ε = dR / R = 200 / 64.105 ~ 3 . 10-5


Esta deformação foi obtida num tempo

t = 9000 a ~ 3.1011 s
donde uma velocidade de deformação,

ε ~ 3 . 10-5 / 3.1011 = 10-16 s-1

2.3.2.3. Expansão dos oceanos

43
Seja a abertura do Atlântico. A sua velocidade de expansão é ca. 3 cm por ano.
Considerando que a sua largura é de 7000 km, a extensão longitudinal anual é

ε = dL / L = 3 / 7.108 ~ 4 . 10-9
e a velocidade de deformação será:

ε ~ 4 . 10-9/ 3.107 ~ 10-16 s-1

2.3.2.4. Expansão da região de Basin and Range (E.U.A.)

Nesta região a oeste das Montanhas Rochosas, tem vindo a ocorrer uma expansão
crustal progressiva (e concomitante adelgaçamento da crosta continental).

A sua largura duplicou nos últimos 30 Ma:

ε = dL / L = L / L = 1
t = 30.106 x 3.107 s ~ 1015 s
Donde:
ε ~ 10-15 s-1

2.3.2.5. Dobramento

A velocidade de deformação durante um dobramento, conforme trabalhos de modelação


experimental têm demonstrado, não é constante. Numa modelação laboratorial de dobramento
por tectónica gravitacional, P. Blay verificou que as dobras se formam sequencialmente: depois
de uma longa fase inicial, de instabilidade elástica, segue-se uma fase de rápida geração de
dobra (dobramento inelástico que esvazia a energia deformacional, entretanto acumulada) e,
finalmente, uma mais demorada fase de achatamento geral. Determinemos a velocidade da
referida segunda fase, socorrendo-nos de uma dobra formada na frente do carreamento de
Glarus (Alpes suíços), esquematicamente ilustrado na Fig.2.12.

1000 m
500 m

Fig.2.12

44
O deslocamento horizontal envolvido é de cerca de 50 km e ocorreu em ca. 500.000
anos. A velocidade média de avanço do manto de carreamento foi, pois, de 10 cm/a.
Portanto, o tempo envolvido num deslocamento de 500 metros (v. Fig.2.12) foi

t = 500 . 102 / 10 = 5 . 103 a ≅ 1,5 . 1011 s

e a deformação longitudinal foi

ε = dL/L = 500 / 1000 = 5 . 10−1

Finalmente, calcula-se uma velocidade de deformação,

ε ≅ 5 . 10-1 / 1,5.1011 ≅ 3 . 10-12 s-1

2.3.2.6. Falhamento

Ao longo das falhas, ocorrem dois tipos de movimentos dissipadores da energia


mecânica crustal: movimentos muito lentos (de cedência ou creep), assísmicos, e movimentos
súbitos e, daí, geradores de sismos, por vezes, catastróficos. Estes últimos são acontecimentos
muito rápidos, cuja duração depende da amplitude do movimento e, portanto, da extensão
(activa) da falha. A velocidade do movimento sísmico ao longo do plano de falha não variará
muito: 10 a 100 m/s. Numa falha menor (que não excede uma dezena de metros e em que o
deslocamento não excederá cerca de um milímetro), o tempo não excederá 10-3 s. Numa grande
falha, como a de Santo André, o tempo envolvido poderá ser de 1 s, excluindo os movimentos de
réplicas.

O caso de uma falha menor é comparável à situação experimental da rotura de um


provete submetido a compressão uniaxial. Nesta situação, a deformação longitudinal (elástica)
acumulada até ao momento da rotura é de 0,1% a 1%. Teremos, então:

ε ≅ 10−3/ 10−3 ≅ 1 s−1 a ε ≅ 10−2/ 10−3 ≅ 10 s−1

Para uma grande falha, a deformação acumulada até ao movimento pode ser inferida,
extrapolando resultados de ensaios de cisalhamento (N.J. Price, 1975). Segundo este autor, o
valor da deformação na massa de rocha adjacente à falha variará, geralmente, entre 10-5 e 10-4.
Correspondentemente, a velocidade de deformação variará entre

ε ~ 10-5/ 1 ~ 10-5 s-1 e ε ~ 10-4/ 1 ~ 10-4 s-1

2.3.2.7. “O não-fenómeno geológico”

45
Por último, poderá perguntar-se: que velocidade terá o fenómeno geológico que, sendo
tão lento, é como se não tenha acontecido?
Naturalmente, é aquele que, apesar de se ter iniciado desde que a Terra é Terra, atingiu
uma amplitude tão pequena que a deformação correspondente não é detectável.
Teremos:

- tempo igual a 4000 Ma (idade aproximada das rochas mais antigas)


- deformação, 0,1% (detectar que um corpo, inicialmente, com 10 cm passou a medir
10,01 cm)

O valor-limite da velocidade de deformação será: ε ~ 10-3/ 12.1016 ~ 10-20 s-1

No Quadro 2.2 indica-se a gama de velocidades de deformação, definidas pelos


diversos processos geológicos.

Note-se que as velocidades de deformação determinadas correspondem, apenas, a


ordens de grandeza de velocidades médias. Por exemplo, quando se afirmou que a velocidade
de sedimentação é da ordem de 100m/Ma, não se deverá esquecer que esse fenómeno não é
contínuo: períodos de inactividade alternarão com deposição por torrentes de turbidez com a
velocidade de dezenas a centenas de quilómetros por hora.

Analogamente, no caso da deformação associada às falhas, a velocidade determinada


refere-se à velocidade de acumulação de energia, ao longo da falha. Mas, essa energia pode ser
libertada subitamente. Por exemplo, no sismo de 1906, na falha de Santo André, ocorreu um
deslocamento de 3 metros numa fracção do segundo. As correspondentes velocidades de
deformação atingiram valores de 106 s-1!

Também, numa dobra, para além da variação da velocidade de deformação ao longo do


tempo, ocorrem variações de ponto para ponto, pelo que a avaliação é global.

46
QUADRO 2.2- Velocidades de deformação geológica

ε (s-1)

102
IMPACTOS METEORÍTICOS
0 VULCANISMO
10 PEQUENAS FALHAS
M U I T O R Á P I D A

10−2

10−4
MICRO
GRANDES FALHAS R Á P I D A
INTRUSÃO MAGMÁTICA

10−6 MENOR

10−8
MESO DOBRAMENTO
−10
10
FASE B
−12 M O D E R A D A
10
MEGA
10−14 L E N T A
FASES A E C

10−16
SUBSIDÊNCIA M U I T O L E N T A
10−18
LEVANTAMENTO
−20 STOP!
10

47
2.4. DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA E DEFORMAÇÃO HETEROGÉNEA

Para que o estado de deformação de um corpo esteja perfeitamente definido, é


necessário determinar a deformação em cada um dos pontos desse corpo. Por sua vez, a
deformação num dado ponto do corpo só ficará definida se pudermos determinar a extensão e o
cisalhamento segundo todas as direcções do espaço, em torno desse ponto.
Se a deformação for constante em todos os pontos do corpo (i.e., os parâmetros de
deformação, segundo cada direcção, tiverem o mesmo valor em todos aqueles pontos), a
deformação diz-se homogénea. Caso contrário, a deformação é heterogénea.
Demonstra-se que, numa deformação homogénea, linhas rectas, que se definam no
corpo original, continuam a ser rectas após a deformação e, se eram paralelas, continuam a sê-
-lo. Em geral, após uma deformação heterogénea, uma recta deixa de ser recta e não se
mantêm as relações de paralelismo originais (Fig.2.13).

Y Y
B’
B’

C B
C’ C’
A’

A’

D=O A D’=O
X X
a. b.

c. d.

Fig.2.13- Deformação de um elemento quadrangular, [ABCD]. a) Deformação homogénea b) deformação heterogénea


c) Trilobite deformada homogeneamente (no plano ilustrado) d) Trilobite deformada heterogeneamente

48
Essas relações constituem uma definição geométrica, que permite distinguir deformação
homogénea de deformação heterogénea. Delas conclui-se que, a duas dimensões, um elemento
quadrangular definido no corpo original converte-se, após uma deformação homogénea, num
elemento paralelogrâmico, enquanto que, a três dimensões, um elemento cúbico original tornar-
se-á paralelepipédico.

Do que ficou dito, compreende-se que a análise da deformação de um corpo deformado


heterogeneamente é mais complicada que a de um corpo homogeneamente deformado. Mas,
se, à primeira vista, poderíamos julgar estar perante um problema intratável, isso não é verdade.
Efectivamente (v. Fig.2.14), é sempre possível definir no corpo original um elemento
cúbico (ou quadrangular, a duas dimensões) suficientemente pequeno, para que, após a
deformação, se possa considerar (dentro da precisão possível e do rigor desejado) que ele se
tenha transformado num elemento paralelepipédico (paralelogrâmico, a duas dimensões). Por
outras palavras, é sempre possível dividir um corpo heterogeneamente deformado em domínios,
cada um deles deformado homogeneamente. Considerar-se-á que a deformação do corpo
variará, não de ponto para ponto, mas de domínio finito para domínio finito, aplicando-se a cada
um desses domínios os princípios básicos da deformação homogénea.

(a)

(b)

Fig.2.14- a) Corpo original subdividido em pequenos domínios quadrangulares.


b) Deformação homogénea do corpo original: os domínios têm todos a mesma forma paralelogrâmica, i.e., a
deformação não varia de domínio para domínio
c) Deformação heterogénea do corpo original: os domínios têm todos uma forma quase paralelogrâmica, mas
variável de domínio para domínio.

49
Nos capítulos seguintes, far-se-á uma apresentação muito geral dos princípios básicos
em que assenta a análise da deformação homogénea de rochas naturalmente deformadas.
Para melhor compreensão da questão geral (que é tridimensional), começaremos por
abordar a análise da deformação a duas dimensões. Este procedimento justifica-se, ainda,
porque, na prática, a análise da deformação tem, geralmente, como ponto de partida,
observações feitas em secções planas das rochas. Tais secções planas serão, por exemplo,
planos estruturais (planos de estratificação, clivagens ou xistosidades), cortes do terreno
(naturais ou não), cortes de amostras orientadas (observados à vista desarmada, em fotografia
ou observados ao microscópio) 4. É relacionando os estados de deformação nesses diferentes
planos que se determina o estado de deformação na sua verdadeira dimensão tridimensional.

4
Diz-se orientada uma amostra em que se anotam (com tinta indelével) elementos que definem a sua orientação
espacial original, no terreno. Tal permitirá, no laboratório, recolocar essa amostra na sua orientação original e efectuar,
nela, cortes com orientações espaciais bem determinadas, relativamente às estruturas regionais.

50
2.5. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA A 2 DIMENSÕES

2.5.1. ELIPSE DE DEFORMAÇÃO

Se num corpo bidimensional traçarmos uma circunferência e o deformarmos


homogeneamente, essa circunferência adquire a forma de uma elipse. Se considerarmos como
unitário o raio da circunferência original, a elipse obtida designa-se por elipse de deformação.
A elipse de deformação permite caracterizar, perfeitamente, a distorção sofrida por um
corpo homogeneamente deformado. Efectivamente, a elipse de deformação permite determinar
a extensão e o cisalhamento ocorridos segundo qualquer direcção definida no corpo deformado.
Tal decorre, como a Fig.2.15 ilustra, da geometria da elipse comparada com a da circunferência.

t
r
t’
P ψ
1
r’

P’
O
O’

CORPO ORIGINAL CORPO DEFORMADO

Fig. 2.15- Definição de elipse de deformação

Assim, segundo a direcção r’ (do corpo deformado), o segmento O’P’ resulta da


deformação de um raio da circunferência original (seja, OP).
A extensão quadrática segundo r’ é

λ = (O’P’/OP)2
sendo, por definição, OP=1

λ = (O’P’)2

isto é, cada raio da elipse de deformação é igual à raiz quadrada da extensão quadrática sofrida
pelo corpo nessa direcção (definida no corpo deformado).

Por outro lado, porque:


i. a tangente à circunferência original, num dado ponto (tal como P), deforma-se
homogeneamente numa tangente à elipse (cada ponto da circunferência resulta, por
deformação, num e só num ponto da elipse);

51
ii. a tangente a uma circunferência em P e o raio OP são perpendiculares entre si,
o ângulo entre r’ e a perpendicular à tangente t’ dá-nos o ângulo de cisalhamento (ψ) segundo
O’P’ (v. Fig.2.16).

Note-se, porém, que a elipse de deformação nada informa sobre a translação ou sobre a
rotação globalmente sofrida pelo corpo deformado, i.e., desconhece-se a relação de posição e
orientação relativa de direcções tais como OP e O’P’. Como ficou dito, ela apenas descreve a
distorção sofrida pelo corpo homogeneamente deformado.

Numa elipse, só nas direcções dos eixos principais são os raios perpendiculares às
respectivas tangentes à elipse. Os eixos da elipse são, pois, as duas únicas direcções segundo
as quais o cisalhamento é nulo (ψ = 0°). Tais direcções designam-se por direcções principais da
deformação. Alternativamente, poderemos definir direcções principais da deformação como
sendo as únicas direcções originalmente perpendiculares que se mantêm perpendiculares entre
si, após a deformação. Excluindo a situação de simples dilatação ou contracção de um corpo
(casos em que a extensão é igual em todas as direcções), num corpo bidimensional
homogeneamente deformado, definem-se sempre 2 e só 2 direcções principais de deformação.

As extensões verificadas ao longo das direcções principais da deformação designam-se


por extensões principais. Num problema bidimensional, definem-se, portanto, 2 extensões
principais, simbolizadas por

λ1 e λ2 (por convenção, λ2 ≤ λ1)


no caso de se adoptar a definição de extensão quadrática.

Conclui-se, portanto, que a elipse de deformação tem semieixos iguais a λ1 e λ2

Atente-se que, face às definições dadas, as extensões de Cauchy principais são:

e1 = λ1 −1 e e2 = λ2 −1

Expressos nestes parâmetros, os semi-eixos principais da elipse de deformação medem


(1+e1) e (1+e2), respectivamente.

52
ψ

λ
Fig.2.16 - Elipse de deformação: X e Y são as duas λ1 X
direcções principais da deformação e λ1 e λ2, as
extensões quadráticas principais. Cada raio
representa a raiz quadrada da extensão quadrática λ2
verificada nessa direcção do corpo deformado e ψ
é o ângulo de cisalhamento para essa mesma
direcção.
Y

A partir do conceito de elipse de deformação, pode calcular-se a dilatação (∆) associada


a uma deformação. Num problema a duas dimensões, define-se dilatação como sendo a
variação relativa de área

∆ = δS/So
em que δS é a variação de área e So , a área original do elemento considerado no corpo.

Comparando as áreas do círculo original (de raio unitário),

So = π r2 = π
e da elipse de deformação,
S = π a.b = π λ 1 λ2
vem:

∆ = (S - So )/So

∆= λ1 λ2 − 1

Exprimindo em termos de extensões de Cauchy,

∆ = (1+ e1 ) (1+e2 ) −1
∆ = e1 +e2 + e1 e2

No caso de uma deformação infinitesimal5, o produto e1 e2 é desprezável, pelo que

∆ = e1 + e2

5
Tal como acontece na dilatação térmica de um mineral

53
É desejável poder representar, através da simples marcação de um ponto num
diagrama, a forma de uma elipse de deformação. Um desses diagramas é o reproduzido na
Fig.2.17.

λ2

∆=0

0 1 2 3 λ1
Fig.2.17- Diagrama λ1 - λ2 , em que, a título ilustrativo, se inscreveram as elipses que seriam representadas pelos pontos
que coincidem com os seus centros.

Como, por definição, λ2 ≤ λ1 , os pontos representativos de elipses de deformação

situam-se abaixo da bissectriz λ1 = λ2, enquanto que pontos situados sobre essa semi-recta
representam circunferências (deformações uniformes).

O ponto (1,1) representa a circunferência original, de raio unitário; os pontos acima da

recta λ2 = 1 representam deformações finitas em que ambas as extensões principais são

positivas (no sentido corrente do termo); pontos à esquerda da recta λ1 = 1 representam


deformações em que aquelas extensões são ambas negativas; pontos correspondentes a

deformação com uma dilatação nula definem a hipérbole λ1 .λ2 =1. Acima dessa curva, a
dilatação é positiva; abaixo, a dilatação é negativa (a área da elipse de deformação é menor que
a do círculo unitário original).

54
2.5.2. DEFORMAÇÃO ROTACIONAL / IRROTACIONAL E COAXIAL / NÃO-COAXIAL

Considerando um referencial fixo, verifica-se que, em geral, as direcções principais da


deformação (finita) definidas antes e após a deformação não coincidem: dir-se-á que a
deformação (finita) foi rotacional (ω = 0°). Em algumas circunstâncias, porém, aquelas direcções
podem coincidir: a deformação (finita) dir-se-á irrotacional (ω = 0°).
Considerando a história da deformação de um corpo, a cada momento corresponde um
incremento infinitesimal de deformação que se descreve com uma elipse de deformação
infinitesimal. A elipse de deformação finita corresponderá ao produto “final”, integração daqueles
incrementos de deformação. Se, no decorrer dessa história, as direcções principais da
deformação mantiverem uma orientação constante, dir-se-á que a deformação é coaxial. Caso
contrário, será não-coaxial. Portanto, concluindo, poderemos afirmar que uma deformação
coaxial resulta numa deformação finita irrotacional, mas a recíproca pode não ser verdadeira (v.
Fig.2.18).

COAXIAL NÃO-COAXIAL NÃO-COAXIAL

ω ω

COAXIAL
NÃO-COAXIAL
COAXIAL NÃO-COAXIAL

DEF. IRROTACIONIAL DEF. ROTACIONIAL DEF. IRROTACIONIAL

Fig.2.18- a) Deformação irrotacional (permanentemente coaxial)


b) Deformação rotacional (permanentemente não-coaxial, ou combinando incrementos não-coaxiais com
coaxiais)
c) Deformação irrotacional (após incrementos não-coaxiais)

55
2.5.3. CASOS PARTICULARES DE DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA (A 2-D)

A Fig.2.19 ilustra vários casos particulares de deformação homogénea de um corpo


bidimensional, através da deformação de um elemento quadrangular, definido nesse corpo.

Y Y Y Y

X X X X

EXTENSÃO UNIAXIAL SEGUNDO X EXTENSÃO BIAXIAL CISALHAMENTO SEGUNDO X CISALHAMENTO SEGUNDO Y

Fig.2.19 (V. texto)

i. Extensão uniaxial

Ocorre uma extensão (constante) ao longo de uma única direcção. Se definirmos esta
direcção como sendo o eixo dos XX, cada ponto P(x,y) do corpo é deslocado para P’(x’,y’), em
que:
x’ = k x
y’ = y

e as extensões quadráticas ao longo dos eixos coordenados serão:

λx= k2
λy= 1

Um incremento de extensão uniaxial corresponde a uma deformação coaxial, pelo que


sucessivos incrementos deste tipo resultam numa deformação finita irrotacional.
Esta deformação envolve uma dilatação

∆=k−1

ii. Extensão biaxial

Ocorrem extensões ao longo das direcções de ambos os eixos coordenados, de tal


modo que cada ponto P(x,y) do corpo é deslocado para P’(x’,y’), sendo:
x’ = k1 x
y’ = k2 y
e as extensões ao longo dos eixos coordenados serão:

56
λx= k12

λy= k22

Como no caso precedente, a deformação é coaxial.

A dilatação envolvida é ∆ = k1 .k2 − 1

iii. Cisalhamento puro (pure shear)

É um caso particular de extensão biaxial, em que o aumento de comprimento ao longo


de um dos eixos é compensado por uma diminuição de comprimento ao longo do outro, de tal
modo que não ocorre variação de área (dilatação, ∆ = 0), ou seja, quando
k1 . k2 = 1
donde
λx . λy = 1

iv. Cisalhamento simples (simple shear)

Todos os pontos do corpo sofrem um deslocamento paralelo a um dos eixos


coordenados, mas que não é constante: é directamente proporcional ao seu afastamento
relativamente a esse eixo. Assim, se o cisalhamento ocorrer na direcção do eixo dos XX, cada
ponto P(x,y) do corpo é deslocado para P’(x’,y’), sendo:

x’ = x + γ y
y’ = y

em que γ é o parâmetro de cisalhamento (ou seja, tg ψ).

Os valores das extensões quadráticas segundo os eixos coordenados serão:

λx = 1 e λy = 1+ γ 2

A deformação não é coaxial, pelo que incrementos constantes de cisalhamento simples


resultam numa deformação rotacional (Fig. 2.20).
Como se depreende da Fig.2.20, numa deformação por cisalhamento simples, a
dilatação é nula (∆ = 0).

57
Y Y Y

r r’ r’’

X X X

Fig. 2.20 - Deformação progressiva de um elemento quadrangular, por incrementos de cisalhamento simples segundo X
r, direcção principal da deformação vista no corpo não deformado
r’, r’’, uma das direcções principais da deformação (direcção de estiramento) vistas no corpo deformado, para
sucessivos valores (crescentes) do cisalhamento (ψ)

2.5.4. DETERMINAÇÃO DA ELIPSE DE DEFORMAÇÃO

Para determinar a elipse de deformação, que descreve o estado de deformação finita


numa secção plana de um dado corpo deformado, é indispensável conhecer, sempre, pelo
menos três elementos, antes e após deformação, entre os quais o comprimento de uma linha.
Frequentemente, este último elemento não é determinável e, então, poderão ser reconhecidas
as direcções principais da deformação e a razão R= λ1/ λ2 , ou seja, a orientação e a forma

da elipse de deformação finita.

Sem se pretender fazer uma cobertura das diferentes situações em que é possível, mais
ou menos completamente, definir a elipse de deformação finita, vejamos os princípios básicos,
subjacentes aos métodos dessa determinação.

A caracterização do estado de deformação finita de uma rocha pode ser conseguida


através:
i. geometria de corpos deformados ("marcas", tais como, fósseis, oólitos, manchas de
redução, veios, etc.) no pressuposto conhecimento de características relevantes
(nomeadamente, simetria ou, mesmo, dimensões) da sua forma original; note-se que se a marca
for originalmente circular, a sua forma, após deformação, é a da própria elipse de deformação
finita.

ii. da análise estatística da distribuição de pontos (nomeadamente, centros de "marcas"),


cuja distribuição estatística original seja, supostamente, conhecida.

58
Vejamos, então, os princípios básicos da análise de marcas de deformação.6

2.5.4.1. Reconhecimento das direcções principais da deformação finita

Em muitos casos, consiste na identificação de duas direcções perpendiculares entre si


que já o eram, antes da deformação. Uma situação comum faz uso de marcas (nomeadamente,
fósseis) com simetria bilateral: se essa simetria se mantém no corpo deformado, o eixo de
simetria é uma das direcções principais da deformação (Fig.2.21). Naturalmente, marcas
originalmente esféricas (que dão lugar a secções planas circulares), como é o caso de
esferólitos, oólitos, marcas de redução, etc., têm aplicação imediata: permitem determinar as
direcções principais da deformação (e o cisalhamento ocorrido segundo qualquer direcção do
corpo deformado).
De qualquer modo, uma marca com um eixo de simetria bilateral original que, após
deformação, perca essa simetria, permitirá sempre determinar o cisalhamento ocorrido na
direcção daquele eixo.

Outra situação digna de referência é a da observação de marcas, cuja atitude original é


estruturalmente caracterizável: por exemplo, Skolithos (escavações, originalmente, verticais de
vermes fósseis) e a sua relação com a estratificação (originalmente, horizontal).

Noutros casos, a direcção de X (direcção de máximo alongamento) é estruturalmente


reconhecível pelo alinhamento de cristais alongados, constituindo-se uma lineação de
estiramento. Esta manifesta-se, frequentemente, como uma estriação observável no plano de
clivagem ardosífera (plano de divisão observável em ardósias e noutras rochas
anquimetamórficas) ou, nas rochas mais intensamente metamorfizadas, no plano de xistosidade.
Em termos de deformação finita, esses planos estruturais correspondem, ambos, ao plano XY,
ou seja, ao plano normal à direcção de máximo encurtamento (Z) da deformação tridimensional.

6Descrição mais completa de métodos de análise de marcas e de distribuições de pontos serão objecto da disciplina de
Geologia Estrutural Complementar.

59
60
Fig.2.21- Exemplos de reconhecimento das direcções principais da deformação (X,Y) ou da determinação de
cisalhamentos

61
2.5.4.2. Determinação das extensões principais

Passa pelo reconhecimento de, pelos menos, um comprimento original. Na análise de


corpos naturalmente deformados, a fim de determinar extensões, têm sido, frequentemente,
consideradas as situações seguidamente enumeradas.7

i. Boudinage de rostros de belemnites e situações análogas: admite-se que o compri-


mento original corresponde ao da junção dos fragmentos separados (v. Fig. 2.3., p.36).

ii. Medição de veios dobrados de espessura ortogonal constante ("dobras paralelas"):


admite-se que o comprimento original do veio corresponde à sua rectificação, medida no plano
normal ao eixo das dobras (Fig.2.22-a).

iii. As suturas estilolíticas (Fig.2.22-b) que permitem avaliar a perda de rocha por
dissolução por pressão (pressure solution).

B’ r’

A’

A B
a.

σ1
A
δl A’

S S’ Canal poroso, ao longo do qual ocorrerá


δl dissolução do calcário, unilateralmente
(na direcção apontada), em resultado da
compressão.

B B’

b.
Fig.2.22- Exemplos de determinação da extensão segundo uma direcção (r’ ou A’B’) do corpo deformado.
a) A partir de um veio dobrado (com a geometria de dobra paralela)
b) A partir de uma sutura estilolítica (SS’), num calcário
Em qualquer dos casos, a extensão de Cauchy é: e = δl / lo = (A’B’ – AB) /AB

7
Note-se que, em geral, as extensões directamente determinadas não são as principais. Estas serão determinadas
indirectamente, combinando os dados obtidos segundo outras direcções.

62
Situações em que, embora não sejam conhecidas as dimensões absolutas de fósseis,
se admite conhecer a proporção entre certos elementos da sua anatomia (por exemplo, entre as
dimensões da charneira e da costela mediana de um braquiópode) têm sido, também,
consideradas. Igualmente, a forma original de fósseis sem simetria bilateral, mas com uma
geometria ou com ângulos característicos supostamente conhecidos (constantes para a espécie
considerada) pode servir de base para a determinação da elipse de deformação finita: é o caso,
por exemplo, de ângulos apicais em conchas cónicas, ângulos entre pínulas e ráquis, fósseis em
espiral, etc. (Fig.2.23).

Fig.2.23- Exemplos de fósseis deformados que poderão servir de marcas de deformação: no lamelibrânquio original, os
ângulos α e β e a razão a/b são conhecidos (característicos da espécie); no gastrópode, o ângulo apical (α) é
uma característica específica; já a espiral, de geometria conhecida, será característica do amonóide.

Em muitas situações, não são imediatamente reconhecíveis as direcções principais da


deformação, mas a consideração de extensões e/ou cisalhamentos em diversas direcções
permitem determinar, mais ou menos completamente, a elipse de deformação finita. Não iremos
considerar, como se disse, tais situações.

Em todo o caso, a determinação da elipse de deformação faz-se recorrendo,


habitualmente, a um diagrama de Mohr, análogo ao considerado para descrever estados de
tensão. Vejamos, então, em que consiste a construção de Mohr aplicável a problemas de estado
de deformação, a duas dimensões.

63
2.5.5. DIAGRAMA DE MOHR PARA A DEFORMAÇÃO A 2 DIMENSÕES

A componente irrotacional (i.e., a que implica a distorção) de um estado de deformação


pode ser representada, muito convenientemente, através de um diagrama de Mohr análogo ao
definido para um estado de tensão. Ele contém exactamente a mesma informação que se
poderá extrair da elipse de deformação que descreve o mesmo estado de deformação finita.
No diagrama de Mohr que descreve estados de deformação, os eixos coordenados
são: λ' (em abcissas) e γ' (em ordenadas). A circunferência de Mohr intersectará o eixo das
abcissas segundo os recíprocos das extensões quadráticas principais, ou seja, no caso da
deformação a duas dimensões, segundo λ1’ e λ2' (Fig.2.24). Neste diagrama, cada direcção

definida, no corpo deformado, pelo ângulo Θ’, medido a partir de X (direcção de λ1), é
representada por um ponto da circunferência.

r’
γ’ 25º

P X
(λ1)

50º
X
0
λ’1 ½(λ’1 + λ’2) λ’2 λ’

Fig.2.24- Diagrama de Mohr que descreve um estado de deformação relativamente às direcções principais da
deformação e sendo λ’1 e λ’2 os recíprocos das extensões quadráticas principais (λ1 e λ2).
O ponto P da circunferência representa a direcção r’ definida no corpo deformado
N.B.: os ângulos entre direcções, medidos naquele corpo, são marcados a dobrar, no diagrama.

A relação entre o diagrama de Mohr e a elipse de deformação está ilustrada na Fig.2.25.


Novamente, um ponto P da circunferência de Mohr representa uma direcção observada no corpo
deformado. As coordenadas desse ponto são λ'θ', em abcissas, e γ’θ' , em ordenadas, a partir
das quais se calculam a extensão quadrática e o cisalhamento segundo aquela direcção:

λθ' = 1 / λ'θ' ; γθ' = γ’θ' / λ'θ'

O ângulo de cisalhamento (ψθ' ) poderá ser determinado mais facilmente que γθ' : ψθ' é

64
igual ao ângulo que a semi-recta PO define com o eixo das abcissas (i.e., ângulo PÔC).

DADOS
λ1 = 1,3333 ψ
λ2 = 0,2564 Y
θ' = 65º P’

θ’
λ1
O X
γ’ λ2

1
USADOS
λ1’ = 0,75
2θ’ λ2’ = 3,90
ψ
X Y 2θ' = 130º
0 λ1’ 1 λ'OP λ2’ λ’

-1
ACHADOS
λ'OP = 3,36 λOP = 0,30
ψ = 19,7º

Fig.2.25- Determinação, com o diagrama de Mohr, da extensão quadrática (λθ') e do cisalhamento (ψ θ' ou γθ') ao longo da
direcção OP’ definida no corpo deformado pelo ângulo (Θ’) que ela define com a direcção de λ1, i.e., com X.
No diagrama, essa direcção é representada pelo ponto P, a 2Θ’ do ponto X (λ'1, 0).
(No canto superior direito da figura, ilustra-se a direcção considerada e os correspondentes parâmetros de
deformação, sobre a elipse de deformação)

A partir do diagrama de Mohr, facilmente se determinam, para cada estado de


deformação finita, direcções correspondentes a situações especiais da deformação. Por
exemplo, as direcções ao longo das quais ocorre uma deformação longitudinal finita nula e as
direcções de cisalhamento máximo. As primeiras correspondem aos pontos do diagrama de
Mohr de abcissa (λ' ) igual a 1 (pontos P1 e P2, na Fig.2.26).8
As direcções de cisalhamento máximo serão definidas, no diagrama de Mohr, traçando,
a partir da origem dos eixos coordenados, as duas semi-rectas tangentes à circunferência de
Mohr: as direcções de máximo cisalhamento são as descritas pelos pontos de tangência obtidos
(pontos Q e Q’, na Fig.2.27).

8
Obviamente só existe solução (pelo menos, uma) quando λ1 ≥1 ≥ λ2

65
γ’ P1 P2
θ’ E.D.
X x
1
P1 −θ’

2θ’
0 x
λ1 ’ 1
-2θ’ λ2’ λ’

-1 P2

Fig.2.26- Determinação, no diagrama de Mohr, das direcções de extensão longitudinal nula: ocorrem, em geral, duas tais
direcções, dispostas simetricamente, relativamente às direcções principais da deformação. Essas direcções são p1 e p2,
representadas no diagrama de Mohr pelos pontos P1 e P2. E.D., elipse de deformação finita

q2 q1

γ’

1
Q1
Y
(λ2)
52º
ψm
λ'1 1
λ'2 λ’ X
(λ1)

Q2
-1

Fig.2.27- Determinação, no diagrama de Mohr, das direcções de cisalhamento máximo: ocorrem, em geral, duas
direcções de cisalhamento máximo, dispostas simetricamente, relativamente às direcções principais da deformação e a
que corresponderão cisalhamentos de sinais (i.e., sentidos) contrários.
No diagrama de Mohr, essas duas direcções são definidas pelos pontos Q1 e Q2, correspondentes às direcções q1 e q2,
no corpo deformado.
No exemplo, o cisalhamento máximo é ψm=38º, ocorrendo segundo as duas direcções a 26º de X.

66
2.5.6. ESTRUTURAS GEOLÓGICAS BÁSICAS, REFERÍVEIS A UMA DEFORMAÇÃO A
DUAS DIMENSÕES

As estruturas observadas em rochas naturalmente deformadas são tridimensionais e


dependem, não só do estado de deformação finita, como também dos mecanismos de
deformação activados e do trajecto de deformação. Algumas das estruturas, contudo, têm uma
simetria, pelo menos, monoclínica (i.e., têm, pelo menos, um plano de simetria), o que as reduz
a uma situação plana: basta observá-las segundo uma secção paralela ao plano de simetria.
Além disso, é possível descrever certas formas estruturais basilares, referíveis à elipse de
deformação registada nessa secção. Tais estruturas são as que resultam da deformação de um
“estrato” competente situado no seio de um material (ilimitado) incompetente. Elas constituem
pontos de referência para a análise de estruturas análogas, mas mais complexas.

2.5.6.1. Estruturas resultantes de estiramento

Seja, então, um bloco constituído por um “estrato” competente no seio de material


incompetente, comprimida perpendicularmente ao “estrato” ou distendida paralelamente a ele
(Fig.2.28). Esse “estrato” tenderá a dividir-se segundo blocos cilindróides (boudins9 ), alinhados
lado a lado que, progressivamente, se separam. A esta estrutura dá-se a designação de
boudinage. A forma dos boudins depende do contraste de ductilidade entre “estrato” original e a
matriz. A sua secção longitudinal tem, tipicamente, uma forma em barril.

a. b.
Fig.2.28- Modelo de formação de boudinage. a) Bloco original b) Bloco após deformação
A marca circular original deu lugar à elipse, no corpo deformado.

9
Literalmente, salsicha, devido à forma e disposição dos blocos, típicas de algumas salsichas da Europa Central.

67
2.5.6.2. Estruturas resultantes de contracção

Quando um bloco igual ao considerado no caso precedente é submetido a uma


compressão perpendicular ao “estrato” competente, se a diferença de ductilidade entre “estrato”
e matriz for pequena, ocorrerá uma deformação homogénea do bloco. Mas, se aquela diferença
de ductilidade for suficientemente grande, a uma possível fase de deformação homogénea do
bloco (“estrato” mais matriz) seguir-se-á uma deformação heterogénea, em que o “estrato”
dobra e a matriz se acomoda, fluindo, às convoluções dessa dobra (Fig.2.29). Tipicamente, trata-
se de uma dobra paralela (isto, a espessura ortogonal do “estrato” mantém-se constante ao
longo da dobra) e a sua forma (designadamente, o seu comprimento de onda) depende da
espessura original do estrato e do contraste de ductilidade entre o “estrato” e a matriz.

