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GEOLOGIA ESTRUTURAL
(PARTE I)
2 0 0 2
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 1
1. ESTADO DE TENSÃO 8
1.1. INTRODUÇÃO 8
1.2. DEFINIÇÃO E NOTAÇÃO DAS COMPONENTES DE TENSÃO 9
1.3. TENSÕES PRINCIPAIS 13
1.4. SINAIS CONVENCIONAIS DAS TENSÕES 14
1.5. TENSÕES ACTUANTES NUMA FACETA DE ORIENTAÇÃO CONHECIDA 15
1.5.1. Estado de tensão bidimensional 17
1.5.1.1. Diagrama de Mohr a duas dimensões 18
2. ESTADO DE DEFORMAÇÃO 31
2.1. CONCEITO DE DEFORMAÇÃO 31
2.2. PARÂMETROS DE DEFORMAÇÃO 32
2.2.1. Extensões 33
2.2.2. Cisalhamentos 36
2.3. A DEFORMAÇÃO COMO FENÓMENO PROGRESSIVO 39
2.3.1. Trajecto de deformação 39
2.3.2. Velocidade de deformação 40
2.3.2.1. Subsidência 40
2.3.2.5. Dobramento 44
2.3.2.6. Falhamento 45
ii
2.4. DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA E DEFORMAÇÃO HETEROGÉNEA 48
2.5. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA A 2 DIMENSÕES 51
2.5.1. Elipse de deformação 51
2.5.2. Deformação rotacional / irrotacional e coaxial / não-coaxial 55
2.5.3. Casos particulares de deformação homogénea (a 2-D) 56
2.5.4. Determinação da elipse de deformação 58
2.5.4.1. Reconhecimento das direcções principais da deformação finita 59
iii
4. DOBRAS 106
4.1. INTRODUÇÃO 106
4.2. DESCRIÇÃO GEOMÉTRICA DAS DOBRAS 107
4.2.1. Descrição de uma superfície singular dobrada 107
4.2.1.1. Perfil de uma dobra: linhas e pontos notáveis 109
4.6.3. Dobramento por escorregamento laminar (shear folding, slip folding) 140
4.6.3.1. Deformação interna 141
4.6.3.2. Deformação de uma lineação preexistente 142
iv
4.8.2. Dobramento de multiestratos 153
4.8.2.1. Estudos analíticos 153
v
7. DIACLASES 211
7.1. INTRODUÇÃO 211
7.2. DESCRIÇÃO DAS DIACLASES 212
7.2.1. Forma de ocorrência 212
7.2.2. Dimensão 213
7.2.3. Orientação 213
7.2.4. Frequência 216
7.2.5. Abertura, preenchimento e rugosidade 217
7.3. GÉNESE DAS DIACLASES 219
7.4. DIACLASAMENTO DE ROCHAS MAGMÁTICAS 222
8. LINEAÇÕES 226
8.1. DEFINIÇÃO 226
8.2. TIPOS DE LINEAÇÕES 227
8.2.1. Estrias de deslizamento 228
8.2.2. Boudinage 230
8.2.3. Bastões de quartzo 232
8.2.4. Estruturas colunares 234
8.2.5. Lineações minerais 236
8.3. Relação entre lineações e dobramentos sintectónicos 240
BIBLIOGRAFIA 249
vi
INTRODUÇÃO
Se bem que métodos indirectos (nomeadamente, de índole geofísica, tais como estudos
gravimétricos e magnéticos), técnicas experimentais (tais como ensaios laboratoriais e modelação
laboratorial) e a análise físico-matemática (modelação matemática ou simulação computacional)
contribuam cada vez mais para a compreensão dos fenómenos geológicos, a Geologia continua,
primordialmente, a ser uma “ciência de campo”. É no terreno que o geólogo faz as suas primeiras
observações e colhe as suas amostras. É, normalmente, ao terreno que regressa, para conferir,
confirmar, infirmar ou rejeitar as conclusões a que as observações laboratoriais ou as análises
teóricas o tenham conduzido.
No campo, o geólogo observa o arranjo espacial das rochas, que agrupa, localmente, em
“formações”, isto é, conjuntos de rochas com características litológicas e/ou paleontológicas que lhe
conferem uma certa homogeneidade de fácies que as torna distinguíveis das restantes, com que
contacta e tais que constituem uma unidade cartografável. Este agrupamento das rochas em
formações (assim como, a definição de subunidades e o estabelecimento de correlações) é o
objectivo da Estratigrafia. São outros os objectivos da Geologia Estrutural: aqui, os trabalhos são
dirigidos no sentido de elucidarem a arquitectura dos materiais litológicos deformados e, em
particular, as rochas. Num sentido mais lato, a Geologia Estrutural abrange a Tectónica, ciência que
estuda as forças e os movimentos envolvidos nos fenómenos geológicos, nomeadamente, as forças
e os movimentos que ocasionam os sismos ou os que produzem as estruturas geológicas.
Falando-se de estruturas, convém ter presente que o termo pode ser usado em duas
acepções distintas:
i. significando uma forma bem definida assumida por uma unidade litológica, como, por
exemplo uma dobra, uma falha, etc. (Figs.i1, i2);
ii. significando a organização ou configuração de um corpo, como, por exemplo, em
“estrutura dos Alpes”, “estrutura do Complexo de Bushweld”, etc.
1
Fig.i2- Estruturas envolvendo fracturação (uma falha, uma zona de cisalhamento e boudinage de um dique)
A relação entre a primeira e a segunda acepção é análoga à que existe entre uma letra do
alfabeto e uma palavra (ou uma frase, ou um texto). À primeira acepção corresponde uma fase
analítica dos estudos de Geologia Estrutural ; à segunda, uma fase de síntese. Nessa análise
intervém a observação de “marcas” de deformação, nomeadamente, corpos distorcidos (Fig.i3).
A transposição da análise estrutural para uma síntese estrutural não é uma simples
somatório de observações, nem corresponde, como se poderia supor, a uma simples mudança de
escala de observação (como seria, por exemplo, passar de observações de estruturas no terreno a
observações feitas a partir de um avião ou de um satélite artificial).
Na verdade, o problema da escala de observação isto é, da correlação entre observações
feitas a diferentes escalas coloca-se, desde logo, na fase analítica do estudo das estruturas
geológicas.
2
Fig.i4- Dobras e fracturação desde a escala microscópica à megascópica
A escala de observação pode variar de forma muito acentuada (Fig.i.5 cf. Fig.i1-4). Poderão
observar-se deslocamentos, desde os prevalecentes ao nível da estrutura atómica dos cristais
(densidade de deslocações, organização espacial das deslocações, estruturas subgranulares,
geminações submicroscópicas, etc.), até deslocamentos envolvendo as maiores unidades
tectónicas reconhecidas, as placas litosféricas.
Fig.i5- Estruturas observadas ao microscópio electrónico de transmissão (cristal muito deformado, com elevada
densidade de deslocações, com emaranhados definindo bandas de deformação; cristal com alguma recuperação da
deformação, em que as deslocações – em menor número – apresentam duas orientações preferenciais, correspondentes à
activação de dois sistemas de escorregamento; cristal recristalizado, com uma densidade de deslocações muito menor. Em
baixo, estádio inicial de um agregado de cristais de plagióclase e, à direita, o produto final de uma recristalização desses
cristais. As microfotografias de cima corresponder-se-ão, grosso modo, com as de baixo.
3
As observações afectam, pois, entidades de dimensões que vão desde 10-6 cm até cerca de
108 cm, ou seja, uma gama de 15 ordens de grandeza. Entre aqueles valores extremos, um sem
número de situações: deslocamentos intergranulares, deslocamentos correspondentes a estruturas
observáveis em amostra de mão (estruturas mesoscópicas), em afloramentos da ordem do metro
de extensão (estruturas macroscópicas), ou à escala regional (estruturas megascópicas). Apesar da
grande disparidade de escalas de observação, o objectivo do geólogo estruturalista é, sempre,
estabelecer relações entre os diferentes dados de observação e integrá-los coerentemente.
Importa, ainda, não esquecer que fenómenos de natureza química têm, também lugar na
deformação (Fig.i6). Por exemplo, a deformação promove a difusão diferencial dos elementos
químicos (e dos minerais) e as transformações químicas podem facilitar a deformação plástica dos
minerais e dos seus agregados.
Fig.i6- Fenómenos de difusão quimica à escala submicroscópica (decomposição spinodal num cristal de plagióclase,
com bandas com uma largura da ordem da centena do angstrom) e à escala mesoscópica (segregação de quartzo associado
a dobramento e bandagem metamórfica que se estende por dezenas de metros)
No estudo das estruturas patentes nas rochas, desde logo se levanta um problema: o da
distinção entre estruturas primárias e estruturas secundárias. Dizem-se primárias (Fig.i7) aquelas
estruturas resultantes de processos sedimentares (como, por exemplo, marcas de ondulação e
fendas de dessecação) ou de processos magmáticos (estruturas fluidais ou estruturas formadas
durante a consolidação do magma). Mas, não são estas as estruturas que, em geral, interessam ao
estruturalista. A este interessam, especialmente, as estruturas resultantes da deformação de rochas
preexistentes, por efeito de tensões sobre elas exercidas. Frequentemente (mas não
necessariamente), estas estruturas secundárias acompanham ou são parte integrante de
manifestações de metamorfismo.
4
Fig.i.7- Várias estruturas primárias (fendas de dessecação, estruturas sedimentares, um dique,
estratificação magmática). Note-se que o dique, porque está deformado, pode ser importante
para a análise estrutural regional
5
Aquele segundo objectivo constitui um projecto ambicioso, pois, apesar dos inúmeros
progressos resultantes dos numerosos trabalhos experimentais e teóricos levados a cabo,
especialmente, durante os últimos trinta anos, as respostas ainda são muito precárias. Vários
factores contribuem para a complexidade das situações com que o geólogo se depara:
i. em cada momento da história da deformação de uma dada rocha, existe uma relação
particular entre a deformação incremental (infinitesimal) e o estado de tensão momentâneo, pelo
que só a partir de estruturas formadas instantaneamente se poderão inferir estados de tensão; de
outro modo, determinar-se-ão estados de tensão médios, para uma certa área e um dado período
de tempo;
ii. a anisotropia mecânica das rochas;
iii. o complexo comportamento reológico das rochas, dado que os mecanismos básicos que
comandam o fluxo dos minerais e seus agregados - as rochas - variam no espaço e no tempo.
Sobre este último aspecto, têm-se conseguido notáveis avanços nos últimos vinte anos. A
aplicação de conceitos da Termodinâmica permite determinar a probabilidade de presença de
defeitos nas estruturas cristalinas, estabelecer as equações que regem a sua mobilidade e
determinar os seus modos de organização espacial mais estáveis. Daí, poderão inferir-se
mecanismos de deformação e as condições em que cada um desses mecanismos prevalece, num
dado mineral (Fig.i9).
Fig.i9- Mapa de mecanismos de deformação para a olivina (d=0,1 mm). (Stocker & Ashby, 1973)
6
No entanto, se bem que, qualitativamente, muito se tem avançado (através de análises
teóricas), a determinação dos mecanismos de deformação prevalecentes em cada mineral, em
função de diferentes variáveis físicas (tensões exercidas, temperatura, dimensão do grão mineral),
abrange uma lista muito limitada de minerais (nomeadamente, quartzo, calcite, olivina, halite e
gelo), pois isso exige o conhecimento, para cada mineral, de parâmetros físicos (coeficientes de
difusão dos átomos, diversas energias de activação, por exemplo), cuja determinação experimental
é complexa.
Mas, se tais estudos de microfísica estão, ainda, numa fase de desenvolvimento, já a
abordagem macrofísica da Reologia (i.e., a análise da elasticidade das rochas, a determinação das
condições de fracturação das mesmas e a caracterização geométrica da deformação das rochas) é
uma questão trivial.
7
1. ESTADO DE TENSÃO
1.1. INTRODUÇÃO
Sobre qualquer corpo situado no seio da crusta terrestre actuam forças que tenderão a
deslocá-lo, a deformá-lo ou a fracturá-lo: o corpo está sujeito a um estado de tensão.
i. Forças distribuídas, i.e., forças que actuam em todos os pontos de um corpo e que
resultam da situação desse corpo num campo de forças tal como um campo gravitacional ou um
campo electromagnético;
ii. Forças externas, i.e., forças que pressupõem uma superfície externa em que se
aplicam, no corpo onde actuam.
A estas últimas forças associa-se a noção de tensão, grandeza que melhor exprime a
importância das forças exercidas sobre o corpo actuado. Efectivamente, observando a Fig.1.1,
intuitivamente, se tem a noção de que a força exercida sobre o corpo A terá um efeito menor
sobre esse corpo que o produzido por igual força no corpo B. A disparidade dos
comportamentos resulta das diferentes áreas das superfícies de aplicação da força actuante.
8
Uma tensão define-se como sendo a força exercida por unidade de área. No Anexo I,
dá-se uma tabela de conversão das unidades de tensão correntemente encontradas na literatura
geológica. Actualmente, as unidades mais frequentemente usadas são, em tectonofísica, o
megapascal (1MPa =106 Pa) ou o gigapascal (1GPa =109 Pa) e, em textos mais gerais, o
quilobar (1kbar =103 bar). Como se depreende daquele quadro, 1kbar = 102 MPa.
Seja δF a resultante das forças actuantes num ponto O de um dado corpo (Fig.1.2.).
Sendo δA a área de um elemento de superfície plano (faceta) centrado em O, a tensão nesse
ponto, através da faceta considerada, é definida como sendo:
δF
pON = lim (1.1)
δA=0
δA
δFn
δF = δFn + δFt ⇒ σ = lim (1.2)
δA=0 δA
δFt
⇒ τ = lim (1.3)
δA=0 δA
N N
9
δF δF
δFn
δA O δA O
δFt
a. b.
Fig.1.2- a) Força δF actuante numa faceta normal a ON e de área δA
b) Decomposição de δF segundo a normal à faceta (δFn) e tangencialmente à faceta (δFt)
será designada por δFzx e a que actua segundo OY, por δFzy. Como se vê, nesta notação, o
primeiro subíndice numa componente de corte indica a direcção da normal à faceta e o segundo
subíndice especifica a direcção de actuação da força tangencial.
TO = δFt Z
UO = δFzx
VO = δFzy δF δFzy
O V
Y
δA V Y
δFz
O δFt δFzx δFt
U T
U
T
X
X
a. b.
Fig.1.3- a) Decomposição de δF em δFZ e δFt e desta, por sua vez, em δFzx e δFzy.
b) Pormenor de a), ilustrando a decomposição de δFt no plano da faceta
OZ é a normal à faceta e [XYZ] é o referencial cartesiano adoptado.
10
Dada esta decomposição da força actuante na faceta considerada, a definição das
correspondentes componentes do estado de tensão em O, através dessa faceta, far-se-á de
acordo com as seguintes equações (v. Fig.1.3):
δFz
σ z = δA=0
lim (1.5)
δA
σy τyx τyz
σx τxy τxz
τzx τzy σz
Z
σz σx
11
τxy
τzy
τzx
τyz τyx
τxz O Y
σY σY σY
τxy τyx τyx
σx Y
τxy
X X σx
a. b.
Fig.1.4- a) Cubo de aresta infinitesimal, orientado segundo o referencial cartesiano adoptado, [XYZ]. As tensões
actuantes
nas suas faces correspondem às nove componentes do estado de tensão em O (centro do cubo)
b) Representação da faceta normal a Z, indicando-se as tensões exercidas nas quatro facetas paralelas a Z.
Se se admitir que o corpo (e, portanto, o elemento cúbico representado na Fig.1.4.) não
se move, os momentos criados pelas forças actuantes (as quais ocasionariam rotações em torno
de OX, OY e OZ) deverão anular-se, ou seja,
Forçaij x braço − Forçaji x braço = 0
Para que não haja, por exemplo, uma rotação do cubo em torno de Z (v. Fig. 1.4-b), ter-se-á:
1
Note-se que, sendo o cubo infinitesimal, o seu centro e os seus vértices confundem-se num ponto único (o ponto O,
cujo estado de tensão se pretende descrever).
12
Analogamente, para obstar rotações do cubo em torno de X e de Y, concluiremos que
τzy = τyz e τxz = τzx (1.9b,c)
σx τxy τxz
τxz τyz σz
σ3 ≤ σ2 ≤ σ1
Poderemos, então, definir tensão principal como sendo uma tensão normal exercida
sobre uma faceta onde a componente de corte é nula.2
Portanto, se o referencial adoptado for tal que os eixos tenham as direcções das tensões
principais (que são, sempre, três direcções perpendiculares entre si), a matriz que descreve o
estado de tensão será da forma:
σ1 0 0
0 σ2 0 (1.11)
0 0 σ3
2
A recíproca também é verdadeira.
13
Naturalmente, o estado de tensão num ponto pode ser definido recorrendo a qualquer
referencial cartesiano. Contudo, a forma mais simples de o fazer é através das tensões
principais, como decorre da comparação das matrizes 1.10 e 1.11.
J1 = σ1 + σ2 + σ3 = σx + σy + σz (1.12a)
Portanto, diferentes matrizes da forma 1.10 e uma matriz da forma 1.11 descreverão o
mesmo estado de tensão num ponto se (e só se) os elementos dessas matrizes satisfizerem as
três equações, 1.12a, b, c.
Uma tensão normal pode ser compressiva ou pode ser tractiva. A distinção deste
carácter faz-se mediante a atribuição de um sinal convencional, de mais (valor positivo) ou de
menos (valor negativo). A convenção adoptada varia de autor para autor e, frequentemente,
consoante a natureza do problema em causa.
14
tensões normais compressivas são negativas;
tensões normais tractivas são positivas.
Ao ler qualquer trabalho, deve-se, pois, ter em conta a convenção de sinais adoptada.
Em Geologia Estrutural, encontram-se exemplos de ambas as notações, mas, em
trabalhos de índole geral e em Tectónica, a convenção mais frequente é a adoptada em
Mecânica das Rochas.
Para se passar de uma convenção para outra, e tratando-se de tensões principais, todas
as tensões mudarão de sinal e σ1 e σ3 trocarão entre si.
As tensões de corte subordinam-se, também, a uma convenção de sinal, consoante o
sentido da sua actuação. Em Mecânica das Rochas, uma tensão de corte é considerada positiva
quando dirigida para a esquerda da normal (vista da faceta para fora) à faceta em que actua
(Fig.1.5).
σ + va σ − va
τ + va τ − va
a. b.
Fig.1.5- Convenção de sinais mais comum em Mecânica das Rochas: em a) as componentes normal e de corte
são positivas; em b) as mesmas componentes são negativas.
15
do ponto de vista analítico, em usar os chamados co-senos directores da normal ao plano. Eles
designam-se pelas letras l, m e n, definindo-se assim:
l2+m2+n2=1 (1.14)
Z (σ3)
σ
φ3
φ1
τ
φ2
O
Y
(σ2)
X (σ1)
Fig.1.6- Tensão normal (σ) e tensão de corte (τ) actuantes numa faceta que passa pelo ponto O.
A orientação da faceta relativamente aos eixos coordenados é definida pelos ângulos φ1, φ2 e φ3
Antes de abordarmos a situação geral de um estado de tensão triaxial (como tem vindo
a ser feito), comecemos por considerar uma situação a duas dimensões. Na verdade, o estado
de tensão num ponto, frequentemente, é independente de uma das três direcções principais.
Nesse caso, os problemas tornam-se bidimensionais e, portanto, mais simples. Além da sua
possível aplicabilidade na prática, a consideração de estados de tensão bidimensionais tem
interesse didáctico, pois permite, por generalização dos conceitos, compreender mais facilmente
a situação geral de estados de tensão triaxiais.
16
1.5.1. Estado de tensão bidimensional
Neste caso, em vez do cubo descrito na Fig.1.4, bastará considerar um elemento
infinitesimal quadrangular, centrado em torno do ponto considerado (Fig.1.7).
Y Y
65
26
26 σ2 = 20
O O
35 X X
σ1 = 80
a. b.
Agora, também surgem invariantes do estado de tensão, mas que se reduzem a duas:
J 1 = σ1 + σ2 = σ x + σy (1.16a)
J2 = σ1 σ2 = σx σy − τxy2 (1.16b)
Y (σ2 )
N
σ
τ
O X (σ1 )
Fig.1.8- Considerada uma faceta que passa por O, de orientação conhecida relativamente às direcções das tensões
principais, é possível determinar a componente normal (σ) e a componente de corte (τ ) actuantes nessa faceta.
17
Como ficou dito, vamos adoptar uma resolução geométrica, a qual passa pela definição
do chamado diagrama (ou círculo) de Mohr.
σ2
φ P N
τ τ φ
O σ1
τP P
2φ
0 σ2 σ1 0 σ2 σP σ1
½(σ1+σ2) ½(σ1-σ2)
Fig.1.9- a) Definição do círculo de Mohr b) Resolução da situação ilustrada: o ponto P representa a faceta normal
a ON e as suas coordenadas (τP e σP) são as componentes, normal e de corte, nela actuantes.
No diagrama, os eixos coordenados são o eixo das tensões normais (em abcissas) e o
eixo das tensões de corte (em ordenadas), perpendiculares entre si e graduados nas mesmas
unidades de tensão. A origem corresponde a valores nulos daquelas componentes. A
circunferência tem o seu centro sobre o eixo das abcissas e intersecta esse eixo em dois pontos,
correspondentes aos valores de σ1 e de σ2 .3 Portanto, o raio da circunferência de Mohr é igual
a ½(σ1 − σ2).
Para determinar as componentes do estado de tensão numa faceta, cuja normal defina
um ângulo igual a Φ com σ1 , marca-se um ângulo igual a 2 Φ , a partir do ponto (σ1,o). O ponto
da circunferência de Mohr obtido (P, na Fig.1.9) representará a faceta considerada e as suas
coordenadas (τP e σP ) são as componentes pretendidas.
Dada a simetria do diagrama de Mohr, habitualmente, só se traça uma
semicircunferência, pelo que o eixo das ordenadas dá, apenas, os valores absolutos das
3
Note-se que, por convenção, σ2 ≤ σ 1
18
tensões de corte. O sentido de uma tensão de corte, então calculada, obter-se-á, atendendo ao
critério descrito na Fig.1.10.
σ1 σ2
Fig.1.10- Na faceta F, o sentido das componentes de corte é o da convergência para O, nos sectores
bissectados por σ1 , e o da divergência a partir de O, nos sectores bissectados por σ2. (N.B.:
pressupõe-
se a convenção de que as tensões normais positivas são compressivas)
σ2
τ F1
F1’ F1 σ=½(σ1+σ2)
½(σ1−σ2)
τ=½(σ1−σ2)
0 σ1
τ=−½(σ1−σ2)
F2
σ=½(σ1+σ2)
σ2 0 σ2 σ1 σ1 σ
−½(σ1−σ2) F2’ F2
Fig.1.11- Diagramas de Mohr que descrevem dois estados de tensão distintos. Em qualquer dos casos, a tensão de
corte máxima ocorre através das facetas (F1 e F2) orientadas a 45º das direcções das tensões principais.
