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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DANIELLE FERREIRA BASTOS

TODA CRIANÇA É QUEER?


“Ou isto ou aquilo”

Niterói-RJ
2023
DANIELLE FERREIRA BASTOS

TODA CRIANÇA É QUEER?


“Ou isto ou aquilo”

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial à
obtenção do título de Mestra em
Educação.

Linha de Pesquisa Diversidade,


Desigualdade Social e Educação

Orientadora:
Marília Etienne Arreguy

Niterói - RJ
2023
1

DANIELLE FERREIRA BASTOS

TODA CRIANÇA É QUEER?


“Ou isto ou aquilo”

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial à
obtenção do título de Mestra em
Educação.

Linha de Pesquisa Diversidade,


Desigualdade Social e Educação

BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profa. Dra. Marília Etienne Arreguy
Orientadora
Universidade Federal Fluminense - UFF

_________________________________________
Prof. Dr. José Antônio Sepulveda
Universidade Federal Fluminense - UFF

_________________________________________
Prof. Dra. Fernanda Ferreira Montes
Universidade Federal Fluminense - UFF

_________________________________________
Profa. Dra. Laura Chacón Echeverría
Universidad de Costa Rica

___________________________________________
Profa. Dra. Denize de Aguiar Xavier Sepulveda - Suplente
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ/FFP

Niterói - RJ
2023
2
3

OU ISTO OU AQUILO

OU SE TEM CHUVA E NÃO SE TEM SOL,


OU SE TEM SOL E NÃO SE TEM CHUVA!
OU SE CALÇA A LUVA E NÃO SE PÕE O ANEL,
OU SE PÕE O ANEL E NÃO SE CALÇA A LUVA!

QUEM SOBE NOS ARES NÃO FICA NO CHÃO,


QUEM FICA NO CHÃO NÃO SOBE NOS ARES.

É UMA GRANDE PENA QUE NÃO SE POSSA


ESTAR AO MESMO TEMPO NOS DOIS LUGARES!
OU GUARDO O DINHEIRO E NÃO COMPRO O DOCE,
OU COMPRO DOCE E GASTO O DINHEIRO.
OU ISTO OU AQUILO: OU ISTO OU AQUILO...
E VIVO ESCOLHENDO O DIA INTEIRO!

NÃO SEI SE BRINCO, NÃO SEI SE ESTUDO,


SE SAIO CORRENDO OU FICO TRANQUILO.
MAS NÃO CONSEGUI ENTENDER AINDA
QUAL É MELHOR: SE É ISTO OU AQUILO.

(Cecília Meireles, 1964)


4

Dedico esta pesquisa a todas as crianças que se


inventaram queer.
5

GRATIDÃO

Sou porque somos


São tantas as pessoas que contribuíram com o avanço desta pesquisa que posso
afirmar que ela foi escrita por várias mãos.
A Deus por permitir que minha mente não permanecesse no vazio conservador e
avançasse para uma leitura queer do mundo, dos seus sujeitos e de mim.
À Marília Etienne Arreguy, Orientadora atenta e cuidadosa. Mulher de coragem que
enfrenta o mundo e permanece sempre voltada à defesa das minorias. Cada encontro foi um
aprendizado.
Ao Professor José Sepúlveda, pela grandeza de ser humano que é. Conhecê-lo me fez
acreditar em uma Academia para todas, todos e todes!
Aos professores e professoras da Banca de Qualificação e da Defesa, pelas
importantes intervenções que aprimoraram meus sentidos sobre a temática da pesquisa.
Ao Grupo de Orientação Coletiva. Falar com vocês e ouvi-los me fez crescer.
À minha esposa e minha sorte Adriana Pereira por pacientemente sentar comigo para
assistir minhas formações e emendar em um debate sempre caloroso sobre as mudanças que
precisamos efetivar no mundo.
Às minhas Diretoras Flávia Nunes e Joana D’arc do Rosário. Sem a parceria de cada
uma eu nem começaria o Mestrado.
À Danielle Gama pelo incentivo e torcida diária.
À Renata Tordoya por me presentear com o meu primeiro livro com a temática queer.
À Simone Lima por debater comigo cada estranheza que eu seguia descobrindo em
minhas leituras.
À Margareth Paixão. Minhas terças-feiras foram de aprendizado porque assim você
permitiu.
À minha Equipe de trabalho: Divina Bárbara, Judith Fernandes, Ingrid Pereira, Iranir
Regina e Renan Carlo, com o apoio de vocês consegui concluir esta etapa da vida.
Às queridas Romã Neptune e Bruna Canellas por me dedicarem palavras de ânimo e
crença na nossa força em nos tornarmos Mestras.
Às minhas irmãs Lúcia Helena Bastos, Leila Bastos, Léa Bastos e sobrinhas Laís
Bastos e Carolina Bastos por utilizarem por diversas vezes a palavra “orgulho” para se
referirem à minha caminhada acadêmica.
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RESUMO
BASTOS, Danielle Ferreira. TODA CRIANÇA É QUEER? “OU ISTO OU AQUILO”.
2023. 114 fl. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2023.

Esta pesquisa se constrói a partir dos pressupostos da Teoria Queer e das contribuições da
psicanálise para a educação a fim de discutir como um professor ou uma professora podem
compreender a criança que narra suas experiências queer na educação infantil. Por meio da
pesquisa bibliográfica que possibilitou um amplo alcance de informações, o estudo pretendeu
divulgar a existência da criança que bagunça as normas de sexualidade e gênero na escola e
por isso, movimenta o imaginário dos professores que de forma inconsciente se deixam afetar
pelas normatizações, limitando a criança na expressão fluida de sua sexualidade. Foram
visitados tanto textos-chave de Freud quanto de Foucault como forma de fundamentar a
discussão sobre a temática. Autores contemporâneos como Butler e Louro, contribuíram com
a reflexão acerca da implementação de uma Pedagogia Queer para o acolhimento dessa
criança. A discussão é apresentada no texto por meio das “vinhetas escolares”, que são
narrativas dos encontros entre os professores e essa criança que ora se apresenta como “isto”,
ora se apresenta como “aquilo” no desafio de não se render ao que a norma escolar espera
dela.
Palavras-chave: psicanálise e educação; teoria queer; criança queer; sexualidade infantil.
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ABSTRACT
BASTOS, Danielle Ferreira. IS EVERY CHILD QUEER? “EITHER THIS OR THAT”.
2023. 114 fl. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2023.

This research is built from the assumptions of Queer Theory and the contributions of
psychoanalysis to education in order to discuss how a teacher can understand the child who
narrates his queer experiences in early childhood education. Through bibliographical research
that allowed a wide range of information, the study intended to disclose the existence of the
child who messes up the norms of sexuality and gender at school and, therefore, moves the
imagination of teachers who, unconsciously, let themselves be affected by norms, limiting the
child's fluid expression of sexuality. Both Freud's and Foucault's key texts were visited as a
way of substantiating the discussion on the subject. Contemporary authors such as Butler and
Louro contributed to the reflection on the implementation of a Queer Pedagogy for the
reception of this child. The discussion is presented in the text through the “school vignettes”,
which are narratives of the encounters between the teachers and this child who sometimes
presents himself as “this”, sometimes presents himself as “that” in the challenge of not
surrendering to what the school norm expects from him.
Keywords: psychoanalysis and education; queer theory; queer child; infant sexuality.
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SUMÁRIO
I PARTE
“Vou andando pela sala...” ....................................................................................................10
Caminhos Metodológicos......................................................................................................17
Para início de conversa..........................................................................................................21

II PARTE
Teoria Queer e a criança: qual o lugar da criança no mundo?...............................................25
Vasta, diversa e não linear: as Teorias Queer........................................................................30
Movimentos Queer.................................................................................................................35
Em terras brasileiras: uma teoria de combate?.......................................................................49

III PARTE

Pink Freud: o que quer uma criança queer?...........................................................................44


A invenção da criança como artefato biopolítco....................................................................56
Foucault na sala de aula: combatendo a prática de biopoderes locais...................................61
Por uma Pedagogia Queer: o que a psicanálise tem a ver com isso?....................................67

IV PARTE

O professor melancólico......................................................................................................77
As caixinhas moldadoras de professores.............................................................................83
Quem autorizou o professor a enunciar o futuro da criança?..............................................90
Reinventando o professor....................................................................................................94

V PARTE

Considerações sem fim.......................................................................................................98


Referências Bibliográfica..................................................................................................102
10

I PARTE

“Vou andando pela sala...”