Fig.2.29- Modelo de dobramento. a) Bloco original b) Bloco após deformação

2.5.6.3. Estruturas resultantes da combinação de estiramento com contracção

Nas duas secções precedentes, consideraram-se as estruturas correspondentes a


situações uniaxiais, ou, seja, em que uma das extensões principais da deformação bidimensional
é nula. Em geral, no entanto, verifica-se que ambas as extensões principais são não-nulas: no
corpo deformado, ao longo de certas direcções ocorre um alongamento positivo, enquanto
noutras ocorre um alongamento negativo, ou o alongamento é sempre do mesmo sinal (e não-
nulo) em todas as direcções. Correspondentemente, partindo do modelo ilustrado na Fig.2.28-a,
as estruturas idealmente observadas serão combinações de boudinage e de dobramento do
“estrato” competente.
As diferentes situações de estado de deformação finita acima referidas são as que
correspondem aos diferentes campos do diagrama definidor da forma da elipse de deformação
finita, ilustrado na Fig.2.17. Nesse diagrama, além dos domínios de deformação uniaxial,
definem-se os seguintes três campos estruturais (v. Fig.2.30).

68
Campo I − λ1 > λ2 > 1 : Boudinage complexa (estrutura em barra de chocolate)
A boudinage, idealmente, ocorrerá segundo duas direcções perpendiculares
entre si, mas, sendo a fracturação do “estrato” original muito dependente da presença de
anisotropia mecânica (planos de fraqueza naquele “estrato”), geralmente, tal não ocorre.

Campo II − λ1 > 1 > λ2 : Combinação de boudinage com dobramento


Poderá ocorrer o dobramento de boudinage ou a formação de boudins num
“estrato” dobrado, consoante o trajecto da deformação; em vez de Boudinage, as dobras
preexistentes poderão ser afectadas por diaclasamento.

Campo III − 1 > λ1 > λ2 : Dobramento complexo (estrutura em embalagem de ovos)


O dobramento tenderá a corresponder à interferência de dobras de eixos
perpendiculares entre si, pois estes tenderão a ser, respectivamente, perpendiculares a λ1 e a
λ2 .
Note-se que as situações acabadas de referir são ideais, pressupondo um modelo
simples (“estrato” singular no seio de uma matriz infinita, de materiais sempre mecanicamente
homogéneos e isotrópicos) e uma história deformacional tão simples quanto possível.

λ2

λ1
Fig.2.30- Estruturas referíveis aos diferentes campos de elipse de deformação

69
2.6. DEFORMAÇÃO A 3 DIMENSÕES

A deformação natural é tridimensional. No entanto, a breve análise de deformação


bidimensional, que acabou de ser feita, tem todo o cabimento, por três razões: primeiro, porque
permite introduzir, de uma forma mais simples, conceitos essenciais; segundo, porque muitos
problemas concretos reduzem-se, efectivamente, a problemas bidimensionais; terceiro, porque
os problemas tridimensionais são resolvidos através da ligação de soluções de estados de
deformação observados em secções planas do espaço tridimensional.

2.6.1. EXTENSÕES PRINCIPAIS

Num espaço tridimensional, definem-se três direcções principais do estado de


deformação (X, Y e Z). Elas são as únicas direcções mutuamente perpendiculares entre si, antes
e após a deformação. Ou seja, são as únicas direcções ao longo das quais ocorre um
cisalhamento nulo.

Em geral, verifica-se que as três direcções principais definidas no corpo, antes da


deformação, não coincidem com as três direcções principais, definidas no corpo deformado. Dir-
se-á, então, que a deformação finita foi rotacional. Outros conceitos análogos, como os de
deformação coaxial e não-coaxial, que se definiram para o estado de deformação bidimensional,
também se aplicam à deformação tridimensional.

As extensões observadas segundo as direcções principais dizem-se principais. Definem-


se, pois, três extensões principais. Adoptando a definição de extensão quadrática, teremos três
extensões quadráticas principais,
λ1, λ2, λ3

sendo, por convenção,


λ1 ≥ λ2 ≥ λ3

as quais ocorrem, respectivamente, segundo X, Y e Z (v. Fig.2.31).

O conhecimento, em grandeza e orientação, das extensões principais caracteriza


perfeitamente a deformação finita sofrida pelo corpo, excepto qualquer deslocamento global
(rotação e/ou translação) sofrido pelo mesmo. Constitui, de resto, a melhor (analiticamente mais
económica) maneira de o fazer. No entanto, o conhecimento do estado de deformação em

70
quaisquer três planos normais entre si (o que exige conhecer 9 parâmetros, 3 extensões e 6
cisalhamentos, iguais 2 a 2) também o permita fazer.10

2.6.2. ELIPSÓIDE DE DEFORMAÇÃO

2.6.2.1. Definição

É o conceito tridimensional análogo da elipse de deformação, definida para a


deformação a duas dimensões. Corresponde à deformação homogénea de uma esfera de raio
unitário Fig.2.30).

DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA
X
Y
Z

ESFERA DE RAIO UNITÁRIO


DEFINIDA NO CORPO ORIGINAL
λ3
λ2
λ1
Y

X
ELIPSÓIDE DE DEFORMAÇÃO FINITA

Fig.2.30- Definição do elipsóide de deformação

À semelhança da elipse de deformação, o elipsóide de deformação constitui uma forma


extremamente conveniente de descrever a componente irrotacional de uma deformação
homogénea, a três dimensões. Ele descreve, pois, a distorção sofrida pelo corpo, mas não
quaisquer deslocamentos globais (por rotação ou translação).
Como se depreende do que foi dito relativamente à geometria da elipse de deformação,
os eixos principais do elipsóide (únicas direcções que se mantêm normais aos planos tangentes
ao elipsóide, tal como acontecia na esfera original) definem as três direcções principais da

10 Situação comparável ao que se passa com o (tensor) estado de tensão.

71
deformação. Elas são, habitualmente, designadas por X, Y e Z, correspondendo X ao maior dos
eixos e Z, ao menor.

Dada a definição do elipsóide de deformação, os seus semieixos medem:

λ1 , na direcção de X

λ2 , na direcção de Y

λ3 , na direcção de Z

No elipsóide de deformação, cada raio mede λ , sendo λ a extensão quadrática


observada na direcção desse raio, definida no corpo deformado; o valor do cisalhamento nessa
mesma direcção é igual ao ângulo que esse raio define com a normal ao plano tangente ao
elipsóide no seu ponto extremo (Fig.2.31).

Z
N

O
X

ψOP
λ3 N’
P’
O
λ2 λ1 X

Fig.2.31- V. texto

Da geometria do elipsóide pode-se determinar a dilatação envolvida numa deformação


finita, em termos das extensões principais.

72
∆ = (V’-Vo) / Vo

sendo Vo e V’, os volumes da esfera original e do elipsóide de deformação, respectivamente.

Vo = 4/3 π r3 = 4/3 π
V’ = 4/3 π λ1.λ2.λ3
donde
∆= λ1.λ2.λ3 − 1

Tratando-se de uma deformação infinitesimal, concluir-se-á que


∆ = e1 + e2 + e3

uma vez que termos de segunda ordem podem ser desprezados.


A consideração do elipsóide de deformação permite, também, determinar as possíveis
direcções de extensão longitudinal finita nula (direcções dos segmentos cujo comprimento final é
igual ao original, ou seja, as direcções para as quais λ=1). Elas correspondem, portanto, à
intersecção da esfera de raio unitário com o elipsóide de deformação (Fig.2.32).

γ’ γ’ γ’

λ’ λ’ λ’

X
X

X
Y Z
Y Z Y

λ1 > 1 > λ 2 > λ 3 λ 1 > λ 2 = 1 > λ3 λ1 = 1 > λ2 > λ3

Fig.2.32- Definição das direcções de deformação longitudinal finita nula (λ=1)


(As diferentes situações estão descritas pelos diagramas de Mohr dados)

73
A menos que as extensões quadráticas principais sejam, todas, superiores a 1 ou ,
todas, inferiores a 1, tais direcções de extensão finita nula ocorrem sempre. O número e
disposição espacial dessas direcções depende da forma do elipsóide. No caso geral, elas
constituem um feixe cónico, que degenera:

num par de planos (quando λ1>λ2=1>λ3);


num único plano (por exemplo, quando λ1>λ2=λ3=1);
numa única direcção de recta (por exemplo, quando λ1=1>λ2>λ3).

Na Fig.2.33 ilustram-se alguns exemplos, para um caso geral e para duas das situações
particulares, acima referidas.

2.6.2.2. Diagrama de Flinn

Tal como na deformação a duas dimensões, surge a necessidade de representar


graficamente um estado de deformação finita para o caso de um corpo tridimensional.
Um dos diagramas mais frequentemente usados é o de Flinn, onde se representa a
forma do elipsóide de deformação finita (Fig.2.33).
Usam-se dois eixos rectangulares: em ordenadas, marca-se a razão (RXY) entre os eixos
maior e intermediário do elipsóide (RXY = λ1 / λ2 ) e, em abcissas, a razão (RYZ) entre os
eixos intermediário e menor do elipsóide (RYZ = λ2 / λ3).

Uma vez que aquelas razões são, ambas, maiores ou iguais à unidade, a origem do
gráfico é o ponto (1,1), o qual representará todas as esferas.

Para descrever a forma de um elipsóide de deformação, Flinn definiu o parâmetro


RXY − 1
k=
RYZ − 1

Este parâmetro é igual ao declive da recta que o ponto representativo do elipsóide define
com a origem do diagrama.

O parâmetro de Flinn permite distinguir diferentes tipos de elipsóides de deformação,


cujas designações correntes seguidamente se indicam:

74
k = 0 , elipsóides uniaxiais achatados ou do tipo panqueca
(uniaxial oblate ellipsoids ou uniaxial pancake)
0 < k < 1 , elipsóides achatados
(flattened ellipsoids ou oblate ellipsoids)
k = 1 , elipsóides de deformação plana (se ∆ =0)
(plane-strain ellipsoids)
1<k< , elipsóides constritos
(constricted ellipsoids ou prolate ellipsoids)
k= , elipsóides uniaxiais constritos ou do tipo charuto
(uniaxial prolate ellipsoids ou uniaxial cigars)

k=
RXY
k=1

P k=0
1
1 RYZ

Fig.2.33- Diagrama de Flinn: cada ponto do diagrama representará um elipsóide de deformação.


A título ilustrativo, indicam-se algumas situações de deformação finita: a correspondente à origem (corpo não
deformado representado por um cubo) e as correspondentes a três outros pontos (P, Q, R), em que o cubo original deu
lugar aos paralelepípedos representados.

75
2.6.3. DIAGRAMA DE MOHR
Tal como acontece no diagrama de Mohr definido para a deformação a duas dimensões,
os dois eixos coordenados são: λ’ (abcissas) e γ’ (ordenadas). Mas, agora, à semelhança do
diagrama de Mohr que descreve estados de tensão triaxiais, o diagrama é constituído por três
circunferências, cada uma delas descrevendo a deformação num dos planos principais do
elipsóide de deformação finita, XY, YZ ou XZ. (Fig. 2.34).

Cada ponto desta circunferência representa uma direcção


contida no plano XZ (ou m’=0)
γ’
Cada ponto desta circunferência representa uma direcção
P contida no plano XY (ou n’=0)

Cada ponto desta circunferência representa uma direcção


contida no plano YZ (ou l’=0)

X Y Z
λ1’ λ2 ’ λ3’ λ’

Fig.2.34- Diagrama de Mohr que descreve estados de deformação finita a três dimensões

Habitualmente, dada a simetria do elipsóide, para a construção de Mohr apenas se


traçam três semicircunferências, salvo nas situações em que seja importante destrinçar os sinais
(isto é, os sentidos) de cisalhamento.
Direcções oblíquas às três direcções principais (X, Y e Z) são representadas por pontos,
tais como P na Fig.2.34, situados no espaço delimitado pelas três circunferências.
Uma tal direcção O’P’ (v. Fig.2.36) é
Z
definida no corpo deformado através dos
P’
ângulos que ela determina com as θ3’
direcções principais da deformação. Esses
ângulos representam-se por Θ’1, Θ’2 , Θ’3): 11 θ1’ θ2’

O’
Y

X
Fig.2.35

11
Se se tiver em mente uma resolução analítica, usam-se os correspondentes co-senos directores, l’, m’ e n’, em que
l’= cos Θ’1, m’= cos Θ’2 e n’= cos Θ’3 .

76
Para representar, num diagrama de Mohr, uma direcção definida no corpo deformado,
atende-se ao seguinte:

i. Um arco de circunferência centrado em C3 contém os pontos correspondentes às


direcções que fazem um ângulo constante com X (direcções com um valor l’ constante);

ii. Um arco de circunferência centrado em C2 contém os pontos correspondentes às


direcções que fazem um ângulo constante com Y (direcções com um valor m’ constante);

iii. Um arco de circunferência centrado em C1 contém os pontos correspondentes às


direcções que fazem um ângulo constante com Z (direcções com um valor n’ constante);

Concretizemos com um caso concreto, exemplificado na Fig.2.36: marcar, sobre um


dado diagrama de Mohr, o ponto representativo de uma direcção O’P’, que define, com as
direcções principais da deformação vistas no corpo deformado (X, Y, Z), os ângulos:

Θ’1 = 67,0º , Θ’2 = 52,5º , Θ’3 = 46,3º

γ’ XA1 = XA2 = 2 θ1‘ = 134º


YB1 = YB2 = 2 θ2‘ = 105º
D2
ZD1 = ZD2 = 2 θ3‘ = 92,6º
P
(bastaria marcar dois pontos, tais como
A2 A1 e D1, para definir P)
D1
B2

B1 A1 92,6º
105º
134º
X Y Z
λ 1’ λ2 ’ λ3’ λ’

Fig.2.36- Definição, num diagrama de Mohr dado, do ponto P, representativo da direcção O’P’ definida no corpo
deformado, relativamente às direcções principais da deformação (X, Y, Z), pelos ângulos Θ’1 = 67,0º, Θ’2 = 52,5º,
Θ’3 = 46,3º

Definido o ponto P, os parâmetros de deformação (segundo a direcção O’P’ do corpo


deformado) determinam-se exactamente como se fez na deformação a duas dimensões (v. p.63-
64).

77
3. RELAÇÃO ESTADO DE DEFORMAÇÃO − ESTADO DE TENSÃO

3.1. INTRODUÇÃO

Nos capítulos precedentes consideraram-se, separadamente, os tensores estado de


tensão e estado de deformação, tendo ficado evidente a similitude, do ponto de vista da
estrutura matemática, das duas grandezas físicas. Também é sabido que um corpo sujeito a um
estado de tensão tende a deformar-se. Importa, pois, relacionar os dois tensores. Do ponto de
vista da Geologia Estrutural, é da máxima importância saber como as rochas se comportam,
quando sujeitas a um estado de tensão e, em particular, compreender o desenvolvimento de
estruturas nas rochas naturalmente deformadas. Tais estudos da deformação e fluxo dos
materiais constituem uma ciência particular, a Reologia (do grego rhéos, corrente).
Esse estudo compreende duas possíveis abordagens.
Uma abordagem macrofísica, na qual se inclui a Reologia clássica, em que se
estabelece a teoria da elasticidade, se estuda a fractura dos materiais, se determina a sua
viscosidade e a plasticidade. Para os diversos materiais, obtêm-se experimentalmente, por
exemplo, curvas de tensão-deformação e de deformação-tempo (análise da fluência ou creep) e
determinam-se parâmetros físicos (módulos de Young, coeficientes de viscosidade, etc.) que
caracterizam o comportamento mecânico dos corpos sob tensão, definem-se critérios de rotura
desses materiais e estabelecem-se modelos de fluxo dos mesmos. Tem uma feição,
essencialmente, empírica.
Uma outra abordagem é a de índole microfísica, em que os mecanismos de deformação
e fluxo são analisados à escala atómica, basicamente, através dos princípios termodinâmicos
que governam a concentração e a mobilidade dos defeitos das estruturas cristalinas. Um dos
resultados finais destes estudos é a definição de mapas de mecanismos de deformação
(habitualmente designados por mapas de deformação, apenas), onde, para um dado mineral, se
especificam os mecanismos de deformação intracristalina), actuantes em função de diferentes
condições físicas (tensão diferencial, temperatura, pressão confinante, diâmetro granular) e as
correspondentes velocidades de deformação. É, como se vê, um instrumento muito poderoso de
análise, em particular, por permitir extrapolar resultados experimentais (obtidos em condições
muito limitadas de temperatura, pressão e velocidade de deformação) para os materiais e para
as condições vigentes nos níveis mais profundos da crusta terrestre e, até, do manto.
As considerações microfísicas, ao chegarem à determinação de velocidades de
deformação, em termos da concentração e mobilidade dos defeitos cristalinos, permitem
estabelecer a ponte (através de uma equação constitutiva microfísica, como a de Orowán) com
os dados da macrofísica.

77
Dada a índole deste curso, limitar-nos-emos à abordagem macrofísica.
O comportamento dos materiais reais (e, em particular das rochas) é, habitualmente,
muito complexo. Essa complexidade resulta de dois factores intrínsecos: a heterogeneidade e a
anisotropia mecânica das rochas. Além disso, quando pretende relacionar a deformação natural
de uma rocha com o estado de tensão ocasionador, o geólogo não pode esquecer o carácter
progressivo da deformação e a certeza da variação do estado de tensão, no espaço e no tempo.

Em rigor, toda a rocha é um corpo heterogéneo, isto é, constituído por partes


dissemelhantes: cada um dos seus minerais (ou no caso de ser monominerálica, cada um dos
seus grãos) tem características próprias. Mas, em aproximação, muitas rochas poderão ser
consideradas como globalmente homogéneas e determinar-se-ão as suas características
mecânicas médias, globais.

O problema da anisotropia mecânica (isto é, da variação das propriedades mecânicas


com a direcção, em cada ponto do corpo) ressalta, desde logo, a nível da deformação de um
cristal.
Ao relacionar os dois tensores 3x3 (tensão e deformação), cada componente do estado
de tensão é expressa em termos das 9 componentes do estado de deformação (e vice-versa),
definindo-se um sistema de nove equações.
No caso geral de um cristal triclínico, a relação entre esses tensores implicaria 9x9
parâmetros definidores, os quais se reduzem a 36, pois, dada a simetria dos referidos tensores,
a cada uma deles correspondem, apenas, 6 coeficientes independentes. Mas, porque idêntica
simetria também ocorre na correlação tensão-deformação final, o número total de constantes
independentes reduz-se a 21. O comportamento elástico de um cristal triclínico exige a
especificação de 21 coeficientes independentes!
No caso de o cristal ser cúbico, 3 coeficientes (“módulos” elásticos) serão suficientes:

εx = s11 σx + s12 σy + s12 σz


εy = s12 σx + s11 σy + s12 σz
εz = s12 σx + s12 σy + s11 σz
γxy = s44 τxy
γxz = s44 τxz
γyz = s44 τyz (3.1)

No caso de uma rocha, mesmo que se admita que tenha sido originalmente homogénea
(distribuição estatisticamente uniforme dos diversos minerais, de pequeno diâmetro granular) e
isotrópica (grãos cristalinos aleatoriamente orientados), com o decorrer da deformação ela
tenderá a adquirir uma anisotropia de “fábrica”, resultante da deformação dos grãos cristalinos e

78
da sua reorientação segundo direcções preferenciais, relacionadas com o estado de tensão
actuante. As relações entre o estado de tensão e o estado de deformação são, pois, muito
complexas e variáveis durante a história da deformação da rocha. Por essa razão, para a

Fig. 3.1- a)Trajectórias de tensão (traços perpendiculares a σ1) e b) de deformação (traços paralelos a λ1) , numa
dobra
e no meio circundante, obtidas por simulação em computador (Dieterich, Am.Jour.Sci. , 267(2), 1969)

determinação de estados de tensão passados, recorre-se a estruturas de formação simples e,


praticamente, instantânea, como é o caso das análises das geminações mecânicas em minerais
(plagióclase e calcite, por exemplo) e da fracturação, quer a nível microscópico, em minerais,
quer à escala meso e megascópica (análise cinemática de falhas).

No entanto, a maioria dos princípios teóricos da macrofísica foram avançados no


pressuposto de que os materiais que se deformam são permanentemente homogéneos e
isotrópicos. Nessas circunstâncias, as direcções principais da deformação incremental
(infinitesimal, ou, em termos práticos, digamos inferior a 3%) coincidem com as direcções das
tensões principais, assumindo-se que existe uma relação linear entre as componentes dos dois
tensores. Os resultados obtidos, se não podem ser aplicados ao comportamento extremamente
complexo das rochas, provavelmente, constituem uma primeira aproximação, reveladora de
aspectos relevantes para a interpretação das estruturas geológicas.

79
Além dos factores intrínsecos referidos, muitos factores ambientais afectam o
comportamento reológico (macrofísico) das rochas. Entre esses factores extrínsecos, têm-se
salientado os seguintes:
i. a temperatura;
ii. a pressão confinante;
iii. a velocidade de deformação;
iv. a presença de água e o ambiente químico em geral.

Aos dois primeiros factores associa-se a noção clássica (a rever criticamente) de nível
estrutural. Segundo essa noção geral, o comportamento reológico das rochas depende da
profundidade a que elas se encontrem. Assim, a partir de profundidades relativamente
moderadas da crusta, as rochas tenderão a fluir e a sofrer intensa deformação permanente,
enquanto que nos níveis superiores da crusta elas dobram e fracturam, ou só fracturam.

Os factores acima referidos indicam, ainda, que os fenómenos de metamorfismo se


compaginam com os da deformação. As próprias reacções metamórficas podem influenciar (por
exemplo, pela formação de novos minerais ou em consequência da libertação de água
constituinte dos minerais) o comportamento reológico das rochas.

80
3.2. COMPORTAMENTO REOLÓGICO DAS ROCHAS

A maioria dos dados sobre o comportamento reológico das rochas tem sido obtida
recorrendo a aparelhos em que, além da aplicação de uma compressão ou de uma tracção axial,
o provete de ensaio (tipicamente, uma amostra cilíndrica do material, de comprimento duas a
três vezes maior que o diâmetro da base) é submetido a uma pressão lateral, controlada
externamente, através da injecção de um líquido que preenche a câmara, onde aquele provete
está colocado. O seu ambiente químico e a temperatura ambiente são, portanto, também
controláveis. A fim de evitar a penetração do líquido na amostra, esta é revestida por uma
membrana flexível de cobre ou de borracha. Além disso, é possível estabelecer uma pressão
intersticial, ou seja, uma pressão exercida, no interior da amostra, por um líquido que preencha
os seus poros (v. Fig. 3.2.).

σ1

manómetro

câmara
S3
amostra

σ3

Fig. 3.2. - Representação esquemática de um dispositivo de compressão triaxial

Note-se que, nestes ensaios triaxiais, duas das tensões principais são sempre iguais:
constituem a chamada pressão confinante (S3, tensão imposta externamente; σ3, a tensão a que,
realmente, a amostra fica submetida).
Com estes aparelhos torna-se fácil registar a variação da deformação com a tensão,
tendo-se verificado que as curvas obtidas para as rochas tinham uma forma análoga às
encontradas nos ensaios com metais.

81
3.2.1. COMPORTAMENTOS REOLÓGICOS IDEAIS
3.2.1.1. Comportamento elástico

Verifica-se que, na generalidade dos ensaios, quando a pressão confinante é


relativamente baixa, as rochas fracturam durante um regime elástico, ou seja, a deformação (que
é muito pequena no momento da rotura) foi instantaneamente criada, mal a amostra foi
submetida a um estado de tensão e ela seria completa e instantaneamente eliminada, se, a
qualquer momento durante o ensaio, se tivesse anulado essa tensão. O material diz-se ter um
comportamento frágil (brittle). Em grande número de casos a relação σ−ε é, como a Fig.3.3
ilustra, linear: o sólido diz-se ser linearmente elástico ou hookeano (uma vez que obedece à lei
de Hooke, estabelecida em 1660). É num comportamento hookeano dos materiais que se baseia
a teoria da elasticidade.

σz
σz
ε
εz εx =εy

0
t0 t1 0 ε
Tempo
a) b)

Fig. 3.3 - Comportamento elástico


a) Estabelecimento instantâneo da deformação em to (aplicação de uma tensão constante) e anulação
instantânea da deformação em t1 (anulação da tensão), para um corpo elástico.
b) Variação praticamente linear das extensões (longitudinal e lateral) com a tensão até à rotura em F

A caracterização mecânica de um sólido hookeano carece, apenas, de 2 parâmetros


independentes: o módulo de Young (E) e o coeficiente de Poisson (ν), por exemplo. O primeiro
exprime a razão constante entre tensão uniaxial aplicada a um provete não constrangido
lateralmente e a deformação longitudinal obtida:
σ
E= (3.2)
εz

O coeficiente de Poisson descreve a relação entre deformação longitudinal e deformação lateral


εx
ν= (3.3)
εz

82
Frequentemente, usa-se o recíproco de ν, ou seja, o número de Poisson (m):

εz
m= (3.4)
εx

À semelhança do módulo de Young, pode-se, na maioria dos casos, considerar que o


coeficiente de Poisson é uma constante do material, ou seja, que é independente da tensão
aplicada. Regista-se, também, uma relação (praticamente) linear entre as extensões laterais e a
extensão longitudinal.

Um outro parâmetro utilizável (frequentemente, em vez do coeficiente de Poisson) é o


módulo de rigidez (G), que se define como sendo a razão entre a tensão de corte e o parâmetro
de cisalhamento resultante (γ), num ensaio de corte:1
τ
G= (3.5)
γ

τ
tg–1 G
γ = tg ψ
γ ψ

Fig. 3.4- Representação da relação τ−γ num sólido hookeano: definição do módulo de rigidez (v. texto)

No Quadro 3.1, indicam-se alguns valores destas constantes, para diversos materiais.

1
Do que ficou dito, depreende-se que G se pode determinar em função de E e de ν: G = Ε / 2 (1+ ν).

83
Quadro 3.1- Módulo de Young (E), número de Poisson (m) e rigidez (G) para alguns
materiais

MATERIAL E (MPa) m G (MPa) Fonte


4 4
Granito 4,6 .10 4,8 1,9 . 10 J.C.Jaeger, 1969

Granito 2,8.104 3-6 N.J.Price, 1966


4
Basalto 5,5-8,3 . 10 3-6 N.J.Price, 1966
4 4
Calcário 5,8 .10 3,8 2,3 10 J.C.Jaeger, 1969
4 4
Arenito 5,7 .10 10 2,6 10 J.C.Jaeger, 1969
4
Arenito 4,1-7,6 . 10 4-10 N.J.Price, 1966
4
Dolomito 4,8-6,9 . 10 3-6 N.J.Price, 1966
4 4
Aço 20,9 .10 3,4 8,1 .10
4 4
Chumbo 1,6 .10 2,3 0,56 .10

Alguns materiais (incluindo rochas), embora recuperem totalmente a deformação


adquirida, quando a tensão se anula, não o fazem instantaneamente (Fig. 3.5). Tal
comportamento diz-se anelástico. A sua consideração é muito importante do ponto de vista
geotécnico.

εΕ
εΑ

εΕ

to t1 TEMPO

Fig. 3.5.- Anelasticidade (“elasticidade dependente do tempo”). t0 : momento da aplicação da tensão;

t1 momento da remoção da tensão; εE e εA, deformações elástica e anelástica, respectivamente.

O fenómeno da anelasticidade ocorre, ainda, quando se faz exercer muito rapidamente a


carga sobre a amostra: a sua deformação não é instantânea; ela vai-se aproximando,
exponencialmente, do seu valor final.

84
3.2.1.2. Comportamento plástico

É o tipo de comportamento em que o corpo sólido permanece deformado, após a


anulação da tensão que o deformou. Naturalmente, esse é o comportamento que mais
interessa ao geólogo estruturalista, pois as estruturas que ele observa são, maioritariamente, a
expressão de uma deformação permanente, resultante da actuação de forças tectónicas,
entretanto, mais ou menos completamente, dissipadas. Estruturas como grandes e apertadas
dobras são a manifestação evidente de que as rochas são, em certas condições, susceptíveis
de suportarem intensa deformação, sem sofrerem fractura nem perda de continuidade.
Idealmente, um sólido plástico não sofre qualquer deformação, enquanto a tensão
exercida não atingir um certo valor mínimo (σ0, na Fig. 3.6-a), a partir do qual ele se deformará
contínua e permanentemente até à sua rotura. Idealmente, trata-se de um sólido incapaz de
sustentar uma tensão superior a um dado valor.

σ σ σ

σ0

ε ε ε
a) b) c)

Fig. 3.6.- Representação esquemática de comportamentos plásticos: a) sólido idealmente plástico (rígido, plástico);
b) sólido elástico-plástico; c) sólido elástico-plástico, com enrijecimento de deformação

Essa tensão σ0, a que o material passa a deformar-se continuamente (até que se dê a
rotura) designa-se por ponto ou tensão de cedência. Esta tensão não depende do estado de
tensão hidrostático, mas depende de vários factores ambientais. Nomeadamente, ele baixa
quando a temperatura sobe, ou quando a pressão confinante diminui, ou quando a velocidade
de deformação diminui (Fig. 3.7.)
Um comportamento plástico, em que, atingido o ponto de cedência, a recta σ(ε) tem
um declive nulo, ocorre em rochas a elevada temperatura. A temperaturas moderadas, aquele
sector adquire um declive positivo, ou seja, o prosseguimento da deformação exige um
constante aumento da tensão aplicada: é o fenómeno do enrijecimento da deformação (strain
ou work hardening).

85
Observações experimentais indicam que, embora a deformação atingida em regime
plástico possa ser muito elevada, ela ocorre, praticamente, a volume constante.

Fig.3.7- Curvas de tensão-deformação obtidas em testes triaxiais.


a) Mármore de Carrara para diversos valores da pressão confinante, expressos em MPa pelos números
dados junto às curvas.
b) e c) Mármore de Yule em extensão, a diversas temperaturas, a uma pressão confinante constante de 500
-2 -3 -1
MPa, às velocidades de deformação de, respectivamente, 3.10 e 2.10 s .

3.2.1.3. Líquidos viscosos

São substâncias de rigidez nula, ou seja, que não oferecem qualquer resistência às
tensões de corte e, portanto, ao menor estado de tensão deviatórico. Se o estado de tensão for
hidrostático, um líquido não fluirá: apenas será algo comprimido.
Tal como num sólido plástico, um líquido viscoso é capaz de suportar extensa deformação
permanente sem perda de continuidade. Sujeito a um estado de tensão deviatórico, um fluido
fluirá com uma velocidade proporcional à intensidade da tensão de corte.
Em muitos líquidos (v. líquido I, Fig. 3.8), essa relação é linear:

τ = η (3.6)
γ

em que η é uma constante material. Um tal líquido dir-se-á newtoniano (ou linearmente
viscoso).

86
A constante η, dada pelo declive da curva tensão de corte - velocidade de deformação
de corte, é o coeficiente de viscosidade linear ou newtoniana (ou, simplesmente, viscosidade).

τ I II

γ
Fig. 3.8- Relação tensão de corte-velocidade de deformação de cisalhamento para um fluido newtoniano (I) e
para um fluido não-newtoniano (II). (Cf. Fig.3.4)

A viscosidade traduz a resistência que um fluido oferece à deformação permanente


(i.e., ao fluxo).2 Tem as dimensões de F T L -2
e as suas unidades são o poise (1 P = 1dine s
cm ), no sistema CGS, e o pascal-segundo (1 Pa s = 1 N s m-2; donde, 1 Pa s = 10 P), no
-2

sistema SI. Em geral, num fluido newtoniano, a viscosidade diminui quando a temperatura
aumenta.
Um outro tipo de fluidos é aquele em que a viscosidade varia com a velocidade de
deformação, ou seja, em que não é linear a relação τ ( γ ). Tais líquidos (como II na Fig. 3.9.)
dizem-se não-newtonianos. Repare-se que, do ponto de vista reológico, o conceito de sólido é
diferente do de sólido, na acepção estrutural ou cristalográfica. Um sólido pode ser plástico e
distinguir-se-á de um líquido por apenas fluir quando a tensão ultrapassa um valor crítico.

τ I
II

III

γ
Fig.3.9- Distinção entre diferentes comportamentos reológicos ideais: I, sólido plástico; II, fluido não newtoniano;
III, fluido newtoniano

É de notar a analogia físico-matemática entre a viscosidade (η) e a rigidez (G), definida para os sólidos elásticos.
2

87
3.2.2. COMPORTAMENTO DAS ROCHAS - RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Habitualmente, no estudo do comportamento mecânico das rochas, fazem-se dois


tipos de ensaios: de curta duração e de longa duração.
Nos ensaios de curta duração, estudam-se o comportamento frágil e o comportamento
plástico das rochas. No último caso, os ensaios decorrem, frequentemente, a uma velocidade
de deformação constante, isto é, faz-se variar a carga exercida sobre a amostra de tal forma
que se produza a tensão necessária para manter constante aquela velocidade.
Nos ensaios de longa duração (ensaios de fluência), pelo contrário, mantém-se
constante a tensão, observando-se a variação da velocidade de deformação que decorre
dessa situação. Estes ensaios são da maior importância para a compreensão dos processos
geológicos, onde o factor tempo é crucial.

3.2.2.1. Ensaios de curta duração

Nestes ensaios, ressaltam dois tipos distintos de comportamento das rochas: frágil e
dúctil.
O comportamento frágil ocorre quando o material tem um comportamento elástico até
ao momento em que se dá a rotura. Recorde-se que isso significa que a deformação, no
momento da rotura, é muito pequena e teria sido totalmente recuperada, se a tensão fosse
removida, antes de atingir o ponto de rotura do material. A este tipo de comportamento
correspondem curvas σ−ε como as ilustradas na Fig.3.10 : a relação σ−ε (nas rochas, tal como
nos metais) é linear ou quase linear.

A tensão a que se dá a ruína do material (rotura frágil) designa-se por resistência frágil
desse material. Verifica-se que, em geral, a resistência em tracção uniaxial é ca. de duas vezes
menor que a resistência em compressão uniaxial.

Em certas condições, porém, muitas rochas sofrem deformação permanente, antes de


a tensão aplicada ocasionar a sua rotura: diz-se, então, que têm um comportamento dúctil. A
curva σ−ε é, então, do tipo da de um sólido elástico-plástico, definindo-se um ponto de
cedência, ou seja, a tensão a partir da qual a rocha perde a capacidade de recuperar
totalmente a deformação sofrida, quando se anula a tensão exercida (Fig. 3.11).