O seu valor também é o mesmo, pois, neste caso, (σ1 − σ2) é constante.
19
1.5.2. Diagrama de Mohr (estado de tensão triaxial)
O diagrama de Mohr definido para estados de tensão bidimensionais pode ser estendido
a situações triaxiais.
As componentes do estado de tensão observadas numa faceta que contenha uma das
direcções principais podem ser determinadas, recorrendo a um diagrama de Mohr bidimensional
(Fig.1.12). Por exemplo, se uma faceta contém σi , as componentes de tensão nela actuantes
podem ser determinadas sobre a circunferência de Mohr σj − σk (i, j, k =1, 2, 3).
τ
Cada ponto P da circunferência
representa uma faceta que contém
σ1 e cuja normal define um ângulo
P φ1 com σ2 (ou seja, 90º− φ1 com σ3).
2φ1
0 σ3 σ2 σ
τ Q
Cada ponto Q da circunferência
representa uma faceta que contém
σ2 e cuja normal define um ângulo
φ2 com σ1 (ou seja, 90º− φ2 com σ3).
2φ2
0 σ3 σ1 σ
τ
Cada ponto R da circunferência
representa uma faceta que contém
σ3 e cuja normal define um ângulo
R φ3 com σ1 (ou seja, 90º− φ3 com σ2).
2φ3
0 σ2 σ1 σ
Fig.1.12- Diagramas de Mohr que descrevem os estados de tensão bidimensionais, ocorrentes em cada um dos
planos principais (σ1−σ2, σ2−σ3 e σ1−σ3) de um estado de tensão triaxial
20
Demonstra-se que diferentes facetas com uma inclinação constante relativamente, por
exemplo, à direcção de σ3 (ou seja, a cujas normais corresponde um valor fixo do co-seno
director n), corresponderão, no diagrama de Mohr, a circunferências concêntricas com a
circunferência σ1 − σ2 (a qual corresponde ao lugar geométrico dos pontos representativos de
facetas, cujas normais tenham um co-seno director n = 0).
Analogamente, o traçado de circunferências concêntricas à correspondente a l = 0
(circunferência σ3 − σ2 ) permite definir facetas a inclinações constantes de σ1 , enquanto que
circunferências concêntricas à correspondente a m = 0 (circunferência σ3 − σ1 ) permite definir
facetas a inclinações constantes de σ2 (Fig.1.13).
τ
τ 0>n>1
0>l>1
n=0
l=0
0 0 σ3 σ2 σ
σ2 σ1 σ
0 σ3 σ2 σ1 σ
Fig.1.14- Diagrama de Mohr aplicável a estados de tensão triaxiais. Só pontos da área sombreada representam
2 2 2
facetas, pois a todos os outros pontos do diagrama corresponderia uma soma l +m +n = 1
21
Dado que os co-senos directores (l, m e n ) de qualquer recta (referida a eixos
rectangulares) são tais que l 2+ m 2+ n 2
= 1, o ponto representativo de uma dada faceta (cuja
orientação é definida pelos ângulos que a sua normal define com as três direcções principais, ou
pelos correspondentes co-senos directores) cai sempre dentro do domínio sombreado na
Fig.1.14.
O ponto do diagrama correspondente a uma dada faceta pode ser determinado, desde
que se conheçam dois dos co-senos directores da sua normal (uma vez que sendo l2+m2+n2
igual a 1, basta conhecer dois deles para que o terceiro fique determinado, em valor absoluto).
Ou seja, basta conhecer dois dos ângulos que a normal essa faceta define com as direcções
principais.
Na prática, depois de ter traçado o diagrama de Mohr, para determinar o ponto
representativo de uma dada faceta, procede-se da seguinte maneira (Fig.1.15):
Z (σ1)
N φ1 = NÔX ; l = cos φ1
φ2 = NÔY ; m = cos φ2
σP φ3 = NÔZ ; n = cos φ3
τP ( l2 + m2 + n2 = 1 )
O Y (σ2)
P
X (σ3)
Fig.1.15- Construção de Mohr para a determinação da tensão normal (σP) e da tensão de corte (τP) ocorrentes numa
faceta
com a orientação ilustrada, para um estado de tensão, no ponto O, definido por σ1, σ2 e σ3, dados.
22
i. Define-se um arco igual ao dobro do ângulo que a normal à faceta define com σ1 ,
sobre a circunferência σ1 − σ2 (obtendo-se o ponto A), ou sobre a circunferência σ1 − σ3
(obtendo-se o ponto B), sendo esse arco medido a partir do ponto de abcissa σ1 ;
iii. Define-se, a partir do ponto de abcissa σ3, um arco igual ao dobro do ângulo que a
normal à faceta define com σ3 , sobre a circunferência σ3 − σ2 (obtendo-se o ponto C), ou sobre a
circunferência σ3 − σ1 (obtendo-se o ponto D);
O ponto de intersecção dos dois arcos traçados em ii. e iv. (ponto P, na Fig.1.15) é o
ponto representativo da faceta considerada e as suas coordenadas são as componentes (normal
e de corte) do estado de tensão em O, segundo aquela faceta.
Da construção de Mohr (Fig.1.16) é evidente que, qualquer que seja o estado de tensão
triaxial, a tensão de corte máxima ocorre segundo as duas facetas que se intersectam segundo a
direcção de σ2 e que bissectam as direcções de σ1 e σ3 .
½ (σ1 + σ3)
23
Fig.1.16- Facetas onde ocorrem máximos relativos de tensão de corte.
τ UNIAXIAIS τ
σ3=σ2=0 σ1 σ σ3 σ1=σ2=0 σ
τ BIAXIAIS τ τ
τ τ
CORTE PURO COMPRESSÃO HIDROSTÁTICA
24
Definem-se as seguintes situações de estados de tensão:
i. Uniaxiais (Fig.1.17a,b): duas das tensões principais são nulas; podem ser
compressivos (σ1>0) ou tractivos (σ3<0);
ii. Biaxiais (Fig.1.17c): uma (e só uma) das tensões principais é nula; um caso particular
− dito de corte puro − corresponde à situação em que σ2=0 e σ1=|σ3| (Fig.1.17d):
iii. Hidrostáticos (Fig.1.17e): as três tensões principais são iguais; um estado hidrostático
pode ser compressivo (situação de um corpo no seio de um líquido) ou tractivo (análogo à da
situação de enchimento de um balão).
ii. Outra, causadora de distorção - componente deviatórica - dada pela diferença entre a
componente normal total e o valor da componente hidrostática.
Assim, a tensão normal (σ ) actuante segundo uma faceta pode ser decomposta em
duas partes:
− tensão hidrostática, σ ;4
4
Alguns autores designam-na por tensão isotrópica.
25
Passar-se de um estado de tensão (real) para o estado de tensão deviatórico
corresponde, do ponto de vista da construção de Mohr, a uma translação das circunferências
desse diagrama, ou seja, modificam-se os valores das tensões normais actuantes nas facetas,
mas não os das tensões de corte. Este resultado é, de resto evidente, se atendermos à
inexistência de tensões de corte nos estados de tensão hidrostáticos.
Em termos gerais, a decomposição acima referida traduz-se pela seguinte
decomposição da matriz 1.8
Uma hipótese corrente em Geologia, válida como uma primeira aproximação, é a de que
um corpo no seio da crusta terrestre está sujeito a um estado de tensão hidrostático, designado
por tensão litostática.5 Ela resulta do peso das rochas sobrejacentes, equivalendo ao peso de
uma coluna cilíndrica de altura z (profundidade a que se situa o corpo considerado) e de base
com uma área unitária. O seu valor é dado por
pz = ∫ ρ(z) g dz (1.26)
5
Este estado de tensão litostático foi designado por Anderson, ao considerar a formação de falhas, por estado standard.
26
Sendo ρ(z) praticamente constante e igual a um valor médio ρ, aquela expressão toma a
forma
pz = ρ g z (1.27)
Fazendo
g = 981 cm.s-2 ≅ 1000 cm.s-2
conclui-se que
pz ≅ 10 ρ z MPa (z, km) (1.28)
O estado de tensão num ponto pode ser descrito pela quádrica de tensão de Cauchy, a
qual, referida às direcções principais do estado de tensão é expressa pela equação
σ1 x2 + σ2 y2 + σ3 z2 = ± k2
em que k é uma constante arbitrária . Sendo as tensões principais todas compressivas ou todas
tractivas, aquela superfície é um elipsóide de semieixos iguais a k/√σ1 , k/√σ2 , k/√σ3 .
Em Geologia, frequentemente, em vez do elipsóide de Cauchy usa-se o elipsóide de
tensão de Lamé, que difere daquele por os semieixos (definidos também ao longo das direcções
principais) serem iguais a σ1 , σ2 , σ3 (Fig.1.18).
σ3
σ2 σ1
27
Um elipsóide de tensão, tal como um diagrama de Mohr, descreve o estado de tensão
num ponto. A completa descrição do estado de tensão num corpo requer a especificação do
estado de tensão em todos os seus pontos. Assim, a especificação do elipsóide de tensão para
cada ponto desse corpo dá uma imagem clara da variação do estado de tensão (em grandeza e
orientação) de ponto para ponto desse corpo.
Trajectórias de tensão ou isostáticas são linhas (geralmente curvas) que em cada ponto
são tangentes às direcções das tensões principais. Como estas direcções são perpendiculares
entre si, as isostáticas, numa situação bidimensional, constituem duas famílias de curvas
ortogonais (i.e., intersectam-se, sempre, segundo ângulos rectos) e, numa situação
tridimensional, constituem três famílias de curvas ortogonais (Fig.1.19).
As situações representadas na Fig.1.19 são bidimensionais. No caso da Fig.1.19-a, tal
será válido, na medida em que a área crustal em causa puder ser considerada como
homogénea em torno da vertical de A. Em Geologia, tal hipótese simplificadora é usualmente
admitida, quando se consideram estados de tensão em blocos crustais.
a. b.
Fig.1.19- a) Isostáticas para o estado de tensão originado por uma tensão compressiva exercida em A.
Essa compressão poderia resultar de uma intrusão de magma numa câmara subvulcânica, representada
pelo ponto A.
b) Isostáticas para o estado de tensão associado a uma abertura circular.
28
Na Fig.1.19 está, também, patente uma circunstância importante: sempre que uma
isostática encontra uma superfície livre (onde a tensão de corte é nula), ou intersecta-a segundo
um ângulo recto ou orienta-se tangencialmente a essa superfície.
29
- isópacas, curvas de tensão média, ½(σ1 + σ2), constante;
Neste capítulo, abordaram-se os conceitos de força (uma grandeza vectorial) e de estado de tensão (um
tensor de 2ª ordem).
> Devem-se usar tensões em problemas tais como os da produção de estruturas ou de fracturação.
N.B.: Problemas (enunciados e resoluções) sobre a matéria deste capítulo, assim como dos capítulos
subsequentes, podem ser vistos on-line noutra secção deste mesmo site (www.fc.up.pt).
30
2. ESTADO DE DEFORMAÇÃO
D’ C’
Y
D C
B’
A’
A B X
Fig.2.1- Deformação de um corpo ABCD. A forma e posição do corpo deformado são dadas por A’B’C’D’.
ii. Uma variação da posição relativa das partículas que formam o corpo, ou seja, uma
distorção desse corpo.
31
Fig.2.2- Zona de cisalhamento dúctil num metagabro (in. J.G. Ramsay & R.H. Graham, 1970). De um e outro lado
da z.c., vê-se a rocha original, não deformada, de estrutura granular.
ii. Uma modificação dos ângulos definidos por linhas concorrentes, traçadas no corpo
original (deformações de cisalhamento).
32
2.2.1. Extensões
B
B’
A
A'
l’ − lo δl
e= =
lo lo
λ = (1 + e)2 (2.4)
33
iii. Extensão de Hencky ou extensão logarítmica (ε) 1
l’
ε = ln
lo (2.5)
δli
ε = ∑ ei ⇔ ε=∑ lo
i i
1
Nos textos em inglês usam-se, como sinónimos, os termos logarithmic strain, true strain e natural strain.
Note-se, também, que o símbolo ε é, frequentemente, usado para designar extensões de Cauchy.
34
Acresce, ainda, que ela conduz a valores que se escalonam de uma forma mais
concordante com a nossa própria percepção da realidade física do que as outras definições de
extensão (v. Quadro 2.1)
Quadro 2.1- Valores dos diversos parâmetros de extensão, para diferentes variações relativas de comprimento (l’/lo)
SITUAÇÃO l‘ /lo e λ ε
Anulação de um segmento 0 -1 0 −∞
Redução de um segmento para metade do comprimento original 1/2 -1/2 1/4 −0,693
O segmento mantém o seu comprimento original 1 0 1 0
Duplicação do comprimento original de um segmento 2 1 4 +0,693
Extensão infinita do segmento original ∞ ∞ ∞ +∞
A título de exemplo, vejamos uma situação que muitas vezes tem sido usada para
determinar extensões longitudinais em rochas naturalmente deformadas. É o caso dos rostros de
belemnites que, situados num meio mais dúctil, tendem, quando estirados, a fracturar (Fig.2.3).
Admite-se, habitualmente, que os segmentos resultantes da fragmentação não foram
deformados, pelo que o comprimento original do rostro pode ser reconstituído, unindo esses
fragmentos.
2
Por vezes, em vez da análise da forma das próprias marcas, recorre-se a uma análise estatística da distribuição dessas
marcas na rocha deformada, face à hipotética distribuição dessas mesmas marcas, antes da deformação.
35
l’ = AB = 5 cm
lo = l1 + l2 + ... + l5
λAB = (l’ / lo )2
Fig.2.3- Determinação da extensão segundo a direcção AB, recorrendo a um rostro de belemnite fragmentado.
Admite-se, geralmente, que a extensão da rocha que o contém é a mesma, para aquela direcção
definida no corpo (rocha) deformado.
2.2.2. Cisalhamentos
i. Ângulo de cisalhamento ( ψ)
36
CORPO ORIGINAL CORPO APÓS DEFORMAÇÃO (duas situações distintas, possíveis)
B’ B’ ψ
ψ
O A
O’ A’ O’ A’
a. b.
Fig.2.4- Definição do ângulo de cisalhamento (ψ). O’A’ e O’B’ são as posições, no corpo deformado,
de dois segmentos que, no corpo original (não deformado), eram perpendiculares entre si.
De acordo com a convenção referida no texto, o cisalhamento seria positivo em a) e negativo em b)
j’ ψi j’
j’
Φ
i’
i’ i’
ψj
Φ = 42º
ψi = 48º ψj = −48º
Fig.2.5- Determinação do cisalhamento, relativamente a duas direcções inicialmente perpendiculares entre si.
Habitualmente escreve-se ψi = ψj = 90º− Φ; mas, em rigor, deverá escrever-se (aplicando uma convenção
de sinal): ψi = − ψj
37
ii. Deformação de corte (γ)
γ’ = γ / λ
em que λ é a extensão quadrática verificada na direcção considerada.
3
Aqui (como é habitual e se fará sempre durante o curso), uma designação de ponto, recta ou plano com plicas indica
que esse elemento geométrico está a ser observado no corpo deformado. Assim: O’ é o ponto resultante da deformação
do ponto O, original; r’ é a direcção de recta resultante da deformação da direcção de recta r, original, etc.
38
2.3. A DEFORMAÇÃO COMO FENÓMENO PROGRESSIVO
t=2Ma
t=1Ma
t=0
x
Fig.2.7- Possível história de deformação de um corpo originalmente quadrangular
39
εf
εf ε média =
tf - t0
ε = dε
Deformação
dt
0
t0 Tempo tf
Como se disse, entre o estádio inicial e o “final” (εf) muitos trajectos de deformação
poderiam ter ocorrido. Na prática, é impossível determinar perfeitamente a história de uma
deformação. No entanto, em algumas situações de estruturas menores, é possível determinar,
com alguma segurança, segmentos limitados de trajectos de deformação.
A sequência dos acontecimentos deformacionais pode ser mais ou menos rápida. Surge,
assim, a noção de velocidade de deformação (strain rate). Novamente, sendo a deformação
expressa por um dado parâmetro (extensão ou de cisalhamento), uma velocidade de
deformação é a derivada, em ordem ao tempo, desse parâmetro. Tal representa-se,
simbolicamente, sobrepondo um ponto ao parâmetro considerado:
dε e γ= dε (2.10a,b)
ε = dt dt
Qualquer destas duas velocidades de deformação, uma vez que os parâmetros de deformação
envolvidos são grandezas adimensionais, é expressa em (unidade de tempo)−1. A unidade
habitual é o por segundo (s−1).
40
O valor acima definido corresponde a uma velocidade média da deformação e, em limite,
definir-se-á uma velocidade instantânea, variável durante a história deformacional (cf. Fig. 2.8):
dε
ε=
dt
grandes sistemas de falha, como é o caso da falha de Santo André. A gama de valores de ε
correspondentes a fenómenos geologicamente relevantes varia, contudo, entre largos limites.
Seja um provete de rocha com 10 cm de altura que vai ser submetido a um ensaio de
compressão uniaxial (Fig.2.9). Suponhamos que, ao fim de 1 segundo, a sua altura passa a ser
de 9 cm. Qual foi a velocidade de deformação?
t=1s
e este valor corresponde, ainda assim, a uma velocidade de deformação 1 milhão de vezes
maior que a considerada como tipicamente geológica!
Alternativamente, poderemos calcular o tempo que o mesmo ensaio deveria levar para
que a mesma deformação de 10% tivesse sido conseguida a uma velocidade tida como
geologicamente típica: 3 . 10-14 s-1 (valor indicado por H.C. Heard, 1963):
e aquele resultado só teria sido conseguido, se o ensaio se tivesse iniciado com o primeiro
Homem de Neanderthal!
41
Calculemos, então, as ordens de grandeza que tipificarão as velocidades de deformação
correspondentes a vários processos geológicos.
2.3.2.1. Subsidência
Fig.2.10- Variação da porosidade dos sedimentos com a profundidade, segundo G. Dickinson (1972). (in. N.J.Price
1975)
|ε| = 5 . 10−2
42
Admitindo a referida velocidade média de deposição, o tempo correspondente à
deposição e subsidência de uma coluna sedimentar com 2 km de possança é
t = 2000/100 Ma = 20 Ma = 6 . 1014 s
ε = dL/L = dR . θ / (R . θ)
ε = dR / R
R
Apliquemos o modelo a um caso concreto:
θ
o levantamento pós-glaciário da Escandinávia, o
qual foi de ca. 200 m, na sua parte central, nos
últimos 9000 anos.
Fig.2.11
t = 9000 a ~ 3.1011 s
donde uma velocidade de deformação,
43
Seja a abertura do Atlântico. A sua velocidade de expansão é ca. 3 cm por ano.
Considerando que a sua largura é de 7000 km, a extensão longitudinal anual é
ε = dL / L = 3 / 7.108 ~ 4 . 10-9
e a velocidade de deformação será:
Nesta região a oeste das Montanhas Rochosas, tem vindo a ocorrer uma expansão
crustal progressiva (e concomitante adelgaçamento da crosta continental).
ε = dL / L = L / L = 1
t = 30.106 x 3.107 s ~ 1015 s
Donde:
ε ~ 10-15 s-1
2.3.2.5. Dobramento
1000 m
500 m
Fig.2.12
44
O deslocamento horizontal envolvido é de cerca de 50 km e ocorreu em ca. 500.000
anos. A velocidade média de avanço do manto de carreamento foi, pois, de 10 cm/a.
Portanto, o tempo envolvido num deslocamento de 500 metros (v. Fig.2.12) foi
2.3.2.6. Falhamento
Para uma grande falha, a deformação acumulada até ao movimento pode ser inferida,
extrapolando resultados de ensaios de cisalhamento (N.J. Price, 1975). Segundo este autor, o
valor da deformação na massa de rocha adjacente à falha variará, geralmente, entre 10-5 e 10-4.
Correspondentemente, a velocidade de deformação variará entre
45
Por último, poderá perguntar-se: que velocidade terá o fenómeno geológico que, sendo
tão lento, é como se não tenha acontecido?
Naturalmente, é aquele que, apesar de se ter iniciado desde que a Terra é Terra, atingiu
uma amplitude tão pequena que a deformação correspondente não é detectável.
Teremos:
46
QUADRO 2.2- Velocidades de deformação geológica
ε (s-1)
102
IMPACTOS METEORÍTICOS
0 VULCANISMO
10 PEQUENAS FALHAS
M U I T O R Á P I D A
10−2
10−4
MICRO
GRANDES FALHAS R Á P I D A
INTRUSÃO MAGMÁTICA
10−6 MENOR
10−8
MESO DOBRAMENTO
−10
10
FASE B
−12 M O D E R A D A
10
MEGA
10−14 L E N T A
FASES A E C
10−16
SUBSIDÊNCIA M U I T O L E N T A
10−18
LEVANTAMENTO
−20 STOP!
10
47
2.4. DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA E DEFORMAÇÃO HETEROGÉNEA
Y Y
B’
B’
C B
C’ C’
A’
A’
D=O A D’=O
X X
a. b.
c. d.
48
Essas relações constituem uma definição geométrica, que permite distinguir deformação
homogénea de deformação heterogénea. Delas conclui-se que, a duas dimensões, um elemento
quadrangular definido no corpo original converte-se, após uma deformação homogénea, num
elemento paralelogrâmico, enquanto que, a três dimensões, um elemento cúbico original tornar-
se-á paralelepipédico.
(a)
(b)
49
Nos capítulos seguintes, far-se-á uma apresentação muito geral dos princípios básicos
em que assenta a análise da deformação homogénea de rochas naturalmente deformadas.
Para melhor compreensão da questão geral (que é tridimensional), começaremos por
abordar a análise da deformação a duas dimensões. Este procedimento justifica-se, ainda,
porque, na prática, a análise da deformação tem, geralmente, como ponto de partida,
observações feitas em secções planas das rochas. Tais secções planas serão, por exemplo,
planos estruturais (planos de estratificação, clivagens ou xistosidades), cortes do terreno
(naturais ou não), cortes de amostras orientadas (observados à vista desarmada, em fotografia
ou observados ao microscópio) 4. É relacionando os estados de deformação nesses diferentes
planos que se determina o estado de deformação na sua verdadeira dimensão tridimensional.
4
Diz-se orientada uma amostra em que se anotam (com tinta indelével) elementos que definem a sua orientação
espacial original, no terreno. Tal permitirá, no laboratório, recolocar essa amostra na sua orientação original e efectuar,
nela, cortes com orientações espaciais bem determinadas, relativamente às estruturas regionais.
50
2.5. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA A 2 DIMENSÕES
t
r
t’
P ψ
1
r’
P’
O
O’
λ = (O’P’/OP)2
sendo, por definição, OP=1
λ = (O’P’)2
isto é, cada raio da elipse de deformação é igual à raiz quadrada da extensão quadrática sofrida
pelo corpo nessa direcção (definida no corpo deformado).
51
ii. a tangente a uma circunferência em P e o raio OP são perpendiculares entre si,
o ângulo entre r’ e a perpendicular à tangente t’ dá-nos o ângulo de cisalhamento (ψ) segundo
O’P’ (v. Fig.2.16).