Todos os dias no fim da aula, eu como professora da educação infantil entoava a


canção: “vou andando pela sala, pela sala vou andando procurando uma criança bem bonita
para eu beijar... Já achei! Já achei! É a Maria, a Joana, o Samuel, o André... 1 Que eu vou
beijar.” Uma criança de cada vez. No fim da cantoria, sempre uma criança queria
reproduzir a música, os meus passos e todas as vezes que o Rafael pedia para cantar, só
se permitia beijar os meninos. Mesmo nos dias quentes de verão, Rafael ia para a escola
com casaco. O intuito era amarrá-lo à sua cabeça para “fazer” cabelos longos. E assim, ele
estava pronto para o show. Seu repertório preferido era o da cantora Beyoncé. Ele
cantava pela sala: “All the single ladies (All the single ladies) ... Whoa, oh oh, oh...” As
meninas da turma se divertiam muito com ele. Os meninos, muitas vezes, o repeliam e os
professores da unidade escolar de educação infantil se colocavam como os adultos
preocupados com o futuro do Rafael.
A “vinheta escolar”2 apresentada fez parte de um cotidiano escolar de uma turma da
faixa-etária de 05 anos de idade da Educação Infantil de uma Creche e Pré-Escola pública de
um município da Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro3, da qual fiz parte como
professora regente durante o ano da década de 2010.
Meu percurso na Educação se iniciou há aproximadamente 20 anos. Segui meus
estudos me graduando em Pedagogia, sempre interessada na educação infantil. Quando iniciei
minha caminhada em busca da matrícula na rede pública, fiz um concurso com vagas voltadas
para a educação infantil na Rede Municipal de Duque de Caxias e logo fui chamada a tomar
posse na Rede Municipal de Mesquita, também na educação infantil. Passei pela creche e pré-
escola na Rede Municipal de Magé e optei por permanecer apenas em um dos municípios da

1 Os nomes das crianças apresentadas nas “vinhetas escolares” que seguem no texto deste trabalho, foram
alterados para preservar suas identidades.
2 As “vinhetas escolares” têm a característica de serem construídas por memórias e impressões daquilo que foi
vivido, portanto, portam um caráter ficcional inerente aos processos mnemônicos conscientes e, sobretudo,
inconscientes. Essa metodologia de pesquisa, pensada no seio de uma práxis psicanalítica, vem sendo
desenvolvida por pesquisadores do Grupo Alteridade Psicanálise Educação - GAP(E)/CNPq-UFF, de que faço
parte, liderado pela Professora Marília Etienne Arreguy, Orientadora deste estudo.
3 No sentido de respeitar a vertente ética da pesquisa, no texto será preservado o anonimato das instituições
escolares.
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Baixada Fluminense até participar do concurso do município do Rio de Janeiro, no qual atuo
até hoje. Nestas andanças entre um município e outro, convivi com o Rafael e com diversas
outras crianças em Creches e Pré-Escolas nos municípios nos quais fui servidora. Conheci
essas crianças que aos olhos e nas palavras dos adultos que as rodeavam, eram muito “alegres,
despachadas e desafiadoras”. Também pude ouvir as histórias de outras crianças narradas por
seus professores e agentes de creche, ora animados com suas performances musicais, falas e
comportamentos; ora abismados com a criatividade, muitas vezes, levando a que fossem
tolhidas. Quem eram essas crianças tão espontâneas? Como se sentia o curioso menino que
sempre chorava quando lhe recusavam o deslocamento pela creche no “trem das meninas” e
que dizia que quando crescesse queria ser a Barbie? E como os professores da “estranha”
menina deveriam lidar com ela, que se negava a brincar de bonecas com as suas amigas para
jogar futebol com os meninos?
Sempre me intriguei com a forma que poderia ou deveria lidar com essas crianças,
seus amigos e familiares. Hoje este questionamento se tornou um grande incômodo quando eu
não possuo a melhor resposta para conversar com a família que indaga sobre a criança na
escola ou quando ouço os relatos dos professores do menino que solicitavam a ele que
interrompesse seu processo criativo, quando seu desejo era somente de dançar, brincar e
integrar-se ao seu grupo de amigos que não o via como diferente.
Iniciei então, minha busca e interesse pelo tema pouco divulgado e conhecido entre
os profissionais da educação infantil: os estudos queer.
No fim dos anos 1980, surgiu nos Estados Unidos a Teoria Queer que veio
possibilitar a construção de novas pedagogias que não investem apenas em uma perspectiva
binária de gênero e sexualidade, se esforçando para pensar novas estratégias pedagógicas não
normativas e, como um campo moderno, surgiu a possibilidade da criação de uma Pedagogia
Queer. A pedagogia queer “longe de pretender atingir um sujeito ideal, assumiu um caráter
inconcluso e incompleto” (LOURO, 2001b, p. 552), tal como são as infâncias na educação
infantil.
Minhas vivências nas escolas e as experiências4 com crianças que não compreendia,
hoje dialogam com os estudos queer e me levaram ao alargamento das questões: como uma

4 Conceitos retirados dos estudos de Benjamin (1933/1986; 1936/1986; 1939/1989), o termo “vivência” origina-
se do verbo alemão erleban que significa estar ainda em vida quando um fato ocorre, pressupondo a presença
viva e o testemunho ocular de um evento. O conceito de “experiência”, derivado do verbo alemão erfahrung,
pressupõe fazer uma oposição ao conceito de vivência, sendo a erfahrung um conhecimento obtido através da
experiência que se acumula e que por isso, se prolonga e se desdobra (KONDER, 1999).
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professora ou um professor podem compreender essa criança que bagunça as normas de


gênero e sexualidade na escola? Existe a criança queer?

Afinal o que é ser queer?


Queer é estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito à sexualidade
desviante homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis e drags. É o excêntrico
que não deseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de
pensar e dizer que não aspira ao centro nem o quer como referência; um jeito de
pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o
desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, inexcedível. Queer é um corpo
estranho que incomoda, perturba, provoca e fascina (LOURO, 2004, p. 7-8).

