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PAP CamilaGomesdaSilva 2015 PDF
PAP CamilaGomesdaSilva 2015 PDF
SÃO PAULO
2015
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE- SES -SP COORDENADORIA DE
RECURSOS HUMANOS-CRH GRUPO DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS
HUMANOS-GDRH CENTRO DE FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA
O SUS “Dr. Antonio Guilherme de Souza” SECRETARIA DE ESTADO DA GESTÃO
PÚBLICA FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO – FUNDAP
SÃO PAULO
2015
AGRADECIMENTOS
A Deus por me conceder o ingresso nesta grande escola que se chama vida, oferecendo-
me oportunidades únicas de crescimento.
À minha família, base do meu viver. Sem eles, certamente, eu não estaria aqui. Obrigada
por compartilharem comigo o entusiasmo de iniciar uma importante página da minha vida e por
me incentivarem em todos os momentos.
Aos meus amigos e colegas, pela paciência em minha ausência, pelo apoio e carinho.
Às colegas aprimorandas, pela experiência valiosa e singular que tive com cada uma,
sobretudo, com àquelas onde vi nascer laços de amizade, os quais quero levar para sempre
comigo.
Às preceptoras, Kátia Wanderley, Luciana Venturini, Mariangela Bento e Maria Tereza
Viscarri, por compartilharem seu saber, propiciando um ano de muito aprendizado e
crescimento.
Por fim, agradeço, especialmente, à Maria Tereza Viscarri, que foi minha orientadora
nesse trabalho. Obrigada pela paciência, pela orientação e, principalmente, por acreditar no meu
trabalho.
O ator oferece seu corpo-alma para dar vida a um personagem e durante esse tempo sente,
pensa e age de acordo com ele. As pessoas que estão assistindo se encarregam de dar sentido
ao que se vê. O ator não precisa sair do palco e se sentar na plateia para entender sua
personagem, nem como ela se relaciona com as outras.
O analista, porém, tem de fazer algo nessa linha. Renuncia a ser uma “pessoa real” (suspende
seus juízos de valor, suas opiniões pessoais, seus desejos e necessidades) e oferece a matéria
viva de seu corpo-alma para encarnar temporariamente o objeto primário de seu paciente.
Mas, além disso, de tempos em tempos tem de se afastar um pouco para observar a si mesmo:
o que está sentindo e como está agindo – mais propriamente, quem ele está sendo –, para daí
reconhecer sua imaginação metapsicológica, que objeto é esse. Tem de estar no palco e na
“plateia” alternadamente. (Marion Minerbo)
SILVA, C. G. Estudo de um caso sobre a transferência erótica no setting psicanalítico.
Monografia – Aprimoramento em Psicologia Hospitalar, Instituto de Assistência Médica do
Servidor Público Estadual – Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de
Oliveira, São Paulo, 2015.
Resumo
A transferência erótica foi um conceito elaborado por Freud, S. (1856-1939) para designar o
processo no qual o paciente, inconscientemente, repete seus protótipos infantis, direcionando
ao analista afetos amorosos e eróticos que, outrora, foram vivenciados com os objetos
primários, mas que sofreram a ação do recalque ou da repressão por despertarem angústia. A
gênese dos afetos encontra-se no complexo de Édipo, no qual afetos ambivalentes são
direcionados às figuras parentais. Trata-se, portanto, da atualização de desejos inconscientes,
no qual o paciente atua ao invés de recordar. Entretanto, ao passo que, esse se torna um caminho
de acesso ao inconsciente, ergue-se um obstáculo que ameaça o tratamento, uma vez que o
paciente se desvia de si, investindo sua libido no analista, a fim de não entrar em contato com
seus conflitos inconscientes. Concomitantemente, o analista pode reagir, de modo também
inconsciente, à transferência do paciente, materializando aquilo que Freud denominou de
contratransferência, o que torna a análise ainda mais complexa. Foi ao se deparar com a
transferência erótica na prática clínica e com as dificuldades por ela erguidas, que esse trabalho
surgiu, a fim de resgatar a teoria freudiana para identificar e compreender esse fenômeno,
visando o prosseguimento e êxito do tratamento. Este estudo torna-se relevante não apenas para
os profissionais da área da Psicologia, mas também para as demais áreas da saúde, visto que a
transferência ocorre em diversos contextos e não apenas no setting analítico, embora seja esse
o campo de atuação mencionado e estudado. Para ilustrar a teoria, será apresentado o caso que
se tornou motivo desse trabalho. Por se tratar de um processo psicoterápico com referencial
psicanalítico, o método consiste na observação clínica e escuta, caracterizando uma pesquisa
qualitativa. Por fim, confirmamos as teorias propostas por Freud e constatamos a importância
de resgatar a teoria, sobretudo, quando o tratamento psicoterápico é ameaçado por questões
subjetivas do paciente ou do analista, a fim de não se desviar do real objetivo da análise: o
paciente.
The erotic transference was a concept elaborated by Freud, S. (1856-1939) to explain the
process in which the patient, unconsciously, repeat his infantile prototypes, pointing to the
annalist romantic and erotic affections that were experienced before with the primary subjects,
but suffered from settlement and repression, because they caused anguish. The affection genesis
is found in Oedipus complex, in which ambivalent emotions are targeted to parental figures.
