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A Química das Águas Naturais

· ciclos geoquímicos exógenos, que ocorrem a temperaturas relativamente


mL'\'.as (tipicamente entre O e +30ºC) no oceano, na atmosfera e nos rios,
11io amplamente controlados pelos equilíbrios químicos em solução e
interface água-mineral. Esses ciclos promovem uma transferência
material que é principalmente controlada pela interação água-rocha
em ão, sedimentação, reações hidrotermais) e pela atividade biológica .
•~
1
• es ambientes, o sistema carbonato tem um papel muito importante.
·~ tiremos, neste contexto, a geoquímica do intemperismo e do oceano, e,
·.. adiante, o impacto desses ciclos sobre o clima.

Ili .,lf',ceitos básicos

lll!,.mos rever alguns conceitos importantes da química do ensino médio:

l~íl;ill~~oe:z é a concentração de prótons em solução [H+] (mol kg- 1). A


a específica de ocorrência desses prótons, se H+ ou H3ü+, tem pouca
~ rtância. A escala de acidez é definida pelo potencial pH de prótons
~ solução, tal que pH=-log [H+]. A água pura a 25ºC tem pH igual a 7.
pH mais baixo indica uma solução ácida e um pH mais alto indica uma
,-·"'"""'-"''v básica.

comportamento dos íons é ditado pela dissociação de ácidos e bases.


uma reação ácido-base, o ácido é o doador de prótons e a base é o
m:;eptor. Um ácido forte, como HCl, ou uma base forte, como NaOH,
!!iSOciam-se totalmente para produzir íons c1- e Na+, que se comportam
168 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

essencialmente como espécies inertes e que são relevantes apenas em termos


de suas cargas. Os ácidos mais fracos dissociam-se parcialmente, liberan do
um, dois ou mais prótons. Desse modo, o ácido carbônico H2 C03 dissocia-se
em um íon bicarbonato HC0 3 e, em seguida, em um íon carbonato co~-,.
respectivamente pela perda do primeiro e do segundo próton. O grau de
dissociação é dado pela lei de ação das massas:

[Hco;- J [H+]
- - - - - = K1 EQ. 7.1
[H2C03]
[co~-J [H+]
= K2 EQ. 7.2
[Hco;-J
As constantes da primeira (K1) e da segunda (K2) dissociação variam com a
temperatura e, em menor grau, com a salinidade. A notação pK = - log K é
comumente usada. Um caso especial de dissociação é a da água, segundo
a reação:
EQ. 73

cuja constante de dissociação é:

EQ. 7.4

Em uma solução diluída, a concentração de [H20 J na solução é essenci-


almente constante e essa relação pode ser reescrita de uma forma mais
familiar, como:
EQ. 7.5

3. A complexação de íons corresponde à associação entre íons de cargas opostas.


No oceano, por exemplo, o íon de cobre Cu2+ pode ser circundado por ânions
OH-, c1-, HC03, que formam diferentes espécies de cobre, e o mesmo pode
ocorrer nos solos envolvendo ácidos húmicos. Nesse sentido, H 2C03 e HCO:
-'
podem ser vistos como complexos carbonatados do próton. A complexação
também obedece à lei de ação das massas, com suas respectivas constantes.

4. As reações de oxirredução referem-se à troca de elétrons: um agente redutor


fornece elétrons para um oxidante. A oxidação de Fe2+ em Fe3+ é o resultado
da captação de elétrons por átomos de oxigênio:

Fe3 + + e - {::} Fe2+ EQ. 7.6

Nessa reação simplificada, Fe3+ é o receptor de elétrons e Fe2+ é o doador.


Apesar de não existirem elétrons ou prótons livres em solução, ainda assim
podemos atribuir a eles uma parte da energia do sistema. A conceito de 11.G
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 169

não é utilizado nas reações de oxirredução e, em geral, usa-se a atividade


elétrons ou pe, que corresponde ao logaritmo decimal negativo dessa
atividade. A atividade de elétrons é medida em volts por um eletrodo,
como potencial de oxirredução Ett, e a medida é relativa a um eletrodo de
referência; pe e EH relacionam-se entre si, tal que EH = O, 059 pe a 25ºC.
A oxidação do carbono orgânico (carvão, petróleo, betume) pelo oxigênio
atmosférico é um dos principais meios de produção artificial de energia, e
que também ocorre naturalmente, quando sedimentos contendo carbono
detrítico são erodidos:

C + 02 ~ C02 EQ. 7.7


sedimento ar atmosfera

Os gases atmosféricos são pouco solúveis em água, com exceção do C0 2.


A solubilidade dos gases é descrita pela lei de Henry, que estabelece uma
proporcionalidade simples entre a pressão parcial Pi do gás i acima da solução
e sua concentração na solução. Em relação ao C02, podemos escrever:

EQ. 7.8

onde kco 2 representa o coeficiente de solubilidade. A concentração da espécie


H2C03 em águas naturais é baixa e a espécie em geral presente é o C0 2
dissolvido, mas, para fins práticos, a notação acima é suficiente.

A solubilidade de sólidos precipitados a partir de soluções é expressa por


outro coeficiente da lei de ação das massas, o produto de solubilidade Ks.
Para a precipitação de carbonatos Ca2+ + co~- ~ CaC0 3 , a condição de
saturação pode ser escrita como:

[Ca2 +] [co~-J = Ks EQ. 7.9

- Condição de neutralidade elétrica: essa condição é normalmente represen-


tada pelo cálculo do balanço de cargas das espécies totalmente dissociadas,
que é denominado de alcalinidade, Alk (não confundir com basicidade, que
caracteriza soluções com pH > 7):

Alk = [Na+] + [K+] + 2 [Ca2+] + 2 [Mg2+] + ...


EQ. 7.10
- [c1-] - [N0 3] -2 [soi-J - · · ·
Mas como a neutralidade da solução deve ser mantida, podemos tam-
bém escrever:

EQ. 7.11
170 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODU ÇÃO

onde os íons de menor concentração, como baratos e fosfatos, foram


omitidos. Com o a alcalinidade representa a concentração de cargas elétricas,
ela é expressa em equivalentes por quilograma (eq kg- 1). Esta é uma medida
do poder de neutralização de uma solução: ao adicionarmos HCl a uma
solução altamente alcalina, a solução efervesce em razão do deslocamento
dos íons carbonato e da substituição pelos íons c1-. Note que, enquanto o
pH de uma solução pode variar com a temperatura ou com a pressão de
C02, a alcalinidade não se altera e, portanto, é considerada como sendo
conservativa. A alcalinidade é conservativa como [Na+] ou [Cl-], mas é
diferente de [HC0 3] ou [OH- ]. A operação [OH-] - [H+], conhecida como
alcalinidade cáustica, é em geral desprezível comparada com a alcalinidade
carbonática [HC0 3] + 2 [Co~- ].

8. Todas as constantes termodinâmicas dependem da temperatura e, em meno r


grau, da pressão. As constantes análogas a coeficientes de equilíbrio podem
ser expressas por relação similar à Eq. (2.11) .

7.2 Diagramas de dominância

O objetivo desta seção é apresentar alguns métodos gráficos usados para


avaliar quais são as espécies dominantes em soluções em uma dada condição
de acidez (pH) e de estado de oxidação (pe). Consideremos o seguinte
equilíbrio ácido-base:

(log K = -2, O) EQ. 7.1

Vamos seguir a apresentação convencional da reação como uma dissociação.


Podemos escrever a constante de equilíbrio como:

[so~-J [H+]
=K EQ.7. 13
[HS04]

Obtendo-se o logaritmo, temos:

[so42· ]
pH = - log K + log [ ] EQ. 7. 14
HS0 4

Claramente, se pH > pK = - log K, temos [so~-J > [HS0 4), e o contrário


ocorre quando pH < pK.

O mesmo princípio se aplica para as reações de oxirredução, como, por


exemplo:

Fe3 + + e- ~ Fe2+ (log K = + 13, O ou E8 = O, 77V) EQ. 7.15


7 A QUÍMI CA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 171

(note que, desta vez, consideramos que o elétron se combina com o oxidante) .
e escrevermos a constante de equilíbrio e calcularmos o logaritmo, obtemos:

Fe3+
pe = logK + log -Fe2-+ EQ . 7.16

(note a ordem dos term os oxidante/redutor na razão na parte direita da


equação) . Usamos a notação pe0 = log K = 13. Se pe > pe0 (ou EH >
O, 77 V), deduzimos que Fe3 + > Fe2+, e vice-versa.

A Fig. (7.1) mostra esses dois exemplos de diagramas de dominância. Quando


os dois tipos de diagram as de dom inância são combinados, obtem os um
diagrama pe-pH (ou o equivalente EH-pH) . A situação se complica no caso
dos oxiânions, como so~- ou N0 3, que necessitam de um próton para
sua redução, fazendo com que as reações de oxirredução e os diagramas de

oX
Fe3+ e:
Receptores QJ
:::,
<Õ"
pe = 13,0 10

so~-
EH= 0,77V
I
:::o
ct>
o.
8
6
HS0 4
e::
Q 4
2
Fe1+ a.,
o. o
-2
-4
-6
-8

2 4 6 8 10 12
pH

Fig. 7.1 Diagrama de dominância de uma reação Fig. 7.2 Diagram a de dominância pe- pH do
ácido-base (à esquerda) e de redução (à direita) . sistema enxofre. As linhas duplas rep resentam
O ácido é o doador de prótons e o redutor m udanças n o estado de oxidação do elemento.
é o doador de elétrons, enquanto a base e o Note que algum as linhas-limite são paralelas
oxidante são seus respectivos receptores. Note ao eixo y, como a linha que separa so~- e
q ue a escala de potencial equivalente usada para HS0 4, porque elas envolvem apenas troca de
reações de oxirredução não é a mesma usada nas prótons. O limite entre so~- e HS- representa
reações ácido-base. O limite entre os campos de uma reação acoplada de troca de elétrons e
dominância são os valores de pK, que na reação de prótons e, portanto, mostra um segmento de
oxirredução é denominado de peo. O acoplamento reta com inclinação igual à razão próton/elétron
d a troca de elétrons e prótons desloca ambos os (ver Exercício 1). Para obter o diagrama usual
limites de campo de modo linear EH- pH, considere EH = 0,059 pe a 25ºC
172 j GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

dominância de oxirredução sejam dependentes do pH, como, por exemplo:

EQ. 7.1 7

Sistemas envolvendo compostos de enxofre, com espécies dominantes como


H2S, Hs-, S2 (enxofre sólido), Süi- e HS0 4, são de grande importância na
geoquímica (Fig. 7.2) .

7.3 Especiação em soluções

Um problema importante da geoquímica de soluções é a distribuição dos


componentes químicos entre suas várias espécies. Um exemplo simples é o
da distribuição de carbonatos, como H 2C0 3 , HC0 3 eco~-. O cálculo da
especiação em uma solução de composição conhecida envolve a avaliação
da abundância das diferentes espécies químicas sob condições específicas
de temperatura, pressão e pH, entre outros fatores. Vamos fazer uma
simulação simples do oceano profundo, cuja água está isolada da atmosfera
e recebe carapaças carbonáticas de foraminíferos na forma de sedimentos.
Introduzimos mco2 moles de C02 por litro de água pura e uma quantidade
conhecida e muito pequena de calcita, tal que a molaridade da calcita em
água seja mcaco 3 , e permitimos que a calcita se dissolva. Vamos agora avaliar
a abundância das espécies presentes em solução. O C02 acidifica a água,
permitindo que a calcita seja dissolvida.

Vamos escolher dois componentes, Ca2+ e C0 2. As seis espécies possíveis são


OH-, H+, Ca2+, H 2C0 3 , HC0 3 e co~-. A concentração de água é bastante
alta em comparação com a dos demais componentes e pode ser considerada
como invariante no processo; portanto, podemos eliminá-la como espécie e
como componente. Se desejarmos determinar a abundância das seis espécie
necessitamos de duas equações de balanço de massas, uma para a soma de
C02:

EQ. 7.1

e outra para a soma dos íons de cálcio:

EQ. 7.1 9

e uma equação para descrever a neutralidade elétrica:

EQ. 7.20

Ainda precisamos de mais três equações (segundo a lei de ação das massas)
para determinar as seis incógnitas. Escolhemos as Eqs. (7.1 ) e (7.2) para a
dissociação carbônica ácida e a Eq. (7. 5) para a dissociação da água.
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 173