Anteriormente este trabalho pretendia, através de entrevistas, compreender no


contexto educacional no qual ocorre a educação infantil, quem era para os professores, a
“criança queer”. Porém, no decorrer da pesquisa, foi necessário buscar novos caminhos
metodológicos com o início de uma crise sanitária mundial causada por um vírus
desconhecido.
Desde o dia 13 de março de 2020, os professores que fariam parte da pesquisa
precisaram se ausentar de seus espaços de trabalho. Não somente eles, mas todo o mundo
necessitou parar. No dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recebeu um alerta a respeito de casos de pneumonia ocorrendo na cidade Wuhan, na China.
Em 7 de fevereiro de 2020, foi identificado o vírus causador da doença, hoje nomeado de
SARS-Cov-2 (UNA-SUS, 2020).
O vírus “Sars-Cov-2”, causou a pandemia que afetou diretamente as vivências e o
comportamento de toda a população mundial. Novas ações precisaram ser tomadas e
colocadas em prática, como o fechamento das escolas que se deu a partir do Decreto da
Portaria nº 343 de 17 de março de 2020 (BRASIL, 2020), que prevê a substituição, ou seja, a
continuidade das aulas, antes presenciais, por meios tecnológicos digitais enquanto durasse a
pandemia.
O fechamento das escolas municipais nas quais eu pretendia executar minha pesquisa
ocorreu no início de março do ano letivo de 2020 e seguiu até aproximadamente a metade do
ano de 2021. Mesmo após a reabertura de algumas unidades escolares, muitas crianças não
retornaram aos encontros presenciais, pois houve a possibilidade de seus responsáveis
optarem pelo ensino remoto. Não foi possível continuar aguardando pela reabertura das
unidades escolares para dar início aos procedimentos da pesquisa de campo. Seria possível
optar por um modo virtual de entrevistas junto aos professores, no entanto, diante das
dificuldades práticas e do processo burocrático da pesquisa em Ciências Humanas
(ADORNO, 1995), sobremaneira nas temáticas queer (OLIVEIRA, 2016), considerei
13

importante criar alternativas, ou melhor, “linhas de fuga”, como define Deleuze (1992), de
modo a produzir uma investigação acadêmica mais potente.
Revendo o trajeto de minha pesquisa e refletindo sobre o impacto da pandemia na
organização do estudo, mudei a metodologia da pesquisa, optando por um estudo teórico, em
cujo escopo se encontraria um aprofundamento da pesquisa bibliográfica que possibilitou um
amplo alcance de informações, auxiliando na construção de um processo reflexivo e, também,
o desafio da construção dedutivo-criativa de um novo olhar para o tema. Contudo, os
professores que eu pretendia entrevistar e as crianças que eu iria observar, ainda ocupavam
meus pensamentos. Seguiam comigo, as histórias experenciadas e observadas na minha
trajetória profissional. Se tais histórias um dia chamaram minha atenção para que eu pudesse
narrá-las por meio das palavras de outros, a partir de então, elas poderiam ser narradas através
de minhas memórias. O vasto material que eu precisava, estava comigo durante todo o tempo,
em meio aos relatórios descritivos do desenvolvimento das crianças e, principalmente, nas
lembranças marcantes de certas crianças, sobretudo por encarnarem situações muito distintas
e peculiares.
A essa atitude narrativa, memorial e analítica, se acoplou uma dedicação mais
acirrada ao estudo teórico, revigorando a compreensão dos fatos a partir da investigação de
autores do campo queer, bem como comparando perspectivas a princípio díspares, mas que
porventura pudessem dialogar.
Pensando nas relações de poder que se dão por meio das “possibilidades dialógicas”,
como aponta Butler (1990/2019b) e Foucault (1976/1998) nas suas observações sobre a
importância da conversa e do diálogo, percebi através das leituras e estudos que tracei desde
quando iniciei minhas atividades no Mestrado, que eu poderia também embasar minha
pesquisa nas teorias da Psicanálise, ou, ao menos, em parte delas. Afinal, trata-se de áreas de
saber - Teoria Queer e Psicanálise - que supostamente estão em disputa, porém que assinalam
igualmente pontos de convergência ao tratar das questões da sexualidade.
De acordo com Foucault (1992/2015), ao se tratar da escrita, "escrever é pois
‘mostrar-se’, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro" (p.150), pois seu
papel é o da constituição de um corpo, o qual não deve ser percebido como um corpo de
doutrina, mas sim aquele que fez sua respectiva verdade, visto que “a escrita transforma a
coisa vista ou ouvida em forças e em sangue” (p.143) e, nesta força, vêm estruturada,
igualmente através das leituras psicanalíticas, as vivências e as experiências relatadas no texto
deste estudo, configurado pelas vinhetas escolares como resgate dos “lugares de memórias”
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(NORA, 1984) das escolas de educação infantil, marcadas no tempo como espaços com
memórias significativas e apreendidas pelos sentidos de forma sempre atual.
Na busca pelo embasamento teórico, encontramos o nome de Jacques Lacan (1901-
1981), psicanalista francês, associado ao de Sigmund Freud (1856-1939), não por ele ter
traçado como seu objetivo reinventar a psicanálise, porém por propor, no começo do seu
ensinamento sobre o signo de um retorno a Freud, formular que a psicanálise só é possível se
o inconsciente está estruturado como uma linguagem5 (MILLER, 2002).
Lacan, acreditava que a linguagem era a maior forma de expressão do inconsciente.
A partir de tal colocação, faz todo o sentido que esta pesquisa tome como fundamento os
estudos de Freud, passando por Lacan na construção das minhas narrativas permeadas pelas
histórias das crianças em suas relações com seus professores que advém das minhas
memórias, haja vista a importância de questões como o “nome” e a “nomeação”6
problemática em que essas crianças são ditas, definidas, determinadas e até estereotipadas por
certas designações linguageiras dos seus professores.

Nesse sentido, a matriz das relações de gênero é anterior à emergência do


‘humano.’ Consideremos a interpelação médica que, apesar da emergência
recente das ecografias, transforma uma criança, de um ser ‘neutro’ em um
‘ele ou ela’: nessa nomeação, a garota torna-se uma garota, ela é trazida para
o domínio da linguagem e do parentesco através da interpelação do gênero.
Mas, esse tornar-se garota, não termina ali; pelo contrário, essa interpelação
fundante é reiterada por várias autoridades, e ao longo de vários intervalos
de tempo, para reforçar ou contestar esse efeito naturalizado. A nomeação é,
ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma fronteira e também a inculcação
repetida de uma norma (BUTLER, 2010, p. 116).

A questão das nomeações está diretamente relacionada à questão das identificações. É


através das identificações que o sujeito se constitui enquanto ser falante e faltante, sujeito do
inconsciente uma vez que é através dos elementos vindos do outro e das marcas deixadas pelo
desejo do Outro, cuja narrativa ou os acontecimentos presentes ressoam sobre o inconsciente,
constituindo cada um de nós.

5 Questão fundamental e ainda válida, embora possa ser relativizada por sua “terceira fase”, quando Lacan
(1975-1976/2007) desenvolve mais suas teorias sobre o Real. Nesse momento, a partir da década de 1970,
sobretudo com a publicação do Seminário 20, Mais, ainda (1972-1973/1985), o autor passa a tratar de questões
da ordem sensível, abordando tudo aquilo que escapa à significação, caracterizando o Real como aquilo que “não
cessa de não se inscrever.”
6 O que podemos extrair do Seminário 9 sobre a identificação é que o nome próprio é um significante que
funciona como traço unário. Diferente de outros significantes, cuja função é de representação, o nome próprio
possui uma função distintiva, através da qual o sujeito poderá contar a si mesmo, reconhecer-se como um
(LACAN, 1961-1962/2003).
15

O Outro é um lugar onde a psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que,
anterior e exterior ao sujeito, ainda assim, o determina.

Para a psicanálise, a elaboração das instâncias intrapsíquicas é


necessariamente acompanhada da atenção à relação do sujeito com o outro,
ou com o Outro (...) o Outro, em seu limite, confunde-se com a ordem da
linguagem. É na linguagem que se distinguem os sexos e as gerações, e que
se codificam as relações de parentesco. É no Outro da linguagem que o
sujeito irá tentar se situar, em uma busca sempre retomada, pois, ao mesmo
tempo, nenhum significante consegue defini-lo (CHEMAMA, 1995, p. 156).

Freud coloca em cena a concepção de um sujeito dividido, não centrado em torno da


consciência. O que ele descobre é a ausência de um eixo à volta do qual os processos
psíquicos se ordenam. O sujeito é descentrado, isto é, carente de um centro ordenador. As
elaborações efetuadas na primeira tópica colocam em cena a ideia de um sujeito caracterizado
pela ruptura e pelo estiramento. A formulação do aparelho psíquico composto por três
sistemas - o consciente, o pré-consciente e o inconsciente - remetem precisamente à noção de
divisão e descentramento do sujeito (BARATTO, 2009).

Portanto, nas suas mais variadas formas, as nomeações de algum modo marcam o
sujeito e o inscrevem de uma determinada forma no simbólico. Da mesma forma que as
identificações são constantes, se inscrevendo e reinscrevendo, não apenas na afirmação de um
nome com o qual somos apresentados à sociedade, mas em todos os momentos em que somos
convocados socialmente a dar conta de algo, quando somos interpelados pelo Outro e, ainda
assim, necessitamos fazer frente a nosso desejo (SOUZA; DANZIATO, 2014).

Sendo o inconsciente estruturado como linguagem, Lacan diferente de Freud, não vai
se interessar pelo inconsciente do sujeito, mas pelo sujeito do inconsciente. Pensar na
psicanálise lacaniana é pensar na diferença que se dá no encontro com o Outro através da
linguagem. Ademais, significa pensar na posição em que o sujeito é colocado e se coloca no
discurso.

No processo analítico, são as palavras o instrumento utilizado e na psicanálise há uma


teoria específica sobre o que é o inconsciente, sendo seu método de investigação a associação-
livre. O paciente conversa com o analista sobre variados temas sem censura. Quem é que
mesmo sem a orientação de um analista fala livremente e, além disso, vive livremente suas
ações, desejos e necessidades? A criança, que imbuída de sua verdade mais íntima, como o
menino mais feliz da turma da pré-escola de uma pequena escola da rede municipal de ensino
16

localizada na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, me dizia: - “nasci para


brilhar.”

Ao ingressar no Mestrado e iniciar minha participação no Grupo de Pesquisa


Alteridade Psicanálise e Educação - GAP(E)/, CNPQ-UFF, vi nesse contato mais estreito com
a psicanálise e nas leituras de trabalhos oriundos dos estudos queer, como as teorias da
psicanálise contribuem para compreender as salas de aula, mesmo que a princípio não
saibamos ou não possamos nos dar conta. Hoje, para além dos estudos queer, sou uma
professora atravessada pela psicanálise por meio também dos conceitos da teórica queer
Judith Butler, que em muito também traz a contribuição dos apontamentos de Sigmund Freud
e de Lacan à Teoria Queer.

“A psicanálise começa, quando uma mulher manda seu médico calar-se para que a
escute” (IACONELLI, 2018, p.45). Não estaria na hora do professor calar-se um pouco para
poder escutar a criança?
17

Caminhos Metodológicos

A presente pesquisa foi realizada sob uma abordagem teórica para ir ao encontro da
questão norteadora deste trabalho que é: a partir dos pressupostos dos estudos queer e das
contribuições da psicanálise para a educação, como uma professora ou um professor podem
compreender a criança que narra experiências queer na educação infantil?
Para responder à questão, utilizei a pesquisa bibliográfica que se propôs a explicar o
problema apresentado a partir de materiais elaborados anteriormente, compostos
principalmente por livros e artigos científicos que mostraram as possibilidades de
contribuição da psicanálise e dos estudos queer para a compreensão da criança que bagunça
as normas de sexualidade e gênero na escola e, por isso, de algum modo, movimentam o
imaginário dos professores.

Considerando que a abordagem qualitativa, enquanto exercício de pesquisa, não se


apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação
e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos
enfoques (GODOY, 1995, p. 23).

Desta forma, tal pesquisa utilizou como recurso metodológico as “vinhetas


escolares,” histórias que serão narradas através da minha experiência como professora da
educação infantil e analisadas à luz das contribuições da psicanálise à educação e dos estudos
queer, adentrando no universo inconsciente da relação entre professores e suas crianças.
A concepção das “vinhetas escolares” foi elaborada em analogia às “vinhetas
clínicas”, como ocorre na construção da clínica psicanalítica. As chamadas “vinhetas
escolares” que têm como base as experiências educacionais, tomam como premissa a ideia de
que o próprio sujeito se constitui como uma ficção. Portanto, a “vinheta” é sempre ficcional,
fundamentada nas expressões do inconsciente do narrador, envolvido com suas memórias,
suas impressões e sua capacidade de entendimento, dedução e construção crítica do
conhecimento. Segundo Oliveira (2016), “qualquer investigação é mais um conjunto de
imagens mutáveis e interligadas. Uma oscilação, e por certo, uma fragilidade, que deve ser
interpretada como um princípio de produção de conhecimento” (p. 337). Portanto, trata-se de
um trabalho que utiliza a lógica formal de construção consciente/cognitiva, porém permeada
por uma sensibilidade para o não-dito, os estranhamentos, as repetições, devaneios, sonhos e
falhas do inconsciente.
18

“Vinhetas escolares” é um termo sugerido pela Orientadora deste trabalho, como


forma metodológica de apresentar as experiências da minha atuação como professora regente.
Ao revisitar minhas memórias, as “vinhetas” foram construídas a partir das histórias das
“crianças queer” que já passaram pelas turmas de educação infantil nas quais atuei nos
últimos anos, das escutas das vivências e experiências de diversos educadores, das escritas
dos relatórios descritivos do desenvolvimento das crianças e dos textos de diários de bordo,
nos quais anotações destacavam as histórias narradas neste estudo. Trata-se de lembranças
reconstruídas, como define Freud (1938/2019), ao longo da docência e através do meu olhar
de pesquisadora.
Os desafios desta metodologia, esbarram em múltiplos significados que se conectam
com base em um olhar orientado pela psicanálise na teoria da sexualidade infantil em Freud
(1905/2010). A complexidade da questão, por outro lado, foi abordada através de autores
secundários que foram selecionados em literatura recente. Ao tomar por base alguns textos-
chave para a investigação de Freud, como autor primário em psicanálise, bem como alguns de
seus comentadores, busquei analisar sentidos e compreender os desafios do lidar com uma
criança que não se rende ao que a norma escolar espera dela.
A criança que está em processo de construção da linguagem na educação infantil,
muitas vezes não consegue verbalizar o que está sentindo por meio da oralidade, mas sua
expressão através de diversas outras linguagens, muito pode mostrar sobre suas experiências
no espaço escolar, na construção das “vinhetas”, estabelecendo um diálogo com o não dito na
relação entre o vivido e o narrado. Portanto, o relato não é exato, já que na tentativa de
estabelecer relações existentes entre a memória e a ficção, dispõe de uma enunciação para
além de toda ficção que está ancorada na realidade. Acredito que, ao narrar tais histórias por
meio das “vinhetas escolares” sob a luz da psicanálise e dos estudos queer, será possível
entender melhor os diversos processos que ocorrem na vida escolar da criança queer,
compreendendo a impressão, reflexão e, quiçá, estranhamento que pode causar aos
professores.
O conceito de experiência apresentado no texto deste trabalho remete-se ao
aprofundamento de Walter Benjamin (1933/1986; 1936/1986; 1939/1989), relacionando a
dimensão da experiência com a dimensão da memória. Para tanto, o autor recorreu à Freud
(1920/1996) relatando a experiência como profunda e elevada, configurando-a na dimensão
do inconsciente, obtido através do acúmulo do desdobramento das experiências vividas.
A subjetividade tradicionalmente produzida na escola pelas vivências saturadas de
sensações é hétero e biologicamente teleguiada para nascer, crescer, reproduzir e morrer.
19

Enfim, para se adaptar à sociedade tal como ela se apresenta, e não para questionar, se rebelar,
transformar o que está dado a partir das experiências, restando a nós a capacidade de reagir e
resgatar as narrativas.
Benjamin (1939/1989) alerta que ao consciente só é possível uma experiência cujas
marcas não se imprimem no inconsciente, resultando em ações e experiências sem verdade.
Ouvir e falar sobre essas crianças e não apenas armazenar as vivências na camada mais
superficial da consciência, possibilita uma experiência poética da vida (BENJAMIN,
1939/1989).
“Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao
passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é uma chave para tudo que veio
antes e depois” (BENJAMIN, 1933/1986, p. 37). É nesse contexto escolar que a criança queer
não tem lugar, ou seja, é atópica por ser atípica.
A partir deste entendimento e dos processos pelos quais passa essa criança, é
necessário compreender como são narradas suas experiências, buscando observar se ela
experimenta algum tipo de mal-estar por ser vista não apenas como uma criança que necessita
de apoio e respeito e sim como quem, fora da norma, têm suas histórias muitas vezes
silenciadas na educação infantil.
Para tanto, convido você a transitar por uma breve apresentação desta dissertação,
assumindo que se trata de um caminho aberto e reticente, no qual sempre será possível traçar
um novo curso. Afinal, essa criança queer que a escola desenha, existe dentro de um padrão
imposto pela sociedade na necessidade de o sujeito se identificar sistematicamente com um
gênero ou outro. Para tentar encontrar respostas para tantas indagações, a pesquisa foi
estruturada em cinco partes, que se sucedem da seguinte maneira:
- Na primeira parte é apresentado o percurso deste estudo, as inquietações que me
levaram a pesquisar a criança que nesta pesquisa é nomeada “queer” e que ao longo do texto,
implicitamente, é possível perceber que a escolha de uma definição dessa criança, segue
desconstruindo-se de qualquer tipo de nomeação, assim, como sugere o título do trabalho: “ou
isto ou aquilo” (MEIRELES, 1964). Quem sabe os dois, quem sabe nenhum (DELEUZE;
GUATTARI, 1972/2010; ERIC DROUET, 2022). Apresento os caminhos metodológicos que
se deram a princípio no início da pandemia da Covid-19 e que, como sugere a Teoria Queer,
seguiu novos rumos, descontruindo-se também.
- Na segunda parte é apresentada ao leitor a Teoria Queer e a Criança, mostrando
qual o lugar ela ocupa no mundo e no chão das escolas que foram revisitadas por meio das
minhas memórias enquanto professora da Educação Infantil. Seguimos na possibilidade de
20

enxergar os estudos queer na impossibilidade de defini-los apenas como uma Teoria, e sim
um acervo de engajamentos intelectuais e políticos e como se deu seu desdobramento
enquanto movimento e sua expansão no Brasil.
- Na terceira parte, a sexualidade infantil divulgada por aquele que poderia ter sido o
criador da Teoria Queer, Sigmund Freud, é discutida e pensada nos primórdios dos estudos do
Pai da Psicanálise e na necessidade de desconstrução de fatores tradicionais da/na psicanálise
que ainda influenciam na crença de que as divergências entre a Psicanálise e Teoria Queer
não podem “conversar” e tornarem-se convergências para, quem sabe assim, surgir a
possibilidade da criação de novas pedagogias fora da norma estabelecida. Michel Foucault
não poderia ficar de fora dessa parte do trabalho, dada a importância de suas análises a partir
da contribuição de um melhor entendimento da necessidade de combater as práticas dos jogos
da verdade no cotidiano das escolas perante as crianças e perante os professores e professoras.
- Na quarta parte é questionado: quem é o professor da criança queer? Em meio às
histórias compartilhadas através dos textos das “vinhetas escolares”, enxergamos um
professor melancólico que demonstra, mesmo que inconscientemente, o quanto se tornou
frustrado e, por isso, tenta também frustrar e castrar a criança dos afetos que ela traz dentro de
si. O professor se apresenta melancólico por uma série de fatores, entre eles a influência das
“caixinhas moldadoras” que o prendem e o paralisam na construção da própria reinvenção.
- E, na quinta parte, seguem as considerações sem fim, pois todo trabalho pautado na
Teoria Queer não está em construção, mas em desconstrução, da mesma forma como a
psicanálise que acolhe a incompletude e a falta de garantias. Será através da teimosia da
descoberta de novas possibilidades de aprender, ensinar, confrontar e ultrapassar barreiras,
sejam elas nos espaços escolares, nas teorias ou na vida, que este estudo poderá seguir além.
21

Para início de conversa

Quem? Quer? O quê?


Como é mesmo a palavra que dá nome à sua pesquisa com as crianças diferentes?
(Professora Confusa, 2020)

Na educação infantil as crianças subvertem e questionam as identidades e, algumas


delas, ofertam a possibilidade de que a realidade seja vista não a partir das identidades, mas
das diferenças. O que a criança queer gera nos adultos é instável, pois havendo diferenças,
não se pode estabelecer nenhuma identidade, já que ela está sempre em construção (BUTLER,
1990/2019b). Contudo, o professor e a professora, muitas vezes, não compreendem essa
criança subversiva e, no lugar de tomar a criança como exemplo, questionam como essa
criança pode ser tão viva, tão fluida e natural na expressão de seus desejos.
A colega professora citada na epígrafe, através de sua fala e questionamento,
demonstrou que nunca tinha ouvido falar da criança queer, pelo menos não da nomenclatura,
porém confessou que tinha olhado para uma criança “diferente” e pensado: “como pode? É
uma criança tão pequena, mas já se vê que será um viadinho! Será? Não! Já é!”
Ao olhar para a relação da criança com o mundo e a relação dos adultos com o
mundo escolar delas, é possível perceber formas muito endurecidas de opressão e de
desumanização. A partir desse entendimento, esta pesquisa pretendeu analisar os processos
pelos quais passa a criança dita e vista como “diferente” nos espaços escolares e como são
narradas suas vivências (erlebnis) (BENJAMIN, 1933/1986; 1936/1986; 1939/1989), para
expressar os sentidos de algumas ações demasiadamente efêmeras e fugazes.
Buscando compreender como os professores lidam com esta criança que não faz uma
pedagogia da boa imagem, busca-se também refletir sobre o porquê muitas vezes deixamos de
constituir junto a elas, autênticas experiências (erfahrung) (BENJAMIM, 1933/1986;
1936/1986; 1939/1989), como ato ou efeito de experimentar a prática da vida de suportar ou
sofrer algo, como a dor ou a alegria da própria criança.
Nas ações tradicionais que são diariamente desmascaradas nas escolas pela
possibilidade de conceber novas ideias distantes de normas e padrões, principalmente na
escola pública, quais experiências os professores têm deixado de viver profundamente com
22

suas crianças? Existe a necessidade de oportunizar a divulgação de diferentes conceitos sobre


o variado público nas escolas na busca por uma educação que contemple as diferenças, de
modo a poder se firmar contra qualquer preconceito ou discriminação. Tais orientações se
encontram nos Parâmetros Curriculares Nacionais no tema “Orientação Sexual:”

A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e explicitar


os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes
na sociedade, possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com os valores que
ele próprio elegeu como seus (BRASIL, 1998, p. 83).

Na concepção de Butler (1990/2019b), as identidades não têm fim, pois se


reconstroem constantemente. Em sua obra “Problemas de Gênero”, a autora descreve os
processos pelos quais as identidades são construídas no interior da linguagem e do discurso.
As instituições, tais como a escola no seu discurso e nas suas práticas, ao determinar sexo,
sexualidade e gênero cria e/ou remarca concepções que orientam as relações subjetivas vida
afora. Trata-se de formas de poder, questionadas pela autora:

Talvez o entendimento dialógico também encerre em parte a aceitação de


divergências, rupturas, dissensões e fragmentações, como parcela do processo
frequentemente tortuoso de democratização. A própria noção de diálogo é
culturalmente específica e historicamente delimitada, e mesmo que uma das partes
esteja certa de que a conversação está ocorrendo, a outra pode estar certa de que não.
Em primeiro lugar, devemos questionar as relações de poder que condicionam e
limitam as possibilidades dialógicas (BUTLER, 1990/2019b, p.40).

Mas como viabilizar esses debates se os próprios professores estiverem distantes de


uma possibilidade de reconhecimento da sexualidade divergente, traumatizados por uma
normatividade sexual hegemônica que os torna ainda mais avessos à liberdade e à verdade
sexual do Outro? Embora eu não pretenda responder diretamente a essa questão, haja vista a
complexidade da imbricação entre psicanálise e os estudos queer, é possível observar a
potência da liberação da palavra e da escuta atenta ao outro, em grande parte, correndo no
mesmo sentido em que afetos não são sumariamente negados ou recusados. A abordagem
psicanalítica compreende que a estrutura subjetiva vai sempre além da fixação em identidades
rígidas, embora reconheça e considere justa a reparação reivindicada por movimentos
identitários (ARREGUY, 2017).
A criança é dotada de subjetividade e no viver, experienciar e expressar-se através dos
seus pensamentos e de seu corpo, o modo dela se relacionar com o mundo físico e social é
fluido, em constante movimento de ser e estar, construindo assim sua relação com e através
do corpo com pequenos e grandes gestos e expressões, acentuando a vertente da comunicação
que corporifica a relação com os outros (SOUZA, 2005; LE BRETON, 2009).
23

Como exposto por Foucault (1975/2007), a sociedade faz uso abusivo do poder
através das instituições, uma delas, a escola. Conversar, dialogar e ouvir, para que a criança
possa se mostrar diversa e o professor possa recebê-la tal como ela é, também é
responsabilidade da escola. Desse modo, este trabalho pretendeu compreender como a criança
combate intensamente a dominação e a discriminação do seu modo de viver na escola,
principalmente, perante seus professores.
Hoje nas escolas, existe a necessidade de compreender que o queer vai além de um
rótulo de identidade de gênero e que a teoria queer vem desconstruindo certezas do próprio
conhecimento. O que sabemos e o que não queremos saber acerca da sexualidade? Que
injunções narcísicas prepotentes nos provocam a desconhecer o outro, o diferente?
O destaque atual das teorias queer e de gênero convidam cada vez mais o professor a
revisitar suas reflexões relativas ao questionamento: a criança queer existe?
Partindo das pesquisas e leituras de conceitos destacados para meu estudo em
psicanálise e do arcabouço teórico dos estudos queer, a presente pesquisa visa problematizar a
existência da criança “queer” nas escolas da educação infantil, tomando a minha experiência
enquanto professora como forma de analisar e compreender os embates que essa diferença
radical e intrínseca ao campo da sexualidade aporta em relação a uma concepção
contemporânea de educação.
Para o desenvolvimento da pesquisa, apresento como principais teóricos de
referência, Sigmund Freud e sua teoria psicanalítica da sexualidade infantil; Michel Foucault,
no que tange o arcabouço da Filosofia da Diferença, por ser uma referência clássica no estudo
da sexualidade; e, ainda, autores contemporâneos como Judith Butler, uma das mais
conhecidas teóricas queer, escolhida por seus estudos atuais sobre a teoria e Guacira Lopes
Louro, cuja obra toma como base as questões de gênero e de sexualidade, apresentando
também contribuições relevantes acerca dos estudos queer voltados à educação escolar.
Retomando as histórias da criança queer, muitas vezes, silenciadas na educação
infantil, será possível o entendimento sobre como os estudos queer e os conceitos da
psicanálise podem auxiliar os professores na elaboração de um discurso que vá além da
afirmativa “somos todos iguais”, pensado através da subjetividade da criança a qual não pode
ter o espaço escolar como o seu “armário.”

O que chamamos de subjetividade não é mais que a cicatriz deixada pelo corte na
multiplicidade do que poderíamos ter sido. Sobre essa cicatriz assenta-se a
propriedade, funda-se a família e lega-se a herança. Sobre essa cicatriz, escreve-se o
nome e afirma-se a identidade sexual (PRECIADO, 2020, n.p.).
24

É possível observar que o comportamento e a fala da criança queer são reveladores


dos seus desejos, dúvidas e das maneiras variadas de experenciar a não existência de uma
definição absoluta e imutável do que é ser uma criança no seu modo de agir e existir. A partir
dessa reflexão, este trabalho apresenta como objetivo geral cotejar sentidos por meio de
histórias vivenciadas e experenciadas pela criança queer e seus professores nas salas de aula
da educação infantil, relacionando suas ações e narrativas com os fundamentos da Teoria
Queer e dos seguintes conceitos da psicanálise: inconsciente, sexualidade infantil e
melancolia de gênero; e por objetivos específicos, descrever como a Teoria Queer e seus
conceitos podem contribuir com os professores no entendimento e no lidar com a criança da
educação infantil; compreender a criança enquanto inserida no universo de fluidez; refletir
como os professores da educação infantil são afetados pelas legislações normativas e pelas
ações da criança queer; e enunciar os encontros entre a criança queer e seus professores a
partir das minhas memórias como professora, dialogadas com a Pedagogia Queer e com as
contribuições da psicanálise para a educação.
A realização desta pesquisa pretendeu também, como um dos objetivos secundários,
de fato quase teleológico, posto que certamente mais amplo que o escopo metodológico
acima, contribuir com a reflexão dos professores e das professoras sobre a prática do que seria
pensar queer nos questionamentos, problematizações e contestações das formas de
conhecimento, relacionando-o às diferenças.
25

II PARTE

Teoria Queer e a Criança: qual o lugar da criança no mundo?

Não há melhor palco para um pensamento que dança do que o lado de dentro da cabeça das
crianças.
(Emicida, 2018)

Emicida, rapper, compositor e escritor brasileiro, revela no seu livro infantil “Amoras”
(2018) qual é o lugar da criança no mundo. “Amoras” nasceu das memórias de infância do
autor, que dedicou o texto da obra à sua filha Estela.
“Vencer as batalhas é importante em um mundo que vive em guerra, mas se
conseguirmos correr e chegar antes, talvez consigamos ensinar que Amoras chegam antes.”
Criança chega antes em todos os lugares, anunciando a que veio pois para ela, todos os
lugares são das crianças. No mundo do adulto, a criança não tem lugar, mesmo quando ela é
vista como um miniadulto. Muitas vezes nas unidades de educação, a criança não encontra o
seu lugar ali no chão da escola, contudo no “lado de dentro da cabeça”, a criança se situa em
todo e qualquer lugar.
Hoje a criança ocupa um espaço de valorização na cultura brasileira bem diferente de
dias anteriores. Ainda assim, é relativamente nova a busca pela interpretação das
representações da criança no mundo, objetivando entender o complexo processo de
construção social da infância e o papel que a criança desempenha na escola.
A partir do século XIX, a história da infância permitiu afirmar que a preocupação com
a criança se fez presente no Brasil, constituindo a infância como objeto de pesquisa suficiente
para tornar-se uma investigação científica. Estudos mostram que até o início da década de
1960 a história da infância era um campo distinto da história da educação (ARIÈS,
1973/1981).
Há uma negatividade constituída na infância na própria etimologia da palavra que se
encarregou de estabelecer um apagamento: infância é a idade do não-falante, o que transporta
simbolicamente o lugar do detentor do discurso inarticulado e ilegítimo (SARMENTO, 2005).
26

Dornelles (2005), analisando a infância na contemporaneidade, apoia-se nos estudos


genealógicos de Foucault para defender a ideia de que as infância(s) são múltiplas, portanto,
não se pode falar de uma só infância. A autora devolve às infância(s) a letra que a
modernidade lhes roubou ao universalizá-las como sendo de um único tipo, e não de outro.
Para legitimar as experiências das crianças que são apresentadas de modos diversos, hoje ao
pensarmos sobre o conceito de infância, já apresentamos sua pluralidade adotando o termo
“infâncias” no plural.
Não podemos deixar de falar sobre quem é a criança hoje sem olhar para trás.
Podemos observar uma multiplicidade de pressupostos, interpretações e conceitos sobre quem
é a criança e ao buscarmos as contribuições de Ariès (1973/1981), é possível compreender as
representações sociais construídas na modernidade.
O que é ser uma criança queer para as crianças com as quais a pesquisa interage?
O que é ser criança ou crianças desse lugar ou lugares?
Como se define a infância ou infâncias nesses lugares?
O historiador Ariès (1973/1981) marcou as pesquisas científicas sobre a infância ao
apresentá-la como um conceito construído na modernidade a partir da transição da sociedade
feudal para industrial. O pesquisador descreveu o percurso da história da criança em um
momento no qual ainda nem existia o sentimento de infância que conhecemos atualmente.
Mediante a publicação do clássico “L’enfant et la vie familiale sous I’Ancien Régime”
- “A criança e a vida familiar sob o Antigo Regime”, Ariès (1973/1981) contribuiu no seu
primeiro capítulo “O Sentimento da Infância” com a divulgação do ser criança através de
imagens pintadas, retratos e figuras imaginadas sobre uma infância supostamente universal.
As crianças eram vistas e definidas como “sem fala”, de modo que o adulto se compreendia
como quem deveria dar a elas ordens e sentidos para a constituição de um corpo que deveria
ser sempre dócil e participativo somente quando os adultos assim o permitissem.
Através da arte da época, Ariès (1973/1981) demonstrou a existência da infância como
categoria diferenciada somente entre os séculos XVI e XVIII. O retrato de família
predominante na arte do século XVIII, mostra como a criança antes sujeito inexistente,
começou a fazer parte do centro do mundo familiar. Contudo, a criança pagou um preço alto
por tal proteção familiar: a incapacidade plena, convertendo-se em objeto de repressão. Sem a
representação de um “sentimento de infância”, na Idade Média, a criança ainda não
frequentava os espaços escolares. Ela e os adultos frequentavam os mesmos espaços, sendo
eles domésticos, de trabalho ou de festividades.
27

Já na Idade Moderna, um novo pensamento revolucionou a história da infância: a alma


que comanda o corpo da criança (DESCARTES, 1641/2005) e a partir de tal dualidade, surgiu
a primeira concepção de infância nas classes dominantes do século XVII, observando que a
criança era dependente.
A palavra infância passou então, a designar a primeira idade da vida: a idade da
dependência que necessitava de proteção, que segue até os dias de hoje. Não havia lugar para
a criança na sociedade, pois ela era vista apenas como ser biológico que necessitava de
cuidados e de uma rígida disciplina, a fim de transformá-la em adulto socialmente aceito. Para
tanto, a única ação aceita era uma rígida disciplina sobre a criança.
A partir das intervenções de Rosseau (1762/1995), considerado um dos primeiros
pedagogos da História, que a criança passou a ser vista como quem necessitava de uma
educação livre de julgamentos. Ainda assim, Durkheim (1978/2013) difundiu que para educar
bem uma criança, ela necessitava de elementos de moralidade inscritos na sua subjetividade.
Somente após a institucionalização da escolarização da criança que o conceito de infância foi
desenvolvido a partir de uma pedagogia para a criança (LEGNANI; ALMEIDA, 2004).
Não reconhecer que a criança quer e faz de sua infância um lugar para ocupar e
expandir ou até mesmo negar a fazer o que desejamos, mostra o déficit do professor em
compreender o poder da criança sobre o próprio corpo.
Candau (2016) nos informa que em uma de suas pesquisas ao entrevistar um
professor, ele disse: “as diferenças estão bombando na escola e não sabemos o que fazer”
(p.804). É nesse universo de dúvidas e inseguranças em que se encontra a criança queer e seus
professores na espera de uma diretriz para o enfrentamento dos desafios de uma educação
para todos.
Nos dias de hoje, ao percebermos alguma criança com um poder imenso sobre o seu
corpo e sobre si, expõe o desafio que cresce cotidianamente na escola em receber, acolher e
conviver com a criança que se mostra como é.
O conceito de infância seguiu referindo-se a uma produção que vai se modificando
através do processo histórico e social, resultado das representações dos adultos acerca das
crianças, portanto pode ser considerado como construções sociais que seguem se modificando
de acordo com o tempo, o período histórico, as culturas e as classes sociais.
Kuhlmann Junior (2010), aponta que não é possível a criança escrever a própria
história, já que sua história é sobre si nas suas mais variadas interpretações e intervenções.
Contudo, hoje podemos afirmar que a criança é um sujeito social e que sua cognição,
linguagem e desejos por meio de diversas representações devem ser valorizadas, onde ela se
28

torna protagonista, inserida em uma determinada cultura, possuindo assim, o direito à


infância. Atualmente, entende-se que a criança sempre existiu como ser humano de pouca
idade, contudo, as sociedades constituídas em suas diversas culturas e em diferentes tempos
históricos, criaram diferentes formas de pensar sobre o que é ou como deve ser a vida nessa
faixa de idade. Isso significa encarar a criança como um ser que possui uma história de vida
em construção com seus pares, situada em sua própria cultura e ativa no processo de
construção da própria existência.
Vale destacar que “as crianças pequenas se constituem sujeitos marcadas pelo
pertencimento de classe social, de gênero, de etnia, de religião, isto é, todas as inscrições
sociais que afetam as vidas dos adultos também afetam a vida das crianças” (BRASIL, 2009,
p. 24).
A Sociologia da Infância tem trazido importantes contribuições para a compreensão da
ideia de que a criança é produtora de cultura. Segundo Corsaro (2011), a criança é um agente
social ativo e criativo que, por meio dos contextos de vida em que está inserido produz sua
própria cultura infantil e acaba por assim colaborar para a produção da sociedade adulta.
Pensar e fazer de outra forma a educação e a escola exige olhar de outro modo a
criança, abandonando as verdades que a priori são ditas sobre ela, sem preocupação de
transformar a criança em algo distinto do que é, mas criar possibilidades para ela constituir
seu “devir-criança” (DORNELLES, 2010). Hoje vemos a infância dotada de várias
possibilidades de representação através de sua fluidez,7 com a potência de gerar novos modos
de existência a partir de uma educação para a promoção da diversidade.
Na Psicologia da Educação, também podemos buscar o conceito de infância em Jean
Piaget (1954/2005). A noção de criança é observada na perspectiva da temporalidade por
meio de etapas de desenvolvimento que tangem à cognição, moralidade e afetividade.
Enquanto Piaget caracteriza os sujeitos em suas estruturas cognitivas e afetivas bem
distintas entre a infância e a idade adulta, Freud não permitiu tão facilmente tal distinção,
aproximando cada vez mais a criança e o adulto (LAJONQUIÈRE, 1992).
Para Freud (1900/1980) compreender a importância da infância é fundamental para o
entendimento da constituição psíquica de todo ser humano. Os primeiros anos de vida dos
pacientes de Freud eram descritos em suas anotações, demonstrando o quanto esta fase da

7 Para Butler (2011), o gênero é uma variável fluída que se desloca e se transforma em diferentes contextos e
períodos históricos.
29

vida tem grande importância nos estudos do processo da constituição psíquica para a
compreensão do adulto que nos tornamos.
A partir de uma perspectiva freudiana, o infantil diz respeito a nossa condição de criar
uma história para além do jogo das identificações imaginárias e binárias. O infantil influencia
o adulto na própria criação da subjetividade e faz dessa concepção uma noção favorável da
possibilidade de vislumbrar que nossa história é também a história da nossa criança, mesmo
que não seja ela autônoma, já que nos constituímos codependentes.
Na psicanálise a infância cronológica não pode ser confundida com o infantil que é
reconstruído no nosso discurso cotidianamente, pois ele não se pode ver, porém está no modo
de ser e agir, mesmo que de forma inconsciente, nos acompanhando até a idade adulta
(FREUD, 1900/1980; 1905/2006). Portanto, a psicanálise sustenta a existência permanente da
criança no adulto de qualquer idade e em qualquer tempo, pois nela não nos remetemos
apenas à infância e sim ao infantil, o qual também podemos encontrar nos adultos, este
infantil que escapa à racionalidade e é a fonte das experiências criativas no nosso permanente
movimento de subjetivação.
30

Vasta, diversa e não linear: as Teorias Queer


Ma vie en rose

Na sala de aula da Turma da Pré-Escola de uma rede municipal da Baixada


Fluminense do Rio de Janeiro com crianças na faixa-etária entre 04 e 06 anos de idade, o
tema da aula é “profissões”. Diversas crianças expõem seus projetos, desejos e fantasias
para o futuro.
Dominique: - “Quando eu crescer, vou ser professora.”
Duda: - “Quando eu crescer, quero ser bombeiro.”
Chris: - “Eu quero ser igual minha mamãe: dona da casa.”
Ariel: - “Eu quando crescer, quero ser a Barbie.”
Ariel é um menino negro de 05 anos de idade, que tem preferência por brincar com o
grupo de meninas da turma, sempre escolhendo entre os brinquedos dispostos: as bonecas,
panelas, roupas coloridas e salto alto para compor seus cenários de realidades e fantasias.
Quando a professora explicou à turma que a Barbie era uma boneca e não uma
profissão, Ariel não se interessou por compreender.
As demais crianças, apesar da pouca idade, repreenderam Ariel, lhe informando:
- “A Barbie é loira e você é um menino preto.”8
Na situação de repreensão dos amigos, Ariel iniciou um processo de choro e
reclamação. Para ele não importava se a Boneca Barbie não era classificada como
profissão. A pergunta da professora foi: “O que você quer ser quando crescer?” E o Ariel
prontamente respondeu: “A Barbie.”

8 No campo da educação, entendemos haver diálogo entre a teoria queer e a educação por pedagogias e
currículos para além dos binarismos como pensado por Guacira Lopes Louro. São sexualidades
interseccionalizadas com classe, gênero, origem, raça etc. Anzaldúa (1999) articula em sua dicção sua
lesbianidade, seu feminismo, sua condição de trabalhadora e de migrante de um modo interseccional e
transnacional, o que é de fundamental importância para explicitar que o pensamento queer, desde suas origens,
está atento e aberto ao diálogo para a discussão de questões de raça, classe, etnia, nacionalidade, decolonialidade
e migração, ademais das óbvias preocupações com o gênero e a sexualidade (ALÓS, 2020).
31

Teoria Queer ou como nos apresenta Bento (2014) Teoria Transviada; San Martin
(2011) Teoria Cuir; Pelúcio (2014) Teoria Cu (COLLING, 2016, p. 13) entre outras
denominações, tratar-se-ia mesmo uma teoria ou de várias teorias?
Javier Sáez (2004) inicia o texto de sua obra “Teoría Queer y Psicoanálises”
destacando o conceito da palavra “teoria” e nos dando pistas que no campo da filosofia e da
epistemologia, o termo teoria é compreendido como “um corpo de conhecimento articulado e
sistemático para explicar um objeto determinado de estudo” (LEOPOLDO, 2020, p. 22). Bem
diferente de tudo o que for lido e pesquisado sobre a teoria queer e como bem destaca Sáez
(2004), a palavra “teoria” não caberia para enunciar a vastidão do que se pretende conhecer
enquanto teoria queer.
A teoria queer propõe um enfoque que se estabelece para além das populações
dissidentes, abarcando os processos de desconstrução da categorização sexual indagando
estruturas sociais de opressão a partir dos contextos históricos, sociais, políticos e culturais.
Como um marcador de instabilidade das identidades, a teoria vem se mostrando ativa
em não tratar necessariamente e apenas de sexualidade (GAMSON, 2006). Mesmo que a
teoria se oponha aos que defendem a noção de identidade, sua mobilização segue além da
expansão do ativismo contrário à heteronormatividade, voltando-se mais à prática queer como
rompimento de constructos sociais que ainda garantem a hierarquização e subalternização das
minorias.
A vastidão do queer já se inicia na impossível tradução da palavra. Na língua
portuguesa não temos uma palavra que dê conta de um significado ou tradução para o termo
queer. Por isso, muitos teóricos e pesquisadores de diversos países e línguas continuam
utilizando a palavra queer nos seus estudos.
Em sua obra semiautobiográfica “Borderlands, La Frontera: a nova mestiza.” Glória
Alzanduá (1999), autora que se compreende como mestiça, entre a fronteira do México e o
Texas, escrevendo suas obras tanto em inglês quanto em uma variedade do espanhol, diz que
o queer é aquele que se aproxima de uma fronteira, ou bem aquele que atravessa as fronteiras.
Fronteira não como o que divide duas identidades supostamente fixas, mas como o que une
uma passagem de um ponto ao outro, um espaço de constante transição (ANZALDÚA, 1999).
A teoria queer foi influenciada pelos movimentos feministas, também pelos estudos
da virada filosófica francesa a partir dos escritos de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Felix
Guattari e Jacques Derrida (LEOPOLDO, 2020), e se consolidou por volta dos anos 1990 com
a publicação do livro “Problemas de Gênero” de Judith Butler. Já, Glória Alzanduá, foi a
primeira a utilizar academicamente o termo queer, seguida por Teresa de Lauretis que se
32

apropriou do termo ao realizar uma Conferência na Califórnia em 1990, na qual empregou a


denominação Queer Theory (MISKOLCI, 2009).
Para a escrita deste trabalho, escolhi continuar utilizando o termo queer por seu valor
de ressignificação. Este termo que já existe há mais de quinhentos anos na língua inglesa e foi
designado para nomear um conjunto de sujeitos ou corpos indesejáveis, como os
frequentadores da “Queer Street”, famosa avenida inglesa conhecida como ponto de encontro
de sujeitos não comumente aceitos pela sociedade da época, como os homossexuais,
transexuais, travestis, prostitutas, devedores e todos aqueles que se apresentavam fora do que
a sociedade acreditava ser o normal (LEOPOLDO, 2020).
Um termo que foi enunciado entre os sujeitos dissidentes como injúria, foi por eles
mesmos ressignificado e o seu uso passou de xingamento para a imposição da aceitação,
demonstrando assim, sua força política ao criar meios de subversão de uma norma rígida e
excludente como instrumento de afirmação das diferenças. “Há uma série de outras palavras
que caracterizam a existência queer, mas é a palavra inglesa que ganhará os contornos de uma
produção teórica, funcionando como o catalisador de um discurso” (LEOPOLDO, 2020, p.
39).
O queer foi incorporado ao vocabulário acadêmico das diversas línguas ocidentais na
medida em que a teoria queer se disseminou pela Europa e pela América Latina. O queer
incita uma posição em relação ao normativo, posição que não é unicamente reservada aos
gays e às lésbicas, mas acessível a qualquer indivíduo que é ou se sente marginalizado
(HALPERIN, 2000).
Não existe uma forma única ou correta de produzir a teoria queer ou de traduzir a
palavra queer, e, é exatamente por suas ações antiformas que os teóricos e pesquisadores
queer se movem. “Nesse sentido, