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Gostaria de deixar claro que esta é uma forma, uma das possibilidades de
pensar a passagem ao divã. Mas, também há outras, ainda bem.
Formalizarei então o que penso ser uma entrada em análise a partir de alguns
"passos" necessários no percurso de uma análise.
Vamos lá:
Os passos seriam, a princípio o seguinte:
5 - A passagem ao divã.
Notem que não coloco aqui uma transferência segunda. Mas é fato que esta
primeira transferência não se sustenta durante o percurso, por isso "uma
primeira". O que seria uma segunda transferência?
Vejam que neste percurso todo, o móvel divã é apenas a última parte. Até
então serve para colocar as bolsas, as roupas, as máscaras. E vou por aí.
O divã é onde a gente tira a máscara.
Mas não a tira de qualquer forma, as vezes tenho a sensação que, nos dias de
hoje, antes mesmo do covid, talvez desde sempre, é mais fácil ir pra cama do
que tirar a máscara no divã. E põe mais fácil nisso, dependendo da máscara
que se coloca é possível até fingir o que o outro quer.
A questão é que no percurso de análise, não apenas a máscara cai, como sua
sustentação se torna impossível. A máscara cai quando as fichas começam a
cair. Atentem-se a isso, a máscara cai, não é o analista quem a tira. Se
podemos continuar com a metáfora, o analista a põe para que seja possível
sustentar a transferência.
Essas fichas que vão caindo com o passar em palavras aquilo que a gente
vive, aquilo que a gente sente, chamo de entrevistas preliminares.
Notem bem que é necessário um tempo. É muito belo que Freud tenha
descoberto que uma das características do inconsciente é que ele seja
atemporal. Mas chegar até ele, despir-se das máscaras, descobrir que não se
quer mais viver assim, que quer ser outro, ou que quer morrer, que quer outra
coisa, para tudo isso leva tempo, e o tempo da análise deve necessariamente
respeitar o tempo de cada um.
Cuidemos deste pedido. As vezes é necessário ainda um tempo aqui, para que
fique claro os lugares que o analista e aquele que está entrando em análise
irão ocupar. A cena montada pelas palavras ditas durante as entevistas
preliminares coloca o analista no lugar de pai, de mãe, de chefe? Ou ainda, a
cena montada pode ser verificada como a construção do discurso do mestre ou
do discurso do universitário? Isso também tem lá sua importância, visto que a
rigor a entrada em análise depende do reposicionamento do lugar ocupado
pelo paciente para que se produza o discurso da histérica. Podemos dizer que
a entrada em análise mais tem a ver com a histericização do discurso do que
qualquer outra coisa.
Quero deixar isso muito claro, embora o pedido seja feito, há pessoas que, por
mais que o analista intervenha, a histericização do discurso não se produz.
Aqui, não há análise possível, mas nem por isso deixamos de escutar até que
uma das duas coisas aconteça: ou o paciente vai embora sentido-se ao menos
acolhido, ou entra de fato em análise a partir de um ato do analista que faz ele
se interrogar e percer que a máscara já não lhe cabe mais.
Creio que já perceberam que quase deixo o divã de lado, e isso tem um motivo.
Há muito mais coisas a se considerar teoricamente do que simplesmente o
momento de mandar, convidar ou empurrar o paciente divã abaixo. Estou
colocando aqui uma série de elementos para que possamos pensar juntos,
após esta parte da explanação teórica e também para provocá-los no sentido
de não dar tudo de mão beijada, mas mostrar que há um mapa e que esse
mapa deve ser atualizado a cada sessão, a cada paciente.
Para trazer mais um interrogante, se me permitem, irei dizer dos casos em que
o analisantes depois de um tempo no divã se levantam, sentam, voltam para a
poltrona. Como interpretar selvagemente algo que é da ordem da própria
condição particular da análise? Como dizer que ali todos esses atos
respresentam ou simbolizam a mesma coisa?
Bom, para colocar mais lenha na fogueira e nos trazer certa prudencia, da
mesmíssima forma que eu não posso dizer que todos que saem do divã saem
pelos mesmos motivos, é impossível que se passem todos os pacientes para o
divã pelos mesmos motivos. No entanto, é possível balizas teóricas que nos
oriente nesse percurso.
Para encerrar minha parte neste rico diálogo, faço um pequeno resumo do que
entendo ser importante para que pensemos em cada caso, e que, o analista
possa tomar consigo o risco de, autorizado por seu ato, escolher o melhor
momento desde que se verifique a possibilidade da passagem ao divã de
acordo com a teoria que orienta seu trabalho.
Neste sentido temos então a procura de um psicanalista por um padecente, o
inicio da conversa que é marcado pela função das entrevistas preliminares, a
construção de uma demanda de análise que vai se formulando conjuntamente
com uma transferência analítica propriamente dita, neste percurso, equanto o
jogo vai seguindo, vai nos ficando claro qual o discurso está sendo montado e,
com isso, vai nos abrindo a possibilidade de intervir para produzir a
histericização do discurso. Somente aqui, quando a cama está montada, é que
é possível de se convidar o paciente a ocupar o leito, de despir-se das
máscaras uma vez que o discurso da histérica tem como ponto principal a
marca de que alguém que não sabe que sabe do que sofre, quando na relação
com um outro que não sabe do que o outro sofre, é convidado a dizer e
produzir um saber sobre isso que o habita e que está sob a barra do recalque.
Aqui, neste ponto, verificamos a associação livre de ideias, a regra fundamental
freudiana que é condição para que uma análise se dê. Regra que é sustentada
pelo desejo de analista e que é o próprio analista no exercício de sua função
quem a garante. Mas isso é assunto para um próximo encontro.