Essa escolha aparentemente natural é, de fato, arbitrária. Podemos substituir


uma dessas equações por uma combinação de equações. Assim sendo, as
uas equações de dissociação carbônica ácida podem ser substituídas pelo
produto entre elas:
[co~-J [H+ ]2 =K1K2
~~~~~ EQ. 7.21
[H2C03]

Podemos perceber que, no caso geral, os cálculos de especiação envolvem a


resolução de sistemas de equações não lineares e, portanto, procedimentos
n uméricos mais avançados. Há diversos programas de computador para
resolver problemas complexos, com a presença de fases gasosas e sólidas.
Esses programas são economicamente importantes na exploração e no
m anejo de água, petróleo e de recursos geotérmicos. Eles podem ainda ser
aplicados no estudo do intemperismo e da gênese de depósitos minerais.

eações água-sólido

A água tende a solubilizar os cátions mais solúveis dos minerais ígneos


e metamórficos e a produzir argilominerais residuais. O quartzo é uma
notável exceção a essa tendência. Um primeiro tipo de reação que controla a
interação entre a litosfera e a hidrosfera envolve essencialmente trocas de
próton e cátions, tais como:

(albita) (solução) (caulinita) (sílica) (solução)

Como a albita (plagioclásio) é um mineral abundante em rochas crustais,


essa reação pode ser vista como um limitante da solubilidade de caulinita,
que é um dos principais argilominerais dos solos. Na ausência de feldspatos,
a solubilidade da caulinita é controlada por outra reação de troca de prótons:

EQ. 7.23
( caulinita) (solução) (solução ) (solução) (solução)

A complexação de íons em solução torna mais difícil o cálculo da solubilidade


os minerais. O hidróxido de ferro férrico Fe (OH)3 , um dos minerais mais
importantes dos solos, é um bom exemplo. A especiação do ferro férrico
em águas doces próximas à neutralidade ( o cloreto causaria uma forte
complexação) é controlada pelas espécies Fe3+, Fe( OH)1 e Fe( OH) 4. A
concentração da espécie Fe(OHh em solução é praticamente nula. Podemos
escrever as seguintes reações de dissolução para o mineral Fe(OHh :

EQ. 7.24
174 \ GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Fe(OH)3(s) + H+ ç::> Fe(OH); + H20 EQ. 7.25


Fe(OHh(s) + H20 ç::> Fe(OH)4 + H+ EQ. 7.26

onde Fe(OH)J (s) representa o hidróxido sólido e as demais espécies


encontram-se em solução. Usando as constantes de equilíbrio adequada
e considerando que a concentração de uma fase sólida pura é igual a
um, obtemos:
[Fe
-
3
- = 103,2
+]
EQ. 7.27
[H+ ]3
[Fe(OH)/] = -2,s
____ 10 EQ. 7.28
[H+]
[Fe(OH) 4] [H+] = 10- 1s,4 EQ. 7.29

Isso nos permite calcular o conteúdo total de ferro férrico I: Fe3-


como sendo:

LFe 3+ = [Fe 3+] + [Fe(OHh+] + [Fe(OH) 4]


19
=1 6 X 103 [H+]3 + 3 2 X 10- 3 [H+] + 4 ,0 X lü-
' ' [H+]

Os resultados estão apresentados na


Fig. 7.3. A solubilidade do ferro férrico
-7 é extremamente baixa e, em virtude da
complexação por hidróxidos diversos, a
Fe(OH) 3 precipitação
curva de I; Fe 3+ tem um ponto mínimo
empH ~ 8.

Em outras reações, o C02 é consumido


-10 pela dissolução de silicatos, como, por
Fe(OH) 3 dissolução
exemplo:
-11~~~..__~~.,__~~-'--~~-'-~-----'
5 7 8 10
pH
(piroxênio) (atmosfera)
Fig. 7.3 Saturação de hidróxido de ferro férrico
em água pura em função do pH. O ponto mínimo ç::> 2Si02 + 4HC0 3 + 2Mg2+ EQ. 7. ~
da curva de solubilidade resulta da dominância de (sílica) (solução) (solução)
diferentes complexos de hidróxidos em diferentes
valores de pH As reações de consumo de C02 envolvem
trocas de prótons e representam as relações
sobrepostas entre erosão, ciclo do carbono (em particular os carbonatos
marinhos e o C02 atmosférico) e clima, em razão do efeito estufa. As
reações de troca de prótons são sensíveis ao pH da solução porque,
como a concentração dos sólidos é igual a um, a lei de ação das mas "
requer, no exemplo da Eq. (7.22), uma relação constante [Na+]/[H+ ] na
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 175

solução. Tanto a chuva ácida, carregada com o ácido sulfúrico formado em


altitude pela oxidação de compostos de enxofre, como a água subterrânea,
carregada com ácidos húmicos, atacam a rocha porque seus prótons têm
capacidade de deslocar os íons dos minerais, como Na+, Ca2 + e outros.
Os ânions complexantes (OH-, c1-, COj-, so~-, POi-, ácidos húmicos e
fúlvicos) também têm um papel importante na solubilização e no transporte
mineral. Essas reações dependem fortemente da temperatura. Em oposição à
dissolução de calcários, que recicla a alcalinidade fóssil acumulada desde a
origem da Terra, a erosão química de silicatos (Eqs. 7.22 e 7.30) cria uma nova
alcalinidade. O dióxido de carbono exalado pelo manto é, posteriormente,
armazenado nos carbonatos sedimentares.

Química de eletrólitos

As espécies em solução encontram-se, em sua maior parte, ionizadas


e desenvolvem um potencial eletrostático local, que cria novas formas
de acumulação de energia. Esses fenômenos tornam mais complexa a
abordagem teórica da química das soluções e nos leva a usar um parâmetro
denominado de "atividade", em vez de concentração. Esse parâmetro também
tá relacionado ao comportamento singular de partículas em águas naturais,
orno, por exemplo, a formação de géis e a floculação. Vamos iniciar
recordando alguns conceitos elementares de eletricidade. Imagine duas
placas metálicas conectadas por cabos às saídas positiva e negativa de uma
bateria. Com isso, cargas elétricas de sinais opostos chegam à superfície de
cada placa. Podemos manter as placas separadas uma da outra fixando-as
com molas presas a uma parede externa e, nessa configuração, medir a força
de atração entre as placas. O campo entre as placas é descrito pelas leis
eletrostáticas fundamentais (atração de Coulomb). Se introduzirmos uma
placa de mica entre as placas metálicas, haverá uma diminuição na força
de atração entre estas. A mica é um meio dielétrico: o campo eletrostático
fo rmado pelas placas metálicas induz a orientação de pares iônicos (dipolos)
na mica, criando um campo secundário oposto ao campo primário das
placas metálicas. A razão entre a força de atração no vácuo e a força na
presença da placa de mica é conhecida como constante dielétrica t:.

A água pura é fortemente dielétrica. As moléculas H20 são polares, porque


o ângulo existente entre as duas ligações OH faz com que os átomos de
hidrogênio atraiam os elétrons covalentes compartilhados com o oxigênio.
As moléculas de água têm, portanto, extremidades com carga e se orientam
em contraposição ao campo no ambiente em que se encontram, por
exemplo no caso do campo criado pelas placas metálicas. Todos esses
dipolos orientados reduzem a distância em que as cargas são perceptíveis em
uma solução: a água pura, portanto, diminui a atração ou repulsão mútua
entre íons vizinhos. Em virtude da agitação térmica, a constante dielétrica
176 j GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

da água decresce com o aumento da tem-


peratura. Os íons em solução também
interferem nas propriedades dielétricas
dos solventes: moléculas de H 2 0 aderem
à superfície dos íons e formam o que
se conhece como camada de solvatação.
Essas moléculas de água não estão mai
disponíveis para se contrapor ao campo
6
Cr(H 20) 6+ eletrostático do ambiente. A Fig. 7.4 mos-
tra o exemplo do íon Cr6 + quando hidra-
Fig. 7.4 Octaedro hidratado Cr(H2 0)~+. O forte
tado, sendo envolvido por seis moléculas
campo criado pelo cátion Cr6+ atrai as moléculas de
água que deixam de estar disponíveis para contribuir
de água. A adição de sal a uma solução,
com o efeito dielétrico da água portanto, diminui sua constante dielétrica
E. A distância média sobre a qual um
campo eletrostático é transmitido em um dado meio é conhecida como
distância de Debye Àv e, em uma solução eletrolítica, pode ser descrita como:

-C~RT
ÀD- -- EQ. 7.31
e2J

onde e corresponde à carga do elétron e C é uma constante. Nessa equação,


!
I é a força iônica da solução, equivalente a í: c;zf, onde ci e Z; indicam a
concentração e a carga do íon i, respectivamente. O potencial a uma distância
r de um íon, considerado como uma carga puntual, será:

V (r) = V (0) e-r/Ao EQ. 7.3

A energia armazenada na camada em torno do íon é parte da energia total e~


portanto, afeta as propriedades termodinâmicas dos íons em solução com
respeito aos solutos sem carga. Esse efeito é descrito nos livros-texto de
química como a teoria de Debye-Hückel.

A adição de sal a uma solução tem ainda outro efeito, já citado: ela reduz a
distância de Debye e, portanto, a espessura da camada de solvatação em torno
dos íons e das moléculas, permitindo que as pequenas partículas vizinhas
se aproximem e coalesçam. Esse processo, conhecido como floculação.
é responsável pela retirada de ferro e de outros elementos da solução
em estuários.

7.6 Atividade biológica

A atividade biológica tem condicionado a química do oceano e da atmosfera


desde tempos remotos. A atividade dos organismos caracteriza-se pelo uso
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS j 177

dos recursos disponíveis no ambiente para a produção de partes orgânicas


moles e rígidas e para a manutenção de seu metabolismo. As plantas são
p rodutoras primárias que extraem carbono do meio - C02 atmosférico,
no caso das plantas terrestres e carbonatos dissolvidos na água no caso das
algas,- e o reduzem com a energia solar (fotossíntese). Os indivíduos situados
mais acima na cadeia alimentar reciclam o carbono primário reduzido. A
energia dos organismos é mantida com verdadeiras bat erias de carbono
reduzido. A respiração fornece o oxigênio par a a combustão e elimina o
C0 2 produzido. O carbono reduzido, n a fo rm a de carboidratos e lipídios,
age como reservatório de energia e é utilizado na formação de partes moles,
como as proteínas. Além do carbono, a produção de matéria orgânica requer
nitrogênio, fósforo e elementos-traço (principalmente Fe, Mg, Zn ), que são
essenciais para a síntese de diversas enzimas vitais.

Os organismos sintetizam partes rígidas para sua locomoção e defesa,


essencialmente a partir de Si0 2 nas diatomáceas, de CaC03 nos forarniníferos
e invertebrados, e de fosfato nos vertebrados. A precipitação de carbonatos
consome a alcalinidade. Nos mares, a calcita e a sílica são os principais
componentes biogênicos dos sedimentos e se distinguem do material detrítico
carregado pelos rios e pelos ventos, e que é composto principalmente por
argilas, hidróxidos e quartzo.

sistema carbonato

Por meio de métodos da química das soluções, é possível calcular a especiação


de carbonatos em água, como por exemplo a fração O:'ttco-3 de carbonato
dissolvido na forma de íons bicarbonato. Esse parâmetro é definido como:

EQ. 7.33

Se dividirmos essa equação por [H2C03], aplicarmos as duas constantes de


dissociação (Eqs. 7.1 e 7.2) e multiplicarmos por [H+f, obteremos:

EQ. 7.34

com expressões similares para ªcor e ütt 2 co3 • A especiação dos carbonatos,
portanto, depende apenas de [H+]. Se essas expressões forem lançadas em um
gráfico em função de pH, três zonas de dominância poderão ser identificadas,
separadas por pK1 (6,4) e pK2 (10,3) do ácido carbônico (Fig. 7.5). Em
condições de pH baixo, o excesso de prótons mantém todos os carbonatos
como ácido carbônico H 2C0 3, enquanto em pH alto a deficiência de prótons
favorece a estabilidade de co~-; em pH intermediário, o íon dominante é
178 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Ácido Base

co 32-
N
0,8
o
(_)
~
r::.-
,5:? 0,6
o
-.:::,
tS
o 0,4
""

c:'O
~
0,2

o
o 2 4 6 8 10 12 14
pH

Fig. 7.5 Especiação de carbonatos dissolvidos em função do pH da solução (ver


Eq. 7.34). Note que a predominância de cada espécie de carbonato varia quando o
valor de pH transpõe um limite pK. A maioria das águas naturais têm pH próximo eh;.
neutralidade e, portanto, o íon dominante é o íon bicarbonato

HC03. As águas naturais são levemente ácidas ou levemente básicas. A água


do mar, com pH entre 7,6 e 8,0, é amplamente dominada pelos íons HCOi:

O sistema carbonato em uma solução em contato com a atmosfera e


controlado pelos parâmetros químicos Pco2 , pH, alcalinidade Alk ~
[ HC03] + 2 [co~-], somatório dos carbonatos dispon íveis L C02 ~ ·
[H C03] + [ co~-J (omitindo-se H 2C03 e C02 atmosférico), e pelas variáveis
físicas temperatura e, em menor grau, pressão. Essas variáveis não são
independentes entre si, e procuramos trabalhar com variáveis conservativass
o que exclui pH e concentração de carbonatos. Combinando-se as expressões
de Alk e de L C02, obtemos:

[co~-J = Atk- L co2


[Hco3] = 2 Lco2-Alk EQ. 7.35

Na água do mar (Fig. 7.6), a alcalinidade varia entre 2,0 e 2,4 meq kg- 1 (o
equivalente é o número de cargas expresso em unidades molares) . Cerca de
90% do carbonato dissolvido está na forma de [HC03]. A alcalinidade é mais
baixa, ou mesmo negativa, na água da chuva e dos rios. Combinando-se essas
expressões com aquelas que descrevem a solubilidade de C02 e a dissociação
do ácido carbônico, obtemos uma equação de grande importância:

K2(21:C02 - Alk)2
Pco = - - - - - - - - - - EQ. 7.36
2 kco2 K1 (Alk - LC02)
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS j 179

Essa expressão é mostrada graficamente 650 Alcalinidade=


na Fig. 7.7 em relação ao sistema oce- HCO~+2co;-

ano-atmosfera, onde a pressão de C02 é 600 2Ca 2+


expressa em ppmv (partes por milhão em 2S0 2-
4
volume); considera-se que, a 25ºC, kco 2 é 550
aproximadamente 0,029 moles por kg por 2Mg 2+

atm. O pH da água do mar pode ser calcu- 500


lado tanto na superfície, com uma pressão 1bl)
.X

Pco2 conhecida, como em profundidade, C'


a, 450
.§.
com um valor fixo de L C02, inserindo "'
co~-J
bl)
;;;
os valores de [HC0 3] e [ obtidos u

por meio da Eq. (7.35) nas equações de


dissociação (Eqs. 7.1 e 7.2) . 100

Outro caso relevante para o sistema oce- 50


ano é a concentração de cálcio, fixada pela
saturação em carbonato com a água do o
Cátions Ânions
mar sob pressão de C02 atmosférico cons-
Fig. 7.6 Composição da água do mar em nú-
tante. As Eqs. (7.18 ) e (7.19) devem ser
mero de cargas (equivalente) por unidade de
substituídas por expressões que indiquem peso. A alcalinidade (2 meq kg- 1 na água do mar)
a saturação em calcita: corresponde à deficiência de carga dos ânions
totalmente dissociados (e, portanto, quimicamente
EQ. 7.37 inertes) em comparação com a carga dos cátions
totalmente dissociados. Em uma solução, essa
e a solubilidade de C02: deficiência, que é, em essência, equilibrada pelos
carbonatos, é constante. Ela é uma medida de
sua capacidade de neutralização de ácidos fortes
EQ. 7.38
(segundo Broecker, 1994)

A concentração total L C02 dos íons car-


bonato é expressa por:

EQ. 7.39

enquanto P co 2 é dada por:

EQ. 7.40

O sistema carbonato tem, portanto, dois graus de liberdade que representam


diferentes condições geológicas. Os controles por pares adequados de
parâmetros, tais como alcalinidade constante e L C02 (oceano profundo)
ou saturação em calcita e P co 2 ( oceano superficial), representam exemplos
180 j GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

0,0031

0,0029

0,0027

Q}
0,0025
"C

"'
"C
:~ 0,0023
"'
u
:;:;:
0,0021

0,0019 '-----'---~----'-------'----'-----'-----'
0,0019 0,0020 0,0021 0,0022 0,0023 0,0024 0,0025 0,0026
LC0 2(mol kg- 1)

Fig. 7.7 Relação entre alcalinidade e soma dos carbonatos no oceano para diferentes
valores de teor de C0 2 na atmosfera, expressas em partes por milhão em volume e
indicado em linhas retas (Eq. 7.36). A temperatura de equilíbrio considerada é lSºC.
Atualmente, a atmosfera contém cerca de 350 ppmv de C0 2 • O oceano e a atmosfera
estão próximos do equilíbrio

típicos. Dois dos parâmetros são impostos e todas as outras variáveis são
decorrentes deles.

A reconstituição da composição de paleoceanos antigos requer a identificação


de traçadores ou indicadores geoquímícos (proxies) para se estimar um ou
outro desses parâmetros. H á uma expectativa em relação à composição
isotópica do boro em carapaças calcárias de foraminíferos como possível
indicadora de pH de oceanos antigos. O ácido bórico da água do mar é um
ácido fraco e o boro é encontrado em dois diferentes estados, controlados
pela reação:
EQ. 7.41

Vamos indicar a constante aparente de dissociação de H3BÜ3 por K 8 (pK 8 =


8,75) e o produto da constante de equilíbrio dessa reação pela molaridade da
água [H2 O], que é próxima a 55,6 em todas as águas naturais. A proporção
das duas espécies depende do pH da solução, e podemos calcular a fração de
boro referente a cada espécie, por exemplo 'PH3so3 , de forma usual como:

EQ. 7.42

Claramente, a soma de <;JH3 Bo3 e rpB(OH)4 é igual a um. Além disso, uma
equação de equilíbrio isotópico entre as duas espécies de boro pode ser
escrita como:
____
(11
B/1ºB)
H_ 0_3 = aB (T)
3B_
EQ. 7.43
( 11 B/1üB)
B(OH) 4
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 181

onde a 8 (T) é o coeficiente de fracionamento isotópico entre as duas espécies


de boro presentes na solução. Como o tempo de residência do boro na água
do mar é da ordem de milhões de anos, podemos considerar que seu teor e
sua composição isotópica global não sofram alterações durante períodos
glaciais e interglaciais, que têm periodicidade da ordem de 100.000 anos. A
11 1
condição de balanço de massas para a razão B/ ºB pode ser escrita como:

EQ. 7.44

Aparentemente, apenas o íon borato B(OH) 4 é incorporado no carbonato


de cálcio dos foraminíferos. As duas equações anteriores podem, portanto,
ser combinadas da seguinte forma:

11B) (11B) ( 11 /1ºB) oceano


(10 B foram = !OB B(OH)4 EQ. 7.45

Se soubermos a razão 11B/ 10 B atual do oceano, a partir da análise de amostras


da água, a temperatura de crescimento dos foraminíferos (fornecida por
isótopos de oxigênio) e o coeficiente de fracionamento isotópico a 8 (T)
(0,978 a 20ºC), poderemos obter '1%Bo3 e, a princípio, calcular o pH dos
oceanos onde os foraminíferos se formaram (Fig. 7.8). Esse método requer
que sejam identificadas espécies em que o fracionamento isotópico de boro
ocorra de modo consistente (reprodutível), o que, por enquanto, ainda
representa uma limitação significativa.

1;.B Precipitação, rios, intemperismo e erosão

O ciclo hidrológico é muito bem conhecido (Fig. 7.9). A evaporação, causada


pelo intenso aquecimento solar dos oceanos entre os trópicos, produz vapor
de água. Quando o ar quente e úmido sobe, o vapor de água se condensa em
gotículas, formando as nuvens, e se precipita na forma de chuva quando as
gotículas, coalescem e atingem um tamanho mínimo suficiente. As massas
de ar quente migram em direção aos polos e, à medida que elas sofrem
resfriamento, a precipitação progressivamente retira a umidade da atmosfera.
Isso se reflete nos dados isotópicos de hidrogênio e oxigênio na chuva e na
neve (Fig. 7.9). Como os isótopos pesados se concentram preferencialmente
na água líquida e no gelo, a progressiva condensação de vapor atmosférico
produz uma evidente depleção nos isótopos pesados de oxigênio e hidrogênio
na água de precipitação em direção aos polos. Em consequência disso, há
uma correlação entre ôD (uma medida da razão 2 H/ 1H) e ô 18 0 da chuva e da
neve, que corresponde à progressiva depleção em deutério (D ou 2 H) e 18 0
de acordo com a aproximação linear da condensação fracionada (ver Cap. 3):
182 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

60

50

0.6
co 40 6 - - - - 0 - - - 0 - - ~
7o 05
30
0.4

0.2

0.2
10
0.1
oL-~-===:c:_____,_____ __l..__ _ _ _J____:::::::===l:a,~--~o
6 7 8 9 10 11 12
pH

Fig. 7.8 Composição isotópica de boro dissolvido e boro em carbonatos sedimentares


em função do pH da água do mar. Os valores de 0 11 B são definidos em referência
a um ácido bórico padrão (SRM 951). As frações <p e o11 B referem-se às espécies
H 3B03 e B(OH)4. Há um fracionamento isotópico de 11 B de 22 por mil entre as duas
espécies. O valor de o11 B de B(OH) 4 incorporado no carbonato sedimentar é uma
medida do pH do oceano a partir do qual esse calcário se formou

dôD aD (T) - 1
EQ. 7.46
dõl 8Q a1s 0 (T) - 1

onde os coeficientes a indicam um dado fracionamento isotópico entre o


líquido e o vapor das nuvens a uma temperatura T. Estritamente, essa
equação deveria ser corrigida em relação aos efeitos cinéticos durante
as mudanças de fases. Essa expressão resulta na equação da Linha da
Água Meteórica Global ( Global Meteoric Water Line, GMWL) onde dôD =
8 dô 18 0 + 10 (Fig. 7.10). A água da chuva das regiões temperadas e o gelo
polar apresentam uma depleção em isótopos leves em relação à água do mar
da ordem de unidades por cento para oxigênio e de dezenas de unidades por
cento para hidrogênio. Podemos inferir, a partir da equação de destilação
de Rayleigh, que a quantidade de precipitação decresce exponencialmente
ao longo da GMWL: a quantidade de água que chega aos polos é uma
mínima fração da água perdida em trânsito. A linha GMWL não passa
pela composição da água do mar, por causa do fracionamento cinético
que ocorre durante a evaporação de água aquecida superficial, enquanto
a condensação nas nuvens ocorre a temperaturas bastante inferiores,
condições próximas ao equilíbrio. Uma distribuição similar é observada em
relação à altitude: à medida que o ar se eleva nas áreas montanhosas, suas
precipitações tornam-se depletadas em D e em 18 0.
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 183

Polo
8180Neve=-30

Equador

Fig. 7.9 Ciclo atmosférico da água e o valor de ô 18 0 (em %o ) nas precipitações. O


vapor formado pela evaporação de água superficial aquecida do oceano entre os
trópicos migra com a circulação atmosférica em direção aos polos. A precipitação
incremental de chuva em baixas latitudes e de neve em altas latitudes progressivamente
epleta o vapor de água atmosférico, a chuva e a neve em 18 0. Uma depleção similar
de deutério em relação ao hidrogênio ocorre em direção aos polos, produzindo a
relação linear da Fig. 7.10

Em consequência dessa relação, podemos afirmar que praticamente toda


a água subterrânea é água meteórica. As fontes geotérmicas situam-se na
mesma linha horizontal da água meteórica local, ou seja, com a mesma
composição isotópica de hidrogênio. Isso indica que a água subterrânea é
uma água meteórica, em que houve troca de isótopos de oxigênio da água
com as rochas; como as rochas são praticamente desprovidas de hidrogênio,
o valor de ôD permanece praticamente inalterado. Portanto, não há uma
fonte ou nascente de água "juvenil", ou seja, água proveniente do interior da
Terra e que nunca antes havia estado em superfície. O mesmo se pode dizer
sobre as fontes hidrotermais.

A contribuição mineral do aerossol marinho para a água pluvial decresce


continuamente com o aumento da distância em relação à linha de costa. Esse
gradiente é marcado principalmente pela diminuição do teor dos íons Na+ e
c1-, também denominados íons cíclicos. A fração remanescente de água se
infiltra ou escoa pela superfície, contribuindo para a erosão.

A erosão química (intemperismo) pode ser considerada um conjunto


de reações de dissolução. Os silicatos de alta temperatura, formados em
ambientes ígneos e metamórficos (olivina, piroxênios, feldspatos, micas), são
metaestáveis nas condições superficiais de baixa temperatura; eles reagem
184 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

-50
E The Geysers, EUA
i3
.e
e:,
'° - 100 Steamboât Spring, EUA

- 150 Polar
Yellowstone, EUA

-200
-25 -20 -15 - 10 -5 o 5 10
õ 180 (por mil)

Fig. 7.10 Relação entre a composição isotópica de hidrogênio (6D) e de oxigênio (6 18 0) em águas
meteóricas (linha contínua). A precipitação líquida depleta o vapor de água atmosférico em isótopos
pesados durante o trajeto das nuvens em direção aos polos. Uma grande parte das águas subterrâneas
situa-se sobre a linha da água meteórica (d6D = 8 d6 18 0 + 1O), o que demonstra sua origem meteórica
e que as interações com os minerais são imperceptíveis no primeiro quilômetro de profundidade
na crosta. Várias fontes geotermais (linhas tracejadas) apresentam o mesmo valor de 6D que a água
meteórica. Como praticamente não há hidrogênio na crosta, isso confirma a origem meteórica da ágúa,
enquanto as variações de 6 18 0 refletem a interação da água com minerais da crosta a temperaturas
entre 75 e 350ºC

com a água meteórica para formar argilominerais, que são silicatos estáveis,
e hidróxidos de íons oxidados menos solúveis (Fe3+, Al 3+), enquanto os íons
mais solúveis (Na+, K+, Ca2+, Mg2+) são levados pela água de escoamento e
pelos rios. A sílica é pouco solúvel e o quartzo, não importando qual sua
origem, em geral permanece como resíduo do intemperismo, apesar de o
nível de [Si02] nos rios ser comparável ao dos demais elementos.

São as barreiras cinéticas que preservam as assembleias minerais de


alta temperatura, como as dos granitos e gnaisses, ao longo de grandes
intervalos do tempo geológico na superfície terrestre, apesar de o equilíbrio
termodinâmico indicar que feldspatos e outros silicatos tendam a se
transformar em argilominerais. O estudo de íntemperísmo e erosão deve
considerar as taxas de dissolução. A maioria dos processos de erosão envolve
reações de dissolução/reprecipitação, similares à decomposição da albita
exemplificada na Eq. (7.22). Normalmente, a dissolução é o processo que
limita a taxa de reação, e a natureza dos cátions dissolvidos não é fundamental
no controle dessa taxa, com a exceção especial de H+. Em geral, o pH da
água da chuva situa-se no intervalo de 4 a 6. As águas ácidas têm maior
potencial de erosão porque a abundância em H+ desloca os principais íons
solúveis (Na+, K+, Ca2+, Mg2 +) dos minerais form adores de rocha. Quando
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 185

m a distribuição em área superficial se normaliza e o estado estacionário


é atingido, a maioria das taxas de dissolução R pode ser descrita de modo
adequado pela equação:

ln R = ln Ro + n pH EQ. 7.47 10-8 ~ - - - - - - - - - - - - ~

onde R 0 e n são constantes específicas Anortita


,.,,
para cada mineral. A taxa de dissolução ')'
E
e..,
depende fundamentalmente da tempera- o
E
tura: climas quentes favorecem a erosão o
,ro
e.,,
:;:,
química. Essa dependência em geral é oV)

-~
apresentada na forma: "O
Q)
"O
ro
X
ro
E 1-

lnR=A- - EQ. 7.48


RT
onde A é uma constante e E é a energia 1 2 3 4 5 6 7
e ativação de uma dada reação. Valores pH

e n entre O e -1 são comuns, enquanto Fig. 7.11 Dependência do pH das taxas de intem-
E se situa entre a energia de ativação da perismo de albita e anortita. Águas ácidas dissolvem
difusão iônica em solução e a energia ne- feldspatos mais rapidamente que águas neutras. A
cessária para romper ligações em silicatos. taxa tipicamente aumenta cerca de dez vezes quando
As taxas de intemperismo tipicamente a temperatura é elevada em 25ºC
au mentam com um fator de dez vezes
q uando a temperatura é elevada em 25ºC.
Alcalinidade
A dependência do pH da taxa de erosão é
ilustrada com o exemplo dos feldspatos na
Fig. (7.11).

As principais características químicas das


águas fluviais podem ser resumidas por
um pequeno número de parâmetros. Após
a subtração dos íons cíclicos, a carga re-
manescente dissolvida na água pode ser
dividida em alcalinidade de carbonato (a
partir da dissolução de silicatos por reações Sílica Sulfatos e
cloretos
descritas acima ou por redissolução de
calcários), sulfato e cloreto de dissolução Fig. 7.12 Distribuição composicional da carga dis-
de evaporitos e sílica de dissolução de solvida dos rios em relação aos seus três componen-
silicatos (Fig. 7.12). Essas quantidades tes principais: sílica, alcalinidade (principalmente
carbonatos), cloretos e sulfatos (derivados principal-
variam em função do local onde ocorre
mente da dissolução de evaporitos). A composição
a erosão. Além da carga dissolvida, os
é diretamente controlada pela natureza do substrato
rios transportam abundante carga mineral (crátons graníticos, plataformas sedimentares). Na
( argilominerais e hidróxidos de ferro) e região hachurada não há dados (segundo Stallard e
coloides orgânicos. Edmond, 1983)
186 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

7.9 Elementos de química marinha

Os rios carregam sua carga em solução para o oceano. Por motivos práticos,
podemos agrupar toda essa carga mineral sob a denominação de fluxo de
alcalinidade relacionado à erosão. Vários elementos químicos não conseguem
transpor a barreira dos estuários. Como vimos anteriormente, nesses locais
as águas doce e salgada se misturam, causando uma substancial diminuição
da constante dielétrica da água. Ocorre expressiva precipitação de coloides,
com a adsorção de elementos de transição, elementos terras-raras etc. Esse
fenômeno é amplificado pela abundância de matéria orgânica nos estuários.

A superfície dos oceanos é caracterizada pela abundância de vida, mantida


pela produção primária fotossintética de algas em toda a profundidade
alcançada pela luz ou zona fótica (cerca de 50 m de profundidade). Esta
produção primária permite que outras formas planctônicas e organismos
maiores possam se desenvolver por alimentação herbívora e predação.
Como mencionado anteriormente, a ma-
813C(por mil) téria orgânica concentra isótopos leve
O 1 2
Q,-,~~~~~~~~~~~~
----
__ ........ principalmente 12 C em relação a 13 C e
14
N em relação a 15 N, e a intensidade
,,
da produção primária pode ser medida
pelo aumento de õ13 C e õ15 N das águas
superficiais, em comparação com as águas
E 2 profundas (Figs. 7.13 e 7.14).
::=.
A atividade biológica consome o excesso
de alcalinidade fornecido pelos rios, prin-
cipalmen te na forma de CaC0 3 , um dos
principais constituintes das partes duras da
4
'777/V7. microfauna (foraminíferos). A atividade
Fu ndo biológica é limitada apenas pela disponi-
bilidade dos demais elementos necessários
3
à formação de tecidos (P, N), ao metabo-
lismo (Fe) e à locomoção e defesa (SiO_).
Fig. 7.13 Distribuição característica de teor do É notável que os organismos oceânicos;,
nutriente fosfato e composição isotópica do car- incluindo fitoplancton e zooplâncton, con-
bono (õ 13 C) dissolvido na água em função da sumam esses constituintes em proporções
profundidade. A atividade biológica superficial constantes, particularmente a propor , -
depleta a água em nutrientes e em 12 C. A dissolução
C : N : P, cujo valor universal na maté ·
de organismos mortos e excrementos abaixo da
termoclina produz o efeito oposto. Quando há orgânica é de 115 : 15 : 1 (razão de Red-,
um aumento da produção orgânica primária em field). Essas proporções são consideradQ
superfície, os contrastes entre as águas superficial e como aproximadamente correspondenteii
profunda se intensificam (segundo Broecker, 1994) a uma reação geral, conhecida como r~
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 187

40 14

12
-
-2 30 10
o
E
§_ 25
o 8 °2.
~ 20 2
"O
<O
=o
15
• 6 ~
3
Ê
"-'"
=
g 10 4
E
o
2

o o
o 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000
Profundidade (rn)

fig. 7.14 Variação em teor de nitrato e em ô 15 N nas águas do oceano Antártico:


•. t ensa atividade biológica superficial remove o nitrato dissolvido e, de modo similar
14
.!O carbono (Fig. 7.13 ), preferencialmente remove o isótopo leve - neste caso, N
{S.."'gllndo Sigman et al., 1999)

ção de Redfield-Ketchum-Richards (RKR), que leva à formação de material


iológico:

l06C02 + l6HN03 + H3PÜ4 + 122H20


<=> (CH20)106(NH3)16H3P04 + 13802

Essa reação é endotérmica e usa a energia solar (fótons) para produzir


-arbono e nitrogênio em um estado altamente reduzido, que posteriormente
, oderão liberar grandes quantidades de energia química. Os elementos
ados na atividade biológica, tais como C, N, P e Si, são depletados nas
águas superficiais e são conhecidos como nutrientes. Eles se contrapõem
aos elementos maiores residuais, tais como Na, Cl, K e Mg, que não são
afetados pela atividade biológica (Fig. 7.15). Na seção sobre cromatografia,
vimos que a reatividade de alguns íons (Cd, Ba, Fe, terras-raras) em relação
à matéria biológica particulada rica em nitrato, fosfato e sílica, acelera
sua transferência da superfície para o fundo do oceano, mesmo que eles
não estejam diretamente envolvidos no ciclo biológico. Tais íons, portanto,
mostram uma distribuição semelhante à dos nutrientes, com depleção nas
águas superficiais e aumento de concentração nas águas profundas.

Os restos de matéria orgânica da superfície afundam no oceano e são


reciclados por outras formas de vida. Na camada de água entre 100
e 1.000 m de profundidade, denominada termoclina por sua variação
brusca de temperatura, ocorre a redissolução de nitrogênio, fósforo e de
188 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

o + - ' - - ~ - + - ~ - ' - - i e ~ ~ ~ ~ - t - ~ ~ - - - -.........


outros nutrientes. Esse processo é acom-
1 e panhado pelo consumo de oxigênio (res-
Inorgânico
2
piração), que é depletado nessas profun-
3
4
didades em comparação com o restante
s~-~--..-~--....--~-~ do oceano (mínimo de oxigênio), e pela
o +-..........~~-t-~--===--~~~~~--; liberação de C02.

2
Cerca de 95% da matéria orgânica é reci-
3
clada dessa forma e não chega às grandes
"'e:: 4
::,
oe., 5 ~-~--+-~----+--~-~ profundidades. Os nutrientes são recicla-
"'e::
a,
o +--~-'--r"r'---t---+~~~+---+-~.............._, dos muitas vezes na termoclina antes de
"C
~ Na K Ca serem incorporados nos sedimentos. A
"C
] 2 importância da reciclagem foi demons-
~ 3 trada por Broecker e Peng (1982) de modo
4 CI
simples e ilustrativo (Fig. 7.16). Consi-
deremos um oceano ideal composto por
duas camadas sobrepostas, água super-
Mg Fe s
2 ficial e água profunda, separadas pela
3 termoclina. Os elementos são carregados
4 dos continentes pelos rios para o mar _!e
s~--~~--~-~~--~
Concentração (unidades arbitrárias} removidos para o oceano profundo por
sedimentação. Vamos denominar de Frx
Fig. 7.15 Elementos que participam da atividade a entrada de água dos rios (kg m- 3 s- 1}
biológica, como C, N, P e Si (nutrientes), são deple-
no oceano e de C!io a concentração (mol
tados em superfície. Os elementos maiores residuais,
kg- 1) do elemento i na água fluvial. O
como Na, Cl, K e Mg, não são afetados pela atividade
biológica. O alumínio é um elemento detrítico aporte Frio é compensado pela evaporação,,
introduzido na termoclina pelo aerossol atmosférico. fazendo com que a quantidade de água
O oxigênio dissolvido está em equilíbrio com os permaneça constante. Vamos denominar
gases atmosféricos próximos à superfície, mas é de F mix a quantidade de água trocada poc
significativamente depletado abaixo da termoclina unidade de tempo entre as camadas de
como resultado da oxidação dos resíduos orgânicos água superficial e profunda, e c~rofundo e
em decantação
Cisuperfi.eia1 as concentrações do elementoi
nas águas profunda e superficial, respectivamente; P~art corresponde ao
fluxo de i arrastado para baixo pela decantação de partículas. Inicialmente:,
escrevemos que, em um estado estacionário, as entradas e saídas de i devem
ser iguais e, portanto:

F no . e;profundo
· cirio + F mJX -
-
. e;superficial + pipart
F mJX EQ. 7.~

A fração g de fluxo descendente do elemento i sendo carregada por partíc


é, portanto:
p~art
EQ. 7.il'!
g = F mJX· Cisuperficial +Pipart
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 189

ou

EQ. 7.51 Evaporação

Agua superficial

Como no estado estacionário os elementos


que chegam ao oceano devem ser retirados
~ la sedimentação, a fração f de partículas
em decantação que posteriormente deixa-
Mistura
rão o reservatório de águas profundas na
forma de sedimentos é tal que:

EQ. 7.52
Agua profunda
e, portanto:

1
f=--------
1 + F mix ( C~rofundo _ c:uperficial )
Frio C ~io C~io Fig. 7.16 Modelo oceânico com dois reservatórios,
EQ. 7.53 segundo Broecker e Peng (1982)

A quantidade 1 - f g indica a proporção do aporte fluvial de i no oceano


ue é reciclado na termoclina em vez de ser sedimentada. Usando, como
uma estimativa de F mix, o tempo de residência do carbono calculado para
o oceano profundo (Eq. 6.4), obtemos F mix/ Frio ;::; 30. Para os fosfatos,
amos os valores Cipro fu ndo /Ci.no = 3 e Cisuperfi eia. 1/Ci.no = O, 15, que enfatizam
a depleção das águas superficiais em nutrientes. Obtemos, dessa forma,
o = O, 95 (95% do aporte fluvial de fosfato é exportado para o oceano
p rofundo na forma de partículas), f = O, 01 e f g = O, 01, indicando que
::o 1% do fosfato fluvial é de fato exportado para os sedimentos, enquanto
99% são reciclados na termoclina por movimentos de fluxo ascendente. Se
aplicarmos os mesmos passos para a sílica, obteremos um valor de 95%. Em
outras palavras, um átomo de fósforo é reciclado 100 vezes e um átomo de
::.ilicio é reciclado 20 vezes através da termoclina antes de ser retirado do
-istema na forma de sedimento.

A transferência de nutrientes para as regiões profundas ocorre, portanto, pela


decantação de partículas, e não pela descida ou pelo afundamento das águas
superficiais depletadas pela atividade biológica. Em contraste, o transporte
ascendente dos nutrientes é mais eficiente pelo fluxo ascendente das águas
profundas. Esse mecanismo explica por que zonas de fluxo ascendente de
águas profundas nas regiões costeiras da Mauritânia, Peru, Namíbia etc.
estão associadas a intensa produtividade primária.

A reciclagem das partes moles é acompanhada pela redissolução de calcita


das carapaças carbonáticas. A alcalinidade e a LC02 aumentam com a
190 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

diminuição de pH em profundidade, tipicamente de valores de 8,2 na


água superficial para valores de 7,8 na água profunda. Conforme discutido
anteriormente, os reservatórios (caixas) "água superficial" e "água profunda"
podem, em razão do fracionamento na termoclina, manter um contraste
marcante, apesar de diversos nutrientes terem longos tempos de residência.

O oceano profundo é frio e isolado da atmosfera, em contraposição à


água superficial. A água profunda é subsaturada em CaC03 e a água
superficial é saturada, o que proporciona aos organismos vivos condições
favoráveis ao uso desse composto na síntese de suas partes duras. O limite d .
saturação, ou lisoclina, e a "profundidade de compensação de carbonato ""
(carbonate compensation depth, CCD), que é a profundidade abaixo da qu.d
os carbonatos não ocorrem em sedimentos, atualmente se situa em torno de
4.500 m de profundidade. Acima desse nível, a sedimentação carbonática
é abundante, assim como em ambos os lados de cadeias meso-oceânicas,
que podem se elevar até 2.500 m abaixo do nível do mar; em profundidades
maiores, toda a calcita é dissolvida e apenas uma argila vermelha residual é
lentamente depositada, cuja composição é influenciada de modo expressivo
pela poeira atmosférica.

Além das variações químicas verticais, as variações horizontais também


são importantes. Isso se deve, em parte, aos grandes rios (p. ex. Amazonas.
Mississippi e Congo) que fluem para o Atlântico, o qual, portanto, recebe
uma quantidade maior de nutrientes que o Pacífico, daí sua rica biata. A
maior massa de águas profundas se forma no Atlântico Norte pelo fluxo
descendente de água de alta salinidade da Corrente do Golfo, que se torna
mais densa nas altas latitudes pela formação das capas de gelo (Fig. 7.1 7);
essa feição é denominada de Água Profunda do Atlântico Norte (No
Atlantic Deep Water, NADW). Outras massas desse tipo se formam nas
proximidades da Antártica, como a Água Antártica de Fundo (Antarctic
Bottom Water, ABW) . A NADW inicia sua longa jornada ao longo da co ta
das Américas até atingir os oceanos Índico e o Oceano Pacífico, pela Corrente
Circum-Antártica (Fig. 7.1 8). Nesse ponto ela retorna ao Atlântico via
Indonésia e Madagascar. Todo o sistema de circulação oceânica é mantido
por diferenças em temperatura e salinidade (circulação termo -halina\
e com frequência é denominado, por razões óbvias, de "esteira rolante""
oceânica. No Cap. 6 calculamos em 1.600 anos a idade de renovação das
águas profundas, e essa é também a duração aproximada de um ciclo de
circulação oceânica. Durante esta jornada, a água formada em superfície-
que é pobre em nutrientes e rica em oxigênio, recebe o aporte orgânico de
superfície. Na medida em que os resíduos que se precipitam da superfície
são dissolvidos em profundidade, as águas profundas progressivamente se
enriquecem em nutrientes e alcalinidade, e perdem oxigênio. Elas também
sofrem um aumento de C02 por causa da respiração; isso se reflete na menor
7 A QUÍMICA DAS ÁGUAS NATURAIS 1 191

produção de carbonatos no Pacífico em comparação com o Atlântico. Essas


características permitem distinguir claramente as águas profundas antigas do
Pacífico das águas jovens do Atlântico.

Sul Salinidade Norte Oxigênio

1.000

-:::- 2.000
=
a,
=
"'
~ 3.000
=
õ
::,

à:
4.000

5.000

Antártica Cadeia Islândia


Mesoatlântica

Fosfato

1.000

2.000
<:)

:g 3.000
~

~ 4.000

5.000

,-·I Antártica !
'!!ig. 7.17 Formação e circulação de água no Atlântico. A seção transversal segue a linha pontilhada
radicada no quadro inferior à direita. A Corrente do Golfo, rica em sal em virtude da evaporação
~ erficial na zona intertropical, resfria-se nas altas latitudes e desce para formar a Água Profunda do
~\dântico Norte (North Atlantic Deep Water, NADW ). Essa nova água profunda se move para sul a uma
~m fundidade de aproximadamente 3.500 m ao longo da costa das Américas. Essa água é salgada e
oxigenada, mas depletada em nutrientes, como fosfato, pela intensa atividade biológica no Atlântico
Norte. A Água Antártica de Fundo (Antarctic Bottom Water, ABW) forma-se no Mar de Weddel. Essa
::igua muito fria está menos sujeita a evaporação e recebe água de degelo da calota polar Antártica;
Ir'ort anto, ela é menos salina que a NADW. Ela também é mais rica em nutrientes, especialmente
fusfato, porque recicla águas antigas vindas do Pacífico pela Corrente Circum-Antártica. Ela é a mais
.:k-:nsa de todas as massas de água e compõe a água de fundo dos principais oceanos. A Água Antártica
Intermediária (Antarctic Intermediate Water) é menos densa porque é diluída pelas precipitações em
latit udes intermediárias do hemisfério sul. As figuras foram produzidas com OceanAtlas
192 J GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

~ Água fria profunda • - - - · Água quente superficial

Fig. 7.18 A grande esteira rolante da circulação oceânica. As águas frias profundas formam-se no
Atlântico Norte pelo fluxo descendente de águas de alta salinidade da Corrente do Golfo e seguem para
sul ao longo da costa das Américas. Elas se fundem com a Corrente Circum-Antártica, que alimenta os
oceanos Indico e Pacífico. O fluxo de volta da água aquecida do Pacífico passa através dos estreitos da
Indonésia para o oceano Índico e contorna o extremo sul da África para chegar ao Atlântico e se unir à
Corrente do Golfo

Exercícios

1. Demonstre que, para uma reação de oxirredução Ox + ne- + mW ~ Red, é corre


escrever n (pe-pe 0) + mpH= log [Ox] I [Red].
2. Discuta como as variáveis LC0 2 , pH, Alk e Pco 2 são controladas nas seguintes
situações: (a) uma parcela de água superficial em equilíbrio com a atmosfera
Pco 2 constante; (b) uma parcela de água superficial saturada em carbonato de cá ldoç
(c) uma parcela de água no oceano profundo. Considere que Ca 2+ é o único cátioo
metálico presente em solução e faça uma lista, como na seção 6.2, dos componentes
e espécies presentes no sistema e das equações que os relacionam entre si.
3. Discuta o que acontece com um copo de água mineral com gás quando HCI {
uma fatia de limão) é acrescentado a ele. Demonstre que um diagrama [W]=10-p,E'
versus a concentração de HCI adicionado é uma forma de titrimetria da alcalinidadé
(este é o princípio da titrimetria pelo método de Gran, amplamente usada e,
hidroquímica).
4. O que está errado com a seguinte afirmação? "Em uma atmosfera com Pro::
crescente, mais carbonatos são adicionados à água do mar, e mais carbonato
cálcio é precipitado." Por que algumas fontes de águas ricas em C0 2 estão se
tornando fontes petrificadas?
5. Derive as Eqs. (7.33) e (7.34). Calcule C%co, .
7 A Q U ÍMICA DAS Á GUAS N ATURAIS 1 193

6. Use as concentrações de Na, K, Mg, Ca, CI e so~- do Apêndice A para calcular a


alcalinidade dos rios e do oceano. Use os dados do Apêndice F para calcular o tempo
de residência da alcalinidade no oceano.
A análise de uma amostra de água superficial do oceano indica Alk = 2,30 meq kg- 1
e LC0 2 = 2, 15 mmol kg- 1• Uma análise similar em uma amostra de água profunda
resultou em Alk = 2,45 meq kg- ' e LC02 = 2,40 mmol kg- 1. Calcule os valores de
[Co~-J, [HC03] e pH em cada amostra. Explique as diferenças entre elas.
Escreva a reação de intemperismo de enstatita (Mg2 Si0 6) pela água para a formação
de serpentina (Mg3SiiOs(OH)4).
9. A sílica dissolvida está presente em água doce na forma H2 Si03 e HSi03. O ácido
silícico H2 Si03 se precipita como sílica amorfa segundo a reação Si02 (sólido) + H2 0
= H2 Si03 (log K = -2, 7) e se dissocia segundo a reação H2 Si0 3 = HSi03 + W (log
K = -9,6). Calcule a abundância de cada espécie solúvel em equilíbrio com a sílica
amorfa em função do pH.
2
10 . Complexação de Zn + na água do mar. Definimos uma constante de complexação

f3n de um íon metálico M em solução como sendo: /311 = [ML11 ] /([M] [Lt )
Para Zn2 +, o logaritmo decimal das constantes de complexação são (1) para OH- : 5,0
(n = 1), 11,1 (n = 2), 13,6(n = 3), 14,8(n = 4); e(2)paraco~-: 3,3(n = l). Quais
são as proporções relativas das principais espécies de Zn na água do mar em uma
amostra de água onde Alk = 2,35 meq kg- 1 e }2(0 2 = 2, 15 mmol kg- 1? (considere
a segunda constante de dissociação do ácido carbônico como sendo igual a 9,2)
Dica: escreva a soma de todas as espécies de Zn e o fator [Zn 2+], calcule [Zn 2 +]/LZn,
e então das outras espécies.
11. Quais são as fontes de alcalinidade na água dos rios? Quais podem ser consideradas

recicladas e quais juvenis?


u . Demonstre como a Eq. (7.46), que fornece a inclinação da reta de correlação ôD-
ô 180, pode ser derivada da Eq. (2.31).
13. A partir da definição de fator de fracionamento isotópico a 180 entre água líquida e
vapor, demonstre que 0 16 0 ~1. 0 18 0 ~ a 18 0, onde D representa o coeficiente de
partição. Para o fracionamento isotópico de oxigênio durante a condensação de vapor
de água, use a Eq. (2.28) para mostrar que ( 18 0j1 6ots ~ (1 80/ 160)0 f ª - 1, onde
180

f é a fração original de 160 (e, portanto, do vapor de água original) que permanece
na atmosfera. Qual é a correlação correspondente em unidades de ô? Estabeleça
relações análogas para a razão D/H. Lembre-se de que a água líquida é enriquecida
nos isótopos pesados.
14-- A costa oeste das Américas é marcada por cadeias de montanhas. Explique como,
em um regime de ventos de oeste, a composição isotópica de oxigênio e hidrogênio
da água de precipitação varia em função da altitude.
15. Uma massa de água salina depletada em nutrientes e relativamente oxigenada é
observada no Atlântico Sul a uma profundidade de 2.200 m, a cerca de 200 km do
talude da plataforma continental brasileira. Qual é a origem dessa massa de água?
16. Discuta as propriedades da coluna de água do Pacífico na posição 26° N e 160º
E (Tab. 7.1) construindo um gráfico da variação de temperatura, salinidade, 0 2
e nutrientes em função da profundidade. Identifique a termoclina e o mínimo de
194 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Tab. 7.1 Propriedades da coluna de água do Pacífico na posição 26º N e 160º E

Profundidade Temp. Salinidade 02 P04 Si03 N03


(m) (ºC) (psu) (mi 1·1 ) (µmol 1·1 ) (µmol 1·1 ) (µmol 1·1 )

o 25,62 35,05 4,84 O, 16 4,8 0,1


10 25,49 35,07 4,81 O, 11 4,4 0,2
20 25,30 35,07 4,82 0,11 4,3 0,2
30 24,92 35,08 4,90 O, 12 4, 1 0,2
50 23,70 35, 10 5,01 O, 10 4,3 0,2
75 22,03 35,07 5,06 0,11 4,8 0,4
100 20, 55 35,01 5,00 O, 15 5,4 0,8
125 19,31 34,94 4,86 O, 16 4,7 1,3
15 1 18,35 34,89 4,79 0,24 5,4 2, 1
20 1 17,04 34,79 4,73 0,36 7,8 4,0
252 16,15 34,71 4,74 0,42 8,2 6,7
302 15,38 34,64 4,66 0,47 10,3 7,0
403 13, 15 34,46 4,46 0,78 16, 1 13, 1
504 10,59 34,2 5 4,26 1,29 27,6 18,8
605 7,97 34, 12 3,31 1,89 44,1 26, 1
706 6,07 34, 13 2,35 2,38 65,3 33,8
807 4,95 34,18 1,55 2,81 87,8 38,8
908 4,26 34,25 1,28 2,9 1 107,6 41,5
1009 3,86 34,34 1,03 3,06 11 8,6 42,4
1111 3,44 34,40 1,05 3,06 126, 1 42,9
121 2 3, 16 34,46 1,09 3,06 131,7 42,5
1313 2,96 34,49 1,23 3,05 139, 1 42,3
1415 2,76 34,51 1,43 2,97 141,7 42,5
1516 2,60 34,53 1,57 3,03 146,4 41,8
1770 2,23 34, 58 1,90 2,87 151 ,4 41, 5
2024 2,00 34,62 2,21 2,89 157, 1 38,9
2533 1,72 34,65 2,65 2,74 157,7 37,9
3043 1,58 34,67 2,90 2,67 155,4 37,3
3554 1, 51 34,68 3,31 2,61 155,6 36,4
4067 1,47 34,69 3,50 2,57 152,5 35,7
4580 1,47 34,69 3,78 2,56 148,2 35,0
5095 1,46 34,70 3,83 2,51 142,9 35,3
5610 1,52 34,69 3,99 2,48 138,6 35,4

oxigênio. O que é a haloclina? Compare o perfil dos nutrientes " moles " (N, P) e
"duros " (Si).
17. As concentrações de silício e érbio (Er) foram determinadas em amostras de difer
tes profundidades do Atlântico Sul (Tab. 7.2). Construa um gráfico Si vs profundidad::
e comente as feições observadas. Construa um gráfico Er vs Si e explique por que u
elemento que não participa de processos biológicos se correlaciona com Si.
18. Que espessura de CaC0 3 sedimentar, em uma área equivalente à área superfid~
total do oceano, seria necessária para remover o equivalente a 100 ppmv de C0 2 d-a
atmosfera? Use os dados do Apêndice F e densidade de CaC03 de 2.700 kg cm- 1.
19. Explique por que o fluxo ascendente de águas profundas, como nas latitud5
equatoriais, reintroduz C0 2 na atmosfera.
18
20. Qual é o potencial de uso em paleoceanografia dos seguintes dados: (a) õ 0

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