Therefore, it is the refresh of unconsciously desires which the patient acts, instead of remember
them. In the meantime, while it becomes an access path to the unconscious, an obstacle emerges
in, threatening the processing, because the patient avoids himself, directing his libido to the
annalist, in order to not deal with his unconscious conflicts. In parallel, the analyst may react,
also unconsciously, to patient’s transfer, materializing what Freud called countertransference,
which makes analysis even more complex. It was when faced with the erotic transference in
clinical practice and the difficulties raised by it, that this work came in order to rescue the
Freudian theory to identify and understand this phenomenon, aiming at the continuation and
success of the treatment. This study becomes relevant not only for professionals in the area of
psychology, but also for other areas of health, as the transfer happens in different contexts and
not just in the analytic setting, however, it was the mentioned playing field and studied . To
illustrate the theory, the case which became reason for this work will be presented. Because it
is a psychotherapeutic process with psychoanalysis, the method consists of clinical observation
and listening, featuring a qualitative research. Finally, we confirm the theories proposed by
Freud and found the importance of rescuing the theory, especially when the psychotherapeutic
treatment is threatened by subjective questions of the patient or the analyst, in order not to
deviate from the real purpose of the analysis: the patient.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7
3 TRANSFERÊNCIA ............................................................................................................. 13
3.1 Contratransferência............................................................................................................. 19
4 METÓDO ............................................................................................................................. 24
ANEXO .................................................................................................................................... 32
7
1 INTRODUÇÃO
desses afetos se encontra nas relações primárias do sujeito com as figuras parentais e a
ambivalência entre eles tem como principal origem o complexo de Édipo – momento pelo qual
o indivíduo vivencia uma relação triangular com as figuras parentais, ora dirigindo os afetos
positivos à figura do sexo oposto e rivalizando contra a figura do mesmo sexo, ora, na sua forma
invertida, comportando-se de forma amorosa com o progenitor do mesmo sexo e rivalizando
com o sexo oposto.
Se, no decorrer do atendimento do paciente, há uma acentuação dos afetos amorosos e
estes se voltam para um erotismo, surge a transferência erótica, objeto de estudo deste trabalho.
Este tipo de mecanismo é, de um lado, positivo devido aos afetos amorosos e eróticos. Contudo,
caracteriza-se também como negativo, uma vez que, inviabiliza a associação livre do paciente
e a atenção flutuante do terapeuta, tirando esse último de seu papel e exercendo, portanto, uma
forte resistência ao tratamento. O analisando, inconscientemente, dirige ao analista seus
impulsos sexuais e eróticos, e este, por sua vez, precisa maneja-los e interpretá-los.
Em 1915, no texto “Observações sobre o amor de transferência”, Freud alerta que o
analista deve reconhecer que a paixão do paciente é induzida pela situação analítica e não pode
ser atribuída aos seus encantos. Contudo, é necessário lembrar que o terapeuta também possui
um inconsciente e este, apesar de ser emprestado para compreender o mundo interior de um
outro alguém, mantêm-se ativo. Por esta razão, há possibilidade de que o analista também
transfira e reviva seus protótipos infantis. Não é em vão que, para o pai da Psicanálise, é
fundamental que o analista se mantenha constantemente em análise, compreendendo a si
mesmo antes de se propor a tratar o outro. No entanto, é mais comum que haja a
contratransferência que se refere à reação do analista frente a transferência do paciente.
Notamos, portanto, que tornar consciente o inconsciente não se resume apenas nas
interpretações por parte do terapeuta. É um processo complexo permeado por barreiras que se
levantam como oposição ao tratamento e que devem ser compreendidas e manejadas. Não
obstante, ainda que surjam espinhos, é possível apreciar as rosas que os acompanham e que
fazem do processo psicanalítico algo encantador para aqueles que se propõem a analisar ou
serem analisados.
Este trabalho tem como objetivo identificar e compreender a transferência erótica,
relacionando a teoria freudiana com a prática clínica a partir da ilustração de um caso clínico.
Contudo, esse estudo torna-se relevante não apenas para a área da Psicologia, mas também para
as demais áreas da saúde, posto que a transferência ocorre em diversos contextos e não apenas
no setting analítico, embora seja esse o campo de atuação mencionado e estudado. Todavia,
9
convém sublinhar que as a razões pelas quais a transferência ocorre, bem como suas
consequências, podem ser diferentes dependendo do ambiente no qual ela se manifesta.
No tratamento psicoterápico, a transferência erótica é uma das formas de resistência ao
tratamento, pois tem como objetivo impossibilitar a expressão do reprimido e sua elaboração,
já que o terapeuta passa a ser alvo de sedução de forma concreta e ativa. O terapeuta, portanto,
pode sentir dificuldades no manejo desse tipo de transferência, sentindo-se constrangido e
incomodado, o que inviabiliza seu raciocínio clínico sobre o caso e, por conseguinte, o
seguimento do processo terapêutico.
10
2 COMPLEXO DE ÉDIPO
35). Para ela, é possível concluir com esse texto que os desejos são universais e são encontrados
tanto em sujeitos neuróticos, quanto naqueles ditos “normais”. Assim como, chama a atenção
o caráter sexual e “natural” dos desejos incestuosos – assim pensado nesta época – visto que,
desde muito cedo, a criança sente-se atraída pelo sexo oposto. Todavia, vinte anos mais tarde,
a partir de diversas alterações em “Três ensaios para uma teoria sexual”, cuja publicação inicial
ocorre em 1905, Freud reformula sua teoria, pois percebe que a mãe é o primeiro objeto sexual,
tanto para a menina, quanto para o menino, sendo o seio materno a primeira fonte de satisfação
e prazer, constituindo-se, portanto, como o primeiro objeto de desejo para a criança.
Ainda na fase inicial de elaboração deste conceito, Freud, nesse texto, fala sobre a
disposição inata da bissexualidade inerente a todos os seres humanos, visto que as escolhas
objetais se formam a partir das disposições inatas da pulsão sexual em conjunto com as
vivências experimentadas por cada indivíduo. Instaura-se, então, em tenra idade, a sexualidade
infantil que, conforme foi citado antes, tem seu ápice no complexo de Édipo. O destino desses
desejos é o recalcamento, o que coincide com o período de latência e estruturação do superego.
Estes desejos são recalcados ou reprimidos, porque à medida que se tornam fonte de
prazer, despertam também desprazer, devido à barreira ao incesto e aquilo que Freud
denominou como “diques”. Conforme Miguelez (2012), foi assim que Freud nomeou “uma
ampla gama de sentimentos capazes de transformar as satisfações sexuais infantis em
experiências desagradáveis e fontes de desprazer. Trata-se da vergonha, do asco, da compaixão,
da estética e dos sentimentos morais”. (p. 46). Quase vinte anos mais tarde, esses sentimentos
e a barreira ao incesto corresponderão ao superego.
Seguindo a cronologia apresentada por Miguelez (2012), observamos que em um
primeiro momento se desenha aquilo que podemos chamar de complexo de Édipo simples ou o
primeiro modelo, definido como puramente positivo ou heterossexual. Contudo, o conceito
assume uma nova caracterização a partir de 1923, em “O Ego e o Id”, posto que é nesse texto
que Freud aborda a possibilidade de um complexo de Édipo composto, ou seja, ao mesmo
tempo positivo (heterossexual) e negativo (homossexual) para ambos os sexos, bem como, a
possibilidade de uma estruturação perversa e não apenas neurótica como antes era mencionado.
Para Freud (1923), “dois fatores respondem a essa complexidade: a natureza triangular da
situação edípica e a bissexualidade constitucional do indivíduo”. (p. 28).
Laplanche e Pontalis (2001), esclarecem que sob a forma dita positiva, o complexo se
apresenta da seguinte maneira: desejo sexual pela pessoa do sexo oposto e desejo de morte do
rival. Em compensação, na forma negativa, apresenta-se de modo inverso, ou seja, amor pelo
progenitor do mesmo sexo e sentimentos hostis ao progenitor do sexo oposto.
12
Os autores citados acima elucidam que entre a forma positiva e negativa, verifica-se
toda uma série de casos mistos em que essas duas formas, coexistem de forma dialética, o que
implica naquilo que Freud denominou como composto, ou ainda, como completo.
Dessa forma, no caso do menino, o complexo ocorre do seguinte modo: inicialmente, o
menino tem como objeto de desejo o seio materno, o qual mais tarde se estenderá para toda a
figura materna, a partir da integração das pulsões e objetos internos e externos. Por volta dos 3
anos de idade, esse desejo será intensificado, de tal forma que o menino dirigirá seus impulsos
libidinais a ela, com a finalidade de conquistá-la para si. Trata-se, deste modo, de uma relação
dual, constituída por mãe e filho. No entanto, a figura paterna marca a presença de um terceiro,
configurando uma relação triangular, ou edípica, pode-se assim dizer. O pai – ou aquele que
assume essa função – é ao mesmo tempo amado e odiado, tornando-se um rival que ameaça a
concretização dos desejos. Quando o menino adquire percepção sobre a diferença anatômica
entre menino e menina, acredita, inconscientemente, que a menina foi castrada e passa a temer
a castração por parte do pai, como punição por seus desejos incestuosos. Instala-se, então, o
complexo de castração, que é designado como causa geral do abandono do complexo de Édipo
nos meninos, segundo Miguelez (2012). O pai representa a lei, a moral e o interdito ao incesto.
A renúncia da mãe e introjeção do pai marcam o declínio do complexo de Édipo, no qual o
superego é seu herdeiro. Portanto, o superego – consciência moral – constitui-se por
interiorização das exigências e das interdições parentais, assim como descreve Laplanche e
Pontalis (2001). Porém, Miguelez (2012) ressalta que o superego não é apenas herdeiro do
complexo de Édipo, mas também se constitui como importante formação reativa contra ele.
Durante um período, como já referido, Freud acreditava que o complexo de Édipo se
desenvolvia de maneira semelhante na menina e no menino. Entretanto, com o decorrer do
tempo e aperfeiçoamento de suas teorias, Freud conclui que o complexo na menina não é
análogo ao do menino. Se no menino, o complexo de castração é a causa geral do abandono do
complexo de Édipo. Na menina, é o complexo de castração que a introduz no complexo de
13
Édipo, uma vez que ao perceber as diferenças entre os órgãos genitais masculino e feminino, a
menina acredita ter sido castrada.
Outra diferença importante entre a maneira como a menina vivencia o complexo de
Édipo se dá pela troca de objeto de amor. Como falamos anteriormente, em ambos os casos, o
primeiro objeto de amor é a mãe. O menino permanece com esta escolha. Não obstante, a
menina migra seu desejo para o pai, já que, segundo suas fantasias, ele pode lhe conceder aquilo
que foi destituído dela: o pênis ou, em outras palavras, o falo, símbolo de poder que, em virtude
de sua ausência, provoca na menina um sentimento de inferioridade e de inveja. Laplanche e
Pontalis (2001) acrescentam que a menina sente a ausência de pênis como “um dano sofrido
que ela procura negar, compensar ou reparar”. (p. 73).
Além disso, na menina há uma mudança na zona erógena, o que não ocorre com o
menino, cuja zona erógena é o pênis. Em um primeiro momento, a zona erógena da menina é o
clitóris, o que na sua fantasia é um pênis que ainda não cresceu. Contudo, com o declínio do
complexo de Édipo e a aceitação da castração, a vagina se tornará também uma zona erógena,
órgão capaz de receber o pênis.
As possibilidades de desfecho no complexo de Édipo são variadas e o modo com o qual
o indivíduo irá transpor essa fase, contribuirá para a base de sua estrutura de personalidade, que
será firmada na fase da puberdade, marcada pela reedição do complexo. Por isso, o que foi
apresentado aqui, é uma breve leitura sob o ponto de vista de uma passagem considerada ideal,
a fim de que o caso clínico apresentado neste trabalho seja melhor compreendido.
Enfim, o complexo de Édipo é um momento fundamental na vivência do ser humano,
posto que representa o interdito ao incesto, promove a inserção na cultura e a introjeção das
normas e valores que nortearão a vida do indivíduo enquanto um ser para si e para a sociedade.
Ademais, desempenha um papel fundamental na estruturação da personalidade, seja ela:
neurótica, psicótica ou perversa, bem como na orientação do desejo humano e suas escolhas
objetais durante toda a vida.
3 TRANSFERÊNCIA
Em 1915, Freud inicia seu texto “Observações sobre o amor de transferência” falando
aos iniciantes da Psicanálise sobre as dificuldades que eles poderiam encontrar ao interpretar
as associações do paciente e cuidar do reprimido. Todavia, Freud disse que as dificuldades
únicas e realmente sérias estão no uso da transferência. Ora, se aquele que fundou a psicanálise
14
reconhece isto, não é novidade que nós, psicólogos, encontremos também dificuldades em
reconhecer e manejar a transferência.
Nem sempre a transferência se expressa de forma explícita. Quanto maior a
profundidade do conteúdo inconsciente, mais sutil ela tende a se apresentar. Contudo, ela se
tornou um dos pilares da psicanálise, pois revela ao analista, de forma atuante e em tonalidades
diversas, os conflitos inconscientes do paciente.
De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), a transferência “designa em Psicanálise o
processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro
de um certo tipo de relação estabelecida e, eminentemente, no quadro da relação analítica”. (p.
514).
Segundo Marion Minerbo (2012), Freud apresenta várias teorias sobre a transferência e
a primeira menção do termo surge em seu texto “A psicoterapia da histeria” datado de 1895.
Entretanto, ainda não se tratava de um conceito, mas sim um fenômeno.
Em 1895, Freud já tinha abandonado a hipnose e “recorria a sugestão, auxiliada pela
imposição das mãos sobre a testa ou pela pressão na cabeça do paciente estendido no divã”.
(LAGACHE, 2012, p. 6), a fim de possibilitar o método catártico, no qual o paciente evocava
e até revivia os acontecimentos traumáticos. No entanto, foram os fracassos dessas técnicas que
o levaram a questionar a relação médico-paciente, porque nem todo paciente era sugestionável
ou hipnotizável. Lagache (2012) assegura que “se todos os pacientes tivessem sido
hipnotizáveis, não teria havido a Psicanálise, e nesse sentido, pode-se sustentar que a
Psicanálise nasceu da resistência e dos efeitos negativos da transferência”. (p. 7).
Tudo ia bem até que, por algum motivo, a paciente parava de falar. Freud
percebeu que havia um obstáculo que não era de natureza interna, mas externa.
Tratava-se de perturbações relacionadas à pessoa do médico. A paciente podia
estar magoada com ele, ou ter medo de se apaixonar e perder sua autonomia.
Ou podiam ter aflorado representações penosas que a paciente transferia para
a pessoa do médico. (MINERBO, 2012, p. 19-20)
Minerbo (2012) relata que em “Interpretações dos sonhos” publicado em 1900 por
Freud, o termo aparece com o sentido de mecanismo, similar ao deslocamento, no qual
transfere-se a carga afetiva de uma representação à outra. A carga afetiva que era originalmente
recalcada ligava-se ao analista, aparecendo de forma disfarçada, assim como no sonho.
Lagache (1990) acrescenta que “em certos casos, com exceção do objeto, a transferência
é idêntica à experiência original; em outros, uma influência moderada, a sublimação,
modificou-lhe a finalidade e o modo de expressão” (p. 11).
15
Que são transferências? São reedições, recriações das moções e fantasias que
a análise desperta à medida que avança. O característico de todo gênero é a
substituição de uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Para dizer de outro
modo: toda uma série de vivências psíquicas anteriores não é revivida como
algo passado, mas como vínculo atual com a pessoa do médico. (p. 101, apud
MINERBO, 2012, p. 25)
sobrepostos, o que implica para a autora em uma desconstrução de categorias temporais que
antes eram definidas.
Segundo explicações e exemplos de Freud, Lagache (1990) descreve que o mecanismo
de transferência supõe: “a) no passado, o recalcamento de um desejo; b) no presente e na relação
com o médico, o despertar do mesmo afeto que, originalmente, forçou ao paciente esse desejo
clandestino” (p. 9).
Em 1912, Freud publica um texto sobre a transferência, o qual intitula como “A
dinâmica da transferência”. Segundo o autor, “todo ser humano, pela ação conjunta de sua
disposição inata e de influências experimentadas na infância, adquire um certo modo
característico de conduzir sua vida amorosa” (p. 101), o que resulta para o autor num clichê (ou
vários), que é repetido no curso da vida. E aqui, cabe ressaltar que não se trata de vida amorosa
no sentido romântico, mas sim a um campo mais amplo e geral dos relacionamentos afetivos
do sujeito.
A partir de suas observações, Freud nos explica que apenas uma parte dos impulsos
libidinais que determinam a vida amorosa são dirigidos para a realidade, ficando à disposição
da personalidade consciente e constituindo-se como porção desta. A outra parte pode se
expandir na fantasia ou permanecer toda inconsciente. Para o autor:
antagonismo, pois, ao passo que, forças psíquicas visam a cura, outras se opõem a ela. Segundo
Freud, a intensidade e duração da transferência são efeitos e expressão da resistência.
O autor ainda nos apresenta a razão pela qual a transferência se torna um meio de
resistência:
artificial em que tendem a organizar-se as manifestações de transferência [...] é uma nova edição
da neurose infantil. Sua elucidação leva à descoberta da neurose infantil” (p. 309), estrutura que
precede os sintomas e causa sofrimento. Minerbo (2012) esclarece que “Já não são as
transferências positivas ou negativas que se depositam sobre o analista, mas um modo de ser –
a própria neurose – que se reproduz na análise”. (p. 51).
O analisando repete todo o passado esquecido, tudo aquilo que foi reprimido ou
recalcado. Encontram-se sobrepostos, passado e presente, criança e adulto, portanto, sua
doença, de acordo com Freud (1914), não deve ser tratada como um assunto histórico, mas
também como algo atual. Do mesmo modo, o paciente vivencia seus sintomas de forma real e
atual e o papel terapêutico do analista, então, é reconduzi-lo ao passado, sabendo que é “do
arsenal do passado que o doente retira as armas com que se defende do prosseguimento da
terapia” (FREUD, 1914), as quais o analista tem que identificar e arrancar uma por uma.
O papel do terapeuta consiste, portanto, em identificar e compreender o tipo de
transferência que o analisando estabelece com ele, bem como, maneja-la, interpretando-a ao
paciente. Mais do que isso: “O analista se esvazia de sua ‘pessoa real’ (de seus juízos de valor,
opiniões pessoais, desejos, necessidades e até das dores relacionadas as circunstâncias presentes
de sua vida) e disponibiliza apenas a ‘matéria viva de seu psiquismo’. (MINERBO, 2012, p.
13).
A fim de compreender o que se passa com o analisando, o analista “empresta” seu
psiquismo. Enquanto o paciente se entrega à associação livre, falando aquilo que lhe vem à
mente, o terapeuta, entrega-se à atenção flutuante, não priorizando qualquer elemento do
discurso do paciente, o que implica em um funcionamento o mais livre possível de sua atividade
inconsciente.
É, então, a partir de uma leitura do discurso, gestos e atitude do paciente, que o analista
é capaz de identificar a transferência e entender as razões pelas quais ela se manifesta. Cabe, ao
terapeuta, saber o momento certo de intervir, devolvendo a sua leitura em forma de
interpretação ao paciente e trazendo, então, à tona aquilo que até então era desconhecido.
Segundo Freud (1915), “é preciso dar tempo ao paciente para que ele se enfronhe na resistência
agora conhecida, para que a elabore, para que a supere, prosseguindo o trabalho apesar dela,
conforme a regra fundamental da análise”. (p. 154).
Freud completa que o analista deve esperar e deixar as coisas seguirem um curso que
não pode ser evitado, tampouco, acelerado e finaliza dizendo: “Na prática, essa elaboração das
resistências pode se tornar uma tarefa penosa para o analisando e uma prova penosa de paciência
19
para o médico. Mas é a parte do trabalho que tem o maior efeito modificador sobre o paciente”.
(p. 155).
3.1 Contratransferência
complexos e resistências internas lhe permitem”. (1910, apud Laplanche e Pontalis, 2001, p.
102).
Constatamos, portanto, que se a transferência tem algo a dizer sobre o paciente, a
contratransferência – ou transferência, como vimos–, também pode revelar aspectos
importantes sobre o analista. Não obstante, o que se refere ao analista deve ser identificado e
trabalhado em análise pessoal, de maneira que ao assumir este papel, o terapeuta mantenha-se
o mais neutro possível, a fim de não se desviar do seu objetivo: o paciente.
Desse modo, ocorre uma intensificação dos afetos amorosos, os quais se inclinam para
uma vertente mais erótica e sexual. “Tal sentimento pode ser classificado como transferência
positiva se permanecer em nível moderado; converte-se em resistência se ficar excessivamente
21
intenso ou cair na hostilidade”. (LAGACHE, 1990, p. 25). Não obstante, esse modo peculiar de
transferência pode se apresentar de maneira clara ou sutil. Suas nuances são diversas, mas seu
objetivo é sempre o mesmo.
O terapeuta, neste caso, é tirado do seu lugar de profissional e torna-se o objeto de paixão
do paciente. Sendo assim, há uma mudança de cenário. O setting, antes caracterizado como o
encontro do paciente com ele mesmo, reveste-se de um clima de sedução, no qual o paciente,
inconscientemente, desvia o foco de si para o terapeuta, deixando de mostrar os sintomas ou
não lhes dando atenção. Por vezes, pode até dizer que está curado.
Constatamos, pois, que o paciente, que deveria não desejar outra coisa senão
encontrar uma saída para seus penosos conflitos, desenvolve especial interesse
pela pessoa do médico. Tudo o que se relaciona ao médico parece mais
importante para ele, do que seus próprios assuntos, e parece desviá-lo de sua
própria doença. (FREUD, 1916, p. 132).
esse amor, ela depara-se com ele, serve-se dele e se intensifica. Apesar disto, a transferência
erótica, assim como as outras, revela, o que o ego tenta ocultar.
Compreendemos, dessa forma, que a transferência erótica nada tem a ver com o
terapeuta. Pelo contrário, ela torna explícito, ainda que sutilmente, o inconsciente do paciente,
o qual não tem noção das razões pelas quais se enamora do analista. Ao reconhecer isto, o
analista terá mais condições de voltar para o lugar do qual o paciente o retirou e se distanciar
dos investimentos amorosos e eróticos os quais são dirigidos para si e que acabam por
constranger e incomodar, dificultando a atenção flutuante e, por conseguinte, a condução da
sessão.
Cabe, então, ao terapeuta manejar a transferência e interpretá-la, no momento adequado,
ao paciente, trazendo à luz aquilo que até então estava oculto. Minerbo (2012) relata que o
analista tem que ser, ao mesmo tempo, objeto e intérprete da situação na qual está implicado.
Entretanto, reconhecer, manejar e interpretar a transferência erótica não são tarefas fáceis. É
um terreno fértil, mas difícil de caminhar, que demanda cautela, porque qualquer deslize pode
intensificar a resistência.
Freud (1915), aconselha que nunca se deve aceitar ou corresponder a paixão do paciente,
tampouco recusá-la. O terapeuta deve, assim, seguir aquilo que ele chama de regra de
abstinência, cuja definição será apresentada a seguir:
Regra da prática analítica segundo o qual o tratamento deve ser seguido de tal
modo que o paciente encontre o menos possível de satisfações substitutivas
para os seus sintomas. Implica para o analista o preceito de se recusar a
satisfazer os pedidos do paciente e a preencher efetivamente os papéis que este
tende a lhe impor. (LAPLANCHE E PONTALIS, 2001, p. 3).
23
Freud (1926) considera uma estultice tentar fugir das dificuldades que a transferência
erótica apresenta, fugindo ou negligenciando-a. Segundo ele, seria como se alguém invocasse
espíritos e fugisse, assim que eles aparecerem, o que resultaria em um ato de covardia. Todavia,
ceder e atender os desejos do paciente, não é só proibido moralmente, como totalmente ineficaz.
“O neurótico não pode ser curado por lhe ser permitido reproduzir estereótipos incorretos e
inconscientes que nele estão à mão”. (FREUD, 1926, p. 142). A cura, na Psicanálise – e cabe
aqui, destacar que esse termo se distingue da medicina, por exemplo – resulta da transposição
do conflito inconsciente para a consciência e na elaboração deste, de modo que, haja uma
ampliação da consciência do sujeito e, por consequência, uma melhora na sua qualidade de
vida. Não se trata, portanto, na extinção dos conflitos psíquicos, mesmo porque isto equivale
ao morrer, mas sim na busca de um equilíbrio que permita ao sujeito viver bem consigo mesmo
e com o meio que o cerca.
Para Freud (1916), supera-se a transferência, mostrando ao paciente que “seus
sentimentos não se originam da situação atual e não se aplicam à pessoa do médico, mas sim
que eles estão repetindo algo que lhe aconteceu anteriormente. Desse modo, obrigamo-lo a
transformar a repetição em lembrança”. (p. 135).
4 METÓDO
Conforme descrito por Roudinesco e Plon (1998, p. 603), a Psicanálise é “um método
particular de psicoterapia [...] pautado na exploração do inconsciente com a ajuda da associação
livre, por parte do paciente, e da interpretação, por parte do psicanalista. Trata-se, seguindo a
definição destes autores, de um método terapêutico, uma organização clínica e uma técnica
psicanalítica.
Laplanche e Pontalis (2001, p. 384) acrescentam que a Psicanálise se refere à um método
de investigação que consiste “essencialmente em evidenciar o significado do inconsciente das
palavras, ações e das produções imaginárias de um sujeito”.
Portanto, o método a seguir no presente trabalho consiste na observação clínica e escuta,
visto que o material a ser analisado provém do discurso do sujeito que se submete a análise,
caracterizando-se assim como uma pesquisa qualitativa.
A partir da escolha de um caso clínico atendido no ambulatório de Psicologia do
Hospital do Servidor Público Estadual durante o curso de aprimoramento profissional no ano
de 2015, buscou-se identificar e compreender a transferência erótica, com a finalidade de
estabelecer relações entre a teoria freudiana e a prática clínica e, assim, aperfeiçoar os
atendimentos realizados, visando sempre a melhora da qualidade de vida do paciente.
Com o intuito de preservar o sigilo do caso em discussão, o nome do paciente foi trocado
por um nome fictício, assim como alguns dados pessoais foram omitidos e alterados. Durante
o andamento deste trabalho, o atendimento foi encerrado. Dessa forma, as informações foram
retiradas do prontuário e arquivo da Seção de Psicologia.
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O paciente, então, tinha uma relação mais próxima com a sua mãe, sendo ela marcada
por muito companheirismo e confiança, mas que se assemelhava a uma relação de casal, em
virtude da dinâmica que os dois mantinham na casa. Isso foi apontado para o paciente, que não
hesitou e concordou, sorrindo com satisfação. O relacionamento com o seu pai, por sua vez, era
visto como distante, sendo a figura paterna sentida como ausente. Sua ausência ficou evidente
nas sessões, pois Rafael pouco falava de seu pai.
Percebemos, portanto, a permanência de um cenário edípico, caracterizado por uma
relação triangular entre filho, mãe e pai. O pai, figura de autoridade e representativo da lei,
tornou-se ausente, concreto e simbolicamente, dando espaço para que Rafael,
inconscientemente e de maneira simbólica, assumisse o papel de marido e homem da casa.
Contudo, a superproteção da mãe e o modo com o qual ela invadia a privacidade de Rafael,
mobilizaram sentimentos de raiva, corroborando com o que Freud classificou como complexo
de Édipo composto, no qual afetos ambivalentes são dirigidos a ambas figuras parentais.
Ao passo que, esses conteúdos surgiram no discurso do paciente, seu comportamento e
fala para com a terapeuta modificaram, sinalizando os primeiros sinais de uma transferência
erótica. Rafael sorria constantemente para terapeuta e quando indagado o motivo pelo qual
apresentava tal comportamento, dizia: “Nada não! ” (Sic). Além disso, começou a demonstrar
interesse pela terapeuta, como por exemplo, quando perguntou: “Você é novinha, né? ” (Sic).
O setting revestiu-se de um clima de sedução, no qual o paciente dirigia, sutilmente,
seus interesses para a terapeuta e não mais para a resolução de seus conflitos. Desta forma, a
figura materna ganhou corpo na analista e os afetos eróticos e amorosos oriundos dessa relação
primária, passaram a ser direcionados para a mesma.
Como esclareceu Freud, a confissão de todo desejo proibido é dificultado quando deve
ser feito à própria pessoa. Ora, não é de se admirar então que tais elementos inconscientes
começaram a surgir no momento em que a mãe apareceu no discurso do paciente, deixando de
lado o foco no sintoma.
Não obstante, o paciente prosseguiu resistente ao tratamento. Se antes, a resistência
traduzia-se em uma ideia fixa na desatenção, agora, ela se revelava por meio da transferência
que o paciente estabelecia com a terapeuta, o que era um elemento dificultador para a
continuidade do tratamento, em conformidade com a teoria concebida por Freud.
A contratransferência, por sua vez, foi sentida como mal-estar e incômodo, o que
dificultava o raciocínio clinico da analista, uma vez que as investidas do analisando a tiravam
de sua função profissional, transformando-a não apenas na figura materna, mas em objeto de
amor e, por conseguinte, de atenção e interesse.
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Talvez, Rafael esperasse da terapeuta o mesmo de sua mãe, que ela fosse lhe dizer o que
fazer, lhe proteger ou invadir o seu quarto – simbolicamente falando –, correspondendo às suas
expectativas amorosas e erotizadas. No entanto, seguindo Freud, o analista não pode aceitar ou
corresponder ao amor transferencial, sequer recusá-lo, mas sim seguir a regra de abstinência, o
que significa que o paciente deve encontrar o menos possível de satisfações substitutivas para
os seus sintomas.
Ao passo que, os conflitos com a mãe foram sendo trabalhados, foram surgindo também
conflitos oriundos da relação com a figura paterna, representados por figuras de autoridade,
sobretudo, com os chefes e professores. Rafael não só buscava referências masculinas externas
ao seu núcleo familiar, como também se sentia ameaçado por elas, disputando sempre um lugar
superior, o que, mais uma vez, reforçava a existência de um conflito edípico, permeado por
afetos ambivalentes.
A representação da figura paterna também ganhou traços na terapeuta, já que os limites
foram sendo colocados, o que delimitava os papéis a serem assumidos, bem como a interdição
de uma relação proibida entre analista e analisando, correspondente a relação incestuosa com a
mãe. Um exemplo disso foi o dia no qual Rafael demonstrou interesse em incluir a terapeuta
em seu grupo social, perguntando: “Seria invasivo se eu pedisse o seu Whatsapp ou Facebook?
” (Sic). A terapeuta devolveu a questão, perguntando o que ele achava e ele acrescentou: “Ah,
não seria legal. Seria invasivo, porque aqui a gente está numa relação entre paciente e
profissional”. (Sic). Dessa forma, Rafael não só expressou o seu pensamento para a terapeuta,
como também facilitou a intervenção posterior, no qual foram estabelecidos limites, necessários
não só para o trabalho, mas para a elaboração dos conflitos com as figuras parentais, de forma
mais direta, com a mãe.
Portanto, apesar da transferência erótica não ter sido interpretada ao paciente, devido à
duração do tratamento, ela foi manejada e trabalhada a partir do relacionamento com a mãe,
pois, como já vimos, ela consistia nada mais do que a repetição dessa vivência infantil.
Concomitantemente, a determinação de limites e papéis constituíram-se como importantes
intervenções, o que simbolizou, o início de uma separação entre mãe e filho.
Se de um lado, Rafael queria crescer. Do outro, ele se mostrava inseguro e infantil,
aceitando a posição na qual a mãe o colocava. Contudo, o paciente foi adquirindo uma melhor
percepção de si e do meio circundante. Se antes, ele mantinha-se em um pensamento puramente
concreto, deu a si mesmo a possibilidade de pensar de maneira mais ampla, o que lhe permitiu
refletir e simbolizar e, por conseguinte, elaborar os conflitos psíquicos dos quais se deu conta.
Portanto, o espaço terapêutico lhe possibilitou os primeiros passos na direção elaborativa de
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sua problemática e, com isso, passos importantes na condução da mais difícil das danças, sua
própria vida.
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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos, portanto, que o fenômeno da transferência erótica nada tem a ver com o
analista, mas sim com o próprio paciente, uma vez que revela de forma atuante, seus conteúdos
inconscientes que, outrora, foram recalcados ou reprimidos.
No caso discutido, o paciente, inconscientemente, repetia e atualizava, no setting, seus
desejos inconscientes em relação à mãe, revelando não apenas o desejo incestuoso, mas o medo
da castração despertado por figuras de autoridade, representativas da figura paterna, o que
indicava a existência de um conflito edípico, ainda não elaborado completamente por Rafael.
Se de um lado, o paciente demonstrara seu amor pela mãe e satisfação em ocupar o lugar
do pai. Por outro, deixara transparecer também a raiva, pois sua mãe também o tratava como
uma criança pequena, mantendo-o em uma posição infantil, o que impossibilitava seu
crescimento, autonomia e independência. Concomitante a isso, o paciente demonstrara carinho
e saudade em relação ao pai, bem como raiva por sua ausência, embora manifestara desejo de
mantê-lo distante. Verificamos, assim, um conjunto de afetos ambivalentes direcionados às
figuras parentais, em conformidade com a teoria proposta por Freud, os quais foram transferidos
à terapeuta. Ora, representando a mãe. Ora, representando o pai.
Isso nos faz refletir que a análise ganha uma dinâmica própria, assim como o inconsciente,
posto que o setting é o espaço que o paciente tem para entrar em contato consigo mesmo,
mergulhando, através do intermédio do analista, em suas próprias profundezas. Sendo assim,
não há uma dicotomia entre certo ou errado, passado ou presente, criança ou adulto. O papel do
analista, então, é muito mais do que interpretar. É emprestar seu psiquismo com a finalidade de
compreender o outro. É mergulhar no desconhecido em conjunto com o paciente, tornando-se
não somente ator e intérprete da situação na qual está inserido, mas um facilitador do processo
de análise.
Por essa razão, resgatar a teoria foi fundamental para o êxito do tratamento, pois as
premissas apresentadas por Freud, corroboradas neste estudo, contribuíram para que a analista
retornasse ao lugar da qual foi destituída, assumindo sua posição e condução no tratamento,
cujo mergulho não deve desviar-se nunca do seu objetivo: o paciente.
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ANEXO