Note-se, porém, que a elipse de deformação nada informa sobre a translação ou sobre a
rotação globalmente sofrida pelo corpo deformado, i.e., desconhece-se a relação de posição e
orientação relativa de direcções tais como OP e O’P’. Como ficou dito, ela apenas descreve a
distorção sofrida pelo corpo homogeneamente deformado.
Numa elipse, só nas direcções dos eixos principais são os raios perpendiculares às
respectivas tangentes à elipse. Os eixos da elipse são, pois, as duas únicas direcções segundo
as quais o cisalhamento é nulo (ψ = 0°). Tais direcções designam-se por direcções principais da
deformação. Alternativamente, poderemos definir direcções principais da deformação como
sendo as únicas direcções originalmente perpendiculares que se mantêm perpendiculares entre
si, após a deformação. Excluindo a situação de simples dilatação ou contracção de um corpo
(casos em que a extensão é igual em todas as direcções), num corpo bidimensional
homogeneamente deformado, definem-se sempre 2 e só 2 direcções principais de deformação.
e1 = λ1 −1 e e2 = λ2 −1
52
ψ
λ
Fig.2.16 - Elipse de deformação: X e Y são as duas λ1 X
direcções principais da deformação e λ1 e λ2, as
extensões quadráticas principais. Cada raio
representa a raiz quadrada da extensão quadrática λ2
verificada nessa direcção do corpo deformado e ψ
é o ângulo de cisalhamento para essa mesma
direcção.
Y
∆ = δS/So
em que δS é a variação de área e So , a área original do elemento considerado no corpo.
So = π r2 = π
e da elipse de deformação,
S = π a.b = π λ 1 λ2
vem:
∆ = (S - So )/So
∆= λ1 λ2 − 1
∆ = (1+ e1 ) (1+e2 ) −1
∆ = e1 +e2 + e1 e2
∆ = e1 + e2
5
Tal como acontece na dilatação térmica de um mineral
53
É desejável poder representar, através da simples marcação de um ponto num
diagrama, a forma de uma elipse de deformação. Um desses diagramas é o reproduzido na
Fig.2.17.
λ2
∆=0
0 1 2 3 λ1
Fig.2.17- Diagrama λ1 - λ2 , em que, a título ilustrativo, se inscreveram as elipses que seriam representadas pelos pontos
que coincidem com os seus centros.
situam-se abaixo da bissectriz λ1 = λ2, enquanto que pontos situados sobre essa semi-recta
representam circunferências (deformações uniformes).
deformação com uma dilatação nula definem a hipérbole λ1 .λ2 =1. Acima dessa curva, a
dilatação é positiva; abaixo, a dilatação é negativa (a área da elipse de deformação é menor que
a do círculo unitário original).
54
2.5.2. DEFORMAÇÃO ROTACIONAL / IRROTACIONAL E COAXIAL / NÃO-COAXIAL
ω ω
COAXIAL
NÃO-COAXIAL
COAXIAL NÃO-COAXIAL
55
2.5.3. CASOS PARTICULARES DE DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA (A 2-D)
Y Y Y Y
X X X X
i. Extensão uniaxial
Ocorre uma extensão (constante) ao longo de uma única direcção. Se definirmos esta
direcção como sendo o eixo dos XX, cada ponto P(x,y) do corpo é deslocado para P’(x’,y’), em
que:
x’ = k x
y’ = y
λx= k2
λy= 1
∆=k−1
56
λx= k12
λy= k22
x’ = x + γ y
y’ = y
λx = 1 e λy = 1+ γ 2
57
Y Y Y
r r’ r’’
X X X
Fig. 2.20 - Deformação progressiva de um elemento quadrangular, por incrementos de cisalhamento simples segundo X
r, direcção principal da deformação vista no corpo não deformado
r’, r’’, uma das direcções principais da deformação (direcção de estiramento) vistas no corpo deformado, para
sucessivos valores (crescentes) do cisalhamento (ψ)
Sem se pretender fazer uma cobertura das diferentes situações em que é possível, mais
ou menos completamente, definir a elipse de deformação finita, vejamos os princípios básicos,
subjacentes aos métodos dessa determinação.
58
Vejamos, então, os princípios básicos da análise de marcas de deformação.6
6Descrição mais completa de métodos de análise de marcas e de distribuições de pontos serão objecto da disciplina de
Geologia Estrutural Complementar.
59
60
Fig.2.21- Exemplos de reconhecimento das direcções principais da deformação (X,Y) ou da determinação de
cisalhamentos
61
2.5.4.2. Determinação das extensões principais
iii. As suturas estilolíticas (Fig.2.22-b) que permitem avaliar a perda de rocha por
dissolução por pressão (pressure solution).
B’ r’
A’
A B
a.
σ1
A
δl A’
B B’
b.
Fig.2.22- Exemplos de determinação da extensão segundo uma direcção (r’ ou A’B’) do corpo deformado.
a) A partir de um veio dobrado (com a geometria de dobra paralela)
b) A partir de uma sutura estilolítica (SS’), num calcário
Em qualquer dos casos, a extensão de Cauchy é: e = δl / lo = (A’B’ – AB) /AB
7
Note-se que, em geral, as extensões directamente determinadas não são as principais. Estas serão determinadas
indirectamente, combinando os dados obtidos segundo outras direcções.
62
Situações em que, embora não sejam conhecidas as dimensões absolutas de fósseis,
se admite conhecer a proporção entre certos elementos da sua anatomia (por exemplo, entre as
dimensões da charneira e da costela mediana de um braquiópode) têm sido, também,
consideradas. Igualmente, a forma original de fósseis sem simetria bilateral, mas com uma
geometria ou com ângulos característicos supostamente conhecidos (constantes para a espécie
considerada) pode servir de base para a determinação da elipse de deformação finita: é o caso,
por exemplo, de ângulos apicais em conchas cónicas, ângulos entre pínulas e ráquis, fósseis em
espiral, etc. (Fig.2.23).
Fig.2.23- Exemplos de fósseis deformados que poderão servir de marcas de deformação: no lamelibrânquio original, os
ângulos α e β e a razão a/b são conhecidos (característicos da espécie); no gastrópode, o ângulo apical (α) é
uma característica específica; já a espiral, de geometria conhecida, será característica do amonóide.
63
2.5.5. DIAGRAMA DE MOHR PARA A DEFORMAÇÃO A 2 DIMENSÕES
definida, no corpo deformado, pelo ângulo Θ’, medido a partir de X (direcção de λ1), é
representada por um ponto da circunferência.
r’
γ’ 25º
P X
(λ1)
50º
X
0
λ’1 ½(λ’1 + λ’2) λ’2 λ’
Fig.2.24- Diagrama de Mohr que descreve um estado de deformação relativamente às direcções principais da
deformação e sendo λ’1 e λ’2 os recíprocos das extensões quadráticas principais (λ1 e λ2).
O ponto P da circunferência representa a direcção r’ definida no corpo deformado
N.B.: os ângulos entre direcções, medidos naquele corpo, são marcados a dobrar, no diagrama.
O ângulo de cisalhamento (ψθ' ) poderá ser determinado mais facilmente que γθ' : ψθ' é
64
igual ao ângulo que a semi-recta PO define com o eixo das abcissas (i.e., ângulo PÔC).
DADOS
λ1 = 1,3333 ψ
λ2 = 0,2564 Y
θ' = 65º P’
θ’
λ1
O X
γ’ λ2
1
USADOS
λ1’ = 0,75
2θ’ λ2’ = 3,90
ψ
X Y 2θ' = 130º
0 λ1’ 1 λ'OP λ2’ λ’
-1
ACHADOS
λ'OP = 3,36 λOP = 0,30
ψ = 19,7º
Fig.2.25- Determinação, com o diagrama de Mohr, da extensão quadrática (λθ') e do cisalhamento (ψ θ' ou γθ') ao longo da
direcção OP’ definida no corpo deformado pelo ângulo (Θ’) que ela define com a direcção de λ1, i.e., com X.
No diagrama, essa direcção é representada pelo ponto P, a 2Θ’ do ponto X (λ'1, 0).
(No canto superior direito da figura, ilustra-se a direcção considerada e os correspondentes parâmetros de
deformação, sobre a elipse de deformação)
8
Obviamente só existe solução (pelo menos, uma) quando λ1 ≥1 ≥ λ2
65
γ’ P1 P2
θ’ E.D.
X x
1
P1 −θ’
2θ’
0 x
λ1 ’ 1
-2θ’ λ2’ λ’
-1 P2
Fig.2.26- Determinação, no diagrama de Mohr, das direcções de extensão longitudinal nula: ocorrem, em geral, duas tais
direcções, dispostas simetricamente, relativamente às direcções principais da deformação. Essas direcções são p1 e p2,
representadas no diagrama de Mohr pelos pontos P1 e P2. E.D., elipse de deformação finita
q2 q1
γ’
1
Q1
Y
(λ2)
52º
ψm
λ'1 1
λ'2 λ’ X
(λ1)
Q2
-1
Fig.2.27- Determinação, no diagrama de Mohr, das direcções de cisalhamento máximo: ocorrem, em geral, duas
direcções de cisalhamento máximo, dispostas simetricamente, relativamente às direcções principais da deformação e a
que corresponderão cisalhamentos de sinais (i.e., sentidos) contrários.
No diagrama de Mohr, essas duas direcções são definidas pelos pontos Q1 e Q2, correspondentes às direcções q1 e q2,
no corpo deformado.
No exemplo, o cisalhamento máximo é ψm=38º, ocorrendo segundo as duas direcções a 26º de X.
66
2.5.6. ESTRUTURAS GEOLÓGICAS BÁSICAS, REFERÍVEIS A UMA DEFORMAÇÃO A
DUAS DIMENSÕES
a. b.
Fig.2.28- Modelo de formação de boudinage. a) Bloco original b) Bloco após deformação
A marca circular original deu lugar à elipse, no corpo deformado.
9
Literalmente, salsicha, devido à forma e disposição dos blocos, típicas de algumas salsichas da Europa Central.
67
2.5.6.2. Estruturas resultantes de contracção
68
Campo I − λ1 > λ2 > 1 : Boudinage complexa (estrutura em barra de chocolate)
A boudinage, idealmente, ocorrerá segundo duas direcções perpendiculares
entre si, mas, sendo a fracturação do “estrato” original muito dependente da presença de
anisotropia mecânica (planos de fraqueza naquele “estrato”), geralmente, tal não ocorre.
λ2
λ1
Fig.2.30- Estruturas referíveis aos diferentes campos de elipse de deformação
69
2.6. DEFORMAÇÃO A 3 DIMENSÕES
70
quaisquer três planos normais entre si (o que exige conhecer 9 parâmetros, 3 extensões e 6
cisalhamentos, iguais 2 a 2) também o permita fazer.10
2.6.2.1. Definição
DEFORMAÇÃO HOMOGÉNEA
X
Y
Z
X
ELIPSÓIDE DE DEFORMAÇÃO FINITA
71
deformação. Elas são, habitualmente, designadas por X, Y e Z, correspondendo X ao maior dos
eixos e Z, ao menor.
λ1 , na direcção de X
λ2 , na direcção de Y
λ3 , na direcção de Z
Z
N
O
X
ψOP
λ3 N’
P’
O
λ2 λ1 X
Fig.2.31- V. texto
72
∆ = (V’-Vo) / Vo
Vo = 4/3 π r3 = 4/3 π
V’ = 4/3 π λ1.λ2.λ3
donde
∆= λ1.λ2.λ3 − 1
γ’ γ’ γ’
λ’ λ’ λ’
X
X
X
Y Z
Y Z Y
73
A menos que as extensões quadráticas principais sejam, todas, superiores a 1 ou ,
todas, inferiores a 1, tais direcções de extensão finita nula ocorrem sempre. O número e
disposição espacial dessas direcções depende da forma do elipsóide. No caso geral, elas
constituem um feixe cónico, que degenera:
Na Fig.2.33 ilustram-se alguns exemplos, para um caso geral e para duas das situações
particulares, acima referidas.
Uma vez que aquelas razões são, ambas, maiores ou iguais à unidade, a origem do
gráfico é o ponto (1,1), o qual representará todas as esferas.
Este parâmetro é igual ao declive da recta que o ponto representativo do elipsóide define
com a origem do diagrama.
74
k = 0 , elipsóides uniaxiais achatados ou do tipo panqueca
(uniaxial oblate ellipsoids ou uniaxial pancake)
0 < k < 1 , elipsóides achatados
(flattened ellipsoids ou oblate ellipsoids)
k = 1 , elipsóides de deformação plana (se ∆ =0)
(plane-strain ellipsoids)
1<k< , elipsóides constritos
(constricted ellipsoids ou prolate ellipsoids)
k= , elipsóides uniaxiais constritos ou do tipo charuto
(uniaxial prolate ellipsoids ou uniaxial cigars)
k=
RXY
k=1
P k=0
1
1 RYZ
75
2.6.3. DIAGRAMA DE MOHR
Tal como acontece no diagrama de Mohr definido para a deformação a duas dimensões,
os dois eixos coordenados são: λ’ (abcissas) e γ’ (ordenadas). Mas, agora, à semelhança do
diagrama de Mohr que descreve estados de tensão triaxiais, o diagrama é constituído por três
circunferências, cada uma delas descrevendo a deformação num dos planos principais do
elipsóide de deformação finita, XY, YZ ou XZ. (Fig. 2.34).
X Y Z
λ1’ λ2 ’ λ3’ λ’
Fig.2.34- Diagrama de Mohr que descreve estados de deformação finita a três dimensões
O’
Y
X
Fig.2.35
11
Se se tiver em mente uma resolução analítica, usam-se os correspondentes co-senos directores, l’, m’ e n’, em que
l’= cos Θ’1, m’= cos Θ’2 e n’= cos Θ’3 .
76
Para representar, num diagrama de Mohr, uma direcção definida no corpo deformado,
atende-se ao seguinte:
B1 A1 92,6º
105º
134º
X Y Z
λ 1’ λ2 ’ λ3’ λ’
Fig.2.36- Definição, num diagrama de Mohr dado, do ponto P, representativo da direcção O’P’ definida no corpo
deformado, relativamente às direcções principais da deformação (X, Y, Z), pelos ângulos Θ’1 = 67,0º, Θ’2 = 52,5º,
Θ’3 = 46,3º
77
3. RELAÇÃO ESTADO DE DEFORMAÇÃO − ESTADO DE TENSÃO
3.1. INTRODUÇÃO
77
Dada a índole deste curso, limitar-nos-emos à abordagem macrofísica.
O comportamento dos materiais reais (e, em particular das rochas) é, habitualmente,
muito complexo. Essa complexidade resulta de dois factores intrínsecos: a heterogeneidade e a
anisotropia mecânica das rochas. Além disso, quando pretende relacionar a deformação natural
de uma rocha com o estado de tensão ocasionador, o geólogo não pode esquecer o carácter
progressivo da deformação e a certeza da variação do estado de tensão, no espaço e no tempo.
No caso de uma rocha, mesmo que se admita que tenha sido originalmente homogénea
(distribuição estatisticamente uniforme dos diversos minerais, de pequeno diâmetro granular) e
isotrópica (grãos cristalinos aleatoriamente orientados), com o decorrer da deformação ela
tenderá a adquirir uma anisotropia de “fábrica”, resultante da deformação dos grãos cristalinos e
78
da sua reorientação segundo direcções preferenciais, relacionadas com o estado de tensão
actuante. As relações entre o estado de tensão e o estado de deformação são, pois, muito
complexas e variáveis durante a história da deformação da rocha. Por essa razão, para a
Fig. 3.1- a)Trajectórias de tensão (traços perpendiculares a σ1) e b) de deformação (traços paralelos a λ1) , numa
dobra
e no meio circundante, obtidas por simulação em computador (Dieterich, Am.Jour.Sci. , 267(2), 1969)
79
Além dos factores intrínsecos referidos, muitos factores ambientais afectam o
comportamento reológico (macrofísico) das rochas. Entre esses factores extrínsecos, têm-se
salientado os seguintes:
i. a temperatura;
ii. a pressão confinante;
iii. a velocidade de deformação;
iv. a presença de água e o ambiente químico em geral.
Aos dois primeiros factores associa-se a noção clássica (a rever criticamente) de nível
estrutural. Segundo essa noção geral, o comportamento reológico das rochas depende da
profundidade a que elas se encontrem. Assim, a partir de profundidades relativamente
moderadas da crusta, as rochas tenderão a fluir e a sofrer intensa deformação permanente,
enquanto que nos níveis superiores da crusta elas dobram e fracturam, ou só fracturam.
80
3.2. COMPORTAMENTO REOLÓGICO DAS ROCHAS
A maioria dos dados sobre o comportamento reológico das rochas tem sido obtida
recorrendo a aparelhos em que, além da aplicação de uma compressão ou de uma tracção axial,
o provete de ensaio (tipicamente, uma amostra cilíndrica do material, de comprimento duas a
três vezes maior que o diâmetro da base) é submetido a uma pressão lateral, controlada
externamente, através da injecção de um líquido que preenche a câmara, onde aquele provete
está colocado. O seu ambiente químico e a temperatura ambiente são, portanto, também
controláveis. A fim de evitar a penetração do líquido na amostra, esta é revestida por uma
membrana flexível de cobre ou de borracha. Além disso, é possível estabelecer uma pressão
intersticial, ou seja, uma pressão exercida, no interior da amostra, por um líquido que preencha
os seus poros (v. Fig. 3.2.).
σ1
manómetro
câmara
S3
amostra
σ3
Note-se que, nestes ensaios triaxiais, duas das tensões principais são sempre iguais:
constituem a chamada pressão confinante (S3, tensão imposta externamente; σ3, a tensão a que,
realmente, a amostra fica submetida).
Com estes aparelhos torna-se fácil registar a variação da deformação com a tensão,
tendo-se verificado que as curvas obtidas para as rochas tinham uma forma análoga às
encontradas nos ensaios com metais.
81
3.2.1. COMPORTAMENTOS REOLÓGICOS IDEAIS
3.2.1.1. Comportamento elástico
σz
σz
ε
εz εx =εy
0
t0 t1 0 ε
Tempo
a) b)
82
Frequentemente, usa-se o recíproco de ν, ou seja, o número de Poisson (m):
εz
m= (3.4)
εx
τ
tg–1 G
γ = tg ψ
γ ψ
Fig. 3.4- Representação da relação τ−γ num sólido hookeano: definição do módulo de rigidez (v. texto)
No Quadro 3.1, indicam-se alguns valores destas constantes, para diversos materiais.
1
Do que ficou dito, depreende-se que G se pode determinar em função de E e de ν: G = Ε / 2 (1+ ν).
83
Quadro 3.1- Módulo de Young (E), número de Poisson (m) e rigidez (G) para alguns
materiais
εΕ
εΑ
εΕ
to t1 TEMPO
84
3.2.1.2. Comportamento plástico
σ σ σ
σ0
ε ε ε
a) b) c)
Fig. 3.6.- Representação esquemática de comportamentos plásticos: a) sólido idealmente plástico (rígido, plástico);
b) sólido elástico-plástico; c) sólido elástico-plástico, com enrijecimento de deformação
Essa tensão σ0, a que o material passa a deformar-se continuamente (até que se dê a
rotura) designa-se por ponto ou tensão de cedência. Esta tensão não depende do estado de
tensão hidrostático, mas depende de vários factores ambientais. Nomeadamente, ele baixa
quando a temperatura sobe, ou quando a pressão confinante diminui, ou quando a velocidade
de deformação diminui (Fig. 3.7.)
Um comportamento plástico, em que, atingido o ponto de cedência, a recta σ(ε) tem
um declive nulo, ocorre em rochas a elevada temperatura. A temperaturas moderadas, aquele
sector adquire um declive positivo, ou seja, o prosseguimento da deformação exige um
constante aumento da tensão aplicada: é o fenómeno do enrijecimento da deformação (strain
ou work hardening).
85
Observações experimentais indicam que, embora a deformação atingida em regime
plástico possa ser muito elevada, ela ocorre, praticamente, a volume constante.
São substâncias de rigidez nula, ou seja, que não oferecem qualquer resistência às
tensões de corte e, portanto, ao menor estado de tensão deviatórico. Se o estado de tensão for
hidrostático, um líquido não fluirá: apenas será algo comprimido.
Tal como num sólido plástico, um líquido viscoso é capaz de suportar extensa deformação
permanente sem perda de continuidade. Sujeito a um estado de tensão deviatórico, um fluido
fluirá com uma velocidade proporcional à intensidade da tensão de corte.
Em muitos líquidos (v. líquido I, Fig. 3.8), essa relação é linear:
τ = η (3.6)
γ
em que η é uma constante material. Um tal líquido dir-se-á newtoniano (ou linearmente
viscoso).
86
A constante η, dada pelo declive da curva tensão de corte - velocidade de deformação
de corte, é o coeficiente de viscosidade linear ou newtoniana (ou, simplesmente, viscosidade).
τ I II
γ
Fig. 3.8- Relação tensão de corte-velocidade de deformação de cisalhamento para um fluido newtoniano (I) e
para um fluido não-newtoniano (II). (Cf. Fig.3.4)
sistema SI. Em geral, num fluido newtoniano, a viscosidade diminui quando a temperatura
aumenta.
Um outro tipo de fluidos é aquele em que a viscosidade varia com a velocidade de
deformação, ou seja, em que não é linear a relação τ ( γ ). Tais líquidos (como II na Fig. 3.9.)
dizem-se não-newtonianos. Repare-se que, do ponto de vista reológico, o conceito de sólido é
diferente do de sólido, na acepção estrutural ou cristalográfica. Um sólido pode ser plástico e
distinguir-se-á de um líquido por apenas fluir quando a tensão ultrapassa um valor crítico.
τ I
II
III
γ
Fig.3.9- Distinção entre diferentes comportamentos reológicos ideais: I, sólido plástico; II, fluido não newtoniano;
III, fluido newtoniano
É de notar a analogia físico-matemática entre a viscosidade (η) e a rigidez (G), definida para os sólidos elásticos.
2
87
3.2.2. COMPORTAMENTO DAS ROCHAS - RESULTADOS EXPERIMENTAIS
Nestes ensaios, ressaltam dois tipos distintos de comportamento das rochas: frágil e
dúctil.
O comportamento frágil ocorre quando o material tem um comportamento elástico até
ao momento em que se dá a rotura. Recorde-se que isso significa que a deformação, no
momento da rotura, é muito pequena e teria sido totalmente recuperada, se a tensão fosse
removida, antes de atingir o ponto de rotura do material. A este tipo de comportamento
correspondem curvas σ−ε como as ilustradas na Fig.3.10 : a relação σ−ε (nas rochas, tal como
nos metais) é linear ou quase linear.
A tensão a que se dá a ruína do material (rotura frágil) designa-se por resistência frágil
desse material. Verifica-se que, em geral, a resistência em tracção uniaxial é ca. de duas vezes
menor que a resistência em compressão uniaxial.
88
Fig.3.10- Curvas para um quartzito sob diferentes condições de pressão confinante (σ3) (In J.C. Jaeger &
N.G.W. Cook, 1969)
σο
ο
ε
Fig.3.11- Comportamento elástico-plástico de uma rocha
89
O comportamento, frágil ou dúctil, de uma dada rocha depende das condições
ambientais. Assim, consoante essas condições, uma rocha pode comportar-se como um
material frágil, semifrágil (ou semidúctil ou frágil-dúctil), ou dúctil. Como se compreende, é da
máxima importância definir, para cada tipo litológico, as condições em que prevalecem os
diferentes regimes. Em particular, define-se a transição frágil-dúctil, isto é, a passagem de um
comportamento frágil a um comportamento dúctil. Evidentemente, a distinção, em geral, não é
clara.
90
A rotura dá-se por corte e ocorre um deslocamento relativo entre os blocos separados
pela superfície de rotura, mais ou menos plana e bem definida.
No regime frágil, a rotura dá-se segundo uma superfície única e praticamente plana,
que contém a direcção de σ2 e inclina ca. de 30°, relativamente a σ1. Na transição frágil-dúctil,
as superfícies de rotura tendem a ser mais numerosas, desenvolvendo-se em dois conjuntos
simetricamente inclinados relativamente a σ1 e contendo σ2. Com a acentuação do carácter
dúctil, tornam-se ainda mais numerosas, até que definem linhas que sulcam um provete
claramente deformado.
91
Fig.3.13- Curvas de tensão-deformação para o mármore de Carrara (segundo T. von Karman)
Valores, junto das curvas, são as pressões confinantes, em MPa
Fig.3.14- Influência da temperatura sobre a fluência de granito e piroxenito (seg. Griggs, Turner and Heard) e sobre a
de
um arenito seco (J. Handin e R.V. Hager, Jr., 1958), para ensaios a pressão confinante constante.
92
Uma elevação da temperatura faz baixar o ponto de cedência e a pressão confinante
correspondente à transição frágil-dúctil.
A influência da velocidade de deformação, sobre a generalidade das rochas, está
patente na Fig.3.15.
a. b.
Fig.3.15- a) Curvas tensão-deformação obtidas com mármore de Yule, em tracção. (segundo Heard)
b) Registo e extrapolação dos dados experimentais: as rectas a grosso correspondem ao
ajustamento
dos dados à eq. de Dorn e os seus prolongamentos, a extrapolações para menores velocidades
de
deformação (H.C. Heard & C.B. Raleigh).
ε = A e−H/RT σn
3
Se rochas finamente granulares (digamos, de diâmetro granular da ordem da milésima do milímetro, no caso de
quartzitos) têm um comportamento newtoniano (n=1), na maioria dos casos, as rochas têm um comportamento não-
newtoniano (onde, frequentemente, 1<n<5).
93
Tal observação permitiu àqueles autores extrapolar os dados experimentais para as
velocidades de deformação tipicamente geológicas. Concluíram que o mármore de Yule, para
tensões acima do ponto de cedência, fluiria a velocidade constante com uma viscosidade
variável desde 1023 P, a 25°C, até 1016 P, a 500°C.
94
a. b.
Note-se que o comportamento de uma rocha depende muito das suas características
particulares (composição mineralógica, textura e estrutura, estado de pureza ou de alteração).
Habitualmente, uma rocha sedimentar é menos resistente que uma rocha magmática que não
seja finamente granular.
Em termos gerais, poderá esperar-se que nas rochas, deformadas a temperatura e
pressões litostáticas baixas (o que se poderá ler como “rocha nos níveis superiores da crosta”)
e a elevada velocidade de deformação, predominam os mecanismos de deformação
cataclástica, em que os seus grãos são fragmentados. Produtos resultantes típicos são os
cataclasitos (como, por exemplo, brechas de falha e outras brechas tectónicas). A este regime
de deformação correspondem estruturas naturais, como diaclases e falhas.
Pelo contrário, temperaturas e pressões litostáticas elevadas e velocidades de
deformação baixas concorrem para um comportamento dúctil. Operam, então, mecanismos de
deformação intracristalina, termicamente activados (nomeadamente, difusão no estado sólido,
fluxo plástico mediante sistemas de escorregamento ou geminações, subgranulação,
escorregamentos intergranulares, recristalização). Produtos típicos serão os milonitos e
estruturas típicas serão as já referidas zonas de cisalhamento dúcteis. Crê-se que estas
prolongarão, em profundidade, as falhas observadas nos níveis superiores da crosta. A
transição das falhas a essas zonas de cisalhamento far-se-ia, a níveis intermédios, através de
zonas de cisalhamento frágeis-dúcteis.
95
QUADRO 2.2- Quadro-resumo ilustrando a gama de comportamentos desde o perfeitamente frágil ao
perfeitamente dúctil, em ensaios de compressão e de tracção (seg. D. Griggs e J. Handin)
F R Á G I L
F R Á G I L - DÚCTIL
D Ú C T I L
96
O efeito mecânico da água traduz-se em dois aspectos (v. Fig. 3.17):
i. Reduz a resistência da rocha (ou seja a sua capacidade de suportar uma tensão
diferencial;
ii. Quando a pressão exercida pela água que preenche os poros de uma rocha
(pressão intersticial) tem um valor próximo do da pressão confinante, a rocha (que, a essa
pressão confinante, se comportaria de forma dúctil, quando seca) passa a comportar-se como
frágil.
Fig. 3.17. Efeito da pressão intersticial sobre o Fig. 3.18.- Transição frágil-dúctil para o calcário de
comportamento mecânico de uma rocha Solnhofen (E. Rutter)
97
Este efeito mecânico tem-se verificado não só em ensaios laboratoriais (como a
Fig.3.17 exemplifica), mas também em trabalhos experimentais que envolvem reacções de
desidratação (Fig.3.19). Tais ensaios traduzirão situações naturais, por exemplo, em certo
ambientes de metamorfismo, demonstrando a importância das alterações químico-
mineralógicas no comportamento reológico das rochas.
98
Admite-se que, ao dar-se a rotura frágil de uma rocha, existe uma relação entre as
tensões actuantes no momento da rotura. Essa relação constitui um critério de rotura. A
maioria dos critérios de rotura, que têm sido avançados, são empíricos. Um deles, muito usado
em Mecânica das Rochas por ser adequado à rotura em compressão, é o critério de
Coulomb-Navier. Segundo ele, a rotura dá-se independentemente do valor de σ2, quando
| τ | = Co + µ σ (3.9)
Num diagrama τ−σ, este critério é descrito por duas rectas de declive φ = ± tg−1µ e que
intersectam o eixo das ordenadas em ±Co . Este critério, usado em conjugação com um
diagrama de Mohr, permite prever a eventualidade de rotura e a orientação dos dois possíveis
planos de fractura (Fig. 3.20).
σ1
S S’
τ S
II σ3
Co φ I
θ
2θ
σ3 σ1
σ
-Co
S’
Fig. 3.20- Aplicação do critério de rotura de Coulomb-Navier: o estado de tensão descrito pela circunferência I não dá
lugar a rotura; o descrito pela II, dá lugar a rotura segundo S ou S’, que se intersectam segundo σ2 .
99
τ
σ1’ = σ1 – p
S σ3’ = σ3 – p
II
I
Co
0
σ3 ’ σ3 σ1 ’ σ1 σ
Fig. 3.21- Influência mecânica da água (lei das tensões efectivas). Para o estado de tensão efectivo
(representado pelo circunferência II) ocorre rotura, ao contrário do que se previria, se se considerasse o estado
de tensão externamente aplicado (descrito por I).
DEFORMAÇÃO PERMANENTE
T3
To T1 T2 TEMPO
Fig. 3.22- Variação ideal da deformação com o tempo num ensaio de fluência (σ constante). Linhas a fino ilustram o
comportamento do material (recuperação da deformação, total ou parcial), quando se anula a tensão exercida.
100
Quando, em To se aplica a tensão, o material sofre, instantaneamente, uma
deformação elástica. Segue-se, depois, um período (entre To e T1) em que a velocidade de
deformação decresce com o tempo: fluência primária ou deformação elástica retardada ou de
fluxo elástico, pois, removida a tensão (tal como em T1) há uma recuperação instantânea,
parcial, da deformação, seguida por uma fase de uma total recuperação, mas desacelerada.
Àquela fase segue-se, entre T1 e T3 , um estádio em que a velocidade da deformação
se mantém constante ( ε ): fluência secundária ou estacionária (steady-state creep); a rocha
deforma-se plasticamente e, se se remover a tensão, começa por recuperar instantaneamente
alguma deformação, depois desaceleradamente mais um pouco, subsistindo, no entanto, uma
deformação permanente.
A partir deT3, ocorre uma aceleração da velocidade de deformação (fluência terciária
ou acelerada), até que, finalmente, se dá a rotura do material.
L Í Q U I D O S S Ó L I D O S
ε N-N ε
N
σ σ
a) b)
Fig. 3.23- Comportamento de: a) um líquido newtoniano (N) e de um líquido complexo (não-newtoniano, N-N) ;
b) sólido complexo com aspectos de comportamento viscoso
101
O estádio de fluência estacionária é tido como o mais importante, na história
deformacional de uma rocha.
Os estudos de microfísica têm proposto vários possíveis mecanismos de fluência dos
materiais cristalinos e seus agregados. A maioria deles prevê uma relação não-linear (power-
law creep ) entre tensão e velocidade de deformação, ou seja, uma relação da forma:
ε = K σn (3.10)
n
Fig.3.24- Representação da relação ε = K σ para vários valores de n.
n=1, fluido newtoniano (ou linear);
n>1, fluido não-linear, que apresenta características de sólido (líquido pseudo-plástico), quando
n≥10.
Linha horizontal, a tracejado: corpo perfeitamente plástico.
102
3.3. MODELOS REOLÓGICOS
O comportamento reológico real das rochas, mesmo o obtido em condições
experimentais controladas, é mais complexo que o de qualquer dos comportamentos atrás
referidos: linearmente elástico (sólido hookeano), rígido-plástico (sólido de St. Venant) e
linearmente viscoso (líquido newtoniano). O seu comportamento, numa aproximação mais
perfeita com a realidade, pode ser idealizado através da combinação daquelas três formas
“puras” de comportamento.
MOLA
σo
ELEMENTO de atrito η
AMORTECEDOR
Fig.3.25- Modelos analógicos dos três tipos básicos de comportamento reológico ideal
103
MODELO DE MAXWELL
η E
ε
x x
tg−1 σ/η
σ σ/E
TEMPO
a.
MATERIAL DE BINGHAM
ε
σ < σο
σ/E
η E
σο TEMPO
ε
σ > σο
tg−1 σ/η
σ/E
b. TEMPO
Fig.3.26- Exemplos de diagramas analógicos que descrevem diversos possíveis comportamentos reológicos das
rochas.
a) Comportamento elástico-viscoso (modelo de Maxwell): diagrama analógico, variação da deformação (ε ) com o
tempo, após aplicação de uma tensão constante (σ ) e representação gráfica dessa variação.
b) Plástico geral (material de Bingham) que, aproximadamente, corresponderá ao comportamento de rochas sob
condições de baixo grau de metamorfismo.
104
MODELO DE KELVIN-VOIGT
ε
σ/
η E
0
E t1 TEMPO
c.
σ/(E1+ E2)
E1 0
t1
d. TEMPO
MATERIAL DE BURGER
ε
tg−1 σ/η1
(σ/E1)+ (σ/E2)
σ/E1
η2 σ/E1
σ/E2
E1
η1
0
E2 t1 TEMPO
e.
Fig.3.26- (cont.)
c) Comportamento visco-elástico (modelo de Kelvin-Voigt): a curva ε(t) tende assimptoticamente para σ/E, mantendo-
se
constante a tensão exercida (σ ); se em t1, se anular a tensão exercida, a deformação decresce exponencialmente
com o tempo, até à sua anulação (curva a ponteado).
d) Sólido linear padrão (standard linear solid): diagrama analógico e curva ε(t) , para σ constante.
e) Material de Burger (Burger’s body ou M-V body), muito usado em Mecânica das Rochas: a curva a ponteado em ε(t)
descreve o que acontece quando a tensão exercida é anulada em t1 .
105
4. DOBRAS
4.1. INTRODUÇÃO
1
Tais superfícies designam-se, genericamente, por foliações, cujo estudo se fará no Cap.5.
2
Um dobramento activo pode, sem dúvida, afectar uma dobra preexistente, dando lugar a uma interferência de
dobramentos.
106
As superfícies dobradas podem ser estruturas primárias (nomeadamente, planos de
estratificação). Mais frequentemente, as dobras ocorrem em rochas metamórficas, onde afectam
foliações resultantes de uma reorganização e/ou reorientação dos minerais preexistentes ou dos
de neoformação, sob a acção de tensões deviatóricas.
Em geral, numa superfície dobrada, a curvatura varia de ponto para ponto. Ao longo de
certas linhas (em geral, curvas) dessa superfície, a curvatura atinge valores máximos. Tais linhas
designam-se por linhas de charneira ou, simplesmente, charneiras (Fig.4.2).
ch
ch
i
i i
ch i
ch
ch
i i
i
ch i
Fig.4.2- Definição de linhas notáveis, numa superfície singular dobrada: ch, charneira; ii, linha de inflexão;
(Estas linhas são independentes da orientação espacial da superfície)
107
A secção de uma superfície dobrada num plano normal à charneira, num dado ponto,
constitui o perfil da dobra, nesse ponto (Fig.4.3). Embora perfis naturais sejam algo comuns
(porque as dobras estão, frequentemente, intersectadas por diaclases aproximadamente normais
às charneiras), no campo, a forma e a atitude de uma dobra devem ser visualizadas com cuidado:
deverá ter-se em conta a orientação (relativamente à dobra) do corte que se está a observar (v.
Fig.4.3).
Fig.4.3- Observação de três cortes numa superfície dobrada e o traçado parcial do perfil de duas das suas dobras.
Nem todas as dobras têm uma geometria que permita definir, inequivocamente, todos os
elementos acima referidos. Por exemplo, se uma dobra corresponde a uma porção de superfície
esférica (onde, portanto, a curvatura é constante) não é possível definir linhas de charneira, nem
de inflexão: é o caso de alguns domos e de algumas bacias estruturais. Já numa dobra em
“ziguezague” (Z-fold ou chevron) é possível definir uma linha de charneira, mas não linhas de
inflexão.
Numa superfície dobrada ocorre, habitualmente, uma sucessão de dobras, cujos limites
são as sucessivas linhas de inflexão. Consequentemente, o perfil de cada dobra individual é
108
delimitado por dois pontos de inflexão. Assim, na Fig.4.3, representaram-se os perfis de duas
dobras de uma dada superfície dobrada.
Fig.4.4- V. texto
Zona de
charneira
c
P
dobra
1 flanco flanco
0 i C F2 i’
i i’ i F1 C F2 i’ F1
1
a. b. c.
109
Sendo rigorosa, a definição de Ramsay falha, na medida em que há dobras em que ela
não é aplicável, o que não impede de, intuitivamente, os geólogos continuarem a ver, nessas
dobras, uma zona de charneira e dois flancos. Na Fig.4.6, ilustram-se alguns casos particulares
notáveis que exemplificam essa situação.
Fig.4.6- Dobras em que, segundo a definição de Ramsay, não é possível delimitar a zona de charneira nem os
flancos
a) A curvatura é sempre nula, excepto na linha de charneira, onde tende para infinito
b) A curvatura é constante (e, por definição, unitária)
c) A curvatura é variável, mas sempre inferior à unidade
Por outro lado, a variação da curvatura, ao longo de um perfil, pode ser complexa, dando
lugar à definição de mais de uma linha de charneira e de mais de uma zona de charneira. Dobras
com mais de uma charneira dizem-se policlinais: é o caso, por exemplo, das chamadas box folds
(Fig.4.7-a; Fig.4.59, p.156) e dos kinks (Fig.4.7-b).
c
1
x c
i 1
i’
x
a)
b)
Fig.4.7- Box-fold (a) e kinks (b)
110
4.2.1.2. Dobras cilíndricas. Diagrama-π e diagrama-β
i. Numa dobra cilíndrica, a charneira é uma recta que tem a direcção do eixo da dobra
(mas não é o eixo da dobra);
ii. Às dobras não-cilíndricas não é aplicável a noção de eixo de dobra (a menos que
definido diferentemente).
Em rigor, as dobras naturais serão, quando muito, cilindróides. A fim de avaliar em que
medida a forma de uma dobra se aproxima da de uma superfície cilíndrica, recorre-se à projecção
estereográfica de elementos da dobra. Dois métodos poderão ser seguidos (Fig.4.8):
111
Fig.4.8- Análise do carácter cilíndrico de uma dobra. a) Elementos projectados b) Diagramas π e β, para uma
dobra perfeitamente cilíndrica c) Diagramas π e β, para uma dobra cilindróide
A abertura de uma dobra constitui um dos aspectos mais marcantes da sua forma. A
abertura de uma dobra é expressa, no seu perfil, pelo ângulo definido pelas rectas tangentes ao
112
perfil, nos pontos de inflexão. De acordo com a terminologia de Fleuty, as dobras, quanto à
abertura, classificam-se em suaves (gentle), abertas (open), fechadas (close), apertadas (tight),
isoclinais (isoclinal) e flabeliformes (elasticas), como a Fig.4.9 ilustra.
Note-se que o ângulo de abertura, como a Fig.4.10 evidencia, não traduz fielmente a forma
de uma dobra. Por essa razão, têm surgido outros parâmetros que contribuem para uma definição
mais precisa da forma de uma dobra. A título de exemplo, na Fig.4.10 indica-se um desses
parâmetros, proposto por J. G. Ramsay (1967).
Note-se, ainda, que se pode depreender a forma de uma dobra, a partir do seu
diagrama−π, atendendo à distribuição dos pólos marcados (Fig.4.11).
113
36º 36º
Fig.4.10- Dobras com diferentes formas, mas com o mesmo ângulo de abertura (36º)
114
a. b.
Fig.4.12- a) Influência do estilo das dobras: dobras em chevron vs. dobras arredondadas
b) Duas dobras em chevron com aberturas diferentes, que, por serem suplementares,
dão lugar ao mesmo diagrama-π.
Na descrição da atitude geral de uma dobra no espaço, surgem três termos específicos:
antiforma, sinforma e dobra neutra (Fig.4.13).
ANTIFORMA SINFORMA
DOBRAS NEUTRAS
115
Uma antiforma é uma dobra, cuja abertura está dirigida para baixo; sinforma é uma dobra,
cuja abertura está voltada para cima; dobra neutra, aquela, cuja abertura se orienta lateralmente.
Estes termos vieram substituir os termos clássicos de anticlinal e de sinclinal, cujo
significado actual se verá mais adiante. No entanto, alguns autores continuam a usar estes termos
clássicos para caracterizar a atitude espacial das dobras.
Em geral, uma superfície dobrada exibe uma sequência de dobras, frequentemente, uma
alternância de antiformas e sinformas. Estas dobras constituem um sistema (ou um trem) de
dobras. Elas podem ter-se formado simultaneamente, ou sequencialmente.
Um sistema de dobras corresponde a uma ondulação (periódica ou aperiódica), delimitada
entre duas superfícies (em geral não paralelas) designadas por superfícies envolventes (Fig.4.14).
SE
SM
SE
Fig.4.14- Definição, num perfil, das superfícies envolventes (SE) e da superfície mediana (SM) num sistema de
dobras.
Num sistema de dobras, define-se, ainda, a superfície mediana: superfície definida pelas
linhas de inflexão das sucessivas dobras. Geralmente, não se encontra a meia distância das
superfícies envolventes.
116
Fig.4.15- Reconhecimento de três ordens de dobramento nas dobras representadas em a).
As dobras de 1ª ordem são definidas pela mediana das dobras de 2ª ordem e assim sucessivamente.
(Medianas, a tracejado)
117
Os eixos destas dobras de diferentes ordens (admitamos que elas são cilindróides) são
paralelos. Um outro aspecto importante destas dobras menores é a sua simetria variável,
consoante a sua localização relativamente à dobra maior. As dobras menores situadas na zona de
charneira da dobra maior são simétricas, apresentando dois flancos de dimensões semelhantes,
pelo que, em perfil, têm a forma de um M. Pelo contrário, as dobras menores situadas nos flancos
da dobra maior são assimétricas, apresentando flancos longos alternando com flancos curtos: em
perfil, têm uma forma em S ou em Z, consoante a direcção segundo a qual forem observadas.3
3
Como é evidente, se marcarmos um S numa folha transparente: vista do outro lado, aquela letra converte-se num Z.
118
menores, vistas em perfil, o que permitirá reconhecer as zonas de charneira e os flancos das
dobras maiores (Fig.4.17-b).
Estas superfícies são, em geral, curvas, mas, frequentemente, são tratadas como se
fossem planas. Assim, é usual dizer-se plano axial em vez de superfície axial.
4
Na literatura inglesa, ocorre o termo hinge surface, como sinónimo de axial surface.
119
Fig.4.18- Definição de superfícies axiais (s.a.) e de superfícies de inflexão (s.i.) numa sucessão de superfícies
dobradas sobrepostas (S1 , S2 , ..., S4 ). (ch., linhas de charneira; l.i., linhas de inflexão)
P.A.
ch.
f
Fig.4.19- Elementos usados para caracterizar a atitude espacial de uma dobra: P.a., plano axial; f, eixo; ch., charneira
120
Vejamos os métodos habituais da indicação da atitude espacial de uma recta e de um plano, em
Geologia.
Pode ser definida de duas maneiras diferentes. Pode ser definida através da indicação do
ângulo que a recta faz com a sua projecção horizontal (mergulho) e do azimute dessa projecção
horizontal (ou seja, o azimute do plano vertical que contém a recta considerada). Alternativamente,
a atitude de uma recta pode ser definida através do ângulo agudo (rake) que ela define com a
horizontal de um plano (estrutural) predefinido. No último caso, ao dar o valor do rake deverá ser
indicado o rumo geral do mergulho da recta.
Por exemplo, para o caso representado na Fig.4.20, a orientação da recta r seria
descrita como sendo:
30º → 075º (mergulha 30º para o azimute de 75º)
ou recta de rake = 46ºNE em S, sendo S um plano de orientação conhecida.
Tratando-se da definição da atitude do eixo de uma dobra, em vez do termo (geral) rake,
usa-se o termo pitch, sendo S1 o plano axial da dobra.5
α α, azimute de r = 075º
PH µ, mergulho de r = 30º
S rH ρ, rake = 46ºNE
N
H’
ρ
H rH r µ 075º
270º 090º
S µ PV
180º
Fig.4.20- Definição da atitude uma recta em Geologia Estrutural e sua representação em projecção
estereográfica.
5
O termo pitch tem sido usado em diversas acepções. Nas últimas décadas, tem sido usado como sinónimo de rake,
apesar de ser este o termo recomendado por um comité da USGS , que propôs o abandono do termo pitch , naquela
acepção. No entanto, em Geologia Estrutural, a generalidade dos autores recentes usa o termo pitch conforme se define no
texto.
121
ii. Atitude de um plano (Fig.4.21)
Pode ser definida de duas maneiras diferentes: através da indicação do azimute da sua
horizontal (direcção do plano), conjuntamente com o ângulo que o plano define com um plano
horizontal (inclinação do plano); alternativamente, pode ser definido através da sua recta de maior
declive, de que se deve indicar o mergulho e o azimute, como acima se indicou.
No primeiro caso, várias notações são comuns. Frequentemente, a definição do azimute é
feita através de um ângulo inferior a 180º, medido a partir do Norte, para Este ou para Oeste.
Outros autores indicam o ângulo medido, sempre no sentido horário, a partir do Norte, podendo,
portanto, variar entre 0º e 180º. A inclinação, como se vê pelos exemplos abaixo dados, é sempre
traduzida por um ângulo entre 0º e 90º, com indicação do seu sentido.
Exemplos:
N30ºE-34ºSE N030-34ºS recta de maior declive : 34º →120º
N20ºW-67ºW N160-67ºW recta de maior declive : 67º → 250º
N50ºW-20ºNE N130-20ºN recta de maior declive : 20º → 040º
N
030º
N
H’
δ PH
28º
R’
O i S
R
S
δ = 30º
i = 28º PH, plano horizontal
HH’, horizontal de S
OR, recta de maior declive de S 120º
S: N30ºE-28ºSE OR’, projecção de OR em PH
Fig.4.21- Definição da atitude um plano (S) em Geologia Estrutural e sua representação em projecção
estereográfica (polar e ciclográfica).
122
T’
N
Fig.4.22- Determinação, sobre um estereograma, da atitude do plano axial (PA), a partir do traço axial (TT’) e do
eixo da dobra (b ), definidos no mapa.
Vimos que, quanto à sua atitude espacial geral, uma dobra pode ser uma antiforma, uma
sinforma ou uma dobra neutra. Considerando, agora, as relações, em termos de tipo de sequência
estratigráfica das superfícies dobradas, usam-se os termos anticlinal e sinclinal.6 O significado
destes termos pode ser apreendido, considerando um corte das dobras, perpendicularmente ao
perfil (Fig.4.23).
núcleo núcleo
an tif o r ma / s in f o r ma
Polaridade Polaridade
+ recente + antigo
S I N C L I N AL AN T I C L I N AL
Fig.4.23- Distinção entre anticlinal e sinclinal. As dobras representadas tanto podem ser antiformas como sinformas.
(As setas dão a polaridade da estratificação)
6
Recorde-se que, classicamente, estes termos tinham o significado de antiforma e de sinforma.
123
Duas situações podem ocorrer: os estratos dobrados estão em sequência normal ou estão
invertidos.7 No primeiro caso, uma antiforma diz-se anticlinal e uma sinforma diz-se sinclinal. No
segundo caso, uma antiforma diz-se sinclinal e uma sinforma diz-se anticlinal. As quatro
possibilidades estão ilustradas na Fig.4.24.
Note-se, ainda, que os termos anticlinal e sinclinal podem ser usados como substantivos,
enquanto que os termos antiforma e sinforma são adjectivados: em vez, por exemplo, de antiforma
sinclinal (“syncline antiform”), há quem diga sinclinal antiformal (“antiformal syncline”).
Neste contexto, usa-se o termo vergência para referir a direcção em que, ao longo da
superfície axial da dobra, se “caminha” para as camadas mais recentes: por exemplo, “antiforma
anticlinal com vergência para noroeste”.8
7
A polaridade da estratificação será determinada pelos métodos correntes da Estratigrafia, atendendo, por exemplo, de
estruturas sedimentares (granoclassificação, estratificação cruzada, etc.), da disposição dos fósseis, etc.
8
Na literatura inglesa surge, ainda, em vez do termo vergence, o recurso ao verbo to face, ou seja, traduzindo o exemplo
dado, anticline antiform facing Northwest. Em inglês, dir-se-á, portanto, que: an anticline antiform faces upwards ; a syncline
antiform faces downwards.
124
4.5 CLASSIFICAÇÃO DAS DOBRAS
A nomenclatura das dobras tornou-se, no decorrer dos tempos, muito confusa, pela
profusão dos termos usados pelos diferentes autores, pela imprecisão da definição de muitos
desses termos e pelo uso do mesmo termo com significados diferentes. Recentemente, tem-se
procurado fazer uma arrumação da terminologia e, no caso da classificação das dobras, distinguir
os termos que descrevem a atitude espacial da dobra dos que descrevem a sua forma.
Devemos, pois, adoptar dois sistemas de classificação: um para descrever a atitude
espacial da dobra e outra para descrever a forma da dobra.
Uma classificação muito seguida para descrever a atitude da dobra é a de Turner e Weiss
(1963), ou a sua modificação por Fleuty (1964), aplicável a dobras cilindróides de superfície axial
plana (ou tida como tal). Para definir a forma das dobras, é muito conveniente uma classificação
como a desenvolvida por Ramsay (1967).
LINHA DE CHARNEIRA
Plunging inclined
HORIZONTAL Recumbent − −
Traduzindo, uma dobra poderá ser: normal horizontal , normal mergulhante, vertical ,
inclinada horizontal , inclinada mergulhante, reclinada , ou recumbente.9
9
Alguns autores de língua inglesa, em vez do termo normal (para designar dobras de plano axial vertical), usam o termo
upright. Também, os termos relativos à atitude do plano axial precedem, por vezes, os referentes à charneira, i.e., em vez
de, por exemplo, plunging inclined fold , dizem inclined plunging fold.
125
Fig.4.25- Ilustração da classificação das dobras quanto à sua atitude espacial. (Dobras dispostas
como no Quadro 4.1)
126
4.5.2. Classificação de Ramsay
horizontal
20º
32º
i i
a. b.
Como a Fig.4.27-a ilustra, para traçar a isógona correspondente a um certo ângulo, traça-
se uma horizontal de referência e procuram-se os pontos de tangência às sucessivas superfícies
dobradas, determinados por rectas com o declive definido por aquele ângulo.
A disposição relativa das isógonas depende das relações de curvatura entre as superfícies
dobradas e, portanto, depende da forma das dobras. Se as isógonas forem paralelas, podemos
concluir que os arcos que formam o perfil considerado têm a mesma curvatura; se as isógonas não
forem paralelas, é porque há um aumento da curvatura das superfícies dobradas, na direcção em
que as isógonas convergem. Na prática, fala-se em “convergência” ou em “divergência” das
isógonas, pressupondo que elas são observadas partindo dos arcos externos para os arcos
internos, i.e., do lado convexo da dobra para o lado côncavo da mesma (Fig.4.28).
127
−
Fig.4.28- a) Isógonas ditas “convergentes” (a curvatura do arco interno é maior que a do arco externo).
b) Isógonas ditas “divergentes” (a curvatura do arco interno é menor que a do arco externo).
Para uma mais fácil definição da forma das dobras, J.G. Ramsay recorre à análise da
variação da espessura da “camada” dobrada, ao longo da dobra. A espessura é determinada, no
perfil da dobra, entre rectas, com um dada inclinação relativamente ao traço axial, tangentes às
superfícies dobradas (Fig.4.29).
Duas definições de espessura podem ser usadas: espessura axial (Tα, determinada
paralelamente ao traço axial) e ortogonal (tα, perpendicular às tangentes que a definem). Em
princípio, é indiferente usar uma ou a outra, pois elas estão relacionadas entre si, para cada
valor do ângulo de inclinação:
tα = Tα cos α
sendo α o ângulo de “inclinação” das tangentes consideradas.
Tο
tα
S1
Tα
S2
traço axial
Fig.4.29- Definição de espessura axial (Tα ) e de espessura ortogonal (tα), para um dado valor de α, para a dobra
delimitada pelas superfícies S1 e S2
128
De preferência aos valores absolutos daquelas espessuras, usam-se valores
normalizados, independentes da dimensão das dobras analisadas. Esses valores (T’α e t’α ) obtêm-
se, dividindo as espessuras absolutas pelo valor da espessura T0 (= t0) correspondente à
inclinação α = 0º, ou seja, determinada ao longo do traço axial:
Definem-se cinco classes de dobras, designadas por 1A, 1B, 1C, 2 e 3, que se podem
caracterizar como se descreve nos quadros seguintes. Note-se que as classes 1A, 1B e 1C
correspondem a sub-classes de uma classe (classe 1) , definida a par com as classes 2 e 3.
129
Fig.4.30- Dobras, exemplificando cada uma das classes definidas por J.G. Ramsay
Note-se, finalmente, que uma dobra pode não ser enquadrável, inequivocamente, em
qualquer das classes acima referidas. Tal está ilustrado na Fig.4.31, para uma dobra de geometria
complexa, em que t’(α ) se situa nos campos das classes 3, 2 e 1C. A consideração das derivadas
de primeira e de segunda ordem daquela curva leva J.G. Ramsay a descrevê-la como sendo da
classe 3, modificada pela classe 1A.
Fig.4.31- Dobra não directamente enquadrável na classificação de Ramsay, como as isógonas e a função t’(α) evidenciam.
(In. J.G. Ramsay, 1967)
130
4.6. MODELOS CLÁSSICOS DE DOBRAMENTO
Fig.4.32
É o tipo de dobramento que, muito provavelmente, ocorrerá num corpo laminar submetido
a uma compressão que lhe é aplicada paralelamente, como a Fig.4.33 ilustra.
η2
n2
ηi , viscosidades (η1 > η2 )
(alternativamente, E1 e E2, em
η2 materiais elásticos)
η1
n2
n1 ni , expoente da eq. 3.10
(n = 1 se o líquido for newtoniano)
Fig.4.33
Neste tipo de dobramento formam-se dobras paralelas (i.e., da classe 1B), cujo estado de
deformação, observado no plano do perfil, tem as características seguidamente enumeradas
(Fig.4.34).
131
i. Uma das direcções principais da deformação (X ou Z) orienta-se perpendicularmente às
superfícies dobradas e as outras duas (Y e Z ou X), tangencialmente às mesmas superfícies. Este
estado de deformação interna designa-se por longitudinal tangencial.
ii. Ocorre uma superfície neutra, ou seja, uma superfície ao longo da qual não ocorre
deformação finita: as extensões finitas principais são nulas. Esta superfície não se situa,
necessariamente, a meia distância dos limites da dobra e, na verdade, a sua posição varia durante
a história deformacional; por esta razão, deverá, antes, designar-se por superfície neutra finita.
Fig.4.34- Estado de deformação numa dobra por deformação longitudinal tangencial (in. J.G. Ramsay, 1967)
iii. Ocorre uma deformação plana (plane strain): a área no plano do perfil da dobra
manteve-se invariável (i.e., (1+e1)(1+e3) = 1 ) e a extensão segundo a direcção axial da dobra é
nula (e2 = 0). O eixo da dobra é, portanto, em todos os pontos, paralelo ao eixo intermediário (Y) do
elipsóide de deformação finita e o plano do perfil corresponde, sempre, ao plano XZ.
iv. A dobra é paralela e, portanto, tem uma espessura ortogonal constante. No entanto, se
individualizarmos, ao longo da superfície neutra finita, uma banda que originalmente tivesse uma
espessura constante, verifica-se que ela foi adelgaçada junto dos arcos externos (acima da
superfície neutra, relativamente ao seu centro de curvatura) e foi alargada nos arcos internos. Os
arcos externos estão distendidos e os internos, comprimidos.
132
4.6.1.2. Deformação de uma lineação preexistente
O ângulo (α) que a lineação definia originalmente com a direcção axial é modificado em
todas as superfícies em que se observe a lineação, excepto ao longo da superfície neutra finita.
Nos arcos externos da dobra (onde ocorre uma distensão), aquele ângulo torna-se maior,
enquanto que, nos arcos internos (onde ocorre contracção), ele torna-se menor (Fig.4.35).
b.
Fig.4.35- Efeito de um dobramento por deformação longitudinal tangencial sobre uma lineação preexistente (Lo).
a) Situação inicial
b) Situação após dobramento, para superfícies acima e abaixo da superfície neutra finita (S.N.)
133
f
α’’ arco interno
α’ superfície neutra
arco externo
Fig.4.36- Registo, em projecção estereográfica, da variação de orientação de uma lineação dobrada, no caso de
uma dobra por deformação longitudinal tangencial.
134
Fig.4.37- Estruturas menores associadas às dobras por deformação longitudinal tangencial
Nos arcos internos, o regime é compressivo e a rotura do material ocorre sob a forma de
falhas inversas (thrusts), dispostas simetricamente em relação a X e Z do elipsóide deformação
finita.
Ainda nos arcos internos, ocorre, por vezes, uma fissuração perpendicular a X (portanto,
por tracção e orientando-se paralelamente à “estratificação”). A formação desta fissuração é
facilitada pela presença de uma elevada pressão intersticial.
Nestas dobras, uma deformação dúctil (fluxo do material sem que haja rotura) pode
também dar origem a estruturas associadas. É o caso da clivagem de dissolução por pressão,
presente, de uma forma mais ou menos incipiente, nos arcos internos. Trata-se de uma foliação
que, sendo normal a Z do elipsóide de deformação finita, define um leque convergente,
relativamente ao traço axial da dobra no plano do seu perfil.
Em rigor, o dobramento de uma barra, como na Fig.4.33, não dá lugar às dobras cilíndricas
de geometria simples, atrás descritas. Uma simples experiência, como a de dobrarmos uma vulgar
borracha usada em Desenho, põe-no bem em evidência: a dobra obtida não é cilíndrica e tem uma
forma complexa, em sela (Fig.4.38). Verifica-se, em sobreposição ao dobramento por deformação
135
longitudinal tangencial, um dobramento semelhante, mas de menor amplitude, que lhe é
perpendicular. Este efeito designa-se por dobramento anticlástico. Como se vê na Fig.4.37-b, o
arco exterior da dobra tende a contrair-se ao longo da charneira, enquanto que o arco interno
tenderá a distender-se. A deformação deixa de ser plana.
b.
Fig.4.38- Dobramento anticlástico.
a) Representação em perspectiva da dobra b) Secção segundo a charneira
(A ponteado, secção para uma dobra por deformação longitudinal tangencial, ideal)
É um mecanismo típico de rochas com uma forte anisotropia mecânica planar, isto é,
divididas por descontinuidades planas, paralelas, que, pela sua menor resistência mecânica
(nomeadamente, menor coesão) comandam o dobramento.
As dobras formadas são paralelas (classe 1B).
136
Fig.4.39- Dobras flexurais. a) Dobra por escorregamento flexural b) Dobra por fluxo flexural
ii. O movimento relativo entre as “folhas” varia de forma contínua, como se a rocha fosse
composta por um número infinito de “folhas”, de espessura infinitesimal. Como modelo analógico,
podemos considerar o dobramento de uma esponja paralelepipédica. A deformação distribui-se de
uma forma gradual, contínua, através da dobra (Fig.4.39-b), aumentando progressivamente dos
arcos externos para os internos e da charneira para as linhas de inflexão. As dobras deste tipo
designam-se por dobras por fluxo flexural (flexural-flow folds).
137
4.6.2.1. Deformação interna
A deformação é por cisalhamento simples heterogéneo, máxima ao longo das linhas de
inflexão da dobra e mínima (nula) nas linhas de charneira.
As principais características do estado de deformação são as seguintes:
i. Nas dobras não se define uma superfície neutra;
ii. A deformação é plana (λ1 λ3 = 1 e λ2 = 1) em todos os pontos da dobra, cujo eixo é
paralelo ao eixo Y do elipsóide de deformação finita;
iii. Em cada ponto da dobra, a superfície dobrada intersecta os elipsóides de deformação
finita segundo uma secção circular de raio unitário, i.e., aquela superfície não está deformada;
iv. Os planos XY dos elipsóides de deformação finita divergem do plano axial nas
antiformas (quando se vai dos arcos externos para os internos).
138
Outras estruturas, que poderemos observar em dobras flexurais, são as fendas de tracção
dispostas em degraus (en échellon), relacionadas com um cisalhamento frágil-dúctil (Fig.4.41).
Como a Fig.4.41 mostra, o seu desenvolvimento decresce das linhas de inflexão para a
charneira da dobra e, com a intensificação do dobramento, vão adquirindo a forma sigmoidal, que
lhes é típica.
Uma vez que não ocorre qualquer deformação nas superfícies dobradas, o ângulo que
uma lineação originalmente definia com qualquer outra direcção daquelas superfícies
(nomeadamente, com a que irá corresponder ao eixo do dobramento) mantém-se invariável.
Portanto, se, numa projecção estereográfica, marcarmos os pólos das lineações observadas,
esses pólos definem um círculo menor, correspondente a um afastamento angular constante (α) do
pólo (f ) da direcção axial (Fig.4.42).
139
Fig.4.42- Deformação de uma lineação por dobramento flexural
b
a
M O D E L O A N A L Ó G I C O
140
4.6.3.1. Deformação interna
ii. Como a deformação no plano ac é por cisalhamento simples, não há variação de área:
λ1 λ3 = 1; e sendo λ2= 1, conclui-se que ocorre uma deformação plana.
iii. A deformação no plano ac não varia na direcção de a, isto é, ao longo de cada “folha”
delimitada por dois planos do fluxo, a deformação é constante. Daí resulta que não se define uma
superfície neutra.
v. O plano axial das dobras formadas é paralelo aos planos de fluxo, ab. A atitude dos
eixos das dobras depende da orientação do “estrato” passivo original, relativamente à direcção do
fluxo, a. A direcção axial será b, apenas se a for normal àquele “estrato” (Fig.4.45).
141
a. b. c.
Fig.4.45- (V. texto)
(Repare-se que em c), o dobramento não modifica a marca planar e só seria detectado pela deformação
de uma lineação preexistente)
Admitindo que a direcção do fluxo (a) é constante, uma lineação preexistente (Lo) é
encurvada, mas mantém-se no plano que a sua direcção original define com a direcção daquele
fluxo (Fig.4.46). Portanto, em projecção estereográfica, os pólos das foliações medidas definirão
um círculo máximo.
142
Fig.4.46- Deformação de uma lineação (Lo) por dobramento laminar do plano estrutural que a continha (S): a linha
curva resultante (L’) é plana, como a projecção estereográfica evidencia
A produção de dobras similares (ou com uma forma muito próxima) poderá resultar, como
análises geométricas e trabalhos experimentais têm demonstrado, da conjugação dos seguintes
factores:
i. Dobramento de uma série de camadas, alternadamente competentes e incompetentes;
143
Trabalhos de modelação matemática (por simulação em computador) demonstraram que
um estrato de quartzito (húmido) numa matriz de mármore, deformado a 375ºC e a uma velocidade
de deformação de 10−14 s−1, daria lugar, inicialmente, a dobras concêntricas10 e, depois, por
elevação da temperatura a 550ºC (que anularia o contraste de ductilidade entre o quartzito e o
mármore), ocorreria um achatamento homogéneo dessas dobras, que se tornariam praticamente
similares.
Fig.4.47- Deformação homogénea das dobras A (cl.1B) em A’ e de B (cl.3) em B’: ambas as dobras se tornam quase
similares (cl.2) e, no seu conjunto, têm, quase exactamente, uma geometria de dobra similar.
10
Dobras paralelas (classe 1B) que, em perfil, são formadas por arcos de circunferência
144
4.7. REDOBRAMENTO
Uma situação possível pode ser facilmente simulada, dobrando e redobrando uma folha de
papel, como a Fig.4.49 ilustra. Neste caso, as dobras que interferem têm a mesma direcção axial,
mas planos axiais normais entre si.
145
S1
S1
a2 S2
Fig.4.49- Redobramento de uma folha de papel S1, superfície axial da dobra original;
a2, direcção de fluxo correspondente ao redobramento ; S2, superfície axial do redobramento.
Aos dois dobramentos corresponde a mesma direcção axial (normal ao plano de desenho)
146
Fig.4.51- Modelo de redobramento, recorrendo a um maço de cartões que se deslocam paralelamente
a si próprios. À esquerda, as dobras originais; à direita, o redobramento. No primeiro exemplo, mostra-se,
também, o efeito do segundo dobramento sobre uma marca planar original (representando, por exemplo, um
dique posterior ao primeiro dobramento, mas afectado pelo segundo).
147
4.8. TEORIAS DE DOBRAMENTO
µ2
µ1
a) b) c)
148
experimental indicam que tal zona não se estende, efectivamente, para além de uma distância
igual a um comprimento de onda das dobras dos estratos competentes, mesmo quando tenha
ocorrido uma marcada deformação homogénea, amplificadora daquelas dobras.
Fig.4.53- Zona de deformação de contacto, na matriz, junto de uma dobra (In: J.G. Ramsay, 1967)
Mas, para que uma série de “estratos” competentes se comporte, no dobramento, como
um corpo multiestratificado, a distância entre aqueles “estratos” deve ser bem menor que a soma
dos comprimentos de onda das suas dobras, talvez 1/10 dessa distância ou menos. Nesta
circunstância, os deslocamentos sofridos por qualquer dos “estratos” têm de ser compatíveis com
os sofridos pelos “estratos” contíguos, donde a tendência para uma harmonização das dobras
formadas.
Um dos aspectos, que poderemos medir numa dobra natural e comparar com os
resultados teóricos, é expresso pela chamada “razão de esbelteza” (slenderness ratio): razão, W/t,
entre o comprimento de onda da dobra (W) e a espessura do “estrato” (t). J.A. Sherwin e W.M.
Chapple (1968), que mediram para cima de 800 dobras naturais, encontraram valores de W / t
entre 5 e 10.
149
4.8.1. Dobramento de “estrato” individualizado
Entre os trabalhos de diversos investigadores, são de destacar os de M.A. Biot (1957-
1962) e de H. Ramberg (1959-1970), que consideram a iniciação de dobras sinusoidais num
“estrato” único, no seio de uma matriz. Nos seus trabalhos, consideram-se, habitualmente, as
seguintes hipóteses, entre outras:
Neste caso, as dobras resultam de uma diferença de viscosidade entre “estrato” (mais
viscoso) e matriz, originando-se por amplificação de pequenas deflecções sinusoidais, presentes
naquele estrato (Fig.4.54).
150
3
Wd = 2 π t √µ1 / 6µ2 (4.1)
o que exprime a dependência da forma destas dobras com as propriedades reológicas dos
materiais.
A dependência do comprimento de onda das dobras iniciadas com a espessura está,
frequentemente, manifestada em dobras, naturais ou experimentalmente obtidas (Fig.4.52-a e
4.55).
Fig.4.55- Dependência do comprimento de onda das dobras com a espessura dos “estratos”: o caso curioso
do dobramento de um veio que diminui, gradualmente, de espessura
Fig.4.56- Na dobramento de 2ª ordem, a espessura efectiva é t’, maior que a verdadeira espessura (t)
151
No entanto, a eq. 4.1 prevê a formação de dobras, mesmo quando não há contraste de
ductilidade entre “estrato” e matriz, ou seja, quando η1 = η2. Segundo Biot, aquela fórmula só é
aplicável, quando η1 /η2 for superior a 100. Mas, um tal valor conduziria a dobras com uma razão
de esbelteza superior a 16, valor superior aos observados em dobras naturais. Por outro lado,
razões de esbelteza mais realísticos, inferiores a 10, implicariam tensões no “estrato” dobrado
incompatíveis com a assumida deformação longitudinal tangencial.
Estas limitações do modelo de Biot-Ramberg levaram Sherwin e Chapple a considerar a
ocorrência de uma componente de deformação homogénea, que se sobreporá ao dobramento
“activo”. Neste caso, obtém-se:
com s = √ λ1 / λ 2
Mais recentemente, alguns investigadores (por exemplo, R.C. Fletcher, 1974, e R.B. Smith,
1979) alargaram as análises de Biot-Ramberg para o caso em que, pelo menos, o “estrato”
dobrado é um líquido não-newtoniano, ou seja, não é linearmente viscoso (τn = Κ γ ; n>1).
Segundo Fletcher, nesse caso, a incidência de uma componente de deformação
homogénea facilitaria ainda mais a formação de dobras, e já não seriam necessários contrastes de
ductilidade da ordem de grandeza prevista pelos modelos de Biot-Ramberg. Dobras com uma
esbelteza entre 4 e 10, como as que são comuns na Natureza, poderão formar-se desde que n
seja superior a 3, um valor perfeitamente compatível com diferentes mecanismos de fluxo
teoricamente deduzidos.
152
dobras de maior amplitude, nos níveis mais profundos) não deve ser desprezada e contribuirá para
que os modelos antes referidos dêem soluções cada vez mais realísticas.
Trata-se de uma situação geologicamente importante, por ser a mais frequente e a que
corresponde às estruturas dobradas de maior dimensão.
Os precursores das análises desta situação foram, de novo, Biot e Ramberg, mas muitos
outros autores retomaram o problema, quer analiticamente, quer experimentalmente, quer por
modelação matemática (análise de elementos finitos e simulação computacional).
Aqueles dois autores adoptaram modelos diferentes (Fig.4.57), mas assumindo as
mesmas hipóteses gerais, então adoptadas para o dobramento de “estratos” individualizados.
Assumiram, ainda, a ausência de escorregamento ao longo de cada “estrato” do modelo multi-
estratificado.
Os resultados das duas análises são diversos. Apenas se transcrevem alguns resultados
de Biot, por se exprimirem numa determinação de comprimentos de onda dominantes.
A análise de Biot prevê, para o modelo I, um comprimento de onda dominante,
153
em que os símbolos têm o significado ilustrado na Fig.4.57-b.
Comparando com a situação de “estrato” singular (eq.4.2, com t = N.a), verifica-se que o
comprimento de onda inicial das dobras é menor num corpo multiestratificado.
154
a. b.
Em primeiro lugar, não devemos esquecer que aquelas análises não ultrapassam a fase
de iniciação das dobras. A análise do seu desenvolvimento posterior recorre a outras técnicas, não
155
analíticas. Estes últimos estudos indicam que a compressão homogénea das dobras sinusoidais
dão lugar a dobras que, progressivamente, se aproximam da forma em chevron e da geometria de
dobras similares. Um outro resultado interessante de algumas dessas análises é a previsão de
que, numa alternância regular de “estratos” competentes e incompetentes, nos primeiros observar-
se-ão dobras paralelas (classe 1B) e, nos segundos, dobras da classe 3, formando-se, no
conjunto, dobras similares (classe 2). Este resultado tem sido observado em dobras naturais, como
adiante se verá, ao considerar-se a descrição de foliações relacionadas com dobramentos.
156
Fig.4.60- Modelo idealizado de dobramento por escorregamento flexural, num corpo acentuadamente anisotrópico,
comprimido paralelamente aos planos de anisotropia. A área inicial do corpo é indicada pelo rectângulo
a tracejado, para diferentes estádios da compressão (Paterson & Weiss, 1966).
O aspecto geral dessas formas, cuja correspondência com aspectos naturais é flagrante,
está representado na Fig.4.61.
157
GRAU DE ANISOTROPIA crescente
158
Fig.4.62- Diagrama ilustrativo da produção de estruturas associadas a instabilidade interna, consoante o grau relativo das
anisotropias, intrínseca e induzida. As secções quadrangulares representam estádios iniciais e as rectangulares, estádios
resultantes da compressão (cisalhamento puro), de acordo com modelação experimental e matemática.
159
4.8.2.3. Estruturas em corpos irregularmente multiestratificados
Fig.4.63- Dobras parasíticas formadas num estrato pouco possante (Cf. Fig.4.56)
Quando, numa série “estratificada”, ocorre alguma variação de possança, mas sem
acentuados contrastes, observam-se estruturas particulares, ditas de acomodação. Como o nome
indica, correspondem a ajustamentos locais da deformação nas diferentes unidades dobradas.
Essa acomodação pode ser conseguida por mecanismos de fluência dúcteis (espessamento de
charneiras, por exemplo), ou cataclásticos (fracturação), ou por escorregamentos ao longo de
planos de contacto das unidades dobradas. Ocorrem, frequentemente, aberturas entre zonas de
charneira, cujo preenchimento pelos minerais depositados pelos fluidos circulantes dá lugar a veios
de forma especial (saddle reefs), por vezes com grande interesse económico (quartzo aurífero, por
exemplo).
160
Na Fig.4.64 ilustram-se exemplos comuns de estruturas de acomodação.
a. b. c. d.
Fig.4.64- Estruturas de acomodação. a) Dobra carinada (com zona de charneira em carena) b) Acomodação por falha
inversa c) Combinação de fracturação e fluência dúctil d) Boudinage de estrato menos possante (Price & Cosgrove,
1990)
Fig.4.65- Estruturas de acomodação numa dobra: acomodação por falha inversa e por fluência dúctil
(Bude, N. Cornualha)
11
Também designadas, mas impropriamente, por dobras de arraste (drag folds)
161
4.8.3. Dobramento de superfícies de contacto ou de superfícies livres
Uma superfície livre ou uma superfície de contacto entre dois meios semi-infinitos de
viscosidades diferentes, quando comprimida paralelamente a si própria, dá lugar a uma sequência
alternante de dobras amplas (lobos) e de dobras muito apertadas (cúspides), resultantes da
amplificação cinemática (passiva) de irregularidades iniciais (Fig.4.66).12
Fig.4.66- Cúspides formadas pela forte compressão da superfície de contacto entre dois meios de diferente
viscosidade. O material mais escuro é o mais competente (in. Ramsay, 1967)
Julga-se que, pelo menos inicialmente, não lhes corresponderá qualquer comprimento de
onda dominante, isto é, determinado pelo contraste de ductilidade dos materiais em contacto.
A formação destas estruturas com cúspides representa uma grande amplificação das
irregularidades iniciais, exigindo uma enorme deformação compressiva (λ<0,01). Essa
amplificação seria, segundo alguns autores, facilitada no caso de materiais viscosos não-lineares.
Nestas estruturas, as cúspides apontam para o material de maior viscosidade (mais
competente).
Estas estruturas são uma das formas particulares de estruturas colunares (mullion
structures).
12
O aspecto é análogo ao de certas estruturas sedimentares (figuras de carga), com as quais não devem ser confundidas.
162
5. ESTRUTURAS PLANARES (FOLIAÇÕES)
5.1. INTRODUÇÃO
163
Frequentemente, uma foliação corresponde a uma descontinuidade mecânica das rochas,
pelo que sobressaem, muitas vezes, como superfícies delimitantes, quer em afloramentos, quer
em amostras de mão (Figs.5.2 e 5.3). Outras vezes, evidenciam-se pelas intersecções que
determinam noutras superfícies de observação.
Fig.5.2- Exemplo em que a foliação constitui um plano mais susceptível à erosão fluvial, como a secção
elíptica da “marmita de gigante” (em vez da forma circular habitual) evidencia
164
As estruturas planares podem ocorrer segundo dois tipos distintos de desenvolvimento:
ii. Repetindo-se de uma forma muito cerrada através de toda a rocha, de tal modo que, se
corresponderem a planos de fraqueza, será possível obter placas, praticamente, tão finas quanto
se deseje; dir-se-á que a estrutura é penetrativa.
165
5.2. TIPOS DE FOLIAÇÃO
Em muitos tectonitos, observa-se uma foliação definida por uma bandagem resultante da
alternância de agregados essencialmente monominerálicos, contrastantes, como, por exemplo,
uma alternância de leitos de quartzo com leitos de micas ou de feldspatos. Tal bandagem decorre,
frequentemente, de um processo de diferenciação metamórfica, ocorrido numa rocha originalmente
homogénea. Neste caso, a foliação designar-se-á por bandagem de diferenciação (metamórfica).
Uma bandagem de diferenciação metamórfica apresenta, tipicamente, as seguintes
características:
1
Uma foliação gnáissica pode, também, reflectir aspectos de uma foliação primária (de origem sedimentar)
166
Fig.5.4- Foliação gnáissica dobrada (Monar, Escócia)
Fig.5.5- Bandagem de diferenciação (s2) formada pela segregação de quartzo resultante dobramento
de uma foliação gnáissica preexistente (Monar, Escócia)
167
Zonas planares muito estreitas, escuras, resultantes remoção do quartzo ou da calcite por
intensa dissolução por pressão, designam-se por bandas-p (pressure seams). Elas marcam as
trajectórias de σ3. Em rochas foliadas com quartzo e micas, a remoção do quartzo nas bandas-p é
acompanhada por uma reorientação mecânica das micas, no interior das banda (Fig.5.6).
ROCHA ORIGINAL
Banda-P
Devido a este efeito, elas poderão confundir-se com um outro tipo de foliação - a clivagem
de crenulação - adiante considerada.
168
Fig.5.7- Clivagem de fractura (Cardigan, País de Gales)
a. b. c. d.
2
Alguns autores, por razões que adiante veremos, preferem usar a designação de pencil structure
169
A clivagem de fractura é típica das rochas de grau de metamorfismo baixo a médio.
Se bem que inicialmente interpretada como resultante de esforços de corte (G. Wilson,
1961), estudos efectuados por N.J. Price (1953, 1967) e por N.J. Price e P.L. Hancock (1972)
indicam que é extremamente rara a ocorrência de movimento ao longo das fracturas e que o
ângulo que elas definem com a estratificação é, geralmente, próximo de 90º. Verificaram, ainda,
que a intersecção da clivagem de fractura com a estratificação é paralela aos eixos das dobras
regionais. Considerando essas observações, concluíram que a clivagem de fractura se dará por
tracção. O mecanismo de fracturação envolvido, que exige uma elevada pressão intersticial (de tal
modo que a menor tensão efectiva se torne suficientemente tractiva3), é conhecido pela
designação de fracturação hidráulica.
O ângulo que os planos da clivagem de fractura definem com a estratificação tende a
variar com a litologia. Nos estratos mais competentes, ele aproxima-se de 90º, enquanto que nos
menos competentes ele se torna marcadamente oblíquo. Assim, ao passar-se de um estrato para
outro, havendo contraste de ductilidade, os planos da clivagem são deflectidos: é o fenómeno da
refracção da clivagem (Fig.5.9). Num estrato granoclassificado, a refracção da clivagem pode
consistir numa variação gradual da sua orientação, em consequência de uma variação contínua do
tamanho dos grãos da rocha e, concomitantemente, uma variação gradual da sua ductilidade.
− COMPETENTE
+ COMPETENTE
− COMPETENTE
170
(ou seja, é “crenulada”), originando-se uma nova foliação (a clivagem de crenulação, s2 ) definida
pelos flancos estirados das crenulações ou pelas microfracturas que se desenvolvem ao longo
desses flancos. Trata-se, portanto, de uma foliação não-penetrativa, de que a Fig.5.10 ilustra
vários aspectos.
Um aspecto distintivo desta foliação não-penetrativa reside na presença de deformação
nas áreas delimitadas pelos sucessivos planos de foliação, ou seja, nos chamados microlítones.
Além disso, ao longo dos planos de foliação ocorrem, frequentemente, intensos fenómenos de
dissolução por pressão, que contribuem para a intensificação da clivagem de crenulação.
Também, fenómenos de recristalização e formação de novos minerais poderão ter lugar, aí.
A clivagem de crenulação é comum em rochas ricas de filossilicatos e, mais
marcadamente, nas rochas com um grau de metamorfismo médio a elevado.
Fig. 5.10- Representação esquemática de várias formas de clivagem de crenulação (G. Wilson, 1961)
As microdobras que formam a crenulação podem ser simétricas (típicas das zonas de
charneira das dobras maiores) ou assimétricas (nos flancos daquelas dobras). Exemplos das
primeiras estão ilustrados nas Figs. 5.10-b,c e 5.10-a, enquanto que exemplos de microdobras
assimétricas se podem ver nas Figs. 5.10-a,d,e e 5.11-b.
3
Digamos, σ3-p > T, sendo p a pressão intersticial e T a resistência da rocha à tracção
171
Quando as microdobras são assimétricas, é possível determinar um sentido de movimento
e, daí, inferir a situação estrutural da amostra, ou seja, em que flanco da dobra maior ela se
localiza: o ângulo agudo que os flancos longos das microdobras (s1 ) definem com a clivagem de
crenulação (s2 ) aponta no sentido do movimento 4 e dá-nos a “vergência” da dobra.
Fig. 5.11- a) Clivagem de crenulação observada na zona de charneira de uma dobra maior: as dobras nos microlitons são
simétricas
.b) Clivagem de crenulação observada num flanco de uma dobra maior: as microdobras são assimétricas
(Hobbs et al., 1976)
4
O critério é idêntico, como veremos, ao usado para determinar o sentido de uma zona de cisalhamento dúctil.
172
Observa-se, por vezes, a associação de duas clivagens de crenulação de sentidos
contrários, simétricas relativamente ao plano axial das dobras e, portanto, bissectadas por uma
outra foliação bem marcada, que se orienta paralelamente aos planos axiais daquelas dobras. As
duas clivagens de crenulação são tidas como contemporâneas (resultantes do mesmo episódio
deformacional), constituindo clivagens de crenulação conjugadas. A direcção da máxima tensão
compressiva principal (σ1) bissecta, geralmente, o ângulo obtuso definido pelas duas clivagens
conjugadas, estruturas que serão análogas às formadas por instabilização de uma foliação
comprimida por uma tensão que lhe é normal (v. Fig.4.57-h). A foliação comprimida seria, neste
caso, a clivagem paralela aos planos axiais das dobras, acima referida (Fig.5.12).
Fig.5.12- Orientação habitual da clivagem de crenulação conjugada, relativamente à dobra maior (cujo traço axial
é
marcado por traços de uma clivagem ardosífera).
Clivagem ardosífera (slaty cleavage) e xistosidade são dois tipos semelhantes de foliação
penetrativa.
Definiremos clivagem ardosífera como uma estrutura planar penetrativa, caracterizada por
uma fraca recristalização, sob controlo tectónico, de minerais filitosos. É típica de rochas finas, cujo
grau de metamorfismo é baixo (não ultrapassando o da fácies de xistos verdes).
Definiremos xistosidade como uma estrutura planar penetrativa, definida pela orientação
preferencial de minerais tabulares (filossilicatos e anfíbolas, designadamente) recristalizados. É
típica das rochas de elevado grau de metamorfismo.
173
Fig.5.13- Clivagem ardosífera (detaque para o plano da clivagem com três manchas de redução). (N. País de Gales)
Por essa razão, nos planos de xistosidade, os minerais recristalizados são claramente
discerníveis a olho nu, ao contrário do que acontece nos planos de clivagem ardosífera. Os planos
de xistosidade têm, geralmente, um brilho acetinado, enquanto que os de clivagem ardosífera são
baços, apenas pontuados por algumas escamas brilhantes.
Também, as rochas xistosas, habitualmente, deixam-se dividir menos regularmente que as
rochas com clivagem ardosífera, pois as superfícies de xistosidade são, frequentemente onduladas
e têm uma maior rugosidade que os planos da clivagem ardosífera.
A génese destes dois tipos de foliação está ligada à reorientação, segundo uma direcção
preferencial, de minerais preexistentes ou formados por recristalização. A rocha adquire uma nova
estrutura ou fábrica (fabric), em que as orientações (e as composições químico-mineralógicas) se
aproximam do equilíbrio com as condições prevalecentes no metamorfismo. Sendo a génese
dessa fábrica controlada pelas forças tectónicas, a foliação resultante orienta-se de uma forma
relacionável com o elipsóide de deformação e com as outras estruturas tectónicas.
Verifica-se que a clivagem ardosífera e a xistosidade ocorrem, predominantemente, nas
regiões mais intensamente dobradas, tendo uma orientação geral próxima dos planos axiais das
dobras (clivagem de plano axial). Isso demonstra que tais foliações estão intimamente
relacionadas com a deformação das rochas e dependem da intensidade dessa deformação e,
concomitantemente, com o grau do metamorfismo.
174
E. Cloos (1947), depois de estudar a deformação de oólitos ao longo de uma antiforma,
publicou um dos trabalhos fundamentais, comprovador da correlação entre o estado de
deformação dos tectonitos e a génese de clivagem ardosífera (ou de xistosidade). Uma vez que se
admite que os oólitos originais eram esféricos, a sua forma actual representa a dos elipsóides de
deformação finita e Cloos pôde, então, concluir que a clivagem ardosífera coincidia com o plano
XY do elipsóide de deformação finita, ou seja, a clivagem ardosífera (ou a xistosidade) é normal
à direcção de máxima contracção finita (i.e., é normal a Z). A Fig.5.13 é ilustrativa desta
situação. Aqui, as marcas de deformação são manchas de redução que, no vulcanito original eram,
muito provavelmente, esféricas. A deformação inerente à formação da clivagem ardosífera
conferiu-lhes uma forma esférica. Naquela figura, podem observar-se secções elípticas dessas
esferas no plano da clivagem (todas com mesma forma e orientação) e num plano normal à
clivagem (Fig.5.14). As formas observadas estão de acordo com a conclusão de Cloos: A direcção
do estiramento (X) existe no plano da foliação e a direcção da máxima contracção (Z) é normal
àquela foliação.
moeda Y
Z
X
X
Fig.5.14- Forma das elipses de deformação finita observadas no plano de clivagem ardosífera e num plano normal à
foliação para a ardósia representada na Fig.5.11. A foliação é o plano XY do elipsóide de deformação finita
À mesma conclusão têm chegado outros autores, quer analisando outras estruturas
naturais (nomeadamente, zonas de cisalhamento dúctil), quer recorrendo a modelos laboratoriais.
175
Conclui-se, assim, que os seus traços no plano do perfil da dobra materializam trajectórias
de deformação, pelo que superfícies de clivagem curvas indicam uma variação na orientação do
plano XY do elipsóide de deformação finita (Fig.5.15). Observações análogas (v. Fig. 6.25) podem,
também, fazer-se noutras estruturas, como, por exemplo, em zonas de cisalhamento dúctil.5
a.
Fig.5.15- a) Leque de clivagens, com um ponto neutro finito, onde não ocorre foliação
b) Trajectórias de deformação finita definidas na matriz que inclui um estrato competente, dobrado.
Observe-
-se a correlação com a clivagem observada em a). f.n.p., ponto neutro finito. (In. Ramsay, 1966)
5
Estas estruturas serão estudadas no cap.6.
176
INCOMPETENTE
COMPETENTE
Como se disse, a pressão e a temperatura são factores muito importantes para a génese
da clivagem ardosífera e da xistosidade.6 Como a profundidade, na crusta, é um elemento
fortemente determinante das condições de pressão e temperatura, não surpreende a correlação
encontrada por P. Fourmarier (1951) entre profundidade e ocorrência de foliação.
Analisando várias regiões, P. Fourmarier definiu diferentes zonas, consoante a
profundidade crustal: acima de ca. 6 ou 7 km (frente superior de clivagem), ausência de clivagem,
a que se seguirá uma zona de clivagem de fractura e, mais abaixo, clivagem ardosífera (ou
xistosidade). Note-se que estes níveis estruturais não podem ser claramente definidos, não só
porque estão dependentes de gradientes térmicos locais, mas também porque a formação de
foliações depende da natureza litológica das rochas e do seu estado de deformação.
177
COMPETENTE
INCOMPETENTE
COMPETENTE
Fig.5.17- Refracção da clivagem observada no perfil de dobras em estratos alternadamente competentes e incompetentes,
os quais foram dobrados, respectivamente, por deformação longitudinal tangencial e por fluxo flexural.
O aspecto ilustrado na Fig.5.17 pode ser interpretado, conjugando o que se disse sobre a
orientação da clivagem (relativamente ao elipsóide de deformação finita) com os tipos de dobras
que serão de esperar em “estratos” alternadamente competentes e incompetentes (v. p.143).
Note-se que esta regra não deve ser usada para determinar a verdadeira polaridade
estratigráfica de uma série sedimentar: ela apenas diz se os estratos estão numa sequência
“normal” ou “invertida”, relativamente à atitude da dobra em questão. Efectivamente, se, por
exemplo, os estratos, antes de dobrados, estivessem invertidos, os flancos normais da dobra
6
Possivelmente, a temperatura é mesmo o factor mais importante, pois é ela que promove os mecanismos de difusão
inerentes ao fluxo (dúctil) das rochas, incluindo os genericamente designados por dissolução por pressão.
178
PLANO AXIAL
FLANCO
INVERSO FLANCO NORMAL
S1
So
So
S1
B
A
a. b.
Fig.5.18- a) Relação entre xistosidade (ou clivagem ardosífera) e estratificação numa dobra com um flanco normal
e outro invertido.
b) Aplicação da regra nos flancos da dobra permite reconhecer que o flanco A está invertido e que B é
normal: consequentemente, a dobra é uma antiforma. So, estratificação; S1, clivagem
estariam, na verdade, estratigraficamente invertidos, enquanto que flancos invertidos teriam sido
repostos numa sequência estratigráfica normal.
7
O termo vergência, aqui, traduz os termos originais ingleses de facing e younging. Estes dois termos sinónimos foram
introduzidos, em 1934, por Baily para descrever a polaridade de uma sequência estratigráfica. Foi principalmente
Shackleton quem estendeu este conceito para descrever dobras. Uma dobra diz-se que, usando o termo inglês, faces na
direcção que, perpendicularmente ao seu eixo e ao longo da superfície axial, aponta para os estratos mais recentes. Em
francês, facing traduz-se por sens de déversement.
179
Fig.5.19- Definição da vergência (facing) de dobras, segundo Shackleton, 1959.
180
Fig.5.20- Vários exemplos de uma foliação s2 , sobreposta a uma foliação mais antiga, s1 (In. Turner & Weiss,
1963)
181
S2
c
s S1
182
6. FALHAS E ZONAS DE CISALHAMENTO
6.1. INTRODUÇÃO
F R Á G I L D Ú C T I L
NÍVEL ESTRUTURAL
SUPERFICIAL PROFUNDO
Fig. 6.1- Representação esquemática da gama de comportamentos, do perfeitamente dúctil ao perfeitamente frágil
Assim, é razoável supor que as falhas observadas nos níveis superiores da crusta se
estendam aos seus níveis mais profundos, sob a forma, sucessivamente, de zonas de
cisalhamento frágeis-dúcteis e de zonas de cisalhamento dúctil, em que toda a deformação é
conseguida pela activação de mecanismos de deformação dúctil (nomeadamente, processos
difusivos −fluência − no estado sólido, deformação plástica intracristalina e intergranular), em
que as rochas se deformam como meios contínuos e escoam sem que ocorra ruptura
significativa (Fig. 6.2).
183
Fig. 6.2- Continuação das falhas através da crusta (J.G. Ramsay, 1980)
a) Numa área de espessamento crustal b) Numa área de adelgaçamento crustal.
(b.s.z.= brittle shear zone (z.c.frágil) = falha; d.s.z. (ductile shear) = z.c. dúctil)
F1
D1
D2
F2
184
6.2. FALHAS
Uma falha é uma superfície de fractura, ao longo da qual ocorreu um movimento relativo
entre os dois blocos que separa. A superfície de rotura é, frequentemente, plana (ou
praticamente plana) e é comparável à que se obtém em ensaios laboratoriais de amostras
submetidas a tensões compressivas (v. Fig.3.12 e Fig.6.3).
As falhas podem ocorrer com dimensões muito variáveis: desde falhas observáveis à
escala microscópica até às grandes falhas regionais, com extensões da ordem da centena ou do
milhar de quilómetros. A importância de uma falha − determinada pela sua extensão e pelo seu
rejeito (i.e., pelo movimento relativo, envolvido entre os blocos falhados) − depende da finalidade
dos estudos geológicos e do seu contexto (local ou regional). A própria noção de falha (em
contraponto com a de diaclase, como se verá) depende de se considerar, ou não, como
significativo o rejeito que ela implica. Assim, é comum ler na literatura geológica designações
como microfracturas, fracturas de cisalhamento (shear fractures), aplicadas a estruturas que
são, efectivamente, pequenas falhas, reservando muitos autores o termo “falha” apenas para
estruturas a que, subjectivamente, atribuam uma maior relevância.
Como mera referência, reproduz-se no Quadro 6.I uma classificação das falhas,
segundo a sua grandeza, avançada por Price & Cosgrove (1990).
0
Menor < 10 m
0 1
Mesoscópica Intermédia 10 − 10 m
1 2
Grande 10 − 10 m
2 3
Menor 10 − 10 m
3 4
Megascópica Intermédia 10 − 10 m
4 5
Grande 10 − 10 m
5
Regional ou continental >10 m
185
6.2.1. Classificação de Anderson
Uma análise extremamente simples e que conduz a uma classificação dinâmica das
falhas, genericamente adoptada, é a de E.M. Anderson (1951). Anderson adoptou, na sua
análise, o critério de rotura de Coulomb-Navier e começou por admitir que, à superfície da crusta
terrestre, as tensões de corte são praticamente nulas. Consequentemente, essa superfície
corresponde a uma faceta principal do estado de tensão prevalecente no bloco crustal
considerado. Então, uma das tensões principais será, sempre, normal à superfície terrestre (e
considerada como sendo vertical, pressupondo uma região com pouco relevo) e as outras duas
são paralelas àquela superfície (e, portanto, tidas como horizontais). Surgem, assim, nos níveis
superiores da crusta, três tipos fundamentais de falhas, consoante a tensão principal vertical é
σ1 σ2
σ3
σ3 σ1
σ1
σ3
σ3 σ3 σ1
σ1 σ2 σ1
Bloco
σ2 subido descido
σ2 σ3
NORMAIS INVERSAS DESLIGAMENTOS
Fig. 6.4- Tipos andersonianos de falhas, indicando-se os dois planos conjugados de falha, correspondentes a cada
estado de tensão. (Nas falhas normais e nas falhas inversas, σ2 é normal ao plano do desenho; nos estereogramas
projectaram-se os hemisférios inferiores)
186
A classificação de Anderson assenta em dois pressupostos:
O ângulo que define a orientação do plano de rotura (α) só se aproxima do valor de 30°,
previsto por Coulomb-Navier, quando:
Por outro lado, verifica-se que a resistência do material é mínima na situação (ii), sendo
praticamente iguais as resistências determinadas em (i) e (iii), pelo que ensaios realizados em
provetes cortados paralelamente e perpendicularmente ao plano de clivagem não detectam essa
anisotropia mecânica.
187
Fig. 6.5- Relação entre orientação da fractura e a anisotropia planar (Donath, 1961)
É claro que em muitas regiões o estado de tensão não satisfaz os requisitos do estado
de tensão preconizado por Anderson. Ele é complexo e analiticamente descrito pelas chamadas
“funções de tensão”, sendo geometricamente representado por trajectórias de tensão.
Correspondentemente, as falhas têm expressões diversas das previstas por Anderson:
frequentemente, são superfícies curvas (caso das falhas lístricas1 ) e os rejeitos são oblíquos à
direcção da superfície da falha.
1
Do grego listron (colher)
188
Fig. 6.6- a) Trajectórias de tensão para um bloco (crustal) sujeito às tensões (limitantes) indicadas.
b) Distribuição das falhas conjugadas resultantes do estado de tensão no interior do bloco crustal.
c) Diagrama de uma situação real, frequente em áreas de contracção crustal (dobras e falhas
lístricas)
(Hubbert,1951)
A questão inversa de, a partir da observação das falhas (medição, no campo, da sua
atitude e determinação da direcção e sentido do movimento que implicaram), determinar a
grandeza relativa e a orientação das tensões principais é extremamente problemática, se não
impossível de resolver. Há, no entanto, procedimentos de rotina para o efeito, baseados na
observação de um número significativo de falhas e na aceitação de algumas hipóteses de
trabalho, de validade geralmente duvidosa.
189
6.2.2. Nomenclatura das falhas
As falhas, tal como as dobras, sendo estruturas que se evidenciam na arquitectura
geológica regional, têm sido estudadas desde os primeiros tempos da Geologia, o que resultou
numa extensa, complexa e pouco clara nomenclatura. A tendência tem sido a da simplificação
dessa nomenclatura, pelo que muitos termos se foram tornando obsoletos. No caso das falhas,
continuam a usar-se termos que se relacionam com o tipo do movimento ao longo dos planos de
falha (como na classificação de Anderson), tornando-se obsoleta a nomenclatura que descreve a
orientação das falhas relativamente aos estratos falhados (falhas conformes, contrárias,...).
Também, relativamente ao rejeito, não se concebe, hoje, a necessidade da definição de
tantas componentes como era habitual fazer-se no textos clássicos.2
O movimento segundo o plano de falha pode ser qualquer, mas, na generalidade dos
casos, aceita-se que, nesse movimento, os estratos falhados se mantêm paralelos entre si e a
falha dir-se-á de translação (ou translativa). O movimento relativo dos blocos falhados é definido
pelo rejeito. No diagrama da Fig. 6.7, define-se o rejeito total (ou bruto) e várias das
componentes, em que ele é frequentemente expresso.
PLANO DE FALHA
PP’, rejeito total
REJEITOS MEDIDOS NO PLANO DE
FALHA H V
PH , componente horizontal
P’H , componente segundo a inclinação
P’
Fig. 6.7- Definição do rejeito (total ou bruto) e componentes, com que é, frequentemente descrito.
Os pontos P e P’ situam-se no plano de falha e eram coincidentes, antes da actuação da falha.
PV é a projecção ortogonal de PP’ no plano horizontal.
P e H são pontos da horizontal do plano de falha
190
estratos depende da direcção em que ela se mede, surgindo, pois, várias definições de
separação (Fig. 6.8).
Sh
Si
Fig. 6.8- Separação segundo a direcção (sh) e segundo a inclinação (si), ambas medidas no plano de falha
(Mesma falha e mesmos blocos que na Fig.6.7)
Tratando-se de uma falha inclinada, um dos blocos falhados encontra-se acima do plano
de falha e, o outro, abaixo. O bloco situado acima do plano de falha designa-se por tecto,
enquanto o bloco situado abaixo daquele plano se designa por muro.3 Por vezes, a associação
de várias falhas delimitam completamente um bloco (de dimensões muito variáveis), muitas
vezes lenticular, o qual se designa por horse, velho termo usado pelos mineiros da Cornualha.
2
Se o aluno quiser ter uma ideia da complexidade da nomenclatura clássica das falhas e dos rejeitos, poderá consultar a
obra de A. Bonte, 1962, Introduction à la lecture des cartes géologiques, pp.23-32
3
Os correspondentes termos ingleses são hanging wall e footwall, respectivamente. A Fig 6.10 dá uma boa ilustração
da definição destes dois termos.
191
Dip-slip Strike-slip Oblique-slip
Fig. 6.9- Classificação das falhas, consoante a direcção do rejeito (v. texto)
F
F’
4
Termos equivalentes, tais como right-handed /l eft-handed, dextral / sinistral e clockwise / anticlockwise têm vindo a cair
em desuso na literatura anglo-saxónica.
192
F F’
a. b.
MURO
a. TECTO
TECTO
MURO
b.
Fig. 6.11- Blocos-diagrama de: (a) uma falha normal esquerda ; (b) uma falha inversa esquerda
(As setas dão o movimento relativo do bloco ascendente)
193
Noutros casos, ocorre uma rotação dos blocos em torno de um eixo normal ao plano da
falha: a falha diz-se rotacional (Fig.6.12). Neste último caso, o movimento é expresso, não por
um rejeito, mas pelo ângulo de rotação em torno daquele eixo. Naturalmente, o movimento entre
os blocos separados por um plano de falha pode ter uma componente rotacional e uma
componente translacional, associadas. Neste caso, um “horizonte” de referência (um estrato, um
dique, etc.) apresentará, em geral, atitudes diferentes, de um e outro lado do plano de falha, o
que nunca acontecerá, se a falha for puramente translacional.
O sentido do movimento implicado por uma falha pode ser determinado pela observação
de estruturas presentes sobre a própria superfície de falha ou de estruturas observáveis nos
blocos adjacentes, nas proximidades daquele plano.
Frequentemente, um plano de falha apresenta-se, ora liso e polido (espelho de falha),
ora sulcado por estrias (estrias de escorregamento ou slickensides). Admite-se que as estrias
marcam a direcção do movimento ao longo da superfície de falha. Elas podem corresponder ao
desgaste das paredes dos blocos falhados provocado por partículas destacadas (por efeito
cataclástico, quando a componente de tensão normal ao plano de falha é grande) das rochas
fracturadas ou a estruturas fibrosas, resultantes de um crescimento de minerais
(frequentemente, o quartzo) condicionado pela direcção do movimento (Fig. 6.13 e Fig.8.3).
194
Fig. 6.13- Slickensides
(O bloco que assenta sobre a superfície observada deslocou-se da esquerda para a direita,
relativamente ao bloco inferior)
Tais crescimentos fibrosos dão lugar a painéis que se poderão sobrepor. A sua análise
permite determinar a direcção e o sentido do movimento, em sucessivos momentos da
actividade da falha. Embora os resultados experimentais sejam contraditórios (quanto à relação
daquelas estruturas com o movimento ao longo do plano de fractura), admite-se que os degraus
formados pelas estrias de escorregamento descem no sentido do movimento. Daí, que, para se
inferir o sentido do movimento, o geólogo assenta a mão sobre o plano de falha e desloca-a
segundo a direcção das estrias: aquela superfície é mais macia, quando a mão se desloca no
sentido em que se deu o movimento do bloco que teria escorregado ao longo da superfície.
Junto do plano de falha, por vezes, as rochas sofrem deformação dúctil aparecendo
dobradas (v. Fig.6.3). Essas dobras, ditas de arrasto (na gíria, arrepios), podem permitir,
5
também, inferir o sentido do movimento relativo . É necessário, contudo, não confundir estas
dobras com certas dobras de acomodação, adjacentes a planos de falha com inclinação variável
(cf. Fig.6.14), cuja geometria depende da sua localização.
A deformação frágil-dúctil junto dos planos de falha pode dar lugar, ainda, à ocorrência
de veios en échellon, dos quais também se pode inferir o sentido do cisalhamento.
Por outro lado, a amplitude do movimento poderá ser determinado, por técnicas da
geometria descritiva, a partir da observação de um ou mais níveis (estratos, filões, filonetes, etc.)
deslocados pela falha e observados nos dois blocos dessa falha.
5
Estas dobras são, na literatura anglo-saxónica, designadas por drag folds.
195
6.2.4. Produtos das falhas
Também, o movimento ao longo da falha gera, por atrito, libertação de calor. Em certas
condições, o calor gerado é suficiente para fundir a rocha, que solidificando depois, sob a forma
de um vidro, dá lugar a outro tipo especial de rocha de falha, o pseudotaquilito.
Observe-se, a propósito, que o movimento de uma falha pode ser assísmico (lento,
prolongado no tempo, por fluência cataclástica que transita para quasi-plástica a plástica nas
zonas de cisalhamento dúcteis), ou pode ser sísmico (súbito, de menor extensão, em que além
dos processos cataclásticos, pode ocorrer a formação de pseudotaquilitos).
6
O termo cataclasito (s.s.) é reservado para diversos tipos de rochas cataclásticas coerentes e com uma percentagem
de matriz superior a 10%. Rochas análogas aos cataclasitos, mas em que a redução granular resultou de processos
dúcteis (deformação-recuperação-recristalização) designam-se por milonitos. Estes são, portanto, característicos de
zonas de cisalhamento dúcteis.
196
6.2.5. Falhas normais
São, por definição, falhas inclinadas, em que o tecto desceu relativamente ao muro.
Estas falhas também se designam por falhas distensivas, pois ocorrem em áreas de
extensão lateral (adelgaçamento crustal). Ocorrem, ainda, noutras situações, comparáveis do
ponto de vista de estado de tensão: impactos meteoríticos, em torno de chaminés vulcânicas, no
diapirismo, em associação com levantamentos epirogénicos e em associação com dobramentos
regionais ou com falhas de desligamento.
Fig. 6.15- Plataformas (flats) e rampas (ramps) definidos pelo plano de falha ao atravessar rochas com
contraste
de competência. (Note-se que os termos se referem à atitude relativamente à estratificação e não a
um qualquer plano horizontal). (In. J.G. Ramsay & M.I. Huber, 1983)
197
σ1
σ1
3 1
2
a. b. c.
Fig. 6.16- Falhas normais conjugadas. a) Regime frágil b) Regime semifrágil c) Ilustração de falhamento
sequencial, pelo qual se compatibiliza o movimento dos blocos ao longo de falhas conjugadas
198
(b)
Estas falhas são caracterizadas pela descida do muro, relativamente ao tecto. Têm,
geralmente uma inclinação inferior a 45°, mas que varia dada a ocorrência, comum, de flats e
ramps. Quando têm uma extensão regional iniciam-se, frequentemente, com uma pequena
inclinação (5° ou, mesmo, menos) designando-se por falhas de carreamento ou carreamentos
(thrusts, overthrusts ou thrust faults). Estas falhas são comuns nos níveis crustais superiores, em
áreas de compressão orogénica, ou seja, associadas à formação de cadeias de montanhas
(Alpes, Himalaia, Andes, etc.). Por razões que daí decorrem, as falhas inversas são, também
designadas, por falhas compressivas.
No caso dos carreamentos, o relativamente fino bloco crustal que é deslocado ao longo
do plano de falha (por vezes, por algumas centenas de quilómetros) designa-se por manto de
carreamento (ou nappe ou thrust sheet) o qual vai sobrepor-se a rochas mais recentes e
ocasionar, regionalmente, uma duplicação vertical dos estratos sub-horizontais. Esse bloco
crustal diz-se, dado o seu “desenraizamento”, ser o alóctone, sobrepondo-se às rochas in situ,
ou seja, ao autóctone. Carreamentos de menor deslocamento horizontal são designados por
parautóctone.
Nas descrições habituais, imagina-se o tecto a deslocar-se sobre um muro estático,
donde a designação geral de overthrust. No entanto o movimento relativo pode ter sido o
contrário: o muro é que se deslocou sob o tecto - underthrust.
Como se ilustra na Fig. 6.18, num manto de carreamento sub-horizontal, a erosão pode
dar lugar a aspectos frequentemente citados na literatura geológica sob as designações de
199
Klippe (um resto do manto de carreamento completamente destacado dele, por erosão, e que
assenta, como uma ilha, sobre o autóctone) e de “janela” (resultante da escavação do manto de
carreamento, até atingir o autóctone, que fica a descoberto, rodeado pelo alóctone suprajacente)
.
6.2.7. Desligamentos
200
Quadro 6.II- Distinção entre desligamentos e falhas transformantes
4. Falhas adjacentes paralelas têm o mesmo Falhas adjacentes paralelas podem ter
sentido de movimento movimentos opostos
5. Fazem parte do padrão de deformação Formam-se nos contactos entre placas litosféricas
interna. no seio da placas continentais
Fig. 6.19- Diagrama das fahas secundárias, de acordo com o modelo de cálculo de Moody & Hill (1956).
201
Quando ocorre movimento ao longo de uma falha direccional presente num soco
cristalino, induz-se um cisalhamento na sua cobertura sedimentar que fica sujeita a esforços
compressivos e esforços tractivos (Fig. 6.20). Os primeiros dão lugar a dobras, cujos traços
axiais se orientam, originalmente, a 45° da direcção do cisalhamento; mas, com a continuação
do cisalhamento, os traços axiais daquelas dobras vão sendo rodados.
Fig. 6.20- Dobramentos induzidos por um movimento ao longo de uma falha direccional do soco (Moody & Hill, 1956)
a) Esquema do estado de tensão; b) Falha esquerda do Mar Morto; c) Falha de Santo André
202
Os primeiros estudos experimentais sobre os efeitos do movimento ao longo de uma
falha direccional sobre a cobertura devem-se a Cloos (1928) e Riedel (1929). No modelo de
Riedel observaram-se as estruturas formadas numa camada de argila assente num bloco rígido,
dividido em duas partes que escorregavam uma pela outra, ao longo de uma face vertical (Fig.
6.21). Observaram-se dois sistemas de fracturas conjugadas (R1 e R2), conhecidas pela
designação de fracturas Riedel, orientadas, respectivamente, a 10°-15° e a 75°-80° da direcção
do movimento. Poderiam, na dependência das propriedades da argila, formar-se fracturas de
B D
A C
A B
A R G I L A
R1 fenda de tracção
BASE
RÍGIDA
R2
C D
203
6.3. ZONAS DE CISALHAMENTO FRÁGIL-DÚCTIL
Fig.6.22- Aspecto característico de uma zona de cisalhamento frágil-dúctil (In. J.G. Ramsay, 1980)
204
6.3.1. Geometria do cisalhamento simples
Y Y
CD = C’D’= cotg α
cotg α‘ = γ + cotg α
ψ
1
α α’
O A O A’ ≡ A
1 X 1 X
Fig.6.23- Variação da orientação de uma recta original, CD, durante um cisalhamento simples (v. texto). C’D’ é
a orientação daquela recta, após um cisalhamento γ (=tg ψ)
205
6.3.2. Formação dos veios sigmoidais “en échellon”
45º
σ1
σ3
ELIPSE DE DEFORMAÇÃO
INFINETESIMAL
Fig.6.24- Génese de fendas de tracção numa zona de cisalhamento frágil-dúctil. Repare-se na orientação das
fracturas relativamente à elipse de deformação incremental (e às direcções principais do estado de tensão).
(Notar que o ângulo agudo que as fendas definem com a direcção do cisalhamento aponta em sentido contrário
ao do cisalhamento).
7
Porque a deposição mineral se vai dando, lentamente, à medida que as fendas vão abrindo, o mineral do
preenchimento tem, tipicamente, uma estrutura fibrosa, em que as fibras se desenvolvem na direcção da abertura
progressiva das fendas.
206
cisalhamento. É assim que, como a Fig. 6.25 ilustra, os veios adquirem, progressivamente, uma
forma cada vez mais acentuadamente sigmoidal.
Fig.6.25- Desenvolvimento progressivo de veios em fendas de tracção numa zona de cisalhamento frágil-dúctil.
Com o decorrer da deformação, as fracturas ou os veios anteriormente formados vão rodando, enquanto que
em cada instante, a fractura que prolongará aquelas fracturas (ou veios) ocorre sempre a 45º da direcção do
cisalhamento, o que lhes vai conferir a forma sigmoidal, típica. As terminações dos veios orientam-se, sempre,
a 45º da direcção do cisalhamento, pois marcam o fim da deformação.
Note-se, em 3., a iniciação de uma fractura (orientada a 45º) intersectando um veio já constituído
(As setas indicam o sentido do cisalhamento)
207
concentrou mais numa das zonas do que na outra. Em qualquer caso, os seus sentidos são
opostos: uma é direita e a outra é esquerda, como se depreende da orientação dos veios e do
seu desenvolvimento sigmoidal. Verifica-se, ainda, que duas zonas de cisalhamento (frágil-dúctil)
conjugadas tendem a definir um ângulo inferior a 90º, em regra, próximo de 60º (Fig.6.26).
σ1
45º 45º
30º
Concluindo, podemos afirmar que uma zona de cisalhamento frágil-dúctil é uma área
delimitada entre duas paredes aproximadamente paralelas, onde ocorreu uma deformação
progressiva da rocha, por processos cataclásticos (fracturação que, depois, dá lugar a veios) e
por mecanismos de fluência dúctil (deslocamentos na matriz da rocha arrastando consigo as
fracturas ou veios formados, que vão rodando). Por vezes, nos mecanismos de deformação
dúctil incluem-se fenómenos de dissolução por pressão que, além de removerem quartzo ou
calcite da rocha para as fendas de tracção, geram uma foliação incipiente (clivagem por
dissolução por pressão ou pressure seams), subperpendicular aos veios sigmoidais.
208
6.4. Zonas de cisalhamento dúctil
Fig.6.28- Variação típica da orientação da foliação através de uma zona de cisalhamento dúctil (z.c.), direita.
O diagrama, à esquerda, mostra a variação do cisalhamento (γ) através da z.c. O carácter hetero-
géneo da deformação está, também, patente nas elipses de deformação.
209
Verifica-se, ainda, que a intensidade da foliação aumenta das paredes para a parte
central da zona de cisalhamento, o que significa que a deformação foi heterogénea.
Se bem que, geometricamente, as características da foliação se possam explicar por
variações regulares de dilatação na rocha, admite-se que, na maioria dos casos, a deformação
dominante nestas zonas de cisalhamento se traduz por um cisalhamento simples, cuja
intensidade aumenta dos limites da zona de cisalhamento para a sua parte central. O sentido
desse cisalhamento pode ser depreendido a partir da orientação da foliação: o ângulo agudo
que a foliação faz com as paredes da zona do cisalhamento aponta no sentido desse
cisalhamento.
A variação da intensidade de deformação através de uma zona de cisalhamento é,
frequentemente, confirmada quando uma marca de deformação é atravessada por ela (Fig.6.29)
Fig.6.29- a) Correlação entre a deformação de um dique aplítico e de xenólitos e a foliação numa zona de
cisalhamento (z.c.)
b) Pormenor do desenvolvimento da foliação no granito, junto de uma das paredes da z.c.
(Ramsay e Graham, 1970)
210
7. DIACLASES
7.1. INTRODUÇÃO
Diaclases (ou juntas) são superfícies de rotura de uma rocha, ao longo das quais não se
regista um apreciável movimento relativo dos blocos que separam. Distinguem-se, portanto, das
falhas por não darem lugar a qualquer rejeito (Fig.7.1).
Tipicamente, são planas (ou aproximadamente planas).
211
Se, por vezes, se observam diaclases em rochas que não patenteiam qualquer
deformação, mais frequentemente associam-se a outras estruturas, quer típicas de um
comportamento frágil (falhas), quer típicas de um comportamento dúctil (dobras).
Se bem que as diaclases não se relacionem, directamente, com os estados de tensão que
deformaram ductilmente as rochas onde ocorrem, elas exibem, frequentemente, uma incidência e
uma atitude relacionável com as estruturas resultantes daquela deformação dúctil. Provavelmente,
formar-se-ão nas fases terminais dos episódios tectónicos, ou mais tarde.
Na descrição das diaclases ocorrentes numa dada área, atende-se, habitualmente, aos
seguintes aspectos: forma de ocorrência, dimensão, orientação, frequência, abertura,
preenchimento e rugosidade. Vejamos cada um deles.
212
7.2.2. Dimensão
A dimensão das superfícies de diaclasamento (ou, como é habitual, dos seus traços
medidos no terreno ou em fotografia aérea) pode variar desde as menores dimensões observáveis
até uma extensão da ordem da centena ou, mesmo, do milhar de metros.1
A classificação das diaclases, quanto à sua dimensão, é muito subjectiva: varia de autor
para autor e de área para área, dependendo muito do objectivo em vista. Os autores de língua
inglesa usam, frequentemente, os seguintes termos para hierarquizar, relativamente à sua
dimensão, as diaclases de uma dada área: master- (mestras), major- (maiores ou principais) e
minor-joints (menores).
7.2.3. Orientação
No caso de uma projecção estereográfica (Fig.7.2), em vez da rede de Wulff, usa-se uma
rede de igual-área (rede de Schmidt) por ser a mais adequada à análise estatística das
distribuições dos pólos dos planos e, consequentemente, será a adoptada quando se pretende
definir linhas de igual densidade de pólos.2 Essas linhas correspondem a diferentes classes de
frequência, a estabelecer caso a caso, sendo as frequências determinadas através da contagem
do número de pólos de diaclases observados em torno de cada direcção do espaço.
1
Habitualmente, contudo, fracturas análogas às diaclases e outras, quando microscópicas designam-se, genericamente,
por microfracturas.
2
A rede de Schmidt é uma modificação da rede de Wulff, tal que áreas iguais, definidas na esfera de prejecção, se
projectam segundo áreas iguais.
213
Fig.7.2- Projecção estereográfica dos pólos de planos estruturais e correspondentes linhas de igual densidade.
2
a) Projecção polar de 300 planos e contagem dos pólos junto de cada nó da rede de quadrados com 1cm de área.
b) Linhas de igual densidade de pólos : traçaram-se as correspondentes a 13% (39 pólos), 10% (30 pólos),
7% (21 pólos), 4% (12 pólos), 1% (10 pólos) e 0,33%(1 pólo)
Nos histogramas circulares, as diaclases são repartidas em classes definidas pelas suas
direcções, enquanto que as correspondentes inclinações poderão ser assinaladas à margem.
Nesses histogramas, além de diaclases, poderão incluir-se outros elementos direccionais,
em particular, outros planos estruturais (falhas, xistosidade e outras foliações). Na Fig.7.3
exemplificam-se alguns diagramas deste tipo.
214
As diaclases apresentam, frequentemente, atitudes relacionáveis com outras estruturas.
No caso de dobras, as atitudes típicas das fracturas que se lhes associam estão ilustradas na
Fig.7.4.
215
tensões efectivas, durante o afundamento e subsequente levantamento de uma bacia sedimentar.
(Ibidem)
7.2.4. Frequência
As diaclases são mais frequentes nas zonas mais intensamente deformadas. Estudos
comparativos da frequência do diaclasamento em diferentes áreas de uma mesma estrutura
dobrada indicam que os seus valores mais elevados se encontram nos pontos de máxima
curvatura dessas estruturas. Igualmente, verifica-se que a frequência do diaclasamento aumenta
na proximidade das grandes falhas. Uma outra ocorrência comum é a diminuição da incidência do
diaclasamento observado num maciço rochoso, à medida que a profundidade aumenta.
Quanto à litologia, verifica-se que as diaclases são mais frequentes nas rochas mais
competentes. Por outro lado, nas rochas estratificadas de um mesmo tipo litológico, o
espaçamento das diaclases tende a ser proporcional à possança dessas camadas (Fig.7.6).
Fig.7.6- Variação do espaçamento das diaclases com a possança das bancadas, observada em três regiões
diferentes (In. N.J. Price, 1966).
216
217
7.2.5. Abertura, preenchimento e rugosidade
Por abertura de uma diaclase entende-se a separação entre os blocos divididos pela
fractura, medida perpendicularmente ao plano de diaclasamento.
Em rochas pouco meteorizadas, a abertura das diaclases é praticamente nula. Assim, num
maciço rochoso, a abertura de uma diaclase tende a diminuir com a profundidade, acabando por
se tornar perfeitamente fechada e a desaparecer.
Quando abertas, são preenchidas por ar, água, por material lítico (siltes, arenitos) ou por
minerais (quartzo, carbonatos). A espessura do preenchimento mineral pode atingir dimensões tais
que a diaclase passa a ser descrita como um filonete, ou um veio ou filão (Fig.7.7). Não há uma
fronteira perfeitamente estabelecida para distinguir diaclases de veios, mas N. J. Price sugere que,
quando tal espessura exceder uma pequena fracção de polegada (seja 1/10, embora isto seja um
limite completamente arbitrário) a estrutura seja, antes, descrita como um veio, filão ou dique.
Fig.7.7- Veios de quartzo resultantes do preenchimento de diaclases. Note a orientação das diaclases
e como elas afectam, predominantemente, as rochas mais competentes. (Crackington Haven,
N. Cornualha, Inglaterra)
3
Cf. probl.10, p.30.
218
Se a diaclase não estiver preenchida, é importante, ainda do ponto de vista geotécnico,
caracterizar a sua rugosidade: verificar se as suas paredes são lisas, estriadas ou polidas; se são
planas, onduladas, ou denteadas. Destas características dependerá o comportamento mecânico
das descontinuidades.
Na Fig.7.8 ilustram-se dois tipos de estruturas típicas das superfícies de diaclasamento: as
estruturas plumosas (plumose ou hackle-marks) e as rib-marks , cuja génese tem sido objecto de
muita discussão, mas que não está ainda perfeitamente esclarecida, podendo diferentes
mecanismos dar-lhes origem.
Fig.7.8- a) Estruturas plumosas b) Rib-marks (In J.N. Price & J.W. Cosgrove, 1990)
219
7.3. GÉNESE DAS DIACLASES
Diversos mecanismos têm sido avançados para explicar a formação de diaclases:
actuação de esforços de torção, mecanismos de fadiga das rochas (por exemplo, em resultado das
marés terrestres). Prevalece, contudo, a convicção de que as diaclases se repartem por dois tipos
principais, quanto à sua origem: diaclases de tracção (ou de extensão) e diaclases de corte (ou de
cisalhamento).
Também, não se deduz um critério morfológico que permita distinguir umas de outras. As
diaclases de corte, no entanto, tendem a ser notavelmente planares, sem serem desviadas por
descontinuidades mecânicas; no caso, por exemplo, de um conglomerado ou de uma brecha,
cortam a direito, indiferentemente, através da matriz e elementos clásticos (Fig.7.9). Na mesma
situação, uma diaclase por tracção não cortaria a direito os elementos clásticos mais rígidos:
contorná-los-ia ou seria deflectida, ao atravessá-los.
220
Fig.7.9- Superfície de diaclasamento num conglomerado. O corte, a direito, através dos elementos sugere que se
trate de uma diaclase por corte (Velké Meziricí, Rep. Checa)
Todas as questões levantadas poderão ser respondidas, se se admitir que as rochas têm a
capacidade de reter energia de deformação e, portanto, de reter tensões, ditas residuais. Ensaios
laboratoriais têm comprovado este tipo de comportamento reológico (v. Fig.3.25). Essas tensões
residuais − que constituem como que uma memória, por parte das rochas, do estado de tensão
que as deformou ductilmente − serão posteriormente modificadas em intensidade relativa (mas não
tanto em orientação), durante o levantamento regional das rochas para níveis superiores da crusta,
onde dão lugar ao diaclasamento (e formação de veios).
221
modos. Então, poderá observar-se uma típica fractura (veio) de tracção prolongar-se sob a forma
de tension gashes dispostas em degrau, como é típico das zonas de cisalhamento frágil-dúctil.
222
7.4. DIACLASAMENTO DE ROCHAS MAGMÁTICAS
Fig.7.10- Diaclasamento num granito, sendo visíveis três famílias dominantes de diaclasamento,
segundo as quais se verifica o desmantelamento do maciço (N. Portugal).
223
Fig.7.11- Disjunção esferoidal em dolerito (Transval, África do Sul)
4
O aspecto das colunas basálticas, ocorrentes, por exemplo, na Calçada dos Gigantes (em Antrim, Irlanda do Norte) levou,
inicialmente, geólogos (wernerianos) a interpretá-las como cristais enormes ou bambus gigantescos petrificados.
224
As fracturas observadas numa rocha magmática são, na sua maioria, primárias: resultam
da fracturação da crosta, mais ou menos rígida, do corpo ígneo, em resultado do movimento da
massa central ainda fluida e, ainda, da sua expansão ou da sua retracção. Tais fracturas são,
frequentemente, preenchidas por aplitos ou por minerais de origem hidrotermal, relacionados com
o episódio eruptivo. Sendo primárias, não são, verdadeiramente, diaclases e deveriam, antes, ser
descritas como veios. No entanto, não é de excluir a ocorrência de verdadeiras diaclases num
maciço magmático: elas serão fracturas tardias (relativamente ao episódio magmático), pelo que
serão, muito provavelmente, estéreis (ou o seu preenchimento não derivou, directamente, do
mesmo episódio magmático), mas terão uma orientação estreitamente relacionada com a
fracturação primária. Na Fig.7.13, ilustram-se as “diaclases” dos tipos mais frequentemente
observados num maciço magmático, ordenadas segundo a sua idade provável, da mais antiga
para a mais recente. No Quadro 7.1, sumariam-se as características dessas mesmas fracturas,
segundo a mesma ordenação.
225
QUADRO 7.1- Descrição dos principais tipos de diaclases em rochas magmáticas.
226
8. LINEAÇÕES
8.1. DEFINIÇÃO
De acordo com E. Cloos, poderá designar-se por lineação qualquer estrutura linear
(microscópica, mesoscópica, ou megascópica) que ocorra, com alguma repetição, numa rocha.
Esta definição é meramente descritiva, não tendo qualquer conotação genética. Como exemplos
de lineações, aquele autor cita eixos de dobras, estrias de deslizamento (slickenside striae), linhas
de fluxo em rochas magmáticas, boudins, orientações preferenciais de minerais alongados, etc.
(Fig.8.1).
Turner & Weiss (1963) reservam o termo lineação para designar estruturas lineares
penetrativas (i.e., que constituam um elemento da fábrica dum tectonito). Assim, as estrias de
escorregamento (que se confinam, por exemplo, a um plano de falha), os boudins e, na
generalidade dos casos, os eixos de dobras, pela sua localização confinada, não serão lineações.
Estes autores designam, genericamente, tais elementos estruturais não-penetrativos por estruturas
lineares.
No presente texto, será adoptada a definição de Cloos.
226
Uma lineação, como se esquematiza na Fig.8.2, poderá resultar de diversos aspectos:
ii. Minerais tabulares ou micáceos com uma orientação linear preferencial (i.e., as faces
dominantes têm uma orientação variável, mas mantêm-se paralelas a uma dada direcção do
espaço); (Fig.8.2-c);
Identificada, no terreno, uma lineação, deve ser registada a sua natureza e a sua atitude
espacial. Como para qualquer outra recta estrutural, a atitude de uma lineação é dada por um
ângulo de mergulho e pelo azimute do plano vertical que a contém. Alternativamente, a atitude de
uma lineação poderá ser especificada pelo rake medido num plano de atitude conhecida. Os dois
métodos foram já descritos na pág.130.
227
Em alguns casos, as lineações não são imediatamente aparentes e requerem “análises de
fábrica” (ao microscópio ou por outros meios mais sofisticados), as quais permitirão, por exemplo,
verificar que os eixos ópticos de uma dado mineral (o quartzo e a calcite são os mais
frequentemente estudados) têm uma orientação preferencial, mais ou menos marcada. Neste
caso, o estudo deve incidir sobre “amostras orientadas”.
Fig.8.3 – Estrias de deslizamento num plano de falha. As estrias são formadas por quartzo fibroso
disposto em painéis sobrepostos (Cf. Fig.8.4) . (próximo de Hartland Point, N. Cornualha)
228
Fig.8.4- Estrias de deslizamento definidas por quartzo fibroso, disposto em painéis (In Hobbs et al., 1976)
Como vimos, estas estruturas têm sido observadas em planos de falha e nos flancos de
dobras flexurais.
Nas falhas, têm sido usadas para determinar a direcção e o sentido do movimento ao
longo de planos de falha.
No caso das dobras flexurais, as estrias orientam-se perpendicularmente à direcção axial
das dobras e são mais nítidas longe da linha de charneira, pois o movimento relativo entre os
“estratos” dobrados decresce à medida que nos aproximamos daquela linha.
229
8.2.2. Boudinage
A boudinage, sumariamente caracterizada na p.66, é uma estrutura típica de estratos
competentes, que fracturaram a intervalos regulares, originando corpos cilindróides (os boudins),
dispostos lado a lado (Fig.8.5). Sendo corpos alongados, os boudins constituem um tipo particular
de lineação.1
A forma da secção transversal dos boudins depende do contraste de ductilidade entre eles
e a rocha envolvente. Para uma pequena diferença de ductilidade, poderá não ocorrer a
fracturação do corpo tabular original e, em vez de boudinage, formar-se-á uma estrutura pinch-
and-swell (Fig.8.6-iii).
CONTRASTE DE
X
DUCTILIDADE
DECRESCENTE
ELIPSE DE DEFORMAÇÃO FINITA
Fig.8.6- Variação da boudinage, consoante o contraste de ductilidade, entre os boudins e a rocha envolvente
1
Refira-se, de passagem, que um estiramento pode também dar lugar à divisão de um cristal prismático frágil (como a
turmalina) em segmentos que, progressivamente se vão separando: é a chamada boudinage linear. Podendo ser usada
como marca de deformação, não constitui, em si, uma lineação.
230
Fig. 8.7- Estrutura pinch-and-swell desmantelada pela erosão (Hele Bay, N. Devon)
A descrição clássica, acabada de referir, pressupõe uma rotura por tracção, só possível
quando a tensão diferencial (σ1−σ3) ultrapassa suficientemente a resistência das rochas à tracção.2
No entanto, a boudinage poderá resultar de fracturação associada a zonas de cisalhamento frágil-
dúctil, singulares ou conjugadas (Fig.8.8). As duas formas de rotura (tracção e por corte) poderão,
mesmo, coexistir numa mesma estrutura de boudinage.
231
Comparando dobras e estruturas pinch-and swell, verificamos que elas (e, portanto, a
boudinage, de que é um estádio incipiente) são estruturas muito semelhantes, correspondendo a
duas situações diferentes da orientação de σ1, relativamente ao “estrato” competente:
paralelamente ao “estrato”, para as primeiras, normal a ele, para as segundas. A razão, de acordo
com alguns estudos teóricos, por que as dobras são muito mais abundantes que a boudinage é
que esta só se desenvolverá, se os materiais tiverem um comportamento viscoso acentuadamente
não-linear.
Fig.8.9- Boudin exibindo boudinage secundária (foto in. J.G. Ramsay, 1967)
2
Quando (σ1 − σ3)>4T, sendo T a resistência da rocha à tracção.
3
Barras de quartzo é o termo adoptado por Loczy & Ladeira para traduzir quartz rods.
232
Fig.8.10- Extensa área mostrando bastões de quartzo (S. Devon, Inglaterra)
Fig.8.11- a) Bastões de quartzo b) Bastões de quartzo formados por segregação de quartzo nas zonas de
charneira de dobras parasíticas (In. G. Wilson, 1961)
233
Atendendo à dificuldade em reconhecer, por vezes, a origem daquele quartzo, o termo
“bastão de quartzo” deve ser usado como puramente descritivo, para designar qualquer corpo
cilindróide, alongado, de composição contrastante com a das rochas circundantes e,
essencialmente, monominerálico. Naturalmente, não se considera que os boudins, a quem a
descrição dada também se aplicaria − mas que resultam da fractura de um corpo tabular − sejam
bastões. Os bastões, ao contrário dos boudins, são corpos isolados e marcadamente
unidimensionais. Frequentemente, resultam do preenchimento, por quartzo, do espaço aberto
entre zonas de charneira de dois “estratos” dobrados (saddle-reefs), como se poderá ver na
Fig.8.12.
As dimensões dos bastões são extremamente variáveis: desde a de uma vara fina à de um
poste telegráfico.
234
Fig.8.13- Estrutura colunar. Vista ao longe e de mais perto. Note-se o diaclasamento transversal
(Rillage Point, N. Cornualha)
235
A superfície das colunas, tipicamente, é polida ou revestida por uma fina camada de
minerais micáceos; pode, também, ser estriada segundo o seu comprimento.
Frequentemente, são intersectadas por diaclases transversais e, internamente, a rocha
pode estar laminada. Distinguem-se, ainda, dos bastões, por serem, geralmente, de maiores
dimensões e terem uma incidência que se restringe a afloramentos locais (enquanto que o rodding
tende a estender-se por largas áreas, numa dada região).
236
Fig.8.15- Lineação definida, num plano de xistosidade, pelo alinhamento de cristais prismáticos de hornblenda
e pelo estiramento das granadas. (G. Wilson, 1961)
Fig.8.16- Sombra de pressão formada por fibras de quartzo cristalizadas junto de um cristal rígido de pirite
(In. Ramsay & Huber, 1983)
237
Fig.8.17- Evolução da fábrica de um tectonito derivado de um argilito (In. Ramsay & Huber, 1983)
a) Fissilidade no argilito b) Estrutura em lápis c) Estrutura de intersecção em lápis
d) Clivagem ardosífera e) Clivagem ardosífera e lineação de estiramento
238
mecanismos meramente mecânicos se sobreporão mecanismos de reorientação por
recristalização. A tendência é para a formação de uma nova foliação, normal a Z; trata-se de uma
clivagem ardosífera incipiente. Esta foliação, ao intersectar a foliação primária subsistente
(estratificação ou fissilidade), da lugar a uma lineação segundo Y, designada por estrutura de
intersecção em lápis (Fig.8.17-c).
Com a prossecução da deformação, aquela clivagem incipiente converte-se numa perfeita
clivagem ardosífera (Fig.8.17-d), normal ao eixo Z do elipsóide deformação finita. Inicialmente, no
plano desta foliação, os minerais não patenteiam qualquer orientação preferencial, mas, com a
intensificação da deformação, tende a gerar-se uma lineação segundo a direcção de máxima
extensão (X, do elipsóide deformação finita), ou seja, uma lineação de estiramento (Fig.8.17-e),
como a ilustrada na Fig.8.15.
4
O principais mecanismos conhecidos exigem temperaturas absolutas entre 40% a 80% da temperatura de fusão dos
minerais.
239
8.3. Relação entre lineações e dobramentos sintectónicos
Fig.8.18- Boudins e dobras formados no decorrer do mesmo episódio deformacional, para duas situações
distintas do estado de deformação.
240
9. ANÁLISE ESTRUTURAL
Fig.91- Diagrama da estrutura geológica da área de Tintagel, Norte da Cornualha (G.Wilson, 1961)
LITOLOGIA
1
No caso de áreas dobradas, convém analisar possíveis situações de interferência entre mais de um episódio de
dobramento, assunto não abordado neste curso semestral.
241
ESTRUTURAS PRIMÁRIAS
ESTRUTURA REGIONAL
ESTRUTURAS SEGUNDO a
Alongamento das almofadas de lava, das bombas e das brechas vulcânicas; deformação
dos fósseis e de manchas de redução; orientação preferencial dos cristais de
turmalina e das clorites; sombras de pressão; rodding; slickensides.
a. b.
c. d.
2
A estrutura regional é, efectivamente, mais complexa, pois a área não foi sujeita a uma única fase de deformação.
242
ESTRUTURAS SEGUNDO b
a. b.
c. d.
Fig.9.3- a., b., c. Dobras assimétricas (“drag folds”; estruturas pinch-amd-swell dobradas, em a. e em c.?) (Martin
Combe, N. Devon). De notar que nas dobras observadas em a. e c. demonstram que a história geológica regional
é
mais complexa do que a simples subordinação a um carreamento.
d. Estruturas colunares (Mullions) (Rillage Point, N. Cornualha)
243
OUTROS ASPECTOS
a. Trebarwith b. (Bude)
c. (Baggy Point) d.
Fig.9.4- Fendas de tracção (veios sigmoidais) en échellon, definido zonas de cisalhamento esquerdas
244
Fig.9.5- Grandes dobras em chevron, afectando rochas vulcanoclásticas devónicas, em Boscastle
Uma razão que tem sido avançada (v. N.J. Price e J.W. Cosgrove, 1990) para explicar a
atitude das dobras em Boscastle apoia-se numa analogia com chevrons mesoscópicos, em que
uma das bandas é, subsequentemente, deformada, como a Fig. 9.6 ilustra. Se assim foi, na área
de Boscastle teriam existido chevrons horizontais-normais de grande dimensão que,
actualmente, não se poderão observar.
Fig.9.6- Dobras em chevron mesoscópicas. O dobramento de uma das bandas destas dobras origina dobras
menores (chevrons, também) recumbentes. (Blackpool Sands, S. Devon)
Conclusão
Todas as estruturas menores conferem à estrutura regional uma simetria monoclínica e
indicam o sentido do movimento geral, implicado por carreamentos.
245
SISTEMAS DE UNIDADES , SI E cgs
• UNIDADES FUNDAMENTAIS
M L T
SI kg m s
cgs g cm s
cgs cm2 cm3 g cm-3 cm s-2 dine dine cm-2 poise (P)
Exemplo:
3
Cálculo da pressão litostática (pL) a 2 km de profundidade (densidade média das rochas, ρ = 2,4 g cm- )
cgs SI
ρ 2,4 g cm -3
2400 kg m –3
g 980 cm s-2 9,8 m s-2
z 2 .10 5 cm 2 .10 3 m
pL = ρ g z 4,7 .10 8 dine cm
-2
4,7 .10 7 Pa = 47 MPa
246
TABELA DE CONVERSÃO DE UNIDADES DE TENSÃO
247
QUADRO SINÓPTICO DE ESTRUTURAS GEOLÓGICAS (mod. de J. Macaudière, 1972)
248
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