88
Fig.3.10- Curvas para um quartzito sob diferentes condições de pressão confinante (σ3) (In J.C. Jaeger &
N.G.W. Cook, 1969)

Nestes ensaios, a rotura da rocha dá-se, geralmente, ao fim de alguma deformação


plástica do provete de ensaio. O ponto de rotura constitui a resistência última do material.
Frequentemente, tal ponto é antecedido de um marcado endurecimento da deformação, mas,
em alguns casos, a rocha comporta-se como perfeitamente plástica (declive praticamente nulo
do sector plástico da curva σ−ε ) ou, até, manifesta um amaciamento da deformação (strain
softening, marcado por um declive negativo daquela curva).

σο

ο
ε
Fig.3.11- Comportamento elástico-plástico de uma rocha

89
O comportamento, frágil ou dúctil, de uma dada rocha depende das condições
ambientais. Assim, consoante essas condições, uma rocha pode comportar-se como um
material frágil, semifrágil (ou semidúctil ou frágil-dúctil), ou dúctil. Como se compreende, é da
máxima importância definir, para cada tipo litológico, as condições em que prevalecem os
diferentes regimes. Em particular, define-se a transição frágil-dúctil, isto é, a passagem de um
comportamento frágil a um comportamento dúctil. Evidentemente, a distinção, em geral, não é
clara.

Em tracção e em regime frágil, a rotura dá lugar a uma superfície de fractura plana,


normal à direcção da menor tensão principal (σ3). Mas, aqui, interessa-nos, principalmente,
situações de estados, essencialmente, compressivos. Assim, consideremos, apenas, ensaios
compressivos, onde a forma de rotura do material tem aspectos característicos, distintivos, do
seu comportamento frágil ou dúctil (Fig.3.12).

Fig.3.12- Fracturação experimental de rochas calcárias secas ((Heard e Paterson)


a) Rotura frágil em mármore, a 25°, 3,5 MPa, e=1%.
b) Rotura frágil-dúctil em mármore, a 25°, 28 MPa, e=20%.
c) Rotura quase dúctil em calcário de Solenhofen, a 25°, 100 MPa, e=11,2%)

90
A rotura dá-se por corte e ocorre um deslocamento relativo entre os blocos separados
pela superfície de rotura, mais ou menos plana e bem definida.
No regime frágil, a rotura dá-se segundo uma superfície única e praticamente plana,
que contém a direcção de σ2 e inclina ca. de 30°, relativamente a σ1. Na transição frágil-dúctil,
as superfícies de rotura tendem a ser mais numerosas, desenvolvendo-se em dois conjuntos
simetricamente inclinados relativamente a σ1 e contendo σ2. Com a acentuação do carácter
dúctil, tornam-se ainda mais numerosas, até que definem linhas que sulcam um provete
claramente deformado.

As falhas (em regime frágil) e as zonas de cisalhamento (em regime frágil-dúctil ou em


regime dúctil), que observamos na natureza, são dinamicamente equivalentes a essas
estruturas laboratorialmente produzidas. Num regime dúctil natural, ocorre a formação de
zonas de cisalhamento dúcteis, em que uma intensa deformação (por fluxo do material, sem
rotura, conseguido por mecanismos de deformação, à escala atómica, intracristalina e
intergranular) se localiza ao longo de uma zona relativamente estreita.

Os factores de que, durante os ensaios laboratoriais, se faz depender o


comportamento frágil a dúctil das rochas são a temperatura, a pressão confinante e a
velocidade de deformação. Em geral, nos ensaios, para estudo da ductilidade destas rochas
considera-se, à partida, uma pressão confinante suficientemente elevada para que esse
comportamento ocorra. Como se verifica pelas curvas ilustradas nas Figs.3.13-3.15, a
ductilidade tende a aumentar (mas com um aumento do ponto de cedência), à medida que
aumenta a tensão confinante; ela tende, também, a aumentar (mas, com um abaixamento do
ponto de cedência) à medida que aumenta a temperatura e à medida que baixa a velocidade
de deformação. Destes dois factores depende, ainda, a forma da curva, ou seja, a incidência
de enrijecimento.

Na Fig.3.13, mostram-se os resultados obtidos com mármore de Carrara. Para


pressões confinantes até cerca de 50 MPa ocorre fracturação frágil. Mas, já para curva
correspondente a 68,5 MPa, o comportamento é totalmente diferente: o mármore torna-se
dúctil, pois suporta deformações acima de 7%, sem perda de resistência. A curva
correspondente à tensão confinante de 23,5 MPa traduz um comportamento intermédio entre o
tipicamente frágil e o inteiramente dúctil: corresponde à transição frágil-dúctil.

91
Fig.3.13- Curvas de tensão-deformação para o mármore de Carrara (segundo T. von Karman)
Valores, junto das curvas, são as pressões confinantes, em MPa

A Fig.3.14 mostra a influência da temperatura nas curvas de tensão diferencial (σ1-σ3)


− deformação (e) para o granito e para o piroxenito, à pressão confinante de 500 MPa, e para
um arenito, às pressões confinantes de 100 e 200 MPa.

Fig.3.14- Influência da temperatura sobre a fluência de granito e piroxenito (seg. Griggs, Turner and Heard) e sobre a
de
um arenito seco (J. Handin e R.V. Hager, Jr., 1958), para ensaios a pressão confinante constante.

92
Uma elevação da temperatura faz baixar o ponto de cedência e a pressão confinante
correspondente à transição frágil-dúctil.
A influência da velocidade de deformação, sobre a generalidade das rochas, está
patente na Fig.3.15.

a. b.
Fig.3.15- a) Curvas tensão-deformação obtidas com mármore de Yule, em tracção. (segundo Heard)
b) Registo e extrapolação dos dados experimentais: as rectas a grosso correspondem ao
ajustamento
dos dados à eq. de Dorn e os seus prolongamentos, a extrapolações para menores velocidades
de
deformação (H.C. Heard & C.B. Raleigh).

Nestes ensaios, a menor velocidade de deformação conseguida (3.10-8s-1) é muito


superior à considerada como tipicamente geológica (3.10-14 s-1). Verifica-se (H.C. Heard, 1963;
H.C. Heard e C.B. Raleigh, 1972) que os dados experimentais concordam com a equação de
fluxo de Dorn, aplicável à maioria dos materiais deformados a uma temperatura acima de 1/3
a 1/2 do seu ponto de fusão,

ε = A e−H/RT σn

em que A, H (entalpia de activação do mecanismo de deformação, ou seja, da difusão atómica)


e n são constantes do material (a determinar empiricamente), R é a constante dos gases
perfeitos e T, a temperatura absoluta.3

3
Se rochas finamente granulares (digamos, de diâmetro granular da ordem da milésima do milímetro, no caso de
quartzitos) têm um comportamento newtoniano (n=1), na maioria dos casos, as rochas têm um comportamento não-
newtoniano (onde, frequentemente, 1<n<5).

93
Tal observação permitiu àqueles autores extrapolar os dados experimentais para as
velocidades de deformação tipicamente geológicas. Concluíram que o mármore de Yule, para
tensões acima do ponto de cedência, fluiria a velocidade constante com uma viscosidade
variável desde 1023 P, a 25°C, até 1016 P, a 500°C.

O termo ductilidade e a expressão contraste de ductilidade são muito usados nas


descrições geológicas. Eles exprimem a capacidade (relativa) de acomodação de deformação,
por parte de uma rocha, sem que fracture (ou seja, antes de evidenciar comportamento
cataclástico). Uma rocha diz-se ser mais dúctil do que outra se for capaz de suportar uma
maior deformação, antes da ocorrência de rotura. Os termos são, pois, independentes da
resistência (relativa) das rochas.
Na literatura geológica, usa-se, com frequência, a noção (mal definida) de
competência. Esta traduz uma diferença de resistência de rochas contactantes: competente é a
rocha resistente, capaz de (competente para) transmitir uma pressão nela exercida. O termo,
no entanto, confunde-se com a noção ductilidade.
Assim, falando de dobras, E.H.T. Whitten afirma: “membros [numa sequência de
estratos] que tendem a conservar a sua espessura estratigráfica e a desenvolver dobras de
grande amplitude dizem-se competentes; aqueles membros que variam marcadamente de
espessura, acomodando-se aos espaços entre as unidades competentes, são
incompetentes.”. Esta observação é comum em dobras de estratos de quartzito ou veios de
quartzo, no seio de rochas xistosas: tipicamente, o quartzito deforma-se segundo dobras
(paralelas) afectadas por abundante fracturação, enquanto que o xisto se deforma
intensamente, fluindo e preenchendo os espaços entre as dobras do quartzito (Fig.3.16).
B.E. Hobbs et al. (1976) afirmam: “presumivelmente, o uso [dos dois termos,
competente e incompetente] tem em vista implicar que o material competente é capaz de
sustentar um nível de tensão deviatórica mais elevado que um material incompetente”.
No entanto, J. C. Jaeger (1969) escreve: em geologia estrutural, usa-se o termo
competência num sentido qualitativo, para descrever o grau de ductilidade. Assim, camadas
competentes deformam-se com relativa dificuldade, enquanto que camadas incompetentes se
deformam facilmente.
Também, em J.G. Ramsay (1967) pode ler-se: “Se algumas camadas da rocha fluem
menos facilmente que outros - uma propriedade conhecida por diferença de competência -
então elas comportar-se-ão de modo diferente, relativamente ao material mais dúctil,
envolvente.”

94
a. b.

Fig. 3.16- Dobra de um estrato competente no seio de material mais dúctil.


a) Deformação experimental (J.G Ramsay, 1967). b) Dobra de veio de quartzo em metapelitos.

Note-se que o comportamento de uma rocha depende muito das suas características
particulares (composição mineralógica, textura e estrutura, estado de pureza ou de alteração).
Habitualmente, uma rocha sedimentar é menos resistente que uma rocha magmática que não
seja finamente granular.
Em termos gerais, poderá esperar-se que nas rochas, deformadas a temperatura e
pressões litostáticas baixas (o que se poderá ler como “rocha nos níveis superiores da crosta”)
e a elevada velocidade de deformação, predominam os mecanismos de deformação
cataclástica, em que os seus grãos são fragmentados. Produtos resultantes típicos são os
cataclasitos (como, por exemplo, brechas de falha e outras brechas tectónicas). A este regime
de deformação correspondem estruturas naturais, como diaclases e falhas.
Pelo contrário, temperaturas e pressões litostáticas elevadas e velocidades de
deformação baixas concorrem para um comportamento dúctil. Operam, então, mecanismos de
deformação intracristalina, termicamente activados (nomeadamente, difusão no estado sólido,
fluxo plástico mediante sistemas de escorregamento ou geminações, subgranulação,
escorregamentos intergranulares, recristalização). Produtos típicos serão os milonitos e
estruturas típicas serão as já referidas zonas de cisalhamento dúcteis. Crê-se que estas
prolongarão, em profundidade, as falhas observadas nos níveis superiores da crosta. A
transição das falhas a essas zonas de cisalhamento far-se-ia, a níveis intermédios, através de
zonas de cisalhamento frágeis-dúcteis.

95
QUADRO 2.2- Quadro-resumo ilustrando a gama de comportamentos desde o perfeitamente frágil ao
perfeitamente dúctil, em ensaios de compressão e de tracção (seg. D. Griggs e J. Handin)

F R Á G I L

F R Á G I L - DÚCTIL

D Ú C T I L

O ambiente químico também se pode tornar reologicamente importante. Por exemplo,


a presença de água no quartzo, ao fragilizar as ligações Si-O-Si, aumenta a ductilidade
daquele mineral. Seria, então, de esperar que, numa rocha quartzítica, a ductilidade
aumentasse com a presença de água. Além disso, a água tenderá a aumentar a ductilidade
das rochas, ao afectar a tensão de superfície associada aos contactos granulares (efeito de
Rehbinder) e ao facilitar a difusão atómica, especialmente, ao longo das junções granulares
(difusão de Coble e outros mecanismos difusivos, incluindo a migração de materiais solúveis,
cujos efeitos são, genérica e indiferenciadamente, designados por fenómenos de dissolução
por pressão). Porém, não é isso que habitualmente acontece em ensaios de curta duração,
pois, para além dos efeitos químico-estruturais, a água presente nos poros de uma rocha
exerce uma acção mecânica que actua em sentido oposto, isto é, tende a aumentar o seu
carácter frágil.

96
O efeito mecânico da água traduz-se em dois aspectos (v. Fig. 3.17):

i. Reduz a resistência da rocha (ou seja a sua capacidade de suportar uma tensão
diferencial;

ii. Quando a pressão exercida pela água que preenche os poros de uma rocha
(pressão intersticial) tem um valor próximo do da pressão confinante, a rocha (que, a essa
pressão confinante, se comportaria de forma dúctil, quando seca) passa a comportar-se como
frágil.

A presença de água tem, portanto, um efeito marcado sobre a definição da transição


frágil-dúctil, como a Fig.3.18 ilustra. A pressão intersticial é, habitualmente, expressa pelo
parâmetro
p
λe = (3.7)
σ3
em que p é o valor da pressão intersticial e σ3 corresponde à pressão confinante.

Fig. 3.17. Efeito da pressão intersticial sobre o Fig. 3.18.- Transição frágil-dúctil para o calcário de
comportamento mecânico de uma rocha Solnhofen (E. Rutter)

97
Este efeito mecânico tem-se verificado não só em ensaios laboratoriais (como a
Fig.3.17 exemplifica), mas também em trabalhos experimentais que envolvem reacções de
desidratação (Fig.3.19). Tais ensaios traduzirão situações naturais, por exemplo, em certo
ambientes de metamorfismo, demonstrando a importância das alterações químico-
mineralógicas no comportamento reológico das rochas.

Fig. 3.19- Modificação do comportamento mecânico de um serpentinito, quando se atinge a


a temperatura de desidratação (ca. 600ºC) (In K.E. Brodie & E.M. Rutter, 1985)

A influência mecânica da pressão intersticial é interpretada em termos da noção de


tensão efectiva. O efeito daquela pressão consistirá em modificar as tensões principais (σ1, σ2,
σ3) para novos valores designados por tensões principais efectivas:
σ1’ = σ1 − p
σ2’ = σ2 − p (3.8)
σ3’ = σ3 − p

Este conceito de tensões efectivas, aplicado em conjugação com um critério de rotura,


num diagrama de Mohr, explica o referido efeito mecânico da pressão intersticial. Para melhor
compreensão, esclareça-se, sumariamente, o que se entende por critério de rotura.

98
Admite-se que, ao dar-se a rotura frágil de uma rocha, existe uma relação entre as
tensões actuantes no momento da rotura. Essa relação constitui um critério de rotura. A
maioria dos critérios de rotura, que têm sido avançados, são empíricos. Um deles, muito usado
em Mecânica das Rochas por ser adequado à rotura em compressão, é o critério de
Coulomb-Navier. Segundo ele, a rotura dá-se independentemente do valor de σ2, quando
| τ | = Co + µ σ (3.9)

em que Co (coesão) e µ (coeficiente de atrito interno) são constantes do material; τ é a tensão


de corte e σ é a tensão normal, simultaneamente exercidas na superfície de rotura.

Num diagrama τ−σ, este critério é descrito por duas rectas de declive φ = ± tg−1µ e que
intersectam o eixo das ordenadas em ±Co . Este critério, usado em conjugação com um
diagrama de Mohr, permite prever a eventualidade de rotura e a orientação dos dois possíveis
planos de fractura (Fig. 3.20).

σ1
S S’

τ S
II σ3
Co φ I
θ

σ3 σ1
σ
-Co

S’

Fig. 3.20- Aplicação do critério de rotura de Coulomb-Navier: o estado de tensão descrito pela circunferência I não dá
lugar a rotura; o descrito pela II, dá lugar a rotura segundo S ou S’, que se intersectam segundo σ2 .

Admite-se que, existindo uma pressão intersticial p, as tensões a considerar são as


tensões efectivas acima definidas (lei das tensões efectivas). A aplicação da lei das tensões
efectivas num diagrama de Mohr permite visualizar, como a Fig.3.21 mostra, a referida acção
mecânica da água: aquela lei traduz-se por uma translação da circunferência σ1-σ3, cujo centro
se desloca para a esquerda, sobre o eixo das tensões normais, de uma distância igual à
correspondente à pressão intersticial, p.

99
τ

σ1’ = σ1 – p
S σ3’ = σ3 – p
II
I

Co

0
σ3 ’ σ3 σ1 ’ σ1 σ
Fig. 3.21- Influência mecânica da água (lei das tensões efectivas). Para o estado de tensão efectivo
(representado pelo circunferência II) ocorre rotura, ao contrário do que se previria, se se considerasse o estado
de tensão externamente aplicado (descrito por I).

3.2.2.2. Ensaios de longa duração (fluência ou creep)

Nestes ensaios, deixa-se o material fluir à velocidade necessária para que se


mantenha constante a tensão aplicada. Surpreendentemente, a forma de variação da
deformação com o tempo é muito semelhante para uma larga gama de materiais, incluindo as
rochas (Fig. 3.22).

FL. PRIMÁRIA σ, constante


ε FL. SECUNDÁRIA
FL. SECUNDÁRIA
(fl. estacionária)
ROTURA

DEFORMAÇÃO PERMANENTE

T3
To T1 T2 TEMPO

Fig. 3.22- Variação ideal da deformação com o tempo num ensaio de fluência (σ constante). Linhas a fino ilustram o
comportamento do material (recuperação da deformação, total ou parcial), quando se anula a tensão exercida.

100
Quando, em To se aplica a tensão, o material sofre, instantaneamente, uma
deformação elástica. Segue-se, depois, um período (entre To e T1) em que a velocidade de
deformação decresce com o tempo: fluência primária ou deformação elástica retardada ou de
fluxo elástico, pois, removida a tensão (tal como em T1) há uma recuperação instantânea,
parcial, da deformação, seguida por uma fase de uma total recuperação, mas desacelerada.
Àquela fase segue-se, entre T1 e T3 , um estádio em que a velocidade da deformação
se mantém constante ( ε ): fluência secundária ou estacionária (steady-state creep); a rocha
deforma-se plasticamente e, se se remover a tensão, começa por recuperar instantaneamente
alguma deformação, depois desaceleradamente mais um pouco, subsistindo, no entanto, uma
deformação permanente.
A partir deT3, ocorre uma aceleração da velocidade de deformação (fluência terciária
ou acelerada), até que, finalmente, se dá a rotura do material.

Dos resultados obtidos, conclui-se que os materiais (e as rochas) têm um


comportamento reológico complexo. Admite-se que as rochas, durante a sua história
deformacional, passam por um longo estádio de fluência estacionária, resultante do equilíbrio
entre mecanismos que contribuem para o enrijecimento da deformação (aumento da densidade
dos defeitos estruturais, nomeadamente, das deslocações) e dos mecanismos que contribuem
para um amaciamento do material (por exemplo, difusão atómica, subgranulação).

Se, durante a fluência estacionária, a relação velocidade de deformação-tensão for


linear e ocorrer deformação ao mínimo valor da tensão (a recta ε−σ passa pela origem), o
material comporta-se como um líquido viscoso. Se não (i.e., aquela recta intersecta o eixo das
tensões num valor finito, correspondente a um ponto de cedência a longo prazo), o seu
comportamento reológico é o de um sólido (Fig. 3.23).

L Í Q U I D O S S Ó L I D O S

ε N-N ε
N

σ σ
a) b)
Fig. 3.23- Comportamento de: a) um líquido newtoniano (N) e de um líquido complexo (não-newtoniano, N-N) ;
b) sólido complexo com aspectos de comportamento viscoso

101
O estádio de fluência estacionária é tido como o mais importante, na história
deformacional de uma rocha.
Os estudos de microfísica têm proposto vários possíveis mecanismos de fluência dos
materiais cristalinos e seus agregados. A maioria deles prevê uma relação não-linear (power-
law creep ) entre tensão e velocidade de deformação, ou seja, uma relação da forma:
ε = K σn (3.10)

em que os valores do expoente n, teoricamente calculados, variam entre 1 e 6 (mas, mais


frequentemente, entre 2 e 4).

Note-se que, como a Fig.3.24 ilustra, valores relativamente elevados de n


correspondem a um comportamento semelhante ao dos sólidos (pseudo-plástico).
Os valores do expoente n, na relação 3.10, têm também sido calculados
empiricamente em minerais e rochas. Os valores encontrados são, por vezes, muito superiores
aos acima referidos. Admite-se que as rochas tenham um comportamento de líquido
newtoniano (n=1), apenas sob condições de elevadas temperaturas e pressões, como as que
prevalecem durante o metamorfismo do mais alto grau. Sob condições de grau de
metamorfismo médio, n será significativamente superior à unidade (digamos, variará entre 4 e
10). Nos níveis superiores da crusta (onde ocorrem as condições conducentes a um
metamorfismo de baixo grau), ele será bastante superior a 10; aí, as rochas terão um
comportamento semelhante ao de certos sólidos plásticos.

n
Fig.3.24- Representação da relação ε = K σ para vários valores de n.
n=1, fluido newtoniano (ou linear);
n>1, fluido não-linear, que apresenta características de sólido (líquido pseudo-plástico), quando
n≥10.
Linha horizontal, a tracejado: corpo perfeitamente plástico.

102
3.3. MODELOS REOLÓGICOS
O comportamento reológico real das rochas, mesmo o obtido em condições
experimentais controladas, é mais complexo que o de qualquer dos comportamentos atrás
referidos: linearmente elástico (sólido hookeano), rígido-plástico (sólido de St. Venant) e
linearmente viscoso (líquido newtoniano). O seu comportamento, numa aproximação mais
perfeita com a realidade, pode ser idealizado através da combinação daquelas três formas
“puras” de comportamento.

Uma forma de o fazer, visualmente, é através de uma combinação de elementos que


representam aqueles três comportamentos. Assim, um sólido hookeano é representado por
uma mola; um sólido rígido plástico é representado por um bloco rígido e o comportamento de
líquido newtoniano, por um êmbolo (Fig.3.25). Combinando, em paralelo ou em série, esses
ícones, obtêm-se representações de comportamentos reológicos mais ou menos complexos,
comparáveis aos observados nos materiais reais.

MOLA
σo

ELEMENTO de atrito η
AMORTECEDOR

Fig.3.25- Modelos analógicos dos três tipos básicos de comportamento reológico ideal

Diferentes modelos de comportamento têm sido descritos para descrever o


comportamento das rochas. Na Fig.3.26, descrevem-se alguns deles e as correspondentes
curvas de deformação (ε) vs. tempo (t).
Por serem frequentemente referidos na literatura geológica, são de destacar os modelos
correspondentes ao chamado “material de Bingham” (Fig.3.26-b), ao “sólido linear padrão”
(Fig.3.26-d) e ao “material de Burger” (Fig.3.26-e).

103
MODELO DE MAXWELL

η E

ε
x x
tg−1 σ/η
σ σ/E

TEMPO
a.

MATERIAL DE BINGHAM

ε
σ < σο

σ/E

η E
σο TEMPO

ε
σ > σο

tg−1 σ/η
σ/E

b. TEMPO

Fig.3.26- Exemplos de diagramas analógicos que descrevem diversos possíveis comportamentos reológicos das
rochas.
a) Comportamento elástico-viscoso (modelo de Maxwell): diagrama analógico, variação da deformação (ε ) com o
tempo, após aplicação de uma tensão constante (σ ) e representação gráfica dessa variação.
b) Plástico geral (material de Bingham) que, aproximadamente, corresponderá ao comportamento de rochas sob
condições de baixo grau de metamorfismo.

104
MODELO DE KELVIN-VOIGT

ε
σ/
η E

0
E t1 TEMPO
c.

SÓLIDO LINEAR PADRÃO


ε
σ/E1
E2
η

σ/(E1+ E2)
E1 0
t1
d. TEMPO

MATERIAL DE BURGER
ε
tg−1 σ/η1
(σ/E1)+ (σ/E2)
σ/E1

η2 σ/E1
σ/E2
E1
η1
0
E2 t1 TEMPO

e.

Fig.3.26- (cont.)
c) Comportamento visco-elástico (modelo de Kelvin-Voigt): a curva ε(t) tende assimptoticamente para σ/E, mantendo-
se
constante a tensão exercida (σ ); se em t1, se anular a tensão exercida, a deformação decresce exponencialmente
com o tempo, até à sua anulação (curva a ponteado).
d) Sólido linear padrão (standard linear solid): diagrama analógico e curva ε(t) , para σ constante.
e) Material de Burger (Burger’s body ou M-V body), muito usado em Mecânica das Rochas: a curva a ponteado em ε(t)
descreve o que acontece quando a tensão exercida é anulada em t1 .

105
4. DOBRAS

4.1. INTRODUÇÃO

As dobras constituem um dos aspectos mais conspícuos das estruturas geológicas.


Embora possam ser estruturas primárias, apenas estudaremos as dobras que correspondam a
estruturas secundárias, por serem as que, normalmente, interessam ao estruturalista.
Uma dobra consiste num encurvamento de uma superfície estrutural, originalmente plana.1
Um dobramento é, assim, uma deformação heterogénea. No entanto, uma dobra poderá resultar
da modificação de uma dobra inicial, através de uma deformação homogénea. As dobras
amplificadas por uma deformação homogénea dizem-se passivas, pois não passam de um efeito
cinemático, enquanto que as “verdadeiras” dobras (ditas activas) são o resultado de uma
instabilidade dinamicamente activada (Fig.4.1).2

Fig.4.1- Amplificação passiva (cinemática) de dobras.


a) Deformação homogénea por cisalhamento puro b) Deformação homogénea por cisalhamento
simples

1
Tais superfícies designam-se, genericamente, por foliações, cujo estudo se fará no Cap.5.
2
Um dobramento activo pode, sem dúvida, afectar uma dobra preexistente, dando lugar a uma interferência de
dobramentos.

106
As superfícies dobradas podem ser estruturas primárias (nomeadamente, planos de
estratificação). Mais frequentemente, as dobras ocorrem em rochas metamórficas, onde afectam
foliações resultantes de uma reorganização e/ou reorientação dos minerais preexistentes ou dos
de neoformação, sob a acção de tensões deviatóricas.

4.2. DESCRIÇÃO GEOMÉTRICA DAS DOBRAS

Na descrição geométrica de uma dobra há a considerar dois níveis de informação:

i. Dados relativos à descrição de uma superfície singular, definível na estrutura


dobrada;
ii. Dados que esclarecem as relações entre as superfícies singulares adjacentes,
sobrepostas na estrutura dobrada, conferindo-lhe espessura.

4.2.1. Descrição de uma superfície singular dobrada

4.2.1.1. Perfil de uma dobra: linhas e pontos notáveis

Em geral, numa superfície dobrada, a curvatura varia de ponto para ponto. Ao longo de
certas linhas (em geral, curvas) dessa superfície, a curvatura atinge valores máximos. Tais linhas
designam-se por linhas de charneira ou, simplesmente, charneiras (Fig.4.2).

ch
ch
i
i i
ch i

ch
ch
i i
i
ch i

Fig.4.2- Definição de linhas notáveis, numa superfície singular dobrada: ch, charneira; ii, linha de inflexão;
(Estas linhas são independentes da orientação espacial da superfície)

107
A secção de uma superfície dobrada num plano normal à charneira, num dado ponto,
constitui o perfil da dobra, nesse ponto (Fig.4.3). Embora perfis naturais sejam algo comuns
(porque as dobras estão, frequentemente, intersectadas por diaclases aproximadamente normais
às charneiras), no campo, a forma e a atitude de uma dobra devem ser visualizadas com cuidado:
deverá ter-se em conta a orientação (relativamente à dobra) do corte que se está a observar (v.
Fig.4.3).

Fig.4.3- Observação de três cortes numa superfície dobrada e o traçado parcial do perfil de duas das suas dobras.

Num perfil, poderão definir-se alguns pontos notáveis:


i. Ponto de charneira - ponto do perfil, onde a curvatura é máxima;
ii. Pontos de inflexão - pontos, onde a curvatura do perfil é nula;
iii. Ponto de culminação e ponto de depressão - pontos que, relativamente a um nível
horizontal de referência se encontram, respectivamente, o mais acima e o mais abaixo.

A reunião destes pontos, determinados em perfis sucessivos, definem na superfície


dobrada, respectivamente, a charneira, as duas linhas de inflexão e a linha de culminação (crest
line) e a linha de depressão (trough line);

Nem todas as dobras têm uma geometria que permita definir, inequivocamente, todos os
elementos acima referidos. Por exemplo, se uma dobra corresponde a uma porção de superfície
esférica (onde, portanto, a curvatura é constante) não é possível definir linhas de charneira, nem
de inflexão: é o caso de alguns domos e de algumas bacias estruturais. Já numa dobra em
“ziguezague” (Z-fold ou chevron) é possível definir uma linha de charneira, mas não linhas de
inflexão.
Numa superfície dobrada ocorre, habitualmente, uma sucessão de dobras, cujos limites
são as sucessivas linhas de inflexão. Consequentemente, o perfil de cada dobra individual é

108
delimitado por dois pontos de inflexão. Assim, na Fig.4.3, representaram-se os perfis de duas
dobras de uma dada superfície dobrada.

Em cada dobra individual, é costume


delimitarem-se três partes distintas: a zona de Zona de charneira
charneira e dois flancos. A zona de charneira
corresponde ao sector da dobra situado na
flanco
vizinhança da linha de charneira; os flancos flanco
são as partes da dobra, de um e outro lado da
zona de charneira (Fig.4.4).

Fig.4.4- V. texto

Introduzindo rigor geométrico às vagas noções acabadas de referir, J. G. Ramsay usa


perfis das dobras para delimitar aquelas regiões, como se descreve na Fig.4.5. Assim, a zona de
charneira corresponde, em cada perfil da dobra, ao sector com uma curvatura maior que a de
uma circunferência de diâmetro igual à distância entre os dois pontos de inflexão que delimitam o
perfil; os flancos correspondem às zonas de menor curvatura.

Zona de
charneira
c
P
dobra

1 flanco flanco

0 i C F2 i’
i i’ i F1 C F2 i’ F1
1
a. b. c.

Fig.4.5-Zona de charneira e flancos de uma dobra, segundo Ramsay (v. texto):


a) Definição do raio unitário, para uma determinada dobra: a curvatura da circunferência será tida como igual à unidade.
b) Análise da variação da curvatura (c =1 / r) , ao longo do perfil, definindo-se os pontos F1 e F2 (que delimitam os
sectores de curvatura maior e menor que a unidade) e C (correspondente à curvatura máxima do perfil).
c) Definição, no perfil, da zona de charneira e dos flancos da dobra, por transferência dos pontos F1 e F2 definidos em
b).
O ponto P é o ponto de charneira obtido por transferência do ponto C definido em b)

109
Sendo rigorosa, a definição de Ramsay falha, na medida em que há dobras em que ela
não é aplicável, o que não impede de, intuitivamente, os geólogos continuarem a ver, nessas
dobras, uma zona de charneira e dois flancos. Na Fig.4.6, ilustram-se alguns casos particulares
notáveis que exemplificam essa situação.

Fig.4.6- Dobras em que, segundo a definição de Ramsay, não é possível delimitar a zona de charneira nem os
flancos
a) A curvatura é sempre nula, excepto na linha de charneira, onde tende para infinito
b) A curvatura é constante (e, por definição, unitária)
c) A curvatura é variável, mas sempre inferior à unidade

Por outro lado, a variação da curvatura, ao longo de um perfil, pode ser complexa, dando
lugar à definição de mais de uma linha de charneira e de mais de uma zona de charneira. Dobras
com mais de uma charneira dizem-se policlinais: é o caso, por exemplo, das chamadas box folds
(Fig.4.7-a; Fig.4.59, p.156) e dos kinks (Fig.4.7-b).

c
1

x c
i 1
i’

x
a)

b)
Fig.4.7- Box-fold (a) e kinks (b)

110
4.2.1.2. Dobras cilíndricas. Diagrama-π e diagrama-β

Muitas dobras naturais correspondem a superfícies aproximadamente cilíndricas, sendo


descritas como tais. Numa dobra cilíndrica, os perfis que se definam têm uma forma constante,
pois, por definição, uma superfície cilíndrica é uma superfície gerada por uma recta que se desloca
paralelamente a si própria. A recta geratriz da superfície dobrada define a direcção axial ou
eixo da dobra. Relativamente a esta definição de eixo de dobra, convém ter presente:

i. Numa dobra cilíndrica, a charneira é uma recta que tem a direcção do eixo da dobra
(mas não é o eixo da dobra);

ii. Às dobras não-cilíndricas não é aplicável a noção de eixo de dobra (a menos que
definido diferentemente).

Em rigor, as dobras naturais serão, quando muito, cilindróides. A fim de avaliar em que
medida a forma de uma dobra se aproxima da de uma superfície cilíndrica, recorre-se à projecção
estereográfica de elementos da dobra. Dois métodos poderão ser seguidos (Fig.4.8):

i. Projecção dos pólos das normais à superfície dobrada, em diferentes pontos;

ii. Projecção ciclográfica de elementos planos da superfície dobrada, ou seja, de planos


tangentes à superfície dobrada, em diferentes pontos.

No primeiro método, obtém-se um diagrama-π, enquanto que, no segundo, se obtém um

diagrama-β. Numa dobra perfeitamente cilíndrica, os pólos do diagrama-π definem um círculo


máximo, pois as normais consideradas serão complanares, uma vez que são perpendiculares a
uma direcção comum (o eixo da dobra). Num diagrama-β, cada elemento plano projecta-se
segundo um círculo máximo e, se a dobra for perfeitamente cilíndrica, os diferentes círculos
máximos intersectam-se num ponto único, pois aqueles elementos planos são, todos eles,
paralelos a uma direcção única (o eixo da dobra).
Qualquer dos diagramas permitirá definir, se a dobra for cilíndrica (ou cilindróide), o eixo
da dobra: no diagrama-π corresponderá ao pólo do círculo máximo obtido; no diagrama-β,
corresponderá ao ponto de intersecção dos círculos máximos traçados.

Se bem que equivalentes, o diagrama-π é preferível ao diagrama-β, pois se a dobra não


for perfeitamente cilíndrica, a dispersão dos pólos num diagrama-π é facilmente corrigida, mediante
o traçado do círculo máximo que melhor se ajuste aos pólos obtidos. Já num diagrama-β, a
dispersão dos planos dá lugar a numerosas intersecções, cuja relevância se torna difícil destrinçar.

111
Fig.4.8- Análise do carácter cilíndrico de uma dobra. a) Elementos projectados b) Diagramas π e β, para uma
dobra perfeitamente cilíndrica c) Diagramas π e β, para uma dobra cilindróide

4.2.1.3. Abertura de uma dobra

A abertura de uma dobra constitui um dos aspectos mais marcantes da sua forma. A
abertura de uma dobra é expressa, no seu perfil, pelo ângulo definido pelas rectas tangentes ao

112
perfil, nos pontos de inflexão. De acordo com a terminologia de Fleuty, as dobras, quanto à
abertura, classificam-se em suaves (gentle), abertas (open), fechadas (close), apertadas (tight),
isoclinais (isoclinal) e flabeliformes (elasticas), como a Fig.4.9 ilustra.

Fig.4.9- Classificação das dobras quanto à abertura (Fleuty, 1964)

Note-se que o ângulo de abertura, como a Fig.4.10 evidencia, não traduz fielmente a forma
de uma dobra. Por essa razão, têm surgido outros parâmetros que contribuem para uma definição
mais precisa da forma de uma dobra. A título de exemplo, na Fig.4.10 indica-se um desses
parâmetros, proposto por J. G. Ramsay (1967).

Note-se, ainda, que se pode depreender a forma de uma dobra, a partir do seu
diagrama−π, atendendo à distribuição dos pólos marcados (Fig.4.11).

113
36º 36º

Fig.4.10- Dobras com diferentes formas, mas com o mesmo ângulo de abertura (36º)

Essa distribuição depende, no entanto, do estilo da dobra e, como a Fig.4.12 evidencia, os


estereogramas podem ser enganadores, devendo ser analisados em confronto com o observado
no campo (e convenientemente anotado no livro de campo).

Fig.4.11- A abertura de uma dobra é igual a 180º- θ.

114
a. b.

Fig.4.12- a) Influência do estilo das dobras: dobras em chevron vs. dobras arredondadas
b) Duas dobras em chevron com aberturas diferentes, que, por serem suplementares,
dão lugar ao mesmo diagrama-π.

4.2.1.4. Atitude de uma dobra

Na descrição da atitude geral de uma dobra no espaço, surgem três termos específicos:
antiforma, sinforma e dobra neutra (Fig.4.13).

ANTIFORMA SINFORMA
DOBRAS NEUTRAS

Fig.4.13- Designação genérica das dobras quanto à sua atitude espacial.

115
Uma antiforma é uma dobra, cuja abertura está dirigida para baixo; sinforma é uma dobra,
cuja abertura está voltada para cima; dobra neutra, aquela, cuja abertura se orienta lateralmente.
Estes termos vieram substituir os termos clássicos de anticlinal e de sinclinal, cujo
significado actual se verá mais adiante. No entanto, alguns autores continuam a usar estes termos
clássicos para caracterizar a atitude espacial das dobras.

Em geral, uma superfície dobrada exibe uma sequência de dobras, frequentemente, uma
alternância de antiformas e sinformas. Estas dobras constituem um sistema (ou um trem) de
dobras. Elas podem ter-se formado simultaneamente, ou sequencialmente.
Um sistema de dobras corresponde a uma ondulação (periódica ou aperiódica), delimitada
entre duas superfícies (em geral não paralelas) designadas por superfícies envolventes (Fig.4.14).

SE

SM

SE

Fig.4.14- Definição, num perfil, das superfícies envolventes (SE) e da superfície mediana (SM) num sistema de
dobras.

Num sistema de dobras, define-se, ainda, a superfície mediana: superfície definida pelas
linhas de inflexão das sucessivas dobras. Geralmente, não se encontra a meia distância das
superfícies envolventes.

Frequentemente, numa superfície dobrada é possível reconhecer várias ordens de


dobramentos, isto é, na zona de charneira e nos flancos de uma dobra (dita maior) observam-se
corrugações ou dobras de menor amplitude (dobras menores ou dobras parasíticas). Como a
Fig.4.15 ilustra, as diferentes ordens de dobras podem ser discriminadas, traçando sucessivas
superfícies medianas das dobras menores, até se obter uma superfície mediana plana (uma linha
recta, num perfil).

116
Fig.4.15- Reconhecimento de três ordens de dobramento nas dobras representadas em a).
As dobras de 1ª ordem são definidas pela mediana das dobras de 2ª ordem e assim sucessivamente.
(Medianas, a tracejado)

117
Os eixos destas dobras de diferentes ordens (admitamos que elas são cilindróides) são
paralelos. Um outro aspecto importante destas dobras menores é a sua simetria variável,
consoante a sua localização relativamente à dobra maior. As dobras menores situadas na zona de
charneira da dobra maior são simétricas, apresentando dois flancos de dimensões semelhantes,
pelo que, em perfil, têm a forma de um M. Pelo contrário, as dobras menores situadas nos flancos
da dobra maior são assimétricas, apresentando flancos longos alternando com flancos curtos: em
perfil, têm uma forma em S ou em Z, consoante a direcção segundo a qual forem observadas.3

Fig.4.16- Dobras menores (em M, S e Z) numa dobra maior.

A observação da simetria das dobras menores é um elemento importante da análise


estrutural, pois permite identificar dobras maiores que, pela sua dimensão, escapam à observação
directa do geólogo. Para esse efeito, regista-se a forma das dobras menores (M, S ou Z), quando
observadas na direcção em que os seus eixos mergulham. Dobras em M situar-se-ão na zona de
charneira da dobra maior (regional), enquanto que, num flanco, encontraremos dobras em S e, no
outro, dobras em Z.
Nesta análise estrutural, é frequente usar-se o termo vergência. Vergência corresponde à
direcção horizontal, no plano do perfil da dobra, segundo a qual se dirige a componente superior
da rotação que, aparentemente, deu lugar à dobra menor (S ou Z) desenhada por flanco
longo−flanco curto−flanco longo (Fig.4.17-a).
A vergência dada por um par de dobras menores dirige-se para a zona de charneira
da antiforma maior. Habitualmente, na prática, regista-se no mapa da área a forma das dobras

3
Como é evidente, se marcarmos um S numa folha transparente: vista do outro lado, aquela letra converte-se num Z.

118
menores, vistas em perfil, o que permitirá reconhecer as zonas de charneira e os flancos das
dobras maiores (Fig.4.17-b).

Fig.4.17- a) Definição de vergência das dobras menores


b) Mapa com o registo da forma das dobras menores, o qual permite reconhecer as zonas de charneira
e
os flancos das dobras maiores.

4.2.2. Relações entre superfícies dobradas sobrepostas

Num corpo litológico dobrado, habitualmente, reconhecem-se sucessivas superfícies


sobrepostas dobradas. Considerando tais superfícies, definem-se (Fig.4.18):

i. Superfícies de inflexão, que integram as linhas de inflexão definidas nas sucessivas


superfícies dobradas, sobrepostas;

ii. Superfícies axiais, que integram as sucessivas linhas de charneira.4

Estas superfícies são, em geral, curvas, mas, frequentemente, são tratadas como se
fossem planas. Assim, é usual dizer-se plano axial em vez de superfície axial.

4
Na literatura inglesa, ocorre o termo hinge surface, como sinónimo de axial surface.

119
Fig.4.18- Definição de superfícies axiais (s.a.) e de superfícies de inflexão (s.i.) numa sucessão de superfícies
dobradas sobrepostas (S1 , S2 , ..., S4 ). (ch., linhas de charneira; l.i., linhas de inflexão)

4.3. DESCRIÇÃO DA ATITUDE ESPACIAL DE UMA DOBRA

Na descrição da atitude de uma dobra, recorre-se aos elementos geométricos (linhas e


superfícies) definidas nas secções precedentes. Geralmente e em primeira análise, tais elementos
são considerados como linhas rectas ou como superfícies planas. Numa dobra cilíndrica (ou
cilindróide) os elementos considerados são a charneira (ou o eixo da dobra) e o plano axial,
cujas atitudes devem ser medidas no campo ou determinadas, indirectamente, recorrendo à
projecção estereográfica.

P.A.
ch.
f

Fig.4.19- Elementos usados para caracterizar a atitude espacial de uma dobra: P.a., plano axial; f, eixo; ch., charneira

120
Vejamos os métodos habituais da indicação da atitude espacial de uma recta e de um plano, em
Geologia.

i. Atitude de uma recta (Fig.4.20)

Pode ser definida de duas maneiras diferentes. Pode ser definida através da indicação do
ângulo que a recta faz com a sua projecção horizontal (mergulho) e do azimute dessa projecção
horizontal (ou seja, o azimute do plano vertical que contém a recta considerada). Alternativamente,
a atitude de uma recta pode ser definida através do ângulo agudo (rake) que ela define com a
horizontal de um plano (estrutural) predefinido. No último caso, ao dar o valor do rake deverá ser
indicado o rumo geral do mergulho da recta.
Por exemplo, para o caso representado na Fig.4.20, a orientação da recta r seria
descrita como sendo:
30º → 075º (mergulha 30º para o azimute de 75º)
ou recta de rake = 46ºNE em S, sendo S um plano de orientação conhecida.

Tratando-se da definição da atitude do eixo de uma dobra, em vez do termo (geral) rake,
usa-se o termo pitch, sendo S1 o plano axial da dobra.5

PH, plano horizontal


PV PV, plano vertical de r
RH, projecção horizontal de r
N
S, um plano que contém r
HH’, horizontal de S

α α, azimute de r = 075º
PH µ, mergulho de r = 30º
S rH ρ, rake = 46ºNE
N
H’

ρ
H rH r µ 075º

270º 090º
S µ PV

180º

Fig.4.20- Definição da atitude uma recta em Geologia Estrutural e sua representação em projecção
estereográfica.

5
O termo pitch tem sido usado em diversas acepções. Nas últimas décadas, tem sido usado como sinónimo de rake,
apesar de ser este o termo recomendado por um comité da USGS , que propôs o abandono do termo pitch , naquela
acepção. No entanto, em Geologia Estrutural, a generalidade dos autores recentes usa o termo pitch conforme se define no
texto.

121
ii. Atitude de um plano (Fig.4.21)

Pode ser definida de duas maneiras diferentes: através da indicação do azimute da sua
horizontal (direcção do plano), conjuntamente com o ângulo que o plano define com um plano
horizontal (inclinação do plano); alternativamente, pode ser definido através da sua recta de maior
declive, de que se deve indicar o mergulho e o azimute, como acima se indicou.
No primeiro caso, várias notações são comuns. Frequentemente, a definição do azimute é
feita através de um ângulo inferior a 180º, medido a partir do Norte, para Este ou para Oeste.
Outros autores indicam o ângulo medido, sempre no sentido horário, a partir do Norte, podendo,
portanto, variar entre 0º e 180º. A inclinação, como se vê pelos exemplos abaixo dados, é sempre
traduzida por um ângulo entre 0º e 90º, com indicação do seu sentido.

Exemplos:
N30ºE-34ºSE N030-34ºS recta de maior declive : 34º →120º
N20ºW-67ºW N160-67ºW recta de maior declive : 67º → 250º
N50ºW-20ºNE N130-20ºN recta de maior declive : 20º → 040º

N
030º
N
H’
δ PH
28º
R’
O i S

R
S
δ = 30º
i = 28º PH, plano horizontal
HH’, horizontal de S
OR, recta de maior declive de S 120º
S: N30ºE-28ºSE OR’, projecção de OR em PH

Fig.4.21- Definição da atitude um plano (S) em Geologia Estrutural e sua representação em projecção
estereográfica (polar e ciclográfica).

As superfícies acima definidas (e especialmente, a superfície ou plano axial) são também


descritas através das suas intersecções (traços) noutras superfícies, nomeadamente, no plano
horizontal onde se faz a projecção cartográfica ou no plano de um perfil da dobra.
Note-se que reconhecendo, num mapa, o traço axial (i.e., o traço do plano axial) e a
direcção axial é possível determinar a atitude do plano axial (Fig.4.22).

122
T’
N

ρ = PITCH (ou RAKE)


µ = MERGULHO (60º)
T’

eixo da dobra (b)


60º
50º
T
PA traço axial
b
ρ µ
T

Fig.4.22- Determinação, sobre um estereograma, da atitude do plano axial (PA), a partir do traço axial (TT’) e do
eixo da dobra (b ), definidos no mapa.

4.4. DESCRIÇÃO DA “ATITUDE ESTRATIGRÁFICA” DE UMA DOBRA

Vimos que, quanto à sua atitude espacial geral, uma dobra pode ser uma antiforma, uma
sinforma ou uma dobra neutra. Considerando, agora, as relações, em termos de tipo de sequência
estratigráfica das superfícies dobradas, usam-se os termos anticlinal e sinclinal.6 O significado
destes termos pode ser apreendido, considerando um corte das dobras, perpendicularmente ao
perfil (Fig.4.23).

núcleo núcleo

an tif o r ma / s in f o r ma

Polaridade Polaridade
+ recente + antigo

S I N C L I N AL AN T I C L I N AL

Fig.4.23- Distinção entre anticlinal e sinclinal. As dobras representadas tanto podem ser antiformas como sinformas.
(As setas dão a polaridade da estratificação)

6
Recorde-se que, classicamente, estes termos tinham o significado de antiforma e de sinforma.

123
Duas situações podem ocorrer: os estratos dobrados estão em sequência normal ou estão
invertidos.7 No primeiro caso, uma antiforma diz-se anticlinal e uma sinforma diz-se sinclinal. No
segundo caso, uma antiforma diz-se sinclinal e uma sinforma diz-se anticlinal. As quatro
possibilidades estão ilustradas na Fig.4.24.
Note-se, ainda, que os termos anticlinal e sinclinal podem ser usados como substantivos,
enquanto que os termos antiforma e sinforma são adjectivados: em vez, por exemplo, de antiforma
sinclinal (“syncline antiform”), há quem diga sinclinal antiformal (“antiformal syncline”).

Neste contexto, usa-se o termo vergência para referir a direcção em que, ao longo da
superfície axial da dobra, se “caminha” para as camadas mais recentes: por exemplo, “antiforma
anticlinal com vergência para noroeste”.8

Fig.4.24- a) Antiforma anticlinal b) Antiforma sinclinal c) Sinforma sinclinal d) Sinforma anticlinal.


As setas indicam a polaridade (normal, n ; invertida, I ) e, portanto, a vergência (facing) das dobras.
(O esquema mostra que a polaridade foi determinada através da granoclassificação dos sedimentos)

7
A polaridade da estratificação será determinada pelos métodos correntes da Estratigrafia, atendendo, por exemplo, de
estruturas sedimentares (granoclassificação, estratificação cruzada, etc.), da disposição dos fósseis, etc.
8
Na literatura inglesa surge, ainda, em vez do termo vergence, o recurso ao verbo to face, ou seja, traduzindo o exemplo
dado, anticline antiform facing Northwest. Em inglês, dir-se-á, portanto, que: an anticline antiform faces upwards ; a syncline
antiform faces downwards.

124
4.5 CLASSIFICAÇÃO DAS DOBRAS
A nomenclatura das dobras tornou-se, no decorrer dos tempos, muito confusa, pela
profusão dos termos usados pelos diferentes autores, pela imprecisão da definição de muitos
desses termos e pelo uso do mesmo termo com significados diferentes. Recentemente, tem-se
procurado fazer uma arrumação da terminologia e, no caso da classificação das dobras, distinguir
os termos que descrevem a atitude espacial da dobra dos que descrevem a sua forma.
Devemos, pois, adoptar dois sistemas de classificação: um para descrever a atitude
espacial da dobra e outra para descrever a forma da dobra.
Uma classificação muito seguida para descrever a atitude da dobra é a de Turner e Weiss
(1963), ou a sua modificação por Fleuty (1964), aplicável a dobras cilindróides de superfície axial
plana (ou tida como tal). Para definir a forma das dobras, é muito conveniente uma classificação
como a desenvolvida por Ramsay (1967).

4.5.1. Classificação de Turner e Weiss

Nesta classificação atende-se ao mergulho da linha de charneira e à inclinação da


superfície axial. Os termos usados estão indicados no Quadro 4.1 e ilustrados na Fig.4.25.

QUADRO 4.1- Classificação de Turner e Weiss (1963)

LINHA DE CHARNEIRA

HORIZONTAL MERGULHANTE VERTICAL

VERTICAL Horizontal normal Plunging normal Vertical

Plunging inclined

OBLÍQUA Horizontal inclined



Reclined

HORIZONTAL Recumbent − −

Traduzindo, uma dobra poderá ser: normal horizontal , normal mergulhante, vertical ,
inclinada horizontal , inclinada mergulhante, reclinada , ou recumbente.9

9
Alguns autores de língua inglesa, em vez do termo normal (para designar dobras de plano axial vertical), usam o termo
upright. Também, os termos relativos à atitude do plano axial precedem, por vezes, os referentes à charneira, i.e., em vez
de, por exemplo, plunging inclined fold , dizem inclined plunging fold.

125
Fig.4.25- Ilustração da classificação das dobras quanto à sua atitude espacial. (Dobras dispostas
como no Quadro 4.1)

Note-se que os termos referentes à atitude da superfície axial, em alguns autores,


precedem os termos referentes à linha de charneira, como no Quadro 4.1 se escreveu. Isto é, em
vez de dizerem plunging inclined fold, preferem dizer inclined plunging fold.
Na modificação de Fleuty, consideram-se graduações do mergulho do eixo da dobra e da
inclinação da superfície axial (Fig.4.26).

Fig.4.26- Classificação de Fleuty (1964)

126
4.5.2. Classificação de Ramsay

Esta classificação diz respeito à forma da dobra, independentemente da sua atitude


espacial ou estratigráfica. Essa forma é analisada sobre o perfil da dobra e, basicamente, assenta
na disposição das isógonas de inclinação (dip isogons). Uma isógona de inclinação é uma linha
que, nos perfis das superfícies dobradas sobrepostas, reúne pontos de igual inclinação dessas
superfícies (Fig.4.27).

horizontal
20º
32º

i i

a. b.

Fig.4.27- a) Definição de uma isógona de inclinação, i (a correspondente à inclinação, α = 32º)


b) Duas isógonas (32º e 20º) , definidas numa dobra: elas convergem para os arcos internos, que têm,
portanto, uma curvatura maior que os arcos externos.

Como a Fig.4.27-a ilustra, para traçar a isógona correspondente a um certo ângulo, traça-
se uma horizontal de referência e procuram-se os pontos de tangência às sucessivas superfícies
dobradas, determinados por rectas com o declive definido por aquele ângulo.
A disposição relativa das isógonas depende das relações de curvatura entre as superfícies
dobradas e, portanto, depende da forma das dobras. Se as isógonas forem paralelas, podemos
concluir que os arcos que formam o perfil considerado têm a mesma curvatura; se as isógonas não
forem paralelas, é porque há um aumento da curvatura das superfícies dobradas, na direcção em
que as isógonas convergem. Na prática, fala-se em “convergência” ou em “divergência” das
isógonas, pressupondo que elas são observadas partindo dos arcos externos para os arcos
internos, i.e., do lado convexo da dobra para o lado côncavo da mesma (Fig.4.28).

127

Fig.4.28- a) Isógonas ditas “convergentes” (a curvatura do arco interno é maior que a do arco externo).
b) Isógonas ditas “divergentes” (a curvatura do arco interno é menor que a do arco externo).

Para uma mais fácil definição da forma das dobras, J.G. Ramsay recorre à análise da
variação da espessura da “camada” dobrada, ao longo da dobra. A espessura é determinada, no
perfil da dobra, entre rectas, com um dada inclinação relativamente ao traço axial, tangentes às
superfícies dobradas (Fig.4.29).
Duas definições de espessura podem ser usadas: espessura axial (Tα, determinada
paralelamente ao traço axial) e ortogonal (tα, perpendicular às tangentes que a definem). Em
princípio, é indiferente usar uma ou a outra, pois elas estão relacionadas entre si, para cada
valor do ângulo de inclinação:
tα = Tα cos α
sendo α o ângulo de “inclinação” das tangentes consideradas.

Tο

S1

S2

traço axial

Fig.4.29- Definição de espessura axial (Tα ) e de espessura ortogonal (tα), para um dado valor de α, para a dobra
delimitada pelas superfícies S1 e S2

128
De preferência aos valores absolutos daquelas espessuras, usam-se valores
normalizados, independentes da dimensão das dobras analisadas. Esses valores (T’α e t’α ) obtêm-
se, dividindo as espessuras absolutas pelo valor da espessura T0 (= t0) correspondente à
inclinação α = 0º, ou seja, determinada ao longo do traço axial:

T’α = Tα/ T0 e t’α = tα/ t0

Definem-se cinco classes de dobras, designadas por 1A, 1B, 1C, 2 e 3, que se podem
caracterizar como se descreve nos quadros seguintes. Note-se que as classes 1A, 1B e 1C
correspondem a sub-classes de uma classe (classe 1) , definida a par com as classes 2 e 3.

ISÓGONAS ESPESSURA AXIAL

CLASSE 1 Convergentes Tα > T0 (T’α > 1)

CLASSE 2 Paralelas Tα = T0 (T’α = 1)

CLASSE 3 Divergentes Tα < T0 (T’α < 1)

ISÓGONAS ESPESSURA ORTOGONAL

CLASSE 1A Fortemente convergentes tα > t0 (t’α > 1)

CLASSE 1B Perpendiculares às dobras tα = t0 (t’α = 1)

CLASSE 1C Fracamente convergentes tα < t0 (t’α < 1)

Na Fig.4.30 exemplificam-se dobras das diferentes classes (com as respectivas isógonas).

As dobras da classe 1B correspondem às dobras paralelas clássicas (dobras de


espessura ortogonal constante) e as da classe 2, às dobras similares (dobras de espessura axial
constante). No entanto, tais dobras não serão as mais vulgares: na Natureza, as dobras das
classes 1C e 3 parecem ser as mais vulgares.

129
Fig.4.30- Dobras, exemplificando cada uma das classes definidas por J.G. Ramsay

Note-se, finalmente, que uma dobra pode não ser enquadrável, inequivocamente, em
qualquer das classes acima referidas. Tal está ilustrado na Fig.4.31, para uma dobra de geometria
complexa, em que t’(α ) se situa nos campos das classes 3, 2 e 1C. A consideração das derivadas
de primeira e de segunda ordem daquela curva leva J.G. Ramsay a descrevê-la como sendo da
classe 3, modificada pela classe 1A.

Fig.4.31- Dobra não directamente enquadrável na classificação de Ramsay, como as isógonas e a função t’(α) evidenciam.
(In. J.G. Ramsay, 1967)

130
4.6. MODELOS CLÁSSICOS DE DOBRAMENTO

Na literatura geológica faz-se, frequentemente, referência a três modelos simplificados de


dobramento, reproduzidos em muitas situações experimentais ou em simulações de computador.
Eles permitem caracterizar diferentes formas de distribuição da deformação no interior (e em torno)
da unidade dobrada, servindo como modelos de referência para o estudo das dobras naturais.
Para cada caso, parte-se de uma
camada competente de secção rectangular,
onde se inscrevem diversas marcas para
análise da deformação, incluindo, na sua face Lo
superior, rectas representativas de uma
lineação original (Lo ). (Fig.4.32).

Fig.4.32

4.6.1. Dobramento por deformação longitudinal tangencial

É o tipo de dobramento que, muito provavelmente, ocorrerá num corpo laminar submetido
a uma compressão que lhe é aplicada paralelamente, como a Fig.4.33 ilustra.

η2
n2
ηi , viscosidades (η1 > η2 )
(alternativamente, E1 e E2, em
η2 materiais elásticos)
η1
n2
n1 ni , expoente da eq. 3.10
(n = 1 se o líquido for newtoniano)
Fig.4.33

4.6.1.1. Deformação interna

Neste tipo de dobramento formam-se dobras paralelas (i.e., da classe 1B), cujo estado de
deformação, observado no plano do perfil, tem as características seguidamente enumeradas
(Fig.4.34).

131
i. Uma das direcções principais da deformação (X ou Z) orienta-se perpendicularmente às
superfícies dobradas e as outras duas (Y e Z ou X), tangencialmente às mesmas superfícies. Este
estado de deformação interna designa-se por longitudinal tangencial.

ii. Ocorre uma superfície neutra, ou seja, uma superfície ao longo da qual não ocorre
deformação finita: as extensões finitas principais são nulas. Esta superfície não se situa,
necessariamente, a meia distância dos limites da dobra e, na verdade, a sua posição varia durante
a história deformacional; por esta razão, deverá, antes, designar-se por superfície neutra finita.

Fig.4.34- Estado de deformação numa dobra por deformação longitudinal tangencial (in. J.G. Ramsay, 1967)

iii. Ocorre uma deformação plana (plane strain): a área no plano do perfil da dobra
manteve-se invariável (i.e., (1+e1)(1+e3) = 1 ) e a extensão segundo a direcção axial da dobra é
nula (e2 = 0). O eixo da dobra é, portanto, em todos os pontos, paralelo ao eixo intermediário (Y) do
elipsóide de deformação finita e o plano do perfil corresponde, sempre, ao plano XZ.

iv. A dobra é paralela e, portanto, tem uma espessura ortogonal constante. No entanto, se
individualizarmos, ao longo da superfície neutra finita, uma banda que originalmente tivesse uma
espessura constante, verifica-se que ela foi adelgaçada junto dos arcos externos (acima da
superfície neutra, relativamente ao seu centro de curvatura) e foi alargada nos arcos internos. Os
arcos externos estão distendidos e os internos, comprimidos.

v. A deformação, ao longo de cada isógona no plano do perfil, aumenta com a distância à


superfície neutra finita, aumentando mais rapidamente nos arcos internos que nos arcos externos.

132
4.6.1.2. Deformação de uma lineação preexistente

O ângulo (α) que a lineação definia originalmente com a direcção axial é modificado em
todas as superfícies em que se observe a lineação, excepto ao longo da superfície neutra finita.
Nos arcos externos da dobra (onde ocorre uma distensão), aquele ângulo torna-se maior,
enquanto que, nos arcos internos (onde ocorre contracção), ele torna-se menor (Fig.4.35).

b.

Fig.4.35- Efeito de um dobramento por deformação longitudinal tangencial sobre uma lineação preexistente (Lo).
a) Situação inicial
b) Situação após dobramento, para superfícies acima e abaixo da superfície neutra finita (S.N.)

Em projecção estereográfica, o registo da atitude de uma lineação observada em


diferentes superfícies de uma dobra deste tipo, dará lugar a pólos situados em três arcos menores,
consoante a lineação for observada num arco externo, num arco interno, ou na superfície neutra
(Fig.4.36). Um registo da variação da orientação de uma lineação observada em diversos
afloramentos, numa dada área, que tenha este aspecto, permitirá reconhecer as dobras naturais
em que o estado de deformação interna seja do tipo longitudinal tangencial.

133
f
α’’ arco interno
α’ superfície neutra
arco externo

Fig.4.36- Registo, em projecção estereográfica, da variação de orientação de uma lineação dobrada, no caso de
uma dobra por deformação longitudinal tangencial.

4.6.1.3. Estruturas menores associadas

As estruturas menores associadas a este tipo de dobramento são, predominantemente,


estruturas cataclásticas, isto é, estruturas em que ocorre a fracturação da rocha. Essa rotura dá-se
quando o material deixa de ter a capacidade de acomodar mais deformação por mecanismos de
deformação dúctil como os que, até então, vinham ocasionando o progressivo dobramento do
“estrato”.

A forma de fracturação, dependendo do estado de tensão, não é a mesma nos arcos


externos e nos arcos internos da dobra (Fig.4.37). Nos primeiros, onde ocorre distensão (regime
tractivo), ocorrem fendas de tracção (tension gashes) normais a X, em forma de cunha, pois
propagam-se do arco exterior da dobra para a superfície neutra, que constitui o limite do seu
avanço. À medida que se vão formando e ampliando, vão sendo preenchidas por material
facilmente mobilizável pelas tensões diferenciais, nomeadamente, por minerais como o quartzo ou
a calcite, presentes nas rochas circundantes. Esses minerais tenderão a migrar das zonas sujeitas
às maiores tensões compressivas para as sujeitas às menores compressões (fenómeno da
dissolução por pressão). Em particular, estando os arcos internos sujeitos a um estado de tensão
mais elevado que o presente nos arcos externos, eles tendem a perder aqueles minerais
facilmente mobilizáveis. É, então, frequente ver-se que os arcos internos (i.e., “abaixo” da
superfície neutra finita) são mais escuros que os externos (i.e., “acima” da superfície neutra finita),
por se terem empobrecido daqueles minerais claros.

134
Fig.4.37- Estruturas menores associadas às dobras por deformação longitudinal tangencial

Nos arcos internos, o regime é compressivo e a rotura do material ocorre sob a forma de
falhas inversas (thrusts), dispostas simetricamente em relação a X e Z do elipsóide deformação
finita.
Ainda nos arcos internos, ocorre, por vezes, uma fissuração perpendicular a X (portanto,
por tracção e orientando-se paralelamente à “estratificação”). A formação desta fissuração é
facilitada pela presença de uma elevada pressão intersticial.

Nestas dobras, uma deformação dúctil (fluxo do material sem que haja rotura) pode
também dar origem a estruturas associadas. É o caso da clivagem de dissolução por pressão,
presente, de uma forma mais ou menos incipiente, nos arcos internos. Trata-se de uma foliação
que, sendo normal a Z do elipsóide de deformação finita, define um leque convergente,
relativamente ao traço axial da dobra no plano do seu perfil.

4.6.1.4. Flexão anticlástica

Em rigor, o dobramento de uma barra, como na Fig.4.33, não dá lugar às dobras cilíndricas
de geometria simples, atrás descritas. Uma simples experiência, como a de dobrarmos uma vulgar
borracha usada em Desenho, põe-no bem em evidência: a dobra obtida não é cilíndrica e tem uma
forma complexa, em sela (Fig.4.38). Verifica-se, em sobreposição ao dobramento por deformação

135
longitudinal tangencial, um dobramento semelhante, mas de menor amplitude, que lhe é
perpendicular. Este efeito designa-se por dobramento anticlástico. Como se vê na Fig.4.37-b, o
arco exterior da dobra tende a contrair-se ao longo da charneira, enquanto que o arco interno
tenderá a distender-se. A deformação deixa de ser plana.

b.
Fig.4.38- Dobramento anticlástico.
a) Representação em perspectiva da dobra b) Secção segundo a charneira
(A ponteado, secção para uma dobra por deformação longitudinal tangencial, ideal)

Se bem que, na crusta terrestre, o confinamento de um “estrato” pelas rochas envolventes


iniba a formação de dobramentos anticlásticos, tem-se admitido que este tipo de dobras possa
ocorrer, naturalmente, quando a unidade dobrada é de extensão lateral limitada. A incidência de
dobramento anticlástico tem sido, ocasionalmente, invocada para justificar a observação de eixos
de dobras com variações no seu mergulho, ao longo da estrutura dobrada.

4.6.2. Dobramento flexural

É um mecanismo típico de rochas com uma forte anisotropia mecânica planar, isto é,
divididas por descontinuidades planas, paralelas, que, pela sua menor resistência mecânica
(nomeadamente, menor coesão) comandam o dobramento.
As dobras formadas são paralelas (classe 1B).

Duas situações poderão ocorrer, como a Fig.4.39 ilustra.

136
Fig.4.39- Dobras flexurais. a) Dobra por escorregamento flexural b) Dobra por fluxo flexural

i. O escorregamento verifica-se ao longo de planos discretos, tal como acontece ao dobrar-


se uma resma de folhas de papel. A deformação não se distribui uniformemente, mas concentra-se
ao longo das descontinuidades mecânicas que dividem a unidade dobrada em “folhas”
relativamente possantes (Fig.4.39-a). O movimento de escorregamento é nulo junto da charneira e
aumenta, progressivamente, à medida que nos afastamos dela. As dobras formadas designam-se
por dobras por escorregamento flexural (flexural slip folds).

ii. O movimento relativo entre as “folhas” varia de forma contínua, como se a rocha fosse
composta por um número infinito de “folhas”, de espessura infinitesimal. Como modelo analógico,
podemos considerar o dobramento de uma esponja paralelepipédica. A deformação distribui-se de
uma forma gradual, contínua, através da dobra (Fig.4.39-b), aumentando progressivamente dos
arcos externos para os internos e da charneira para as linhas de inflexão. As dobras deste tipo
designam-se por dobras por fluxo flexural (flexural-flow folds).

Comparando os dois modelos de dobramento, até agora considerados, é de esperar que


dobras por flexão (em que o estado de deformação é longitudinal tangencial) sejam características
de materiais mecanicamente isotrópicos, enquanto que as dobras por fluxo ou escorregamento
flexural serão características de materiais marcadamente estratificados, laminados ou com uma
foliação penetrativa nítida. Mas, nem sempre tal se verifica.

137
4.6.2.1. Deformação interna
A deformação é por cisalhamento simples heterogéneo, máxima ao longo das linhas de
inflexão da dobra e mínima (nula) nas linhas de charneira.
As principais características do estado de deformação são as seguintes:
i. Nas dobras não se define uma superfície neutra;
ii. A deformação é plana (λ1 λ3 = 1 e λ2 = 1) em todos os pontos da dobra, cujo eixo é
paralelo ao eixo Y do elipsóide de deformação finita;
iii. Em cada ponto da dobra, a superfície dobrada intersecta os elipsóides de deformação
finita segundo uma secção circular de raio unitário, i.e., aquela superfície não está deformada;
iv. Os planos XY dos elipsóides de deformação finita divergem do plano axial nas
antiformas (quando se vai dos arcos externos para os internos).

4.6.2.2. Estruturas menores associadas

O movimento ao longo das descontinuidades mecânicas que comandam o dobramento dá


lugar a incisões nesses planos, designadas por estrias de escorregamento ou slickensides.
Frequentemente, não são sulcos resultantes de um atrito entre as rochas, mas, antes,
correspondem a fibras constituídas por minerais (habitualmente, o quartzo ou a calcite), cujo
crescimento seguiu a direcção do movimento ao longo daquelas descontinuidades. Estas estrias
são perpendiculares ou subperpendiculares à direcção axial das dobras, sendo mais evidentes
longe das charneiras (Fig.4.40).
Face ao que foi dito, não é de surpreender que em estratos fossilíferos dobrados segundo
este modelo, as estrias de escorregamento observadas nos planos de estratificação se associam a
fósseis não deformados.

Fig.4.40- Slickensides numa dobra flexural.

138
Outras estruturas, que poderemos observar em dobras flexurais, são as fendas de tracção
dispostas em degraus (en échellon), relacionadas com um cisalhamento frágil-dúctil (Fig.4.41).

Fig.4.41- Desenvolvimento progressivo de dois sistemas conjugados de fendas de tracção sigmoidais

Como a Fig.4.41 mostra, o seu desenvolvimento decresce das linhas de inflexão para a
charneira da dobra e, com a intensificação do dobramento, vão adquirindo a forma sigmoidal, que
lhes é típica.

4.6.2.3. Deformação de uma lineação preexistente

Uma vez que não ocorre qualquer deformação nas superfícies dobradas, o ângulo que
uma lineação originalmente definia com qualquer outra direcção daquelas superfícies
(nomeadamente, com a que irá corresponder ao eixo do dobramento) mantém-se invariável.
Portanto, se, numa projecção estereográfica, marcarmos os pólos das lineações observadas,
esses pólos definem um círculo menor, correspondente a um afastamento angular constante (α) do
pólo (f ) da direcção axial (Fig.4.42).

139
Fig.4.42- Deformação de uma lineação por dobramento flexural

4.6.3. Dobramento por escorregamento laminar (shear folding, slip folding)

É o único modelo avançado para visualizar a formação de dobras similares (dobras da


classe 2). De acordo com o modelo clássico, tudo se passa como num baralho de cartas, em que
estariam envolvidos escorregamentos laminares (cisalhamentos) segundo planos discretos,
periodicamente repetidos, oblíquos à superfície que vai ser passivamente dobrada (Fig.4.43-a).
Alguns autores substituem este modelo pouco natural, por um outro em que se consideram
linhas de fluxo tectónico, oblíquas à superfície que vai ser dobrada, e em que o fluxo se dá de
forma heterogénea: dobramento por fluxo (flow folding), ilustrado na Fig.4.43-b. Estas últimas
dobras poderão ter uma geometria bem mais complexa que as geradas pelo modelo clássico,
primeiramente descrito: elas não serão, necessariamente, cilíndricas.

b
a

c DOBRAMENTO POR FLUXO DIFERENCIAL

M O D E L O A N A L Ó G I C O

Fig.4.43- Modelos teóricos de génese de dobras similares (v. texto)

140
4.6.3.1. Deformação interna

Vejamos algumas características destas dobras, relacionadas com o seu estado de


deformação, interna, adoptando, para as descrições, os eixos cinemáticos de Sander (a, b e c ),
representados na Fig.4.43 e 4.44.

i. Ao longo dos planos de escorregamento (ditos planos do fluxo ou planos do


cisalhamento ou planos ab) não ocorre deformação, pelo que intersectarão os elipsóides de
deformação finita segundo circunferências de raio igual a 1 (o valor de λ2).

ii. Como a deformação no plano ac é por cisalhamento simples, não há variação de área:
λ1 λ3 = 1; e sendo λ2= 1, conclui-se que ocorre uma deformação plana.

iii. A deformação no plano ac não varia na direcção de a, isto é, ao longo de cada “folha”
delimitada por dois planos do fluxo, a deformação é constante. Daí resulta que não se define uma
superfície neutra.

iv. A deformação no plano ac é heterogénea: ela varia na direcção de c.

v. O plano axial das dobras formadas é paralelo aos planos de fluxo, ab. A atitude dos
eixos das dobras depende da orientação do “estrato” passivo original, relativamente à direcção do
fluxo, a. A direcção axial será b, apenas se a for normal àquele “estrato” (Fig.4.45).

Fig.4.44- (V. texto)

141
a. b. c.
Fig.4.45- (V. texto)
(Repare-se que em c), o dobramento não modifica a marca planar e só seria detectado pela deformação
de uma lineação preexistente)

4.6.3.2. Deformação de uma lineação preexistente

Admitindo que a direcção do fluxo (a) é constante, uma lineação preexistente (Lo) é
encurvada, mas mantém-se no plano que a sua direcção original define com a direcção daquele
fluxo (Fig.4.46). Portanto, em projecção estereográfica, os pólos das foliações medidas definirão
um círculo máximo.

142
Fig.4.46- Deformação de uma lineação (Lo) por dobramento laminar do plano estrutural que a continha (S): a linha
curva resultante (L’) é plana, como a projecção estereográfica evidencia

4.6.3.3. Discussão do modelo de escorregamento laminar

Dobras similares ocorrem com alguma frequência em terrenos intensamente


metamorfizados. São, portanto, típicas de níveis estruturais profundos. A sua ocorrência sempre
levantou problemas de ordem teórica e o modelo geométrico apresentado não é plausível do ponto
de vista dos mecanismos de formação. Também, o modelo do fluxo tectónico é dificilmente
aceitável. Qual seria a origem do fluxo? Como explicá-lo em termos das propriedades reológicas
dos materiais e da distribuição das tensões? Como compreender a variação periódica da sua
intensidade, quando seria de esperar uma diminuição exponencial da mesma, a partir da superfície
original?

A produção de dobras similares (ou com uma forma muito próxima) poderá resultar, como
análises geométricas e trabalhos experimentais têm demonstrado, da conjugação dos seguintes
factores:
i. Dobramento de uma série de camadas, alternadamente competentes e incompetentes;

ii. Deformação homogénea (dobramento passivo) de dobras preexistentes.

Numa série de camadas competentes e incompetentes (por exemplo, mais argilosas)


alternantes, tem-se verificado que, nas camadas competentes as dobras são da classe 1B e, nas
incompetentes, da classe 3. Um par dessas camadas, no seu conjunto, praticamente forma uma
dobra da classe 2. Mais, se comprimirmos essas dobras na direcção da normal à sua superfície
axial, cada uma delas vai-se aproximando da geometria de uma dobra similar, ao mesmo tempo
que a dobra formada por um par daquelas camadas é uma dobra similar quase perfeita (Fig.4.47).

143
Trabalhos de modelação matemática (por simulação em computador) demonstraram que
um estrato de quartzito (húmido) numa matriz de mármore, deformado a 375ºC e a uma velocidade
de deformação de 10−14 s−1, daria lugar, inicialmente, a dobras concêntricas10 e, depois, por
elevação da temperatura a 550ºC (que anularia o contraste de ductilidade entre o quartzito e o
mármore), ocorreria um achatamento homogéneo dessas dobras, que se tornariam praticamente
similares.

Fig.4.47- Deformação homogénea das dobras A (cl.1B) em A’ e de B (cl.3) em B’: ambas as dobras se tornam quase
similares (cl.2) e, no seu conjunto, têm, quase exactamente, uma geometria de dobra similar.

10
Dobras paralelas (classe 1B) que, em perfil, são formadas por arcos de circunferência

144
4.7. REDOBRAMENTO

Em várias circunstâncias pode ocorrer o dobramento de superfícies de superfícies que já


se encontram dobradas, originando estruturas de geometria mais ou menos complexa, em que se
reconhecem superfícies axiais resultantes de um dobramento de superfícies axiais originais,
idealmente, planas.

Fig.4-48. Anfibolito patenteando dobramento polifásico (Bohuñov, Rep. Checa)

Fala-se em interferência de dobramentos, pois a situação é análoga à da interferência de


ondas de som ou de luz, como se estuda em Física. Neste caso, tratar-se-á de uma interferência
de ondas de fluxo da matéria. O resultado final depende da orientação relativa das direcções axiais
e das superfícies axiais ou direcções de fluxo das (duas) ondas interferentes.
Correspondentemente, vários “tipos” de interferência de dobramentos têm sido definidos (por
exemplo, J.G. Ramsay, 1967, define três tipos).

Uma situação possível pode ser facilmente simulada, dobrando e redobrando uma folha de
papel, como a Fig.4.49 ilustra. Neste caso, as dobras que interferem têm a mesma direcção axial,
mas planos axiais normais entre si.

145
S1
S1

a2 S2

Fig.4.49- Redobramento de uma folha de papel S1, superfície axial da dobra original;
a2, direcção de fluxo correspondente ao redobramento ; S2, superfície axial do redobramento.
Aos dois dobramentos corresponde a mesma direcção axial (normal ao plano de desenho)

Um exemplo natural de uma situação análoga está ilustrado na Fig.4.50.

Fig.4.50- Dobra redobrada (Hallsands, Sul de Devon, Inglaterra). (Cf. Fig.4.49)

Outro modelo geométrico simples consiste no redobramento de dobras desenhadas sobre


um maço de cartões que se movimentam como no modelo analógico do dobramento similar
descrito na Fig.4.43. Várias orientações relativas entre dobras originais e redobramento podem ser
reproduzidas, inclusive o caso anteriormente ilustrado (Fig.4.51).

146
Fig.4.51- Modelo de redobramento, recorrendo a um maço de cartões que se deslocam paralelamente
a si próprios. À esquerda, as dobras originais; à direita, o redobramento. No primeiro exemplo, mostra-se,
também, o efeito do segundo dobramento sobre uma marca planar original (representando, por exemplo, um
dique posterior ao primeiro dobramento, mas afectado pelo segundo).

147
4.8. TEORIAS DE DOBRAMENTO

O estudo teórico do dobramento tem contribuído, apesar das hipóteses simplificadoras em


que assenta, para uma melhor compreensão das dobras naturais, observadas nas rochas.
No campo, o geólogo depara com três situações com aspectos distintivos e que, do ponto
de vista teórico, devem ser tratadas diferentemente: dobras de “estratos” individuais no seio de
uma matriz; dobras de corpos multiestratificados (sequências de estratos, ou a alternância de leitos
num gnaisse, por exemplo); e, por último, dobramento de uma superfície livre ou da superfície de
contacto entre duas rochas distintas (Fig.4.52).

µ2

µ1

a) b) c)

Fig.4.52- a) Dobramentos de “estratos” que se comportaram como unidades independentes (dobramento


disarmónico)
b) Dobramento de série de estratos (dobramento harmónico)
c) Dobramento de uma interface (µ 1 > µ 2 )

É notório que, de forma geral, no caso de corpos multiestratificados, embora


constituídos por materiais com propriedades reológicas diferentes e com possanças variáveis, o
dobramento é harmónico, isto é, as dobras são semelhantes em amplitude e comprimento de
onda.
Pelo contrário, se os estratos se comportam como corpos singulares, isolados no seio de
uma matriz, as dobras assumem aspectos diferentes (disarmónicas, no seu conjunto).
Não é possível estabelecer, de uma forma bem definida, quando “estratos” subparalelos,
no seio de uma matriz menos competente, se comportam, ao serem comprimidos, como “estratos”
individuais ou como constituindo um corpo multiestratificado. Se um dado “estrato” se situar, na
matriz, fora da zona de deformação de contacto (i.e., numa zona suficientemente afastada do
“estrato” adjacente, para que se faça sentir o dobramento desse “estrato”), ele dobrará de uma
forma individualizada, como se estivesse isolado (Fig.4.53). Cálculos teóricos e evidência

148
experimental indicam que tal zona não se estende, efectivamente, para além de uma distância
igual a um comprimento de onda das dobras dos estratos competentes, mesmo quando tenha
ocorrido uma marcada deformação homogénea, amplificadora daquelas dobras.

Fig.4.53- Zona de deformação de contacto, na matriz, junto de uma dobra (In: J.G. Ramsay, 1967)

Mas, para que uma série de “estratos” competentes se comporte, no dobramento, como
um corpo multiestratificado, a distância entre aqueles “estratos” deve ser bem menor que a soma
dos comprimentos de onda das suas dobras, talvez 1/10 dessa distância ou menos. Nesta
circunstância, os deslocamentos sofridos por qualquer dos “estratos” têm de ser compatíveis com
os sofridos pelos “estratos” contíguos, donde a tendência para uma harmonização das dobras
formadas.

Um dos aspectos, que poderemos medir numa dobra natural e comparar com os
resultados teóricos, é expresso pela chamada “razão de esbelteza” (slenderness ratio): razão, W/t,
entre o comprimento de onda da dobra (W) e a espessura do “estrato” (t). J.A. Sherwin e W.M.
Chapple (1968), que mediram para cima de 800 dobras naturais, encontraram valores de W / t
entre 5 e 10.

149
4.8.1. Dobramento de “estrato” individualizado
Entre os trabalhos de diversos investigadores, são de destacar os de M.A. Biot (1957-
1962) e de H. Ramberg (1959-1970), que consideram a iniciação de dobras sinusoidais num
“estrato” único, no seio de uma matriz. Nos seus trabalhos, consideram-se, habitualmente, as
seguintes hipóteses, entre outras:

i. A compressão é paralela ao “estrato”, cujo peso é irrelevante (ausência de gravidade);

ii. O estrato e a matriz comportam-se como fluidos newtonianos (τ = η γ );

iii. O estado de tensão do “estrato “ dobrado é o correspondente a um estado de


deformação muito próximo do da deformação longitudinal tangencial.

Neste caso, as dobras resultam de uma diferença de viscosidade entre “estrato” (mais
viscoso) e matriz, originando-se por amplificação de pequenas deflecções sinusoidais, presentes
naquele estrato (Fig.4.54).

Fig.4.54- Formação experimental de dobras a partir da amplificação de uma deflecção original.


O contraste de competência entre as parafinas usadas é de 10/1 (P. Cobbold,1975).

A velocidade de amplificação das diversas deflecções depende do seu comprimento de


onda, sendo máximo para um dado valor, designado por comprimento de onda dominante (Wd ). É
este que, após algum tempo, prevalece, dando lugar a uma dobra regular, aproximadamente
sinusoidal. O valor encontrado por Biot e por Ramberg para esse comprimento de onda dominante
é dado por:

150
3
Wd = 2 π t √µ1 / 6µ2 (4.1)

em que η1 e η2 são, respectivamente, as viscosidades do estrato e da matriz (η1 >> η2 )

Este resultado prevê, pois, uma “razão de esbelteza”,


3
W/t = 2 π √µ1 / 6µ2 (4.2)

o que exprime a dependência da forma destas dobras com as propriedades reológicas dos
materiais.
A dependência do comprimento de onda das dobras iniciadas com a espessura está,
frequentemente, manifestada em dobras, naturais ou experimentalmente obtidas (Fig.4.52-a e
4.55).

Fig.4.55- Dependência do comprimento de onda das dobras com a espessura dos “estratos”: o caso curioso
do dobramento de um veio que diminui, gradualmente, de espessura

A diferença de comprimentos de onda das dobras de 1ª e de 2ª ordem evidencia a mesma


dependência, como a Fig.4.56 ilustra.

Fig.4.56- Na dobramento de 2ª ordem, a espessura efectiva é t’, maior que a verdadeira espessura (t)

151
No entanto, a eq. 4.1 prevê a formação de dobras, mesmo quando não há contraste de

ductilidade entre “estrato” e matriz, ou seja, quando η1 = η2. Segundo Biot, aquela fórmula só é

aplicável, quando η1 /η2 for superior a 100. Mas, um tal valor conduziria a dobras com uma razão
de esbelteza superior a 16, valor superior aos observados em dobras naturais. Por outro lado,
razões de esbelteza mais realísticos, inferiores a 10, implicariam tensões no “estrato” dobrado
incompatíveis com a assumida deformação longitudinal tangencial.
Estas limitações do modelo de Biot-Ramberg levaram Sherwin e Chapple a considerar a
ocorrência de uma componente de deformação homogénea, que se sobreporá ao dobramento
“activo”. Neste caso, obtém-se:

Wd = 2 π t √µ1(s-1) /12µ2s2 (4.3)

com s = √ λ1 / λ 2

em λ1 e λ2 são as extensões quadráticas principais que descrevem aquela deformação


homogénea.
De acordo com este modelo, é de prever a formação de dobras para um contraste de
viscosidade, entre “estrato” e matriz, significativamente inferior a 100.

Mais recentemente, alguns investigadores (por exemplo, R.C. Fletcher, 1974, e R.B. Smith,
1979) alargaram as análises de Biot-Ramberg para o caso em que, pelo menos, o “estrato”
dobrado é um líquido não-newtoniano, ou seja, não é linearmente viscoso (τn = Κ γ ; n>1).
Segundo Fletcher, nesse caso, a incidência de uma componente de deformação
homogénea facilitaria ainda mais a formação de dobras, e já não seriam necessários contrastes de
ductilidade da ordem de grandeza prevista pelos modelos de Biot-Ramberg. Dobras com uma
esbelteza entre 4 e 10, como as que são comuns na Natureza, poderão formar-se desde que n
seja superior a 3, um valor perfeitamente compatível com diferentes mecanismos de fluxo
teoricamente deduzidos.

Outras análises demonstram que os modelos de Biot-Ramberg deixam de ser aplicáveis,


quando n é muito elevado (digamos, superior a 20), pois o contraste de ductilidade deixa de ser o
factor do dobramento. Nessa circunstância, as dobras resultam de uma interacção entre as
ondulações das duas interfaces do “estrato” com a matriz. Essa interacção e o processo de
dobramento são optimizados quando o afastamento das duas interfaces é igual a W/4. Assim, este
possível mecanismo de dobramento (designado por resonant folding) gera dobras de esbelteza
igual ou ligeiramente superior a 4.
Finalmente, a hipótese de um comportamento elástico-viscoso dos “estratos”, durante a
iniciação do dobramento (o que é, especialmente, viável nos níveis crustais superiores ou para as

152
dobras de maior amplitude, nos níveis mais profundos) não deve ser desprezada e contribuirá para
que os modelos antes referidos dêem soluções cada vez mais realísticas.

4.8.2. Dobramento de multiestratos

4.8.2.1. Estudos analíticos

Trata-se de uma situação geologicamente importante, por ser a mais frequente e a que
corresponde às estruturas dobradas de maior dimensão.
Os precursores das análises desta situação foram, de novo, Biot e Ramberg, mas muitos
outros autores retomaram o problema, quer analiticamente, quer experimentalmente, quer por
modelação matemática (análise de elementos finitos e simulação computacional).
Aqueles dois autores adoptaram modelos diferentes (Fig.4.57), mas assumindo as
mesmas hipóteses gerais, então adoptadas para o dobramento de “estratos” individualizados.
Assumiram, ainda, a ausência de escorregamento ao longo de cada “estrato” do modelo multi-
estratificado.

Fig.4.57- Modelos de corpo multiestratificado.


a) Modelo de Ramberg: um estrato menos competente (de viscosidade η2) entre dois mais competentes (de viscosidade
η1 )
b) Modelo I de Biot: N “estratos” de espessura a e viscosidade η1, numa matriz de viscosidade η2 .
c) Modelo II de Biot: como o modelo I, mas em que o corpo multiestratificado tem uma espessura H , é bilaminado
(alternância de estratos de viscosidades η1 e η2), e está no seio de uma matriz de viscosidade η.

Os resultados das duas análises são diversos. Apenas se transcrevem alguns resultados
de Biot, por se exprimirem numa determinação de comprimentos de onda dominantes.
A análise de Biot prevê, para o modelo I, um comprimento de onda dominante,

Wd= 2π a √N µ1/ 6 µ2 (4.4)

153
em que os símbolos têm o significado ilustrado na Fig.4.57-b.

Comparando com a situação de “estrato” singular (eq.4.2, com t = N.a), verifica-se que o
comprimento de onda inicial das dobras é menor num corpo multiestratificado.

Ao modelo II de Biot, correspondem dois tipos de dobras, consoante o contraste de


ductilidade entre os “estratos” do multiestrato, ou, seja, a anisotropia deste (Fig.4.58).
Se esse contraste for pequeno (Fig.4.58-a), iniciam-se dobras paralelas (classe 1B),
enquanto que, se ele for relativamente elevado (Fig.4.58-b), se formam dobras similares (classe 2)
de menor comprimento de onda, relativamente às primeiras.

Fig.4.58- Dobras correspondentes ao modelo II de Biot

4.8.2.2. Estudos não analíticos

O estudo analítico do dobramento tem conduzido a resultados importantes para a


compreensão geral das estruturas dobradas, mas não permite interpretar, directamente, as formas
naturais. Estas, ao contrário do suposto naquelas análises, raramente são sinusoidais: as dobras
naturais em corpos multiestratificados, observáveis a todas as escalas, são, frequentemente,
dobras em chevron simples (kinks) ou policlinais (kinks conjugados ou box-folds), cujas formas se
ilustram na Fig.4.59.

154
a. b.

Fig.4.59- a) Chevrons (Tintagel, N. Cornualha, Inglaterra) b), c) Box-folds (Bude, N. Cornualha)

Em primeiro lugar, não devemos esquecer que aquelas análises não ultrapassam a fase
de iniciação das dobras. A análise do seu desenvolvimento posterior recorre a outras técnicas, não

155
analíticas. Estes últimos estudos indicam que a compressão homogénea das dobras sinusoidais
dão lugar a dobras que, progressivamente, se aproximam da forma em chevron e da geometria de
dobras similares. Um outro resultado interessante de algumas dessas análises é a previsão de
que, numa alternância regular de “estratos” competentes e incompetentes, nos primeiros observar-
se-ão dobras paralelas (classe 1B) e, nos segundos, dobras da classe 3, formando-se, no
conjunto, dobras similares (classe 2). Este resultado tem sido observado em dobras naturais, como
adiante se verá, ao considerar-se a descrição de foliações relacionadas com dobramentos.

A interpretação das dobras finitas, formadas em corpos multiestratificados, pode ser


enquadrada nos estudos realizados sobre a deformação de rochas anisotrópicas. Nesses estudos,
considera-se a possibilidade de escorregamento entre os “estratos” contíguos, o que dependerá do
grau de anisotropia mecânica das rochas (ou seja, da coesão entre aqueles “estratos”).

A deformação experimental de rochas anisotrópicas e a modelação com materiais


estratificados (plasticina e gelatinas, designadamente) tem permitido obter dobras análogas às
naturais. Na Fig.4.60, representam-se, de uma forma idealizada, alguns dos resultados obtidos por
M.S. Paterson e L.E. Weiss: durante a compressão de um corpo estratificado, formam-se kinks
conjugados, que dão lugar a box-folds e, por último, a chevrons.

156
Fig.4.60- Modelo idealizado de dobramento por escorregamento flexural, num corpo acentuadamente anisotrópico,
comprimido paralelamente aos planos de anisotropia. A área inicial do corpo é indicada pelo rectângulo
a tracejado, para diferentes estádios da compressão (Paterson & Weiss, 1966).

Um outro grupo de investigadores, sediados no Imperial College (nomeadamente, J.


Cosgrove, J.M. Summers e P. Cobbold), durante a década de 70, desenvolveu um conjunto de
trabalhos, em que se derivaram formas de expressão da instabilidade criada no interior de corpos
anisotrópicos, quando comprimidos. Essas formas variam consoante o grau de anisotropia desses
corpos e a orientação da compressão, relativamente aos planos de anisotropia.

O aspecto geral dessas formas, cuja correspondência com aspectos naturais é flagrante,
está representado na Fig.4.61.

157
GRAU DE ANISOTROPIA crescente

Fig.4.61- Representação diagramática de formas de expressão da instabilidade interna, consoante o grau de


anisotropia e a orientação (θ) da compressão máxima, relativamente aos planos de anisotropia (Cosgrove,
1976)

Estes estudos foram alargados a materiais viscosos não-lineares (Latham, 1983-85).


Enquanto que nos materiais newtonianos pode existir uma anisotropia original, que se mantém
invariável (em grau) durante a deformação, nos materiais viscosos não-lineares, além dessa
possível anisotropia original (dita intrínseca), gera-se e intensifica-se durante a deformação uma
nova anisotropia, dita induzida. A ocorrência desta não pressupõe, sequer, uma anisotropia
intrínseca: por exemplo, num granito ou num gabro, a deformação pode gerar uma anisotropia,
como a observada em zonas de cisalhamento dúcteis.

As estruturas resultantes dependerão, como a Fig.4.62 esquematiza, da relação de


intensidade entre as duas possíveis componentes de anisotropia, intrínseca e induzida.

158
Fig.4.62- Diagrama ilustrativo da produção de estruturas associadas a instabilidade interna, consoante o grau relativo das
anisotropias, intrínseca e induzida. As secções quadrangulares representam estádios iniciais e as rectangulares, estádios
resultantes da compressão (cisalhamento puro), de acordo com modelação experimental e matemática.

159
4.8.2.3. Estruturas em corpos irregularmente multiestratificados

Um factor adicional da imperfeita adaptação dos modelos teóricos às estruturas naturais


reside na grande irregularidade dos corpos geológicos afectados pelo dobramento. Em particular,
ocorrem variações marcadas da possança dos “estratos”, nos corpos multiestratificados. Dado que
a resistência ao dobramento aumenta com o cubo da espessura do “estrato” dobrado, é de prever
a enorme influência de tal variação. Essa influência tem sido, claramente, observada em muitos
afloramentos.
Um “estrato” significativamente mais possante, ocorrente no meio de uma série regular de
“estratos”, tenderá a impor o seu dobramento próprio ao dos restantes “estratos”, funcionando
como uma unidade de controlo do dobramento.
Pelo contrário, num “estrato” bastante menos possante, no meio de uma sequência
regular, formar-se-ão dobras de 2ª ordem ou dobras parasíticas 11 (Fig.4.63).

Fig.4.63- Dobras parasíticas formadas num estrato pouco possante (Cf. Fig.4.56)

Quando, numa série “estratificada”, ocorre alguma variação de possança, mas sem
acentuados contrastes, observam-se estruturas particulares, ditas de acomodação. Como o nome
indica, correspondem a ajustamentos locais da deformação nas diferentes unidades dobradas.
Essa acomodação pode ser conseguida por mecanismos de fluência dúcteis (espessamento de
charneiras, por exemplo), ou cataclásticos (fracturação), ou por escorregamentos ao longo de
planos de contacto das unidades dobradas. Ocorrem, frequentemente, aberturas entre zonas de
charneira, cujo preenchimento pelos minerais depositados pelos fluidos circulantes dá lugar a veios
de forma especial (saddle reefs), por vezes com grande interesse económico (quartzo aurífero, por
exemplo).

160
Na Fig.4.64 ilustram-se exemplos comuns de estruturas de acomodação.

a. b. c. d.

Fig.4.64- Estruturas de acomodação. a) Dobra carinada (com zona de charneira em carena) b) Acomodação por falha
inversa c) Combinação de fracturação e fluência dúctil d) Boudinage de estrato menos possante (Price & Cosgrove,
1990)

Fig.4.65- Estruturas de acomodação numa dobra: acomodação por falha inversa e por fluência dúctil
(Bude, N. Cornualha)

11
Também designadas, mas impropriamente, por dobras de arraste (drag folds)

161
4.8.3. Dobramento de superfícies de contacto ou de superfícies livres

Uma superfície livre ou uma superfície de contacto entre dois meios semi-infinitos de
viscosidades diferentes, quando comprimida paralelamente a si própria, dá lugar a uma sequência
alternante de dobras amplas (lobos) e de dobras muito apertadas (cúspides), resultantes da
amplificação cinemática (passiva) de irregularidades iniciais (Fig.4.66).12

Fig.4.66- Cúspides formadas pela forte compressão da superfície de contacto entre dois meios de diferente
viscosidade. O material mais escuro é o mais competente (in. Ramsay, 1967)

Julga-se que, pelo menos inicialmente, não lhes corresponderá qualquer comprimento de
onda dominante, isto é, determinado pelo contraste de ductilidade dos materiais em contacto.
A formação destas estruturas com cúspides representa uma grande amplificação das
irregularidades iniciais, exigindo uma enorme deformação compressiva (λ<0,01). Essa
amplificação seria, segundo alguns autores, facilitada no caso de materiais viscosos não-lineares.
Nestas estruturas, as cúspides apontam para o material de maior viscosidade (mais
competente).
Estas estruturas são uma das formas particulares de estruturas colunares (mullion
structures).

12
O aspecto é análogo ao de certas estruturas sedimentares (figuras de carga), com as quais não devem ser confundidas.

162
5. ESTRUTURAS PLANARES (FOLIAÇÕES)

5.1. INTRODUÇÃO

Nas rochas deformadas observam-se, frequentemente, estruturas planares. Elas


reconhecem-se pela variação mais ou menos regular de certas características da rocha,
nomeadamente, a sua composição mineralógica, a orientação preferencial dos seus minerais ou
da sua fracturação. Assim (v. Fig.5.1), podemos ter uma foliação definida por:

i. Variações regulares na composição e/ou dimensão dos minerais;

ii. Orientação preferencial (planar) das junções granulares

iii. Orientação preferencial de minerais lamelares (micas, nomeadamente);

iv. Fracturação segundo superfícies subparalelas.

Fig.5.1- Diversas formas de definição de foliação.


a) Por variação composicional e/ou do diâmetro granular
b) Por orientação preferencial de minerais lamelares
c) Por orientação preferencial, planar, das junções granulares
d) Por orientação preferencial, planar, da fracturação

163
Frequentemente, uma foliação corresponde a uma descontinuidade mecânica das rochas,
pelo que sobressaem, muitas vezes, como superfícies delimitantes, quer em afloramentos, quer
em amostras de mão (Figs.5.2 e 5.3). Outras vezes, evidenciam-se pelas intersecções que
determinam noutras superfícies de observação.

Fig.5.2- Exemplo em que a foliação constitui um plano mais susceptível à erosão fluvial, como a secção
elíptica da “marmita de gigante” (em vez da forma circular habitual) evidencia

Fig.5.3- Foliação (xistosidade) posta em evidência pela erosão

164
As estruturas planares podem ocorrer segundo dois tipos distintos de desenvolvimento:

i. Repetindo-se segundo superfícies discretas, claramente separadas umas das outras, a


uma dada escala de observação (habitualmente, ou à vista desarmada ou ao microscópio); neste
caso, a foliação dir-se-á não-penetrativa;

ii. Repetindo-se de uma forma muito cerrada através de toda a rocha, de tal modo que, se
corresponderem a planos de fraqueza, será possível obter placas, praticamente, tão finas quanto
se deseje; dir-se-á que a estrutura é penetrativa.

Um exemplo típico de estrutura planar penetrativa é a clivagem que se observa numa


ardósia. Já as diaclases (ou juntas) observadas, por exemplo, num maciço granítico são estruturas
planares não-penetrativas que, frequentemente, compartimentam o maciço segundo blocos
paralelepipédicos de dimensões mais ou menos regulares.

Sander adopta a designação genérica de superfície-s para designar qualquer estrutura


planar. Se, num dado local, ocorrerem duas ou mais estruturas planares (distinguíveis pelo seu
tipo ou orientação), adoptar-se-ão as designações de s1 , s2 , s3 , etc., segundo a sequência da sua
génese, isto é, s1, é anterior a s2 , etc. Habitualmente, os autores designam por so uma estrutura
planar pré-metamórfica, frequentemente descrita como “original”, e que, na maioria dos casos,
corresponde à estratificação. Então, s1 , s2 ... descreverão diferentes estruturas planares,
resultantes de sucessivos episódios subsequentes de deformação/metamorfismo.

Alguns autores, nomeadamente os americanos, reservam o termo foliação para designar


uma estrutura planar resultante de deformação e/ou metamorfismo, ou seja, uma estrutura
secundária. Outros autores não fazem qualquer distinção entre os termos “foliação” e “estrutura
planar” ou “superfície-s”, atribuindo-os quer a estruturas primárias quer a estruturas secundárias.

165
5.2. TIPOS DE FOLIAÇÃO

Diversos tipos de foliação têm sido descritos e recebido designações específicas. A


foliação que, porventura, tem sido objecto de estudos mais aturados é a chamada clivagem
ardosífera (slaty cleavage), cuja descrição petrográfica remonta a 1815 (com R. Bakewell).
No estudo das foliações, têm surgido termos descritivos que, apesar de nem sempre se
referirem a estruturas perfeitamente definidas, estão tão fortemente implantadas na linguagem
geológica que se torna imperioso fazer-lhes referência. Sem esquecer que poderão ocorrer
sobreposições na definição dos diversos termos, far-se-á, seguidamente a descrição dos seguintes
tipos de foliação: bandagem de diferenciação, clivagem de fractura, clivagem de crenulação,
clivagem ardosífera e xistosidade. O diaclasamento, um outro tipo particular de foliação, será
abordado em capítulo especial.

5.2.1. Bandagem de diferenciação

Em muitos tectonitos, observa-se uma foliação definida por uma bandagem resultante da
alternância de agregados essencialmente monominerálicos, contrastantes, como, por exemplo,
uma alternância de leitos de quartzo com leitos de micas ou de feldspatos. Tal bandagem decorre,
frequentemente, de um processo de diferenciação metamórfica, ocorrido numa rocha originalmente
homogénea. Neste caso, a foliação designar-se-á por bandagem de diferenciação (metamórfica).
Uma bandagem de diferenciação metamórfica apresenta, tipicamente, as seguintes
características:

i. Intersecções com outra estrutura planar (estratificação ou uma outra foliação


secundária);

ii. Uma mineralogia típica de fácies metamórfica;

iii. Bandas lenticulares, por vezes muito achatadas.

A bandagem de diferenciação ocorre em rochas de todos os graus de metamorfismo,


sendo, por vezes, controlada ou acentuada por outra foliação. Nos graus mais altos do
metamorfismo, designa-se por foliação gnáissica (Fig.5.4).1

1
Uma foliação gnáissica pode, também, reflectir aspectos de uma foliação primária (de origem sedimentar)

166
Fig.5.4- Foliação gnáissica dobrada (Monar, Escócia)

Frequentemente, em rochas de baixo grau de metamorfismo, observam-se bandagens de


diferenciação orientadas paralelamente à estratificação, relacionadas com fenómenos de
dissolução por pressão. Esses mesmos fenómenos, em rochas com uma intensa deformação
heterogénea (por exemplo, dobradas), dão lugar a variações composicionais, em que os minerais
facilmente mobilizáveis (quartzo, nomeadamente) se deslocam para as regiões menos
deformadas, segregando-se dos restantes (Fig.5.5). Na rocha, que, originalmente, tinha uma cor
uniforme, destacar-se-ão bandas ou zonas de cor clara (quartzosas, calcíticas) e bandas ou áreas
escuras. Em rochas dobradas, a bandagem orienta-se paralelamente às superfícies axiais das
dobras.
s2

Fig.5.5- Bandagem de diferenciação (s2) formada pela segregação de quartzo resultante dobramento
de uma foliação gnáissica preexistente (Monar, Escócia)

167
Zonas planares muito estreitas, escuras, resultantes remoção do quartzo ou da calcite por
intensa dissolução por pressão, designam-se por bandas-p (pressure seams). Elas marcam as
trajectórias de σ3. Em rochas foliadas com quartzo e micas, a remoção do quartzo nas bandas-p é
acompanhada por uma reorientação mecânica das micas, no interior das banda (Fig.5.6).

ROCHA ORIGINAL

Rocha não deformada

Banda-P

Alinhamento das micas na banda-P

Fig.5.6- Reorientação de um mineral lamelar, numa banda-P

Devido a este efeito, elas poderão confundir-se com um outro tipo de foliação - a clivagem
de crenulação - adiante considerada.

5.2.2. Clivagem de fractura

A clivagem de fractura (fracture cleavage) é uma foliação não-penetrativa que, na sua


descrição clássica, consiste em planos de rotura subparalelos, muito próximos, que dividem a
rocha numa série de corpos tabulares (microíitones) não deformados (Fig.5.7 e Fig.5.8-d). Outras
formas menos regulares de clivagem de fractura têm sido descritas, em que as descontinuidades
são mais ou menos curvas, mais ou menos anastomosadas, por vezes, mesmo com uma
orientação aleatória (Fig.5.7-a,b). Esta irregularidade é característica das rochas menos
competentes.

168
Fig.5.7- Clivagem de fractura (Cardigan, País de Gales)

Por vezes, a uma clivagem de fractura dominante associam-se fracturas menores,


transversais, limitadas a cada microlíton (Fig.5.8-c). Nalguns casos, as duas clivagens apresentam
um desenvolvimento semelhante, pelo que os microlítones adquirem a forma de longos prismas
(pencil cleavage)2. Estes “lápis” tendem a orientar-se paralelamente aos eixos das dobras
regionais.

a. b. c. d.

Fig.5.8- Diferentes formas de clivagem de fractura

Em rochas maciças frágeis, os planos de fractura ocorrem suficientemente separados para


que se prefira designar a fracturação por diaclasamento apertado (close jointing). Não há limites
estabelecidos para distinguir uma clivagem de fractura de um diaclasamento, mas N.J. Price
(1972) sugere que se deve falar em clivagem de fractura, quando o espaçamento dos planos de
rotura for inferior a 1/20 da espessura dos estratos (microlítones) e não superior a 5cm. Caso
contrário, tratar-se-á de diaclasamento.

2
Alguns autores, por razões que adiante veremos, preferem usar a designação de pencil structure

169
A clivagem de fractura é típica das rochas de grau de metamorfismo baixo a médio.

Se bem que inicialmente interpretada como resultante de esforços de corte (G. Wilson,
1961), estudos efectuados por N.J. Price (1953, 1967) e por N.J. Price e P.L. Hancock (1972)
indicam que é extremamente rara a ocorrência de movimento ao longo das fracturas e que o
ângulo que elas definem com a estratificação é, geralmente, próximo de 90º. Verificaram, ainda,
que a intersecção da clivagem de fractura com a estratificação é paralela aos eixos das dobras
regionais. Considerando essas observações, concluíram que a clivagem de fractura se dará por
tracção. O mecanismo de fracturação envolvido, que exige uma elevada pressão intersticial (de tal
modo que a menor tensão efectiva se torne suficientemente tractiva3), é conhecido pela
designação de fracturação hidráulica.
O ângulo que os planos da clivagem de fractura definem com a estratificação tende a
variar com a litologia. Nos estratos mais competentes, ele aproxima-se de 90º, enquanto que nos
menos competentes ele se torna marcadamente oblíquo. Assim, ao passar-se de um estrato para
outro, havendo contraste de ductilidade, os planos da clivagem são deflectidos: é o fenómeno da
refracção da clivagem (Fig.5.9). Num estrato granoclassificado, a refracção da clivagem pode
consistir numa variação gradual da sua orientação, em consequência de uma variação contínua do
tamanho dos grãos da rocha e, concomitantemente, uma variação gradual da sua ductilidade.

− COMPETENTE

+ COMPETENTE

− COMPETENTE

Fig.5.9- Refracção da clivagem de fractura

5.2.3. Clivagem de crenulação

A clivagem de crenulação (crenulation cleavage, strain-slip cleavage, herringbone


cleavage ou transposition cleavage,) é uma foliação que pressupõe uma superfície-s anterior,
geralmente, definida por uma orientação preferencial de filossilicatos. Esta foliação inicial
(digamos, s1 ) é dobrada segundo dobras de pequeno comprimento de onda e pequena amplitude

170
(ou seja, é “crenulada”), originando-se uma nova foliação (a clivagem de crenulação, s2 ) definida
pelos flancos estirados das crenulações ou pelas microfracturas que se desenvolvem ao longo
desses flancos. Trata-se, portanto, de uma foliação não-penetrativa, de que a Fig.5.10 ilustra
vários aspectos.
Um aspecto distintivo desta foliação não-penetrativa reside na presença de deformação
nas áreas delimitadas pelos sucessivos planos de foliação, ou seja, nos chamados microlítones.
Além disso, ao longo dos planos de foliação ocorrem, frequentemente, intensos fenómenos de
dissolução por pressão, que contribuem para a intensificação da clivagem de crenulação.
Também, fenómenos de recristalização e formação de novos minerais poderão ter lugar, aí.
A clivagem de crenulação é comum em rochas ricas de filossilicatos e, mais
marcadamente, nas rochas com um grau de metamorfismo médio a elevado.

Fig. 5.10- Representação esquemática de várias formas de clivagem de crenulação (G. Wilson, 1961)

As microdobras que formam a crenulação podem ser simétricas (típicas das zonas de
charneira das dobras maiores) ou assimétricas (nos flancos daquelas dobras). Exemplos das
primeiras estão ilustrados nas Figs. 5.10-b,c e 5.10-a, enquanto que exemplos de microdobras
assimétricas se podem ver nas Figs. 5.10-a,d,e e 5.11-b.

3
Digamos, σ3-p > T, sendo p a pressão intersticial e T a resistência da rocha à tracção

171
Quando as microdobras são assimétricas, é possível determinar um sentido de movimento
e, daí, inferir a situação estrutural da amostra, ou seja, em que flanco da dobra maior ela se
localiza: o ângulo agudo que os flancos longos das microdobras (s1 ) definem com a clivagem de
crenulação (s2 ) aponta no sentido do movimento 4 e dá-nos a “vergência” da dobra.

Fig. 5.11- a) Clivagem de crenulação observada na zona de charneira de uma dobra maior: as dobras nos microlitons são
simétricas
.b) Clivagem de crenulação observada num flanco de uma dobra maior: as microdobras são assimétricas
(Hobbs et al., 1976)

4
O critério é idêntico, como veremos, ao usado para determinar o sentido de uma zona de cisalhamento dúctil.

172
Observa-se, por vezes, a associação de duas clivagens de crenulação de sentidos
contrários, simétricas relativamente ao plano axial das dobras e, portanto, bissectadas por uma
outra foliação bem marcada, que se orienta paralelamente aos planos axiais daquelas dobras. As
duas clivagens de crenulação são tidas como contemporâneas (resultantes do mesmo episódio
deformacional), constituindo clivagens de crenulação conjugadas. A direcção da máxima tensão
compressiva principal (σ1) bissecta, geralmente, o ângulo obtuso definido pelas duas clivagens
conjugadas, estruturas que serão análogas às formadas por instabilização de uma foliação
comprimida por uma tensão que lhe é normal (v. Fig.4.57-h). A foliação comprimida seria, neste
caso, a clivagem paralela aos planos axiais das dobras, acima referida (Fig.5.12).

Fig.5.12- Orientação habitual da clivagem de crenulação conjugada, relativamente à dobra maior (cujo traço axial
é
marcado por traços de uma clivagem ardosífera).

5.2.4. Clivagem ardosífera e xistosidade

5.2.4.1. Caracterização geral

Clivagem ardosífera (slaty cleavage) e xistosidade são dois tipos semelhantes de foliação
penetrativa.

Definiremos clivagem ardosífera como uma estrutura planar penetrativa, caracterizada por
uma fraca recristalização, sob controlo tectónico, de minerais filitosos. É típica de rochas finas, cujo
grau de metamorfismo é baixo (não ultrapassando o da fácies de xistos verdes).

Definiremos xistosidade como uma estrutura planar penetrativa, definida pela orientação
preferencial de minerais tabulares (filossilicatos e anfíbolas, designadamente) recristalizados. É
típica das rochas de elevado grau de metamorfismo.

173
Fig.5.13- Clivagem ardosífera (detaque para o plano da clivagem com três manchas de redução). (N. País de Gales)

Por essa razão, nos planos de xistosidade, os minerais recristalizados são claramente
discerníveis a olho nu, ao contrário do que acontece nos planos de clivagem ardosífera. Os planos
de xistosidade têm, geralmente, um brilho acetinado, enquanto que os de clivagem ardosífera são
baços, apenas pontuados por algumas escamas brilhantes.
Também, as rochas xistosas, habitualmente, deixam-se dividir menos regularmente que as
rochas com clivagem ardosífera, pois as superfícies de xistosidade são, frequentemente onduladas
e têm uma maior rugosidade que os planos da clivagem ardosífera.
A génese destes dois tipos de foliação está ligada à reorientação, segundo uma direcção
preferencial, de minerais preexistentes ou formados por recristalização. A rocha adquire uma nova
estrutura ou fábrica (fabric), em que as orientações (e as composições químico-mineralógicas) se
aproximam do equilíbrio com as condições prevalecentes no metamorfismo. Sendo a génese
dessa fábrica controlada pelas forças tectónicas, a foliação resultante orienta-se de uma forma
relacionável com o elipsóide de deformação e com as outras estruturas tectónicas.
Verifica-se que a clivagem ardosífera e a xistosidade ocorrem, predominantemente, nas
regiões mais intensamente dobradas, tendo uma orientação geral próxima dos planos axiais das
dobras (clivagem de plano axial). Isso demonstra que tais foliações estão intimamente
relacionadas com a deformação das rochas e dependem da intensidade dessa deformação e,
concomitantemente, com o grau do metamorfismo.

Vários factores condicionam as modificações estruturais sofridas pelas rochas e as


características das foliações geradas: por um lado, a litologia original; por outro, as condições de
temperatura e de pressão a que as rochas foram submetidas.

174
E. Cloos (1947), depois de estudar a deformação de oólitos ao longo de uma antiforma,
publicou um dos trabalhos fundamentais, comprovador da correlação entre o estado de
deformação dos tectonitos e a génese de clivagem ardosífera (ou de xistosidade). Uma vez que se
admite que os oólitos originais eram esféricos, a sua forma actual representa a dos elipsóides de
deformação finita e Cloos pôde, então, concluir que a clivagem ardosífera coincidia com o plano
XY do elipsóide de deformação finita, ou seja, a clivagem ardosífera (ou a xistosidade) é normal
à direcção de máxima contracção finita (i.e., é normal a Z). A Fig.5.13 é ilustrativa desta
situação. Aqui, as marcas de deformação são manchas de redução que, no vulcanito original eram,
muito provavelmente, esféricas. A deformação inerente à formação da clivagem ardosífera
conferiu-lhes uma forma esférica. Naquela figura, podem observar-se secções elípticas dessas
esferas no plano da clivagem (todas com mesma forma e orientação) e num plano normal à
clivagem (Fig.5.14). As formas observadas estão de acordo com a conclusão de Cloos: A direcção
do estiramento (X) existe no plano da foliação e a direcção da máxima contracção (Z) é normal
àquela foliação.

moeda Y
Z

X
X

Fig.5.14- Forma das elipses de deformação finita observadas no plano de clivagem ardosífera e num plano normal à
foliação para a ardósia representada na Fig.5.11. A foliação é o plano XY do elipsóide de deformação finita

À mesma conclusão têm chegado outros autores, quer analisando outras estruturas
naturais (nomeadamente, zonas de cisalhamento dúctil), quer recorrendo a modelos laboratoriais.

175
Conclui-se, assim, que os seus traços no plano do perfil da dobra materializam trajectórias
de deformação, pelo que superfícies de clivagem curvas indicam uma variação na orientação do
plano XY do elipsóide de deformação finita (Fig.5.15). Observações análogas (v. Fig. 6.25) podem,
também, fazer-se noutras estruturas, como, por exemplo, em zonas de cisalhamento dúctil.5

a.

Fig.5.15- a) Leque de clivagens, com um ponto neutro finito, onde não ocorre foliação
b) Trajectórias de deformação finita definidas na matriz que inclui um estrato competente, dobrado.
Observe-
-se a correlação com a clivagem observada em a). f.n.p., ponto neutro finito. (In. Ramsay, 1966)

Através de rochas com diferentes litologias, as foliações observadas poderão variar,


continuamente, desde uma clivagem de fractura a uma clivagem ardosífera, ou a uma xistosidade.
A ocorrência de uma clivagem ardosífera (ou de uma xistosidade) é tanto mais provável quanto
mais dúctil for a rocha, ao passo que a clivagem de fractura predominará nas rochas de
comportamento frágil. Assim, nas rochas de grão fino (por exemplo, nas pelíticas), que não só se
deformam (fluem) como recristalizam mais facilmente, tende a formar-se clivagem ardosífera ou
xistosidade, consoante a intensidade do metamorfismo sofrido. Numa sequência de estratos, é
frequente observar-se uma alternância de clivagem de fractura (afectando os estratos mais
competentes) e clivagem ardosífera (instalada nos horizontes mais dúcteis). Essa passagem é
acompanhada de uma mudança de direcção das foliações, ou seja, de uma refracção da clivagem
(Fig.5.16).

5
Estas estruturas serão estudadas no cap.6.

176
INCOMPETENTE

COMPETENTE

Fig.5.16- Refracção da clivagem (interpretada como um efeito da compatibilização da deformação na


superfície de contacto dos estratos dobrados)

Como se disse, a pressão e a temperatura são factores muito importantes para a génese
da clivagem ardosífera e da xistosidade.6 Como a profundidade, na crusta, é um elemento
fortemente determinante das condições de pressão e temperatura, não surpreende a correlação
encontrada por P. Fourmarier (1951) entre profundidade e ocorrência de foliação.
Analisando várias regiões, P. Fourmarier definiu diferentes zonas, consoante a
profundidade crustal: acima de ca. 6 ou 7 km (frente superior de clivagem), ausência de clivagem,
a que se seguirá uma zona de clivagem de fractura e, mais abaixo, clivagem ardosífera (ou
xistosidade). Note-se que estes níveis estruturais não podem ser claramente definidos, não só
porque estão dependentes de gradientes térmicos locais, mas também porque a formação de
foliações depende da natureza litológica das rochas e do seu estado de deformação.

5.2.4.2. Relações de orientação da xistosidade nas dobras

A clivagem ardosífera e a xistosidade têm, do ponto de vista estritamente estrutural, o


mesmo significado. Qualquer delas, embora sofrendo refracções à medida que atravessam
diferentes litologias, mantêm, numa estrutura dobrada, uma atitude que, no seu todo, é aproximada
e estatisticamente paralela aos planos axiais das dobras. No entanto, à parte situações de extrema
deformação (e elevado grau de metamorfismo), estas foliações não são exactamente paralelas aos
planos axiais, mas definem leques de direcções. Esses leques de clivagem podem ser
convergentes ou divergentes (Fig.5.17); em qualquer caso, porém, os traços da clivagem com a
estratificação são paralelos aos eixos das dobras.

177
COMPETENTE

INCOMPETENTE

COMPETENTE

Fig.5.17- Refracção da clivagem observada no perfil de dobras em estratos alternadamente competentes e incompetentes,
os quais foram dobrados, respectivamente, por deformação longitudinal tangencial e por fluxo flexural.

O aspecto ilustrado na Fig.5.17 pode ser interpretado, conjugando o que se disse sobre a
orientação da clivagem (relativamente ao elipsóide de deformação finita) com os tipos de dobras
que serão de esperar em “estratos” alternadamente competentes e incompetentes (v. p.143).

Em áreas, onde a clivagem ardosífera e as dobras correspondem a um mesmo episódio


tectónico (i.e., ela tem a feição geral de uma clivagem de plano axial, relativamente a essas
dobras), a relação entre as atitudes dos planos de foliação e de estratificação permite inferir a
atitude geral das dobras (designadamente, a sucessão de antiformas e de sinformas) e, por vezes,
elucidar a sucessão estratigráfica.

A regra a aplicar, ilustrada na Fig.5.18, é a seguinte : onde a xistosidade e os estratos


inclinam mesma direcção, se a inclinação da xistosidade é maior que a dos planos de
estratificação, a sucessão está na ordem correcta; se a xistosidade inclinar menos que a
estratificação, os estratos estão, provavelmente, invertidos (G. Wilson, 1951).

Note-se que esta regra não deve ser usada para determinar a verdadeira polaridade
estratigráfica de uma série sedimentar: ela apenas diz se os estratos estão numa sequência
“normal” ou “invertida”, relativamente à atitude da dobra em questão. Efectivamente, se, por
exemplo, os estratos, antes de dobrados, estivessem invertidos, os flancos normais da dobra

6
Possivelmente, a temperatura é mesmo o factor mais importante, pois é ela que promove os mecanismos de difusão
inerentes ao fluxo (dúctil) das rochas, incluindo os genericamente designados por dissolução por pressão.

178
PLANO AXIAL

FLANCO
INVERSO FLANCO NORMAL
S1
So
So
S1

B
A

a. b.
Fig.5.18- a) Relação entre xistosidade (ou clivagem ardosífera) e estratificação numa dobra com um flanco normal
e outro invertido.
b) Aplicação da regra nos flancos da dobra permite reconhecer que o flanco A está invertido e que B é
normal: consequentemente, a dobra é uma antiforma. So, estratificação; S1, clivagem

estariam, na verdade, estratigraficamente invertidos, enquanto que flancos invertidos teriam sido
repostos numa sequência estratigráfica normal.

R. M. Shackleton (1959) chamou a atenção para um critério de determinação da atitude


(vergência) das dobras, recorrendo a estruturas sedimentares, como a granoclassificação. Se a
sequência estratigráfica (inferida dessas estruturas sedimentares) concordar com a “polaridade” da
sequência determinada pela regra de G. Wilson, dir-se-á que a vergência é para cima (upward
facing); caso contrário, dir-se-á ser para baixo (downward facing).7
Este critério, ilustrado na Fig.5.19, conjugando dados estratigráficos e estruturais, constitui
um elemento fundamental da interpretação tectónica regional.

7
O termo vergência, aqui, traduz os termos originais ingleses de facing e younging. Estes dois termos sinónimos foram
introduzidos, em 1934, por Baily para descrever a polaridade de uma sequência estratigráfica. Foi principalmente
Shackleton quem estendeu este conceito para descrever dobras. Uma dobra diz-se que, usando o termo inglês, faces na
direcção que, perpendicularmente ao seu eixo e ao longo da superfície axial, aponta para os estratos mais recentes. Em
francês, facing traduz-se por sens de déversement.

179
Fig.5.19- Definição da vergência (facing) de dobras, segundo Shackleton, 1959.

5.2.5. Idade relativa de duas foliações

É relativamente frequente, num tectonito, reconhecerem-se duas foliações distintas,


colocando-se o problema de identificar a ordem por que se formaram, pois elas assinalarão duas
fases (ou episódios) de deformação distintas. A Fig.5.20 ilustra algumas situações, em que
ocorrem duas foliações, cujas relações espaciais mútuas permitem distinguir s1 (a mais antiga), de
s2 (a mais recente). Como se vê, a situação mais frequente é s2 ser uma foliação resultante da
deformação (designadamente, por dobramento) de s1.

A situação esquematizada na Fig.5.20-d é do tipo da ilustrada na Fig.5-5, enquanto que a


uma situação muito comum em milonitos está ilustrada na Fig.5.21.

180
Fig.5.20- Vários exemplos de uma foliação s2 , sobreposta a uma foliação mais antiga, s1 (In. Turner & Weiss,
1963)

181
S2
c

s S1

Fig.5.21- Foliações, s (penetrativa) e c (não-penetrativa), num milonito

182
6. FALHAS E ZONAS DE CISALHAMENTO

6.1. INTRODUÇÃO

Nos níveis superiores da crusta, onde a temperatura e a pressão confinante são


relativamente baixas, pode admitir-se que as rochas se comportam como frágeis ou semifrágeis.
Então, a deformação (l.s.) das rochas desencadeia-se por mecanismos cataclásticos. Como
vimos, o mesmo tipo de comportamento poderá ocorrer a maiores profundidades, se a pressão
intersticial se aproximar da pressão confinante. As falhas (e, também, como veremos, as
diaclases) correspondem, tipicamente, a uma deformação em regime frágil, que se insere numa
gama contínua de possíveis respostas, entre as quais se especificam três situações típicas: o
regime dúctil, o regime frágil-dúctil (ou semifrágil) e o regime frágil (Fig. 6.1). Estruturas
comparáveis às falhas, mas características de um comportamento dúctil ou frágil-dúctil das
rochas, são as zonas de cisalhamento, em que a deformação, em vez se confinar a um plano, se
estende por uma zona.

F R Á G I L D Ú C T I L

NÍVEL ESTRUTURAL
SUPERFICIAL PROFUNDO

Fig. 6.1- Representação esquemática da gama de comportamentos, do perfeitamente dúctil ao perfeitamente frágil

Assim, é razoável supor que as falhas observadas nos níveis superiores da crusta se
estendam aos seus níveis mais profundos, sob a forma, sucessivamente, de zonas de
cisalhamento frágeis-dúcteis e de zonas de cisalhamento dúctil, em que toda a deformação é
conseguida pela activação de mecanismos de deformação dúctil (nomeadamente, processos
difusivos −fluência − no estado sólido, deformação plástica intracristalina e intergranular), em
que as rochas se deformam como meios contínuos e escoam sem que ocorra ruptura
significativa (Fig. 6.2).

183
Fig. 6.2- Continuação das falhas através da crusta (J.G. Ramsay, 1980)
a) Numa área de espessamento crustal b) Numa área de adelgaçamento crustal.
(b.s.z.= brittle shear zone (z.c.frágil) = falha; d.s.z. (ductile shear) = z.c. dúctil)

F1

D1

D2

F2

Fig. 6.3- Rocha intersectada por diversas fracturas


em regimes frágil (uma falha F2 e diaclasamento
D1 e D2) e frágil-dúctil (uma falha F1). O
diaclasamento é claramente posterior às falhas
(S.Harris, Hébridas Exteriores)

184
6.2. FALHAS

Uma falha é uma superfície de fractura, ao longo da qual ocorreu um movimento relativo
entre os dois blocos que separa. A superfície de rotura é, frequentemente, plana (ou
praticamente plana) e é comparável à que se obtém em ensaios laboratoriais de amostras
submetidas a tensões compressivas (v. Fig.3.12 e Fig.6.3).

As falhas podem ocorrer com dimensões muito variáveis: desde falhas observáveis à
escala microscópica até às grandes falhas regionais, com extensões da ordem da centena ou do
milhar de quilómetros. A importância de uma falha − determinada pela sua extensão e pelo seu
rejeito (i.e., pelo movimento relativo, envolvido entre os blocos falhados) − depende da finalidade
dos estudos geológicos e do seu contexto (local ou regional). A própria noção de falha (em
contraponto com a de diaclase, como se verá) depende de se considerar, ou não, como
significativo o rejeito que ela implica. Assim, é comum ler na literatura geológica designações
como microfracturas, fracturas de cisalhamento (shear fractures), aplicadas a estruturas que
são, efectivamente, pequenas falhas, reservando muitos autores o termo “falha” apenas para
estruturas a que, subjectivamente, atribuam uma maior relevância.

Como mera referência, reproduz-se no Quadro 6.I uma classificação das falhas,
segundo a sua grandeza, avançada por Price & Cosgrove (1990).

Quadro 6.I- Grandeza das falhas (Price & Cosgrove 1990)

ESCALA DE DESCRIÇÃO EXTENSÃO


OBSERVAÇÃO DA FALHA

0
Menor < 10 m
0 1
Mesoscópica Intermédia 10 − 10 m
1 2
Grande 10 − 10 m

2 3
Menor 10 − 10 m
3 4
Megascópica Intermédia 10 − 10 m
4 5
Grande 10 − 10 m

5
Regional ou continental >10 m

185
6.2.1. Classificação de Anderson

Uma análise extremamente simples e que conduz a uma classificação dinâmica das
falhas, genericamente adoptada, é a de E.M. Anderson (1951). Anderson adoptou, na sua
análise, o critério de rotura de Coulomb-Navier e começou por admitir que, à superfície da crusta
terrestre, as tensões de corte são praticamente nulas. Consequentemente, essa superfície
corresponde a uma faceta principal do estado de tensão prevalecente no bloco crustal
considerado. Então, uma das tensões principais será, sempre, normal à superfície terrestre (e
considerada como sendo vertical, pressupondo uma região com pouco relevo) e as outras duas
são paralelas àquela superfície (e, portanto, tidas como horizontais). Surgem, assim, nos níveis
superiores da crusta, três tipos fundamentais de falhas, consoante a tensão principal vertical é

σ1, σ2 ou σ3 (Fig. 6.4):


- Falhas normais, quando a tensão vertical é a compressão máxima, σ1 (Fig. 6.4-a);

- Falhas inversas, quando a tensão vertical é a compressão mínima, σ3 (Fig. 6.4-b);

- Desligamentos, quando a tensão vertical é a compressão média, σ2 (Fig. 6.4-c).

σ1 σ2
σ3

σ3 σ1
σ1
σ3

σ3 σ3 σ1
σ1 σ2 σ1

Bloco

σ2 subido descido
σ2 σ3
NORMAIS INVERSAS DESLIGAMENTOS

Fig. 6.4- Tipos andersonianos de falhas, indicando-se os dois planos conjugados de falha, correspondentes a cada
estado de tensão. (Nas falhas normais e nas falhas inversas, σ2 é normal ao plano do desenho; nos estereogramas
projectaram-se os hemisférios inferiores)

186
A classificação de Anderson assenta em dois pressupostos:

i. as rochas afectadas são, mecanicamente, homogéneas e isotrópicas;


ii. uma das tensões principais é vertical (e as outras duas, horizontais).

Na verdade, frequentemente, nenhum desses pressupostos se verifica.

Fracturação de rochas anisotrópicas

A presença de um sistema de planos de fraqueza influencia o comportamento mecânico


de uma rocha, o que tem sido objecto de análises teóricas e verificado experimentalmente. Essa
influência traduz-se, quer relativamente à orientação dos planos de rotura, quer relativamente à
resistência do material à rotura.

De acordo com o critério de Coulomb-Navier, uma rocha homogénea e isotrópica típica


(com um atrito interno, µ ~0,5), sujeita a uma compressão triaxial, tende a fracturar segundo um
plano (ou dois planos conjugados), contendo a direcção de σ2 e a ca. de 30° de σ1. Em ensaios
realizados por F.A. Donath (1961-64) sobre ardósias e, desde então, confirmados por outros
autores, verifica-se que ocorre um único plano de rotura, que tende a aproximar-se do plano de
fraqueza, situando-se entre ele e aquele dos planos conjugados, previstos por Coulomb-Navier,
que mais se aproxima do plano de fraqueza mecânica da rocha. (Fig. 6.5).

O ângulo que define a orientação do plano de rotura (α) só se aproxima do valor de 30°,
previsto por Coulomb-Navier, quando:

i. a clivagem se orienta paralelamente a σ1 (i.e., β=0°) e a pressão confinante é


elevada;

ii. a clivagem se orienta a 30° de σ1;

iii. a clivagem é normal a σ1 (β=90°).

Por outro lado, verifica-se que a resistência do material é mínima na situação (ii), sendo
praticamente iguais as resistências determinadas em (i) e (iii), pelo que ensaios realizados em
provetes cortados paralelamente e perpendicularmente ao plano de clivagem não detectam essa
anisotropia mecânica.

187
Fig. 6.5- Relação entre orientação da fractura e a anisotropia planar (Donath, 1961)

Tensões principais inclinadas

É claro que em muitas regiões o estado de tensão não satisfaz os requisitos do estado
de tensão preconizado por Anderson. Ele é complexo e analiticamente descrito pelas chamadas
“funções de tensão”, sendo geometricamente representado por trajectórias de tensão.
Correspondentemente, as falhas têm expressões diversas das previstas por Anderson:
frequentemente, são superfícies curvas (caso das falhas lístricas1 ) e os rejeitos são oblíquos à
direcção da superfície da falha.

Na Fig. 6.6 ilustra-se um diagrama que exemplifica o uso de trajectórias de tensão,


derivadas da aplicação de funções de tensão e os correspondentes cisalhamentos conjugados e
sua comparação com estruturas (dobras e falhas lístricas) observadas em certas áreas. Esses
cisalhamento conjugados orientam-se simetricamente às trajectórias de σ1 e σ3 (S1 e S3, na
figura), a ca. de ±30º-35º de σ1.

1
Do grego listron (colher)

188
Fig. 6.6- a) Trajectórias de tensão para um bloco (crustal) sujeito às tensões (limitantes) indicadas.
b) Distribuição das falhas conjugadas resultantes do estado de tensão no interior do bloco crustal.
c) Diagrama de uma situação real, frequente em áreas de contracção crustal (dobras e falhas
lístricas)
(Hubbert,1951)

Como se viu, é possível analisar as condições em que um determinado estado de


tensão poderá ocasionar rotura (movimento) numa rocha ou ao longo dos seus planos de
fraqueza. Essa análise teórica, que pressupõe um conhecimento razoável do estado de tensão
(grandezas e orientações das tensões principais) e das características mecânicas do material
(expressas por um critério de rotura e, além disso, pelas orientações e características mecânicas
das suas descontinuidades), permite determinar as possibilidades de rotura e a direcção do
movimento.

A questão inversa de, a partir da observação das falhas (medição, no campo, da sua
atitude e determinação da direcção e sentido do movimento que implicaram), determinar a
grandeza relativa e a orientação das tensões principais é extremamente problemática, se não
impossível de resolver. Há, no entanto, procedimentos de rotina para o efeito, baseados na
observação de um número significativo de falhas e na aceitação de algumas hipóteses de
trabalho, de validade geralmente duvidosa.

189
6.2.2. Nomenclatura das falhas
As falhas, tal como as dobras, sendo estruturas que se evidenciam na arquitectura
geológica regional, têm sido estudadas desde os primeiros tempos da Geologia, o que resultou
numa extensa, complexa e pouco clara nomenclatura. A tendência tem sido a da simplificação
dessa nomenclatura, pelo que muitos termos se foram tornando obsoletos. No caso das falhas,
continuam a usar-se termos que se relacionam com o tipo do movimento ao longo dos planos de
falha (como na classificação de Anderson), tornando-se obsoleta a nomenclatura que descreve a
orientação das falhas relativamente aos estratos falhados (falhas conformes, contrárias,...).
Também, relativamente ao rejeito, não se concebe, hoje, a necessidade da definição de
tantas componentes como era habitual fazer-se no textos clássicos.2

O movimento segundo o plano de falha pode ser qualquer, mas, na generalidade dos
casos, aceita-se que, nesse movimento, os estratos falhados se mantêm paralelos entre si e a
falha dir-se-á de translação (ou translativa). O movimento relativo dos blocos falhados é definido
pelo rejeito. No diagrama da Fig. 6.7, define-se o rejeito total (ou bruto) e várias das
componentes, em que ele é frequentemente expresso.

PLANO DE FALHA
PP’, rejeito total
REJEITOS MEDIDOS NO PLANO DE
FALHA H V
PH , componente horizontal
P’H , componente segundo a inclinação

P REJEITOS MEDIDOS NO PLANO VERTICAL


PV , componente horizontal
P’V , componente vertical

P’

Fig. 6.7- Definição do rejeito (total ou bruto) e componentes, com que é, frequentemente descrito.
Os pontos P e P’ situam-se no plano de falha e eram coincidentes, antes da actuação da falha.
PV é a projecção ortogonal de PP’ no plano horizontal.
P e H são pontos da horizontal do plano de falha

Por vezes, não se conhecendo a direcção do movimento ao longo da falha, os efeitos


desta sobre os estratos é expressa através de separações. O valor de uma separação entre

190
estratos depende da direcção em que ela se mede, surgindo, pois, várias definições de
separação (Fig. 6.8).

Sh

Si

Fig. 6.8- Separação segundo a direcção (sh) e segundo a inclinação (si), ambas medidas no plano de falha
(Mesma falha e mesmos blocos que na Fig.6.7)

Tratando-se de uma falha inclinada, um dos blocos falhados encontra-se acima do plano
de falha e, o outro, abaixo. O bloco situado acima do plano de falha designa-se por tecto,
enquanto o bloco situado abaixo daquele plano se designa por muro.3 Por vezes, a associação
de várias falhas delimitam completamente um bloco (de dimensões muito variáveis), muitas
vezes lenticular, o qual se designa por horse, velho termo usado pelos mineiros da Cornualha.

Actualmente, a terminologia anglo-saxónica usada na classificação das falhas baseia-se


na orientação do movimento ao longo do plano da falha, relativamente à (recta) horizontal
daquele plano. Assim, como a Fig.6.9 ilustra, uma falha pode ser de rejeito segundo a recta de
maior declive (dip-slip fault), de rejeito segundo a direcção (strike-slip fault) ou de rejeito oblíquo
(oblique-slip fault). Obviamente, esta nomenclatura só pode ser usada, na prática, quando é
possível determinar no terreno a direcção do movimento (v. sec. 6.2.3.).

2
Se o aluno quiser ter uma ideia da complexidade da nomenclatura clássica das falhas e dos rejeitos, poderá consultar a
obra de A. Bonte, 1962, Introduction à la lecture des cartes géologiques, pp.23-32
3
Os correspondentes termos ingleses são hanging wall e footwall, respectivamente. A Fig 6.10 dá uma boa ilustração
da definição destes dois termos.

191
Dip-slip Strike-slip Oblique-slip

Fig. 6.9- Classificação das falhas, consoante a direcção do rejeito (v. texto)

Essa terminologia é usada em conjugação com as designações das falhas


andersonianas, as quais têm a sua origem nas designações correntes nas minas de carvão
britânicas. Naquelas minas, a maioria das falhas envolvia rejeitos, cuja componente dominante
tinha a direcção da recta de maior declive do plano de falha (dip slip), e em que o tecto descia
relativamente ao muro: eram as falhas habituais e, daí, a designação de normais. Se o
movimento fosse o inverso, eram designadas por reverse (inversas).

A terceira categoria de falhas andersonianas - desligamentos - só nos princípios deste


século começou a receber atenção por parte dos geólogos. São, como resulta do modelo de
Anderson, verticais ou subverticais e o seu rejeito é, predominantemente, horizontal, pelo que
são, frequentemente, designadas por falhas direccionais. A literatura anglo-saxónica é muito
prolixa, quanto à designação destas falhas: tear-, wrench-, transcurrent-, strike-slip faults são
termos frequentemente usados.
Um tipo particular destas falhas são, ainda, as falhas transformantes (transform faults),
definidas na teoria da tectónica de placas.

O movimento determinado por uma falha direccional define-se, consoante o sentido,


como direito (ou dextrógiro) ou esquerdo (sinistrógiro) e, correspondentemente, tais falhas
dizem-se direitas (right-slip) ou esquerdas (left-slip).4 Esse sentido determina-se, seguindo um
nível de referência (por exemplo, um estrato ou um filão) até embater na falha, e verificar para
que lado nos teremos de desviar, ao longo do traço da falha, para reencontrarmos esse nível
(Fig. 6.10).

F
F’
4
Termos equivalentes, tais como right-handed /l eft-handed, dextral / sinistral e clockwise / anticlockwise têm vindo a cair
em desuso na literatura anglo-saxónica.

192
F F’

a. b.

Fig. 6.10- Desligamentos: a. direito, b. esquerdo

Tratando-se de falhas normais ou inversas, o rejeito, quando oblíquo à recta de maior


declive do plano de falha, também é, muitas vezes, descrito como direito ou esquerdo. Tal deve
ser definido, enfrentando o bloco que subiu e verificando para que lado ele se deslocou,
relativamente ao descido. Surgem, então, na descrição corrente dessas falhas designações,
como, por exemplo, normais esquerdas (left-normal-slip faults) e inversas esquerdas (left-
reverse-slip faults) (Fig. 6.11).

MURO

a. TECTO

TECTO

MURO

b.

Fig. 6.11- Blocos-diagrama de: (a) uma falha normal esquerda ; (b) uma falha inversa esquerda
(As setas dão o movimento relativo do bloco ascendente)

193
Noutros casos, ocorre uma rotação dos blocos em torno de um eixo normal ao plano da
falha: a falha diz-se rotacional (Fig.6.12). Neste último caso, o movimento é expresso, não por
um rejeito, mas pelo ângulo de rotação em torno daquele eixo. Naturalmente, o movimento entre
os blocos separados por um plano de falha pode ter uma componente rotacional e uma
componente translacional, associadas. Neste caso, um “horizonte” de referência (um estrato, um
dique, etc.) apresentará, em geral, atitudes diferentes, de um e outro lado do plano de falha, o
que nunca acontecerá, se a falha for puramente translacional.

Fig. 6.12- Falha rotacional


(Linha a traço-ponto: eixo de rotação dos blocos de falha, normal ao plano de contacto desses
blocos)

6.2.3. Determinação do sentido do movimento numa falha

O sentido do movimento implicado por uma falha pode ser determinado pela observação
de estruturas presentes sobre a própria superfície de falha ou de estruturas observáveis nos
blocos adjacentes, nas proximidades daquele plano.
Frequentemente, um plano de falha apresenta-se, ora liso e polido (espelho de falha),
ora sulcado por estrias (estrias de escorregamento ou slickensides). Admite-se que as estrias
marcam a direcção do movimento ao longo da superfície de falha. Elas podem corresponder ao
desgaste das paredes dos blocos falhados provocado por partículas destacadas (por efeito
cataclástico, quando a componente de tensão normal ao plano de falha é grande) das rochas
fracturadas ou a estruturas fibrosas, resultantes de um crescimento de minerais
(frequentemente, o quartzo) condicionado pela direcção do movimento (Fig. 6.13 e Fig.8.3).

194
Fig. 6.13- Slickensides
(O bloco que assenta sobre a superfície observada deslocou-se da esquerda para a direita,
relativamente ao bloco inferior)

Tais crescimentos fibrosos dão lugar a painéis que se poderão sobrepor. A sua análise
permite determinar a direcção e o sentido do movimento, em sucessivos momentos da
actividade da falha. Embora os resultados experimentais sejam contraditórios (quanto à relação
daquelas estruturas com o movimento ao longo do plano de fractura), admite-se que os degraus
formados pelas estrias de escorregamento descem no sentido do movimento. Daí, que, para se
inferir o sentido do movimento, o geólogo assenta a mão sobre o plano de falha e desloca-a
segundo a direcção das estrias: aquela superfície é mais macia, quando a mão se desloca no
sentido em que se deu o movimento do bloco que teria escorregado ao longo da superfície.
Junto do plano de falha, por vezes, as rochas sofrem deformação dúctil aparecendo
dobradas (v. Fig.6.3). Essas dobras, ditas de arrasto (na gíria, arrepios), podem permitir,
5
também, inferir o sentido do movimento relativo . É necessário, contudo, não confundir estas
dobras com certas dobras de acomodação, adjacentes a planos de falha com inclinação variável
(cf. Fig.6.14), cuja geometria depende da sua localização.
A deformação frágil-dúctil junto dos planos de falha pode dar lugar, ainda, à ocorrência
de veios en échellon, dos quais também se pode inferir o sentido do cisalhamento.

Por outro lado, a amplitude do movimento poderá ser determinado, por técnicas da
geometria descritiva, a partir da observação de um ou mais níveis (estratos, filões, filonetes, etc.)
deslocados pela falha e observados nos dois blocos dessa falha.

5
Estas dobras são, na literatura anglo-saxónica, designadas por drag folds.

195
6.2.4. Produtos das falhas

As falhas são estruturas típicas de um comportamento frágil. Os correspondentes


fenómenos de cataclase podem alargar-se a uma zona, mais ou menos alargada. Teremos,
então, em vez de uma superfície de falha, toda uma zona esmagada− uma caixa de falha. As
rochas, aí presentes, são formadas por fragmentos líticos de dimensão variável: trata-se de uma
brecha de falha ou brecha tectónica (crush breccia), se coerente, ou de uma fault gouge, se
incoerente (típica de falhas mais superficiais, 1-4 km). Estas rochas constituem casos
particulares de cataclasitos, i.e., rochas formadas por mecanismos de deformação cataclástica.6

Também, o movimento ao longo da falha gera, por atrito, libertação de calor. Em certas
condições, o calor gerado é suficiente para fundir a rocha, que solidificando depois, sob a forma
de um vidro, dá lugar a outro tipo especial de rocha de falha, o pseudotaquilito.
Observe-se, a propósito, que o movimento de uma falha pode ser assísmico (lento,
prolongado no tempo, por fluência cataclástica que transita para quasi-plástica a plástica nas
zonas de cisalhamento dúcteis), ou pode ser sísmico (súbito, de menor extensão, em que além
dos processos cataclásticos, pode ocorrer a formação de pseudotaquilitos).

Fig.6.14- a. Brecha tectónica (Jou, Carrazedo de Montenegro, NE Portugal)


b. Brecha de falha com matriz de pseudotaquilito (Ilha Grimsay, Hébridas).
Note-se a forma contrastante dos fragmentos da rocha original nas duas rochas.

6
O termo cataclasito (s.s.) é reservado para diversos tipos de rochas cataclásticas coerentes e com uma percentagem
de matriz superior a 10%. Rochas análogas aos cataclasitos, mas em que a redução granular resultou de processos
dúcteis (deformação-recuperação-recristalização) designam-se por milonitos. Estes são, portanto, característicos de
zonas de cisalhamento dúcteis.

196
6.2.5. Falhas normais

São, por definição, falhas inclinadas, em que o tecto desceu relativamente ao muro.
Estas falhas também se designam por falhas distensivas, pois ocorrem em áreas de
extensão lateral (adelgaçamento crustal). Ocorrem, ainda, noutras situações, comparáveis do
ponto de vista de estado de tensão: impactos meteoríticos, em torno de chaminés vulcânicas, no
diapirismo, em associação com levantamentos epirogénicos e em associação com dobramentos
regionais ou com falhas de desligamento.

São, tipicamente, bastante inclinadas (geralmente com inclinações originais superiores a


50°). Mas, tal como acontece na generalidade das falhas oblíquas à estratificação, a inclinação
do plano de falha tende a variar, quando atravessa estratos com contraste de competência: a
inclinação do plano de falha tende a ser maior (relativamente ao plano de estratificação) ao
atravessar os estratos mais competentes do que ao atravessar os estratos menos competentes.
Definem-se, assim, sucessivos flats e ramps (Fig. 6.15).

Fig. 6.15- Plataformas (flats) e rampas (ramps) definidos pelo plano de falha ao atravessar rochas com
contraste
de competência. (Note-se que os termos se referem à atitude relativamente à estratificação e não a
um qualquer plano horizontal). (In. J.G. Ramsay & M.I. Huber, 1983)

Frequentemente, ocorrem segundo famílias de falhas conjugadas, que definem um


ângulo agudo igual a ca. de 60° (na parte correspondente ao bloco descendente, ou seja, ao
tecto). É esta situação que prevalece, quando as rochas falhadas são competentes e dão lugar a
uma rotura frágil. pelo que é a situação considerada como típica e habitualmente descrita. No
entanto, quando a rocha é incompetente ou se deforma semiductilmente, a rotura dá-se segundo
planos que definem um ângulo obtuso (Fig. 6.16).

197
σ1
σ1
3 1
2

a. b. c.

Fig. 6.16- Falhas normais conjugadas. a) Regime frágil b) Regime semifrágil c) Ilustração de falhamento
sequencial, pelo qual se compatibiliza o movimento dos blocos ao longo de falhas conjugadas

Os movimentos segundo falhas conjugadas só globalmente podem ser considerados


simultâneos. Na verdade, eles dão-se sequencialmente, ora segundo planos de uma família, ora
segundo os outros, de modo a compatibilizar o movimento dos blocos falhados (Fig. 6.16-c), que
se devem manter em contacto permanente entre si (i.e., sem que se formem espaços vazios).

A conjugação dos movimentos dos blocos falhados ao longo destas associações de


falhas normais dá lugar a estruturas tectónicas como os graben e os horsts, consoante os planos
de falha conjugados delimitam o tecto ou o muro, respectivamente (Fig.6.17). Por vezes, só uma
das famílias de falhas ocorre, formando-se, por exemplo, half-graben ou, noutros casos,
“estruturas em dominó”.
Estas estruturas formam-se, nomeadamente, durante o movimento de separação de
placas crustais, continentais (rift da África Oriental, na Basin and Range, junto da costa ocidental
dos E.U.A.) ou oceânicas (crista mesoceânica atlântica).

198
(b)

Fig. 6.17- a) Estruturas em graben e em horst. b) Estrutura em dominó

6.2.6. Falhas inversas

Estas falhas são caracterizadas pela descida do muro, relativamente ao tecto. Têm,
geralmente uma inclinação inferior a 45°, mas que varia dada a ocorrência, comum, de flats e
ramps. Quando têm uma extensão regional iniciam-se, frequentemente, com uma pequena
inclinação (5° ou, mesmo, menos) designando-se por falhas de carreamento ou carreamentos
(thrusts, overthrusts ou thrust faults). Estas falhas são comuns nos níveis crustais superiores, em
áreas de compressão orogénica, ou seja, associadas à formação de cadeias de montanhas
(Alpes, Himalaia, Andes, etc.). Por razões que daí decorrem, as falhas inversas são, também
designadas, por falhas compressivas.

No caso dos carreamentos, o relativamente fino bloco crustal que é deslocado ao longo
do plano de falha (por vezes, por algumas centenas de quilómetros) designa-se por manto de
carreamento (ou nappe ou thrust sheet) o qual vai sobrepor-se a rochas mais recentes e
ocasionar, regionalmente, uma duplicação vertical dos estratos sub-horizontais. Esse bloco
crustal diz-se, dado o seu “desenraizamento”, ser o alóctone, sobrepondo-se às rochas in situ,
ou seja, ao autóctone. Carreamentos de menor deslocamento horizontal são designados por
parautóctone.
Nas descrições habituais, imagina-se o tecto a deslocar-se sobre um muro estático,
donde a designação geral de overthrust. No entanto o movimento relativo pode ter sido o
contrário: o muro é que se deslocou sob o tecto - underthrust.

Como se ilustra na Fig. 6.18, num manto de carreamento sub-horizontal, a erosão pode
dar lugar a aspectos frequentemente citados na literatura geológica sob as designações de

199
Klippe (um resto do manto de carreamento completamente destacado dele, por erosão, e que
assenta, como uma ilha, sobre o autóctone) e de “janela” (resultante da escavação do manto de
carreamento, até atingir o autóctone, que fica a descoberto, rodeado pelo alóctone suprajacente)
.

Fig. 6.18- Klippe e janela

6.2.7. Desligamentos

Estas falhas são caracterizadas por um rejeito predominantemente segundo a horizontal


do plano de falha. Este tem, frequentemente, uma atitude vertical ou subvertical.
Admite-se que os deslocamentos, quando correspondem a estruturas regionais, se
desenvolveram em relação com limites de placas, actuais ou passados.

As falhas transformantes − estruturas indispensáveis à compatibilização dos movimentos


relativos das placas litosféricas (e que constituem, portanto, um conceito inerente à Teoria da
Tectónica de Placas) − são um tipo particular de desligamentos. As diferenças mais significativas
entre desligamentos e falhas transformantes foram sumariadas por R. Freund (1974), como se
indica no Quadro 6.II.

Os desligamentos associam-se, frequentemente, segundo sistemas de falhas paralelas


(en échellon) e, também, segundo esquemas complexos de falhas secundárias. Vários modelos
teóricos têm explicado essas falhas, como resultantes de estados de tensão remanescentes
após a movimentação da falha principal.

200
Quadro 6.II- Distinção entre desligamentos e falhas transformantes

Desligamento Falha transformante


1. Terminações com falhas divergentes Terminações abruptas, contra outras estruturas
(splays)
2. Deslocamento diminui da parte média para Deslocamento constante, ao longo de toda a falha
a
parte terminal da falha

3. Deslocamento limitado (<20% da extensão Deslocamento ilimitado


horizontal da falha)

4. Falhas adjacentes paralelas têm o mesmo Falhas adjacentes paralelas podem ter
sentido de movimento movimentos opostos

5. Fazem parte do padrão de deformação Formam-se nos contactos entre placas litosféricas
interna. no seio da placas continentais

Assim se formarão falhas de 2ª ordem e, a partir destas, sucessivamente, de 3ª e, até,


de 4ª ordem. Algumas destas falhas secundárias ocorrem junto das partes terminais da falha
principal, em forma de leque divergente (divergent ou splay faults ou, simplesmente, splays).
Estas falhas secundárias têm, umas, o mesmo sentido de movimento que a falha principal,
outras (que se confundirão com falhas conjugadas), o sentido contrário. (Fig. 6.19).

Fig. 6.19- Diagrama das fahas secundárias, de acordo com o modelo de cálculo de Moody & Hill (1956).

201
Quando ocorre movimento ao longo de uma falha direccional presente num soco
cristalino, induz-se um cisalhamento na sua cobertura sedimentar que fica sujeita a esforços
compressivos e esforços tractivos (Fig. 6.20). Os primeiros dão lugar a dobras, cujos traços
axiais se orientam, originalmente, a 45° da direcção do cisalhamento; mas, com a continuação
do cisalhamento, os traços axiais daquelas dobras vão sendo rodados.

Fig. 6.20- Dobramentos induzidos por um movimento ao longo de uma falha direccional do soco (Moody & Hill, 1956)
a) Esquema do estado de tensão; b) Falha esquerda do Mar Morto; c) Falha de Santo André

202
Os primeiros estudos experimentais sobre os efeitos do movimento ao longo de uma
falha direccional sobre a cobertura devem-se a Cloos (1928) e Riedel (1929). No modelo de
Riedel observaram-se as estruturas formadas numa camada de argila assente num bloco rígido,
dividido em duas partes que escorregavam uma pela outra, ao longo de uma face vertical (Fig.
6.21). Observaram-se dois sistemas de fracturas conjugadas (R1 e R2), conhecidas pela
designação de fracturas Riedel, orientadas, respectivamente, a 10°-15° e a 75°-80° da direcção
do movimento. Poderiam, na dependência das propriedades da argila, formar-se fracturas de

tracção, perpendiculares a σ3.

B D

A C

A B
A R G I L A
R1 fenda de tracção
BASE
RÍGIDA

R2
C D

Fig. 6.21- Modelo de Riedel e fracturas de Riedel (R1 e R2)

Um modelo análogo ao de Riedel foi considerado por Tchalenko (1968), em que se


simula a deformação da rocha de cobertura acima de uma zona de cisalhamento dúctil, no soco.
Este modelo é, certamente, mais realista que o considerado por Riedel. As fracturas resultantes
incluem as fracturas de Riedel e, ainda, fracturas de corte designadas por “fracturas-P” (P
shears), as quais se orientam simetricamente a R1, relativamente à direcção do cisalhamento
principal.

203
6.3. ZONAS DE CISALHAMENTO FRÁGIL-DÚCTIL

Estas zonas de cisalhamento, formadas quando as rochas têm um comportamento


semifrágil, resultam de uma deformação progressiva, somatório de sucessivos incrementos de
cisalhamento simples (v. p.59).
As zonas de cisalhamento em regime semifrágil têm o aspecto ilustrado na Fig.6.22:
veios, habitualmente de quartzo ou de calcite (materiais abundantes e facilmente mobilizáveis),
dispostos como os degraus de uma escada (“veios en échellon” ) e cuja secção tem, por vezes,
uma forma sigmoidal.

Fig.6.22- Aspecto característico de uma zona de cisalhamento frágil-dúctil (In. J.G. Ramsay, 1980)

A morfologia dos veios en échellon destas zonas de cisalhamento é facilmente


explicável, se tivermos em conta aspectos meramente geométricos da deformação por
cisalhamento simples.

204
6.3.1. Geometria do cisalhamento simples

Verificou-se (v. Fig.2.20) que um cisalhamento simples é uma deformação rotacional: à


medida que o cisalhamento aumenta, a direcção da extensão principal máxima (X) aproxima-se
da direcção (constante) do cisalhamento. Facilmente se demonstra que essa variação de
orientação de X da elipse de deformação finita, observada no corpo deformado, é dada por:
2
tg 2θ′=  (6.1)
γ

em que θ′ é o ângulo de X com a direcção do cisalhamento (no corpo deformado) e γ é o valor


do cisalhamento (i.e., tg ψ ).
Porém, de 6.1 conclui-se que, para cada incremento da deformação (γ → 0), θ′= 45º. Ou
seja, quando se inicia o cisalhamento e depois, durante a deformação progressiva, a cada
incremento (infinitesimal) de cisalhamento simples, a direcção da máxima extensão incremental
(X) orienta-se, sempre, a 45º da direcção cisalhamento.

Um segundo aspecto geométrico do cisalhamento simples diz respeito à variação da


orientação de uma recta, durante o cisalhamento. Como se ilustra (e demonstra) na Fig.6.23,
uma recta de orientação original α, relativamente à direcção do cisalhamento, passa a ter, após
um cisalhamento simples igual a γ, a orientação α‘ dada pela expressão:

cotg α‘ = cotg α + γ (6.2)

Y Y
CD = C’D’= cotg α

C D B C γ C’ D’ B’ cotg α‘ = CD’ = CC’+C’D’

cotg α‘ = γ + cotg α
ψ
1
α α’
O A O A’ ≡ A
1 X 1 X

Fig.6.23- Variação da orientação de uma recta original, CD, durante um cisalhamento simples (v. texto). C’D’ é
a orientação daquela recta, após um cisalhamento γ (=tg ψ)

205
6.3.2. Formação dos veios sigmoidais “en échellon”

Se a rocha for mecanicamente homogénea e isotrópica, haverá para cada momento da


deformação progressiva, uma correspondência entre as direcções principais da deformação e do
estado de tensão. Tenderá a ocorrer fracturação perpendicularmente à direcção de máxima
extensão, ou seja, perpendicularmente a X (direcção de λ1) e, portanto, perpendicularmente a σ3
(Fig.6.24). A rotura dá-se por tracção, pelo que as fracturas formadas se designam por fendas de
tracção (tension gashes).

45º
σ1
σ3

ELIPSE DE DEFORMAÇÃO
INFINETESIMAL

Fig.6.24- Génese de fendas de tracção numa zona de cisalhamento frágil-dúctil. Repare-se na orientação das
fracturas relativamente à elipse de deformação incremental (e às direcções principais do estado de tensão).
(Notar que o ângulo agudo que as fendas definem com a direcção do cisalhamento aponta em sentido contrário
ao do cisalhamento).

Essas fendas tendem a repetir-se paralelamente entre si, ao longo da zona de


cisalhamento e, daí, a sua disposição em degraus, a 45º da direcção do cisalhamento, de acordo
com a eq. 6.1. Como se vê na Fig. 6.24, o sentido do cisalhamento pode ser determinado,
olhando à orientação dos veios: o ângulo agudo que eles definem com as paredes da zona
de cisalhamento aponta em sentido contrário ao desse cisalhamento.
Com o decorrer do cisalhamento, elas vão-se expandindo, em abertura e extensão, e
vão sendo preenchidas, designadamente, por quartzo ou calcite.7 Assim se formam veios en
échellon. Ao mesmo tempo, durante o cisalhamento progressivo, os veios já constituídos vão
rodando passivamente, de acordo com a eq. 6.2. No entanto, o crescimento desses veios dá-se
através do seu prolongamento nas extremidades (onde as tensões se acentuam), para cada
incremento da deformação e, portanto, de acordo com a eq. 6.1, sempre a 45º da direcção do

7
Porque a deposição mineral se vai dando, lentamente, à medida que as fendas vão abrindo, o mineral do
preenchimento tem, tipicamente, uma estrutura fibrosa, em que as fibras se desenvolvem na direcção da abertura
progressiva das fendas.

206
cisalhamento. É assim que, como a Fig. 6.25 ilustra, os veios adquirem, progressivamente, uma
forma cada vez mais acentuadamente sigmoidal.

Fig.6.25- Desenvolvimento progressivo de veios em fendas de tracção numa zona de cisalhamento frágil-dúctil.
Com o decorrer da deformação, as fracturas ou os veios anteriormente formados vão rodando, enquanto que
em cada instante, a fractura que prolongará aquelas fracturas (ou veios) ocorre sempre a 45º da direcção do
cisalhamento, o que lhes vai conferir a forma sigmoidal, típica. As terminações dos veios orientam-se, sempre,
a 45º da direcção do cisalhamento, pois marcam o fim da deformação.
Note-se, em 3., a iniciação de uma fractura (orientada a 45º) intersectando um veio já constituído
(As setas indicam o sentido do cisalhamento)

No diagrama das tensões principais representado na Fig.6.24, indicou-se a orientação


do plano de corte máximo, o qual corresponde à zona de cisalhamento ilustrada. Dada a simetria
das elipses de deformação ou de tensão, é evidente que existe um outro plano nas mesmas
condições, simetricamente disposto relativamente às direcções principais. A esse plano
corresponderá uma outra possível zona de cisalhamento, dita conjugada ou complementar.
Pares de zonas de cisalhamento frágil-dúctil conjugadas, com os aspectos morfológicos atrás
descritos, são frequentemente observados. Por vezes, as duas zonas de cisalhamento
conjugadas têm o mesmo desenvolvimento (i.e., os veios são igualmente incipientes ou
igualmente sigmoidais), outras vezes têm desenvolvimentos distintos, porque a deformação se

207
concentrou mais numa das zonas do que na outra. Em qualquer caso, os seus sentidos são
opostos: uma é direita e a outra é esquerda, como se depreende da orientação dos veios e do
seu desenvolvimento sigmoidal. Verifica-se, ainda, que duas zonas de cisalhamento (frágil-dúctil)
conjugadas tendem a definir um ângulo inferior a 90º, em regra, próximo de 60º (Fig.6.26).

σ1
45º 45º

30º

Fig.6.26- Geometria típica de zonas de cisalhamento frágil-dúctil conjugadas

Concluindo, podemos afirmar que uma zona de cisalhamento frágil-dúctil é uma área
delimitada entre duas paredes aproximadamente paralelas, onde ocorreu uma deformação
progressiva da rocha, por processos cataclásticos (fracturação que, depois, dá lugar a veios) e
por mecanismos de fluência dúctil (deslocamentos na matriz da rocha arrastando consigo as
fracturas ou veios formados, que vão rodando). Por vezes, nos mecanismos de deformação
dúctil incluem-se fenómenos de dissolução por pressão que, além de removerem quartzo ou
calcite da rocha para as fendas de tracção, geram uma foliação incipiente (clivagem por
dissolução por pressão ou pressure seams), subperpendicular aos veios sigmoidais.

208
6.4. Zonas de cisalhamento dúctil

Como as Figs.2.2 e 6.27 ilustram, constituem bandas relativamente estreitas, onde a


rocha foi marcadamente deformada por mecanismos de deformação dúctil. As suas dimensões
são muito variáveis, desde larguras de escassos milímetros a milhares de metros e extensões
comparáveis. Tipicamente, são delimitadas por paredes aproximadamente planas e paralelas,
que as separam da rocha original, não deformada.

Fig.6.27- Zona de cisalhamento dúctil (Griminish Point, N. Uist, Hébridas Exteriores)

A estrutura dominante e mais característica de uma zona de cisalhamento dúctil consiste


numa foliação, cuja orientação varia desde os 45º com as paredes da zona até uma
aproximação ao paralelismo a essas paredes, na parte central (cf. Fig.6.28).

Fig.6.28- Variação típica da orientação da foliação através de uma zona de cisalhamento dúctil (z.c.), direita.
O diagrama, à esquerda, mostra a variação do cisalhamento (γ) através da z.c. O carácter hetero-
géneo da deformação está, também, patente nas elipses de deformação.

209
Verifica-se, ainda, que a intensidade da foliação aumenta das paredes para a parte
central da zona de cisalhamento, o que significa que a deformação foi heterogénea.
Se bem que, geometricamente, as características da foliação se possam explicar por
variações regulares de dilatação na rocha, admite-se que, na maioria dos casos, a deformação
dominante nestas zonas de cisalhamento se traduz por um cisalhamento simples, cuja
intensidade aumenta dos limites da zona de cisalhamento para a sua parte central. O sentido
desse cisalhamento pode ser depreendido a partir da orientação da foliação: o ângulo agudo
que a foliação faz com as paredes da zona do cisalhamento aponta no sentido desse
cisalhamento.
A variação da intensidade de deformação através de uma zona de cisalhamento é,
frequentemente, confirmada quando uma marca de deformação é atravessada por ela (Fig.6.29)

Fig.6.29- a) Correlação entre a deformação de um dique aplítico e de xenólitos e a foliação numa zona de
cisalhamento (z.c.)
b) Pormenor do desenvolvimento da foliação no granito, junto de uma das paredes da z.c.
(Ramsay e Graham, 1970)

Além da formação de uma clivagem ou xistosidade, as zonas de cisalhamento são sede


de muitos outros fenómenos, físicos e químicos. Por essa razão e porque a rocha original (não
deformada) se encontra à mão (junto e para lá das paredes da zona de cisalhamento), as zonas
de cisalhamento têm sido objecto de muitos estudos, nomeadamente, no sentido de determinar
mecanismos de deformação dos minerais e seus agregados.

210
7. DIACLASES

7.1. INTRODUÇÃO

Diaclases (ou juntas) são superfícies de rotura de uma rocha, ao longo das quais não se
regista um apreciável movimento relativo dos blocos que separam. Distinguem-se, portanto, das
falhas por não darem lugar a qualquer rejeito (Fig.7.1).
Tipicamente, são planas (ou aproximadamente planas).

Fig.7.1-Diaclases em rocha xistosa North Devon, Inglaterra)

As diaclases constituem estruturas planares não-penetrativas, características de um


comportamento frágil ou semifrágil das rochas. Estes planos de rotura ocorrem, portanto, em
rochas competentes e são típicos de uma resposta das rochas sujeitas a um estado de tensão,
quando localizadas nos níveis estruturais superiores.

As verdadeiras diaclases são estruturas secundárias que se podem formar em todos os


estádios da deformação de uma rocha, desde a fase de consolidação dos sedimentos às fases
terminais de um episódio tectónico ou, mesmo, após este.
No entanto, estruturas análogas, mas primárias, são também descritas como sendo
diaclases. É o caso da maioria das “diaclases” observadas num maciço granítico.

211
Se, por vezes, se observam diaclases em rochas que não patenteiam qualquer
deformação, mais frequentemente associam-se a outras estruturas, quer típicas de um
comportamento frágil (falhas), quer típicas de um comportamento dúctil (dobras).
Se bem que as diaclases não se relacionem, directamente, com os estados de tensão que
deformaram ductilmente as rochas onde ocorrem, elas exibem, frequentemente, uma incidência e
uma atitude relacionável com as estruturas resultantes daquela deformação dúctil. Provavelmente,
formar-se-ão nas fases terminais dos episódios tectónicos, ou mais tarde.

Um outro aspecto importante destas descontinuidades planares é o de afectarem a


resistência mecânica das rochas e poderem ter condicionado a formação de estruturas
posteriores.

Por todos os aspectos referidos e porque as diaclases são extremamente frequentes, o


seu estudo não pode ser desprezado.

7.2. DESCRIÇÃO DAS DIACLASES

Na descrição das diaclases ocorrentes numa dada área, atende-se, habitualmente, aos
seguintes aspectos: forma de ocorrência, dimensão, orientação, frequência, abertura,
preenchimento e rugosidade. Vejamos cada um deles.

7.2.1. Forma de ocorrência

Muitas vezes, as diaclases são planas e paralelas (ou subparalelas), dizendo-se


sistemáticas. Nesse caso, podem ser agrupadas em famílias (sets), ou seja, conjuntos de
diaclases com a mesma atitude. Na Fig.7.1, por exemplo, observa-se uma família única de
diaclases sistemáticas.
Outras vezes, elas são irregulares ou marcadamente curvas, dizendo-se não-sistemáticas.
Diaclases deste último tipo têm, em geral, menor utilidade na análise tectónica de um
diaclasamento regional.
Não se deverá confundir a expressão sistema de diaclases (joint system) com diaclases
sistemáticas: um sistema de diaclases corresponde ao conjunto das famílias de diaclases
(intersectantes, obviamente) ocorrentes numa dada área.

212
7.2.2. Dimensão

A dimensão das superfícies de diaclasamento (ou, como é habitual, dos seus traços
medidos no terreno ou em fotografia aérea) pode variar desde as menores dimensões observáveis
até uma extensão da ordem da centena ou, mesmo, do milhar de metros.1
A classificação das diaclases, quanto à sua dimensão, é muito subjectiva: varia de autor
para autor e de área para área, dependendo muito do objectivo em vista. Os autores de língua
inglesa usam, frequentemente, os seguintes termos para hierarquizar, relativamente à sua
dimensão, as diaclases de uma dada área: master- (mestras), major- (maiores ou principais) e
minor-joints (menores).

7.2.3. Orientação

As diaclases sistemáticas agrupam-se, como se disse, em famílias. A cada uma destas


corresponde uma atitude média. Como qualquer outro plano estrutural (v. p.131), a atitude de uma
diaclase (ou família de diaclases) é dada por uma direcção e uma inclinação ou, alternativamente,
é definida pela atitude da sua recta de maior declive.

Sendo estruturas geralmente muito numerosas, recorre-se, habitualmente, a formas


gráficas do registo da atitude das diaclases de uma dada área. São, essencialmente, de dois
tipos os diagramas adoptados:

i. Projecções estereográficas polares, completadas, quando se justifique, pelo traçado


de linhas de igual densidade de pólos;

ii. Diagramas em rosa-dos-ventos, isto é, histogramas circulares.

No caso de uma projecção estereográfica (Fig.7.2), em vez da rede de Wulff, usa-se uma
rede de igual-área (rede de Schmidt) por ser a mais adequada à análise estatística das
distribuições dos pólos dos planos e, consequentemente, será a adoptada quando se pretende
definir linhas de igual densidade de pólos.2 Essas linhas correspondem a diferentes classes de
frequência, a estabelecer caso a caso, sendo as frequências determinadas através da contagem
do número de pólos de diaclases observados em torno de cada direcção do espaço.

1
Habitualmente, contudo, fracturas análogas às diaclases e outras, quando microscópicas designam-se, genericamente,
por microfracturas.
2
A rede de Schmidt é uma modificação da rede de Wulff, tal que áreas iguais, definidas na esfera de prejecção, se
projectam segundo áreas iguais.

213
Fig.7.2- Projecção estereográfica dos pólos de planos estruturais e correspondentes linhas de igual densidade.
2
a) Projecção polar de 300 planos e contagem dos pólos junto de cada nó da rede de quadrados com 1cm de área.
b) Linhas de igual densidade de pólos : traçaram-se as correspondentes a 13% (39 pólos), 10% (30 pólos),
7% (21 pólos), 4% (12 pólos), 1% (10 pólos) e 0,33%(1 pólo)

Nos histogramas circulares, as diaclases são repartidas em classes definidas pelas suas
direcções, enquanto que as correspondentes inclinações poderão ser assinaladas à margem.
Nesses histogramas, além de diaclases, poderão incluir-se outros elementos direccionais,
em particular, outros planos estruturais (falhas, xistosidade e outras foliações). Na Fig.7.3
exemplificam-se alguns diagramas deste tipo.

Fig.7.3- Diagramas do tipo “rosa-dos-ventos” (histogramas circulares)

214
As diaclases apresentam, frequentemente, atitudes relacionáveis com outras estruturas.
No caso de dobras, as atitudes típicas das fracturas que se lhes associam estão ilustradas na
Fig.7.4.

Fig.7.4- Relação entre fracturação e dobras cilíndricas, num estrato competente.


a) Diaclasamento principal b) Diaclasamento menor (N. J. Price, 1966)

Em rochas sedimentares horizontais, que foram sujeitas a uma compressão insuficiente


para que tivessem sido dobradas, observa-se um padrão na distribuição das falhas e diaclases.
Idealmente, é de esperar que a distribuição da fracturação se assemelhe à ilustrada na Fig.7.5.

Fig.7.5- Provável padrão da distribuição de fracturas (falhas e diaclases) em estratos horizontais.


A fracturação resultará de várias fases compressivas e tractivas, relacionadas com a variação das

215
tensões efectivas, durante o afundamento e subsequente levantamento de uma bacia sedimentar.

(Ibidem)

7.2.4. Frequência

Este parâmetro refere-se ao número de diaclases de uma dada família, observadas ao


longo de um dado trajecto perpendicular à direcção dessas diaclases.
Verifica-se que a frequência das diaclases varia com a intensidade da deformação local e
com a litologia.

As diaclases são mais frequentes nas zonas mais intensamente deformadas. Estudos
comparativos da frequência do diaclasamento em diferentes áreas de uma mesma estrutura
dobrada indicam que os seus valores mais elevados se encontram nos pontos de máxima
curvatura dessas estruturas. Igualmente, verifica-se que a frequência do diaclasamento aumenta
na proximidade das grandes falhas. Uma outra ocorrência comum é a diminuição da incidência do
diaclasamento observado num maciço rochoso, à medida que a profundidade aumenta.

Quanto à litologia, verifica-se que as diaclases são mais frequentes nas rochas mais
competentes. Por outro lado, nas rochas estratificadas de um mesmo tipo litológico, o
espaçamento das diaclases tende a ser proporcional à possança dessas camadas (Fig.7.6).

Fig.7.6- Variação do espaçamento das diaclases com a possança das bancadas, observada em três regiões
diferentes (In. N.J. Price, 1966).

216
217
7.2.5. Abertura, preenchimento e rugosidade
Por abertura de uma diaclase entende-se a separação entre os blocos divididos pela
fractura, medida perpendicularmente ao plano de diaclasamento.
Em rochas pouco meteorizadas, a abertura das diaclases é praticamente nula. Assim, num
maciço rochoso, a abertura de uma diaclase tende a diminuir com a profundidade, acabando por
se tornar perfeitamente fechada e a desaparecer.
Quando abertas, são preenchidas por ar, água, por material lítico (siltes, arenitos) ou por
minerais (quartzo, carbonatos). A espessura do preenchimento mineral pode atingir dimensões tais
que a diaclase passa a ser descrita como um filonete, ou um veio ou filão (Fig.7.7). Não há uma
fronteira perfeitamente estabelecida para distinguir diaclases de veios, mas N. J. Price sugere que,
quando tal espessura exceder uma pequena fracção de polegada (seja 1/10, embora isto seja um
limite completamente arbitrário) a estrutura seja, antes, descrita como um veio, filão ou dique.

Do ponto de vista geotécnico, importa determinar a amplitude da abertura da diaclase e a


sua variação ao longo do plano de diaclasamento (em particular, verificar se ocorrem, ou não,
pontos de contacto entre as duas superfícies separadas pelo diaclasamento). Quando preenchida,
a natureza do preenchimento tem de ser muito bem especificada (em particular, as suas
características mecânicas).3

Fig.7.7- Veios de quartzo resultantes do preenchimento de diaclases. Note a orientação das diaclases
e como elas afectam, predominantemente, as rochas mais competentes. (Crackington Haven,
N. Cornualha, Inglaterra)

3
Cf. probl.10, p.30.

218
Se a diaclase não estiver preenchida, é importante, ainda do ponto de vista geotécnico,
caracterizar a sua rugosidade: verificar se as suas paredes são lisas, estriadas ou polidas; se são
planas, onduladas, ou denteadas. Destas características dependerá o comportamento mecânico
das descontinuidades.
Na Fig.7.8 ilustram-se dois tipos de estruturas típicas das superfícies de diaclasamento: as
estruturas plumosas (plumose ou hackle-marks) e as rib-marks , cuja génese tem sido objecto de
muita discussão, mas que não está ainda perfeitamente esclarecida, podendo diferentes
mecanismos dar-lhes origem.

Fig.7.8- a) Estruturas plumosas b) Rib-marks (In J.N. Price & J.W. Cosgrove, 1990)

219
7.3. GÉNESE DAS DIACLASES
Diversos mecanismos têm sido avançados para explicar a formação de diaclases:
actuação de esforços de torção, mecanismos de fadiga das rochas (por exemplo, em resultado das
marés terrestres). Prevalece, contudo, a convicção de que as diaclases se repartem por dois tipos
principais, quanto à sua origem: diaclases de tracção (ou de extensão) e diaclases de corte (ou de
cisalhamento).

Na discussão sobre a possibilidade de ocorrência dos dois tipos de diaclases, um dos


argumentos fulcrais tem-se centrado à volta das estruturas plumosas observadas nos planos de
diaclasamento. Mas, se alguns autores as viram como características de fracturação de corte (de
acordo com observações feitas em ensaios de rotura de metais e de vidros), outros encontraram
estruturas análogas em ensaios de rotura por tracção. Estes últimos autores argumentam, ainda,
que estruturas tão finas como aquelas plumas deveriam ser obliteradas pelo movimento inerente à
fracturação por corte. No entanto − poder-se-á contrapor − esse movimento é tão pequeno
(inapreciável, como vimos, ao definir diaclase) que, talvez não seja suficiente para eliminar as
estruturas plumosas.
Sendo contraditórios os dados relativos às estruturas plumosas, prevalece a interpretação
meramente estrutural: as diaclases observadas numa dada estrutura maior apresentam atitudes
tão diversas que dificilmente poderão ser todas do mesmo tipo genético. Umas serão de corte,
outras, de tracção.

Também, não se deduz um critério morfológico que permita distinguir umas de outras. As
diaclases de corte, no entanto, tendem a ser notavelmente planares, sem serem desviadas por
descontinuidades mecânicas; no caso, por exemplo, de um conglomerado ou de uma brecha,
cortam a direito, indiferentemente, através da matriz e elementos clásticos (Fig.7.9). Na mesma
situação, uma diaclase por tracção não cortaria a direito os elementos clásticos mais rígidos:
contorná-los-ia ou seria deflectida, ao atravessá-los.

Outra questão importante, relativamente à génese das diaclases, é a da origem do estado


de tensão que as gerou. Se as diaclases são a manifestação de um comportamento frágil ou semi-
frágil das rochas, como podem as suas orientações correlacionar-se com estruturas que traduzem
um comportamento dúctil das mesmas rochas? Ou, dito de outra maneira, como justificar a enorme
concordância entre as tensões pós-tectónicas que geraram o diaclasamento e as tensões
prevalecentes durante a fase tectónica, geradoras, por exemplo, de dobras?

220
Fig.7.9- Superfície de diaclasamento num conglomerado. O corte, a direito, através dos elementos sugere que se
trate de uma diaclase por corte (Velké Meziricí, Rep. Checa)

A correlação entre os dois referidos estados de tensão, sintectónico e pós-tectónico, não


corresponde, porém, a uma identificação entre eles. Um facto evidencia que esses dois estados de
tensão não são idênticos: em bancadas horizontais, as diaclases tendem a orientar-se
verticalmente, o que implica (se forem por corte) que σ2 se orienta verticalmente. Em estados de
tensão tectónicos, tal orientação é pouco frequente, como se depreende da relativa raridade das
falhas correspondentes (os desligamentos). Surge, naturalmente, mais uma pergunta: como
poderão as diaclases verticais ser tão frequentes em áreas onde, na maioria dos casos, não se
observam desligamentos?

Todas as questões levantadas poderão ser respondidas, se se admitir que as rochas têm a
capacidade de reter energia de deformação e, portanto, de reter tensões, ditas residuais. Ensaios
laboratoriais têm comprovado este tipo de comportamento reológico (v. Fig.3.25). Essas tensões
residuais − que constituem como que uma memória, por parte das rochas, do estado de tensão
que as deformou ductilmente − serão posteriormente modificadas em intensidade relativa (mas não
tanto em orientação), durante o levantamento regional das rochas para níveis superiores da crusta,
onde dão lugar ao diaclasamento (e formação de veios).

Durante o referido levantamento tectónico, possíveis variações da pressão intersticial


presente nas rochas desempenharão um papel fundamental na génese da fracturação, de acordo
com a lei das tensões efectivas. Consoante o valor daquela pressão, assim a fracturação poderá
ser por corte ou por tracção, podendo em situações-limite, oscilar, num mesmo local, entre os dois

221
modos. Então, poderá observar-se uma típica fractura (veio) de tracção prolongar-se sob a forma
de tension gashes dispostas em degrau, como é típico das zonas de cisalhamento frágil-dúctil.

222
7.4. DIACLASAMENTO DE ROCHAS MAGMÁTICAS

As rochas magmáticas exibem, frequentemente, fracturação segundo superfícies


aproximadamente planas e paralelas ou segundo superfícies subparalelas à superfície topográfica.
No primeiro caso, dado o seu carácter sistemático, são habitualmente descritas como sendo
diaclases (Fig.7.10).

Fig.7.10- Diaclasamento num granito, sendo visíveis três famílias dominantes de diaclasamento,
segundo as quais se verifica o desmantelamento do maciço (N. Portugal).

No segundo caso (Fig.7.11), designam-se por diaclases de descamação, pois, a rocha


tende a desagregar-se em capas que reproduzem o relevo topográfico (fenómeno da descamação
ou esfoliação, por disjunção laminar ou por disjunção esferoidal). O paralelismo com a topografia é,
provavelmente, causado pela combinação de vários factores: expansão resultante da meteori-
zação de alguns minerais da rocha (feldspatos e minerais ferromagnesianos, nomeadamente),
alívio de carga (por remoção, devido à erosão, de materiais sobrejacentes), acção de tensões
residuais (derivadas das tensões criadas durante a consolidação magmática).

223
Fig.7.11- Disjunção esferoidal em dolerito (Transval, África do Sul)

Um tipo particular de “diaclasamento” sistemático observado em rochas magmáticas é o


colunar Fig.7.12). Ele resulta da contracção da rocha, durante o seu arrefecimento, quando a
perda de calor se dá, predominantemente, através de duas superfícies subparalelas. Por essa
razão, ele é muito comum, quando o modo de jazida daquelas rochas é em dique ou em soleira.
Os planos de rotura definem corpos prismáticos (de secção, tipicamente, sub-hexagonal),
orientados perpendicularmente às superfícies do arrefecimento (as paredes subverticais do dique,
ou a base e o topo da soleira).4

Fig.7.12- Disjunção colunar em basalto (I. das Flores, Açores)

4
O aspecto das colunas basálticas, ocorrentes, por exemplo, na Calçada dos Gigantes (em Antrim, Irlanda do Norte) levou,
inicialmente, geólogos (wernerianos) a interpretá-las como cristais enormes ou bambus gigantescos petrificados.

224
As fracturas observadas numa rocha magmática são, na sua maioria, primárias: resultam
da fracturação da crosta, mais ou menos rígida, do corpo ígneo, em resultado do movimento da
massa central ainda fluida e, ainda, da sua expansão ou da sua retracção. Tais fracturas são,
frequentemente, preenchidas por aplitos ou por minerais de origem hidrotermal, relacionados com
o episódio eruptivo. Sendo primárias, não são, verdadeiramente, diaclases e deveriam, antes, ser
descritas como veios. No entanto, não é de excluir a ocorrência de verdadeiras diaclases num
maciço magmático: elas serão fracturas tardias (relativamente ao episódio magmático), pelo que
serão, muito provavelmente, estéreis (ou o seu preenchimento não derivou, directamente, do
mesmo episódio magmático), mas terão uma orientação estreitamente relacionada com a
fracturação primária. Na Fig.7.13, ilustram-se as “diaclases” dos tipos mais frequentemente
observados num maciço magmático, ordenadas segundo a sua idade provável, da mais antiga
para a mais recente. No Quadro 7.1, sumariam-se as características dessas mesmas fracturas,
segundo a mesma ordenação.

Fig.7.13- Principais tipos de diaclases, num maciço magmático


1. Diaclases cruzadas (provavelmente, as primeiramente formadas)
2. Diaclases diagonais
3. Diaclases sub-horizontais
4. Diaclases longitudinais (provavelmente, as mais recentes, pós-magmáticas)

225
QUADRO 7.1- Descrição dos principais tipos de diaclases em rochas magmáticas.

DESIGNAÇÃO ORIENTAÇÃO PREENCHIMENTO MECANISMO

Diaclases cruzadas Tracção associada ao atrito


Perpendiculares às linhas Preenchidas. entre a crosta e o magma
cross-joints, Q-joints de fluxo Com estrias de fluido e, ainda, à possível
deslizamento. expansão da intrusão.
Diaclases diagonais Por corte associado às
A 45º, ou mais, das linhas Preenchidas. tensões criadas pelo fluxo:
diagonal-joints de fluxo Com estrias de tracção ao longo das linhas
deslizamento. de fluxo; com-pressão,
perpendicularmente.
Diacl. sub-horizontais Sub-horizontais (nas Talvez, por tracção resultante
zonas apicais de domos Preenchidas. da retracção da massa
flat-lying joints acha-tados ou em interna da intrusão, ao
soleiras) arrefecer.
Diacl. longitudinais Por tracção, devida a
Paralelas às linhas de Raramente preenchidas. esforços gerados pelo
longitudinal-joints, S-joints fluxo (seguem a sua Quando preenchidas, arrefecimento, associados
direcção, mas não o seu contêm minerais estranhos aos causados pela extensão
mergulho) à intrusão lateral devida ao
levantamento tectónico.

226
8. LINEAÇÕES

8.1. DEFINIÇÃO
De acordo com E. Cloos, poderá designar-se por lineação qualquer estrutura linear
(microscópica, mesoscópica, ou megascópica) que ocorra, com alguma repetição, numa rocha.
Esta definição é meramente descritiva, não tendo qualquer conotação genética. Como exemplos
de lineações, aquele autor cita eixos de dobras, estrias de deslizamento (slickenside striae), linhas
de fluxo em rochas magmáticas, boudins, orientações preferenciais de minerais alongados, etc.
(Fig.8.1).
Turner & Weiss (1963) reservam o termo lineação para designar estruturas lineares
penetrativas (i.e., que constituam um elemento da fábrica dum tectonito). Assim, as estrias de
escorregamento (que se confinam, por exemplo, a um plano de falha), os boudins e, na
generalidade dos casos, os eixos de dobras, pela sua localização confinada, não serão lineações.
Estes autores designam, genericamente, tais elementos estruturais não-penetrativos por estruturas
lineares.
No presente texto, será adoptada a definição de Cloos.

Fig.8.1 – Lineação observada num gnaisse (I. Benbecula, Hébridas Exteriores)

8.2. TIPOS DE LINEAÇÕES

226
Uma lineação, como se esquematiza na Fig.8.2, poderá resultar de diversos aspectos:

i. Orientação preferencial de corpos alongados (cristais prismáticos, agregados minerais,


seixos e oólitos deformados, sombras de pressão, etc.); (Fig.8.2-a,b);

ii. Minerais tabulares ou micáceos com uma orientação linear preferencial (i.e., as faces
dominantes têm uma orientação variável, mas mantêm-se paralelas a uma dada direcção do
espaço); (Fig.8.2-c);

iii. Eixos da crenulação de uma superfície-s; (Fig.8.2-d);

iv. Traços de intersecção de duas superfícies-s; (Fig.8.2-e).

Identificada, no terreno, uma lineação, deve ser registada a sua natureza e a sua atitude
espacial. Como para qualquer outra recta estrutural, a atitude de uma lineação é dada por um
ângulo de mergulho e pelo azimute do plano vertical que a contém. Alternativamente, a atitude de
uma lineação poderá ser especificada pelo rake medido num plano de atitude conhecida. Os dois
métodos foram já descritos na pág.130.

Fig.8.2- Representação esquemática de diversos tipos de lineações (V. texto)

227
Em alguns casos, as lineações não são imediatamente aparentes e requerem “análises de
fábrica” (ao microscópio ou por outros meios mais sofisticados), as quais permitirão, por exemplo,
verificar que os eixos ópticos de uma dado mineral (o quartzo e a calcite são os mais
frequentemente estudados) têm uma orientação preferencial, mais ou menos marcada. Neste
caso, o estudo deve incidir sobre “amostras orientadas”.

Vejamos alguns tipos particulares de lineações, frequentemente referidos na literatura


geológica.

8.2.1. Estrias de deslizamento

Estrias de deslizamento (slickenside striae ou, simplesmente, slickensides) são estruturas


lineares observadas, frequentemente, em planos de falha (Fig.8.3) e, ainda, nos flancos de dobras
flexurais. Em qualquer dos casos, assinalam um movimento de escorregamento ao longo das
referidas superfícies.

Fig.8.3 – Estrias de deslizamento num plano de falha. As estrias são formadas por quartzo fibroso
disposto em painéis sobrepostos (Cf. Fig.8.4) . (próximo de Hartland Point, N. Cornualha)

As estrias podem corresponder a sulcos marcados naquelas superfícies, resultantes de um


desgaste das rochas, devido ao atrito entre os blocos deslocados. Noutros casos, são estruturas
mais complexas, constituídas por painéis sobrepostos de minerais (quartzo ou calcite, mais
frequentemente) que cresceram com um hábito fibroso, segundo uma direcção preferencial: a
daquele movimento relativo. Os eixos das fibras de quartzo correspondem, também, a uma
orientação óptica preferencial do quartzo: as fibras alongam-se na direcção dos eixos ópticos
daquele mineral (Fig.8.4).

228
Fig.8.4- Estrias de deslizamento definidas por quartzo fibroso, disposto em painéis (In Hobbs et al., 1976)

Como vimos, estas estruturas têm sido observadas em planos de falha e nos flancos de
dobras flexurais.
Nas falhas, têm sido usadas para determinar a direcção e o sentido do movimento ao
longo de planos de falha.
No caso das dobras flexurais, as estrias orientam-se perpendicularmente à direcção axial
das dobras e são mais nítidas longe da linha de charneira, pois o movimento relativo entre os
“estratos” dobrados decresce à medida que nos aproximamos daquela linha.

229
8.2.2. Boudinage
A boudinage, sumariamente caracterizada na p.66, é uma estrutura típica de estratos
competentes, que fracturaram a intervalos regulares, originando corpos cilindróides (os boudins),
dispostos lado a lado (Fig.8.5). Sendo corpos alongados, os boudins constituem um tipo particular
de lineação.1

Fig.8.5- Boudinage: forma e dimensões de boudins típicos (G.Wilson, 1961)

A forma da secção transversal dos boudins depende do contraste de ductilidade entre eles
e a rocha envolvente. Para uma pequena diferença de ductilidade, poderá não ocorrer a
fracturação do corpo tabular original e, em vez de boudinage, formar-se-á uma estrutura pinch-
and-swell (Fig.8.6-iii).

CONTRASTE DE
X
DUCTILIDADE
DECRESCENTE
ELIPSE DE DEFORMAÇÃO FINITA

Fig.8.6- Variação da boudinage, consoante o contraste de ductilidade, entre os boudins e a rocha envolvente

1
Refira-se, de passagem, que um estiramento pode também dar lugar à divisão de um cristal prismático frágil (como a
turmalina) em segmentos que, progressivamente se vão separando: é a chamada boudinage linear. Podendo ser usada
como marca de deformação, não constitui, em si, uma lineação.

230
Fig. 8.7- Estrutura pinch-and-swell desmantelada pela erosão (Hele Bay, N. Devon)

As rochas circundantes dos boudins, se suficientemente dúcteis, conformam-se a eles,


fluindo para os intervalos abertos. Os gradientes de tensão criados junto dos boudins promovem
fenómenos de dissolução por pressão, em que as aberturas entre aqueles (onde a tensão
compressiva média é mínima) são sede de precipitação de minerais, como o quartzo ou a calcite.
Este efeito é particularmente importante quando as aberturas entre boudins não são ocupadas
pelas rochas circundantes, porque insuficientemente dúcteis.

A descrição clássica, acabada de referir, pressupõe uma rotura por tracção, só possível
quando a tensão diferencial (σ1−σ3) ultrapassa suficientemente a resistência das rochas à tracção.2
No entanto, a boudinage poderá resultar de fracturação associada a zonas de cisalhamento frágil-
dúctil, singulares ou conjugadas (Fig.8.8). As duas formas de rotura (tracção e por corte) poderão,
mesmo, coexistir numa mesma estrutura de boudinage.

Fig.8.8- Estrutura pinch-and swell resultante da incidência de zonas de cisalhamento frágil-dúctil

231
Comparando dobras e estruturas pinch-and swell, verificamos que elas (e, portanto, a
boudinage, de que é um estádio incipiente) são estruturas muito semelhantes, correspondendo a
duas situações diferentes da orientação de σ1, relativamente ao “estrato” competente:
paralelamente ao “estrato”, para as primeiras, normal a ele, para as segundas. A razão, de acordo
com alguns estudos teóricos, por que as dobras são muito mais abundantes que a boudinage é
que esta só se desenvolverá, se os materiais tiverem um comportamento viscoso acentuadamente
não-linear.

Um aspecto curioso, por vezes observado, é o da boudinage secundária : boudinage no


interior dos próprios boudins individuais, quando nestes há uma laminação com contrastes de
ductilidade (Fig.8.9).

Fig.8.9- Boudin exibindo boudinage secundária (foto in. J.G. Ramsay, 1967)

8.2.3. Bastões (de quartzo)

Os bastões de quartzo ou barras de quartzo (quartz rods)3 foram, originalmente, descritos


como corpos cilindróides alongados, compostos essencialmente por quartzo derivado de
segregação metamórfica (Fig.8.10).

2
Quando (σ1 − σ3)>4T, sendo T a resistência da rocha à tracção.
3
Barras de quartzo é o termo adoptado por Loczy & Ladeira para traduzir quartz rods.

232
Fig.8.10- Extensa área mostrando bastões de quartzo (S. Devon, Inglaterra)

Fig.8.11- a) Bastões de quartzo b) Bastões de quartzo formados por segregação de quartzo nas zonas de
charneira de dobras parasíticas (In. G. Wilson, 1961)

233
Atendendo à dificuldade em reconhecer, por vezes, a origem daquele quartzo, o termo
“bastão de quartzo” deve ser usado como puramente descritivo, para designar qualquer corpo
cilindróide, alongado, de composição contrastante com a das rochas circundantes e,
essencialmente, monominerálico. Naturalmente, não se considera que os boudins, a quem a
descrição dada também se aplicaria − mas que resultam da fractura de um corpo tabular − sejam
bastões. Os bastões, ao contrário dos boudins, são corpos isolados e marcadamente
unidimensionais. Frequentemente, resultam do preenchimento, por quartzo, do espaço aberto
entre zonas de charneira de dois “estratos” dobrados (saddle-reefs), como se poderá ver na
Fig.8.12.

Fig.8.12- Saddle reef de quartzo (Hartland Point, N. Devon)

As dimensões dos bastões são extremamente variáveis: desde a de uma vara fina à de um
poste telegráfico.

8.2.4. Estruturas colunares

As estruturas colunares (mullion structures ou mullions) são um tipo de lineação não-


-penetrativa, consideradas, de certo modo, como equivalentes a rodding. Para G. Wilson (1961), o
termo, no entanto, passou a ser reservado para designar corpos colunares (cilindróides ou
prismáticos) “talhados” na própria rocha local (Fig.8.13).

234
Fig.8.13- Estrutura colunar. Vista ao longe e de mais perto. Note-se o diaclasamento transversal
(Rillage Point, N. Cornualha)

235
A superfície das colunas, tipicamente, é polida ou revestida por uma fina camada de
minerais micáceos; pode, também, ser estriada segundo o seu comprimento.
Frequentemente, são intersectadas por diaclases transversais e, internamente, a rocha
pode estar laminada. Distinguem-se, ainda, dos bastões, por serem, geralmente, de maiores
dimensões e terem uma incidência que se restringe a afloramentos locais (enquanto que o rodding
tende a estender-se por largas áreas, numa dada região).

A génese destas estruturas é problemática. Algumas estruturas corresponderão a uma


corrugação da interface entre duas rochas com acentuado contraste de ductilidade (v. p.162).
Noutros casos, assemelham-se a boudins, mas formados em material menos competente que o
circundante. Inserem-se, assim, numa gama de possíveis estruturas (dobras, boudins e estruturas
colunares), variáveis consoante o contraste de ductilidade e a orientação da tensão compressiva
principal (relativamente ao “estrato” deformado) e, ainda, o comportamento reológico das rochas
(Fig.8.14).

Fig.8.14.- Estruturas formadas num “estrato”, consoante a orientação de σ1 e o contraste de ductilidade


(+, rocha de maior viscosidade; −, rocha de menor viscosidade) (R.B. Smith, 1977)

8.2.5. Lineações minerais

Uma lineação mineral poderá resultar da orientação preferencial de cristais prismáticos


alongados (Fig.8.2-b e Fig.8.15) ou de cristais tabulares ou micáceos (Fig.8.2-c), ou da orientação
preferencial de outras direcções cristalográficas (designadamente, eixos ópticos).

Um tipo particular de lineação mineral é a estrutura designada por sombra de pressão.


Uma sombra de pressão desenvolve-se, simetricamente, junto de corpos rígidos (cristais bem
desenvolvidos, por exemplo, de pirite, de magnetite, etc., ou de fósseis). Durante a deformação,
dá-se um desligamento crescente entre esse corpo e a matriz da rocha, sendo o espaço aberto,
progressivamente, preenchido por matéria mineral (quartzo, calcite, albite, clorites, etc.),
cristalizada sob a forma de fibras.

236
Fig.8.15- Lineação definida, num plano de xistosidade, pelo alinhamento de cristais prismáticos de hornblenda
e pelo estiramento das granadas. (G. Wilson, 1961)

O modo como se desenvolvem e a morfologia dessas estruturas dependem da maior ou


menor deformabilidade do corpo rígido, da sua forma e da sua composição comparada com a da
matriz (semelhante ou contrastante). Na Fig.8.16, ilustra-se uma forma comum de sombra de
pressão, formada junto de um cristal euédrico de pirite.

Fig.8.16- Sombra de pressão formada por fibras de quartzo cristalizadas junto de um cristal rígido de pirite
(In. Ramsay & Huber, 1983)

Lineações características ocorrem, também, durante a evolução deformacional, que


transforma uma rocha argilosa homogénea numa ardósia ou num xisto (Fig.8.17).

237
Fig.8.17- Evolução da fábrica de um tectonito derivado de um argilito (In. Ramsay & Huber, 1983)
a) Fissilidade no argilito b) Estrutura em lápis c) Estrutura de intersecção em lápis
d) Clivagem ardosífera e) Clivagem ardosífera e lineação de estiramento

Aquela rocha adquire, habitualmente, uma foliação primária (fissilidade), paralela à


estratificação e que resulta da rotação mecânica de minerais micáceos e tabulares, em resposta,
principalmente, à compacção diagenética dos sedimentos. Com a deformação, a fissilidade vai,
progressivamente, desaparecendo, em resultado da rotação daqueles minerais, em torno da
direcção do máximo alongamento (Y) naquele plano. Esta reorientação mineral dá lugar a uma
lineação, designada por estrutura em lápis (pencil structure), que tende a orientar-se
paralelamente aos eixos das dobras regionais, sintectónicas (Fig.8.17-b).
Com a intensificação da deformação (aumento da extensão segundo X e aumento da
contracção segundo Z), aumenta a reorientação dos minerais, em que, possivelmente, além de

238
mecanismos meramente mecânicos se sobreporão mecanismos de reorientação por
recristalização. A tendência é para a formação de uma nova foliação, normal a Z; trata-se de uma
clivagem ardosífera incipiente. Esta foliação, ao intersectar a foliação primária subsistente
(estratificação ou fissilidade), da lugar a uma lineação segundo Y, designada por estrutura de
intersecção em lápis (Fig.8.17-c).
Com a prossecução da deformação, aquela clivagem incipiente converte-se numa perfeita
clivagem ardosífera (Fig.8.17-d), normal ao eixo Z do elipsóide deformação finita. Inicialmente, no
plano desta foliação, os minerais não patenteiam qualquer orientação preferencial, mas, com a
intensificação da deformação, tende a gerar-se uma lineação segundo a direcção de máxima
extensão (X, do elipsóide deformação finita), ou seja, uma lineação de estiramento (Fig.8.17-e),
como a ilustrada na Fig.8.15.

Como se vê da evolução de um tectonito. acima descrita, a formação de foliações e a de


lineações estão intimamente associadas e, num mesmo episódio tectónico, as suas atitudes
correlacionam-se entre si e com outras estruturas (designadamente, com as dobras sintectónicas).

Na formação de lineações minerais e de foliações como a clivagem ardosífera ou a


xistosidade, intervêm fenómenos de crescimento preferencial dos minerais de neoformação,
mecanismos de fluxo plástico dos minerais e mecanismos de difusão no estado sólido (assim
como, outros fenómenos de dissolução por pressão).

Entre os mecanismos de fluxo plástico, podem referir-se os que envolvem a activação de


sistemas de escorregamento, fazendo com que os minerais envolvidos se deformem, ao mesmo
tempo que rodam, de modo a que o plano do escorregamento se oriente perpendicularmente à
compressão máxima (σ1), o que conduz a uma orientação preferencial dos cristais daqueles
minerais. Todos esses mecanismos dependem do estado de tensão actuante, razão por que as
fábricas resultantes são relacionáveis com o estado de deformação das rochas. Além disso, a
temperatura é um factor crucial para a activação dos mecanismos de fluxo da matéria no estado
sólido: temperaturas muito elevadas são uma condição sine qua non para que esse fluxo possa ter
lugar.4 Um outro factor, cuja importância tem sido salientada, é a presença de fluidos
intergranulares.

4
O principais mecanismos conhecidos exigem temperaturas absolutas entre 40% a 80% da temperatura de fusão dos
minerais.

239
8.3. Relação entre lineações e dobramentos sintectónicos

Ao longo deste texto, têm-se encontrado exemplos de correlação entre a orientação de


dobras e de lineações formadas durante o mesmo episódio deformacional. Frequentemente, tais
lineações orientam-se paralelamente aos eixos das dobras (lineações em b), ou
perpendicularmente aos mesmos eixos (por exemplo, lineações em a).
Exemplos de lineações em b são, habitualmente, as colunas (mullions) e os bastões
(rods). Os boudins podem ocorrer com qualquer das duas referidas atitudes (Fig.8.18).

Fig.8.18- Boudins e dobras formados no decorrer do mesmo episódio deformacional, para duas situações
distintas do estado de deformação.

240
9. ANÁLISE ESTRUTURAL

A observação de estruturas menores desempenha um papel fundamental na análise


estrutural de uma área. Interessa analisar o seu estado de deformação e, através do seu
mapeamento e com o auxílio de projecções estereográficas, estabelecer relações de orientação
com outras estruturas, menores e maiores (que podem ter ajudado a reconhecer).1
Como exemplo, serão descritas as estruturas menores, observadas ao longo da costa
atlântica, do norte da Cornualha a N. Devon, que inclui o corte clássico de Tintagel (Fig.9.1),
descrito por G. Wilson (1951, 1961).
Num percurso para NE, encontram-se, sucessivamente: Trebarwith, Tintagel,
Crackington, Millord, Rillage Point, Boscastle, Northcott Mouth e Bude, na Cornualha, e Hartland
Point, Baggy Point, Ilfracombe e Combe Martin, em N. Devon.

Fig.91- Diagrama da estrutura geológica da área de Tintagel, Norte da Cornualha (G.Wilson, 1961)

LITOLOGIA

Metassedimentos e metavulcanitos. Do Carbonífero, são de referir turbiditos, argilitoos,


vulcanitos; do Devónico, ardósias, xistos argilosos, grés, conglomerados e leito dolomítcos mais
competentes.

1
No caso de áreas dobradas, convém analisar possíveis situações de interferência entre mais de um episódio de
dobramento, assunto não abordado neste curso semestral.

241
ESTRUTURAS PRIMÁRIAS

Estratificação (dobrada durante a orogenia varisca), almofadas de lava (pillow-lavas),


bombas e brechas vulcânicas. Entre os fósseis, destaca-se Spirifer (nas ardósias do Devónico
Superior).

ESTRUTURA REGIONAL

Embora as estruturas mais notáveis sejam dobras (definido-se um sinclinório de


direcção axial E-W, a deformação regional é dominada por importantes carreamentos (thrust)2

Na estrutura regional abundam lineações indicadoras da direcção geral do movimento


(eixo cinemático a ).

ESTRUTURAS SEGUNDO a

Alongamento das almofadas de lava, das bombas e das brechas vulcânicas; deformação
dos fósseis e de manchas de redução; orientação preferencial dos cristais de
turmalina e das clorites; sombras de pressão; rodding; slickensides.

a. b.

c. d.

Fig.9.2- a. Sombras de pressão em torno de cristais de pirite (Trebarwith)


b. Estruturas de estiramento (pinch-and-swell) (Trebarwith Strand)
c. Slickensides (observadas em falhas inversas, por vezes, back-thrusts) (Tintagel)
d. Rodding (Rocky Valley)

2
A estrutura regional é, efectivamente, mais complexa, pois a área não foi sujeita a uma única fase de deformação.

242
ESTRUTURAS SEGUNDO b

Eixos de dobras parasíticas (drag folds), boudinage (e pinch-and-swell); fracturas de


tracção.

a. b.

c. d.

Fig.9.3- a., b., c. Dobras assimétricas (“drag folds”; estruturas pinch-amd-swell dobradas, em a. e em c.?) (Martin
Combe, N. Devon). De notar que nas dobras observadas em a. e c. demonstram que a história geológica regional
é
mais complexa do que a simples subordinação a um carreamento.
d. Estruturas colunares (Mullions) (Rillage Point, N. Cornualha)

As fracturas de tracção ocorrem, frequentemente, em échellon, definido zonas de


cisalhamento frágil-dúctil esquerdas. Por vezes, transitam a fracturas de corte (Fig.9.4-d),
demonstrando um regime de rotura variável, em relação com uma pressão intersticial oscilante
em torno de um valor crítico, de acordo com a lei das tensões efectivas.

243
OUTROS ASPECTOS

Cisalhamentos esquerdos, refracção da clivagem (ao passar dos xistos para as


almofadas de lava, mais competentes)e a orientação da clivagem ou da xistosidade,
relativamente ao plano do carreamento.

a. Trebarwith b. (Bude)

c. (Baggy Point) d.
Fig.9.4- Fendas de tracção (veios sigmoidais) en échellon, definido zonas de cisalhamento esquerdas

Um aspecto curioso é o da ocorrência de grandes chevrons recumbentes em Boscastle


(Fig.9.5). Aí, a atitude das dobras contrasta com a das dobras de menor dimensão
(mesoscópicas), mas com a mesma geometria, abundantemente observadas nas rochas
carboníferas, entre Bude e Hartland Point. Nestas últimas, as dobras são horizontais-normais
(i.e., eixo sub-horizontal e plano axial sub-vertical).

244
Fig.9.5- Grandes dobras em chevron, afectando rochas vulcanoclásticas devónicas, em Boscastle

Uma razão que tem sido avançada (v. N.J. Price e J.W. Cosgrove, 1990) para explicar a
atitude das dobras em Boscastle apoia-se numa analogia com chevrons mesoscópicos, em que
uma das bandas é, subsequentemente, deformada, como a Fig. 9.6 ilustra. Se assim foi, na área
de Boscastle teriam existido chevrons horizontais-normais de grande dimensão que,
actualmente, não se poderão observar.

Fig.9.6- Dobras em chevron mesoscópicas. O dobramento de uma das bandas destas dobras origina dobras
menores (chevrons, também) recumbentes. (Blackpool Sands, S. Devon)

Conclusão
Todas as estruturas menores conferem à estrutura regional uma simetria monoclínica e
indicam o sentido do movimento geral, implicado por carreamentos.

245
SISTEMAS DE UNIDADES , SI E cgs

• UNIDADES FUNDAMENTAIS

M L T
SI kg m s
cgs g cm s

• UNIDADES DERI VADAS

Área Volume Densidade Aceleração Força Tensão Viscosidade


Dimensões L2 L3 M L-3 LT-2 M LT-2 M L-1T-2 M L-1T-1

SI m2 m3 kg m –3 m s-2 newton (N) pascal (Pa) Pa s = N s m-2

cgs cm2 cm3 g cm-3 cm s-2 dine dine cm-2 poise (P)

SI/cgs 104 106 10-3 102 105 10 10

Exemplo:
3
Cálculo da pressão litostática (pL) a 2 km de profundidade (densidade média das rochas, ρ = 2,4 g cm- )
cgs SI
ρ 2,4 g cm -3
2400 kg m –3
g 980 cm s-2 9,8 m s-2
z 2 .10 5 cm 2 .10 3 m
pL = ρ g z 4,7 .10 8 dine cm
-2
4,7 .10 7 Pa = 47 MPa

246
TABELA DE CONVERSÃO DE UNIDADES DE TENSÃO

atmosfera kg. cm−2 dine.cm−2 bar newton. m−2 MPa psi


6 5
atmosfera 1,0 1,0333 1,0133 . 10 1,0133 1,0133 . 10 1,0133 . 10−1 14,695
6 5
kg. cm−2 0,9678 1,0 0,9807 . 10 0,9807 0,9807 . 10 0,9807 . 10−1 14,223
dine.cm−2 0,9869 . 10−6 1,0197 . 10−6 1,0 10−6 10 −1
10−7 14,503 . 10−6
bar 0,9869 1,0197 106 1,0 105 10−1 14,503
newton. m−2 0,9869 . 10−5 1,0197 . 10−5 10 10−5 1,0 10−6 14,503 . 10−5
7 6
MPa 9,869 10,197 10 10 10 1,0 145,03
psi 6,805 . 10−2 7,031 . 10−2 6,895 . 104 6,895 . 10−2 6,895 . 103 6,895 . 10−3 1,0

Obs.: 1 MPa (megapascal) = 106 Pa (pascal)


psi (=lb/in2) : libras por polegada ao quadrado (pounds per square inch)

Exemplo de leitura: 1 atmosfera = 1,0333 kg. cm−2 ; 1MPa = 107 dine.cm−2

247
QUADRO SINÓPTICO DE ESTRUTURAS GEOLÓGICAS (mod. de J. Macaudière, 1972)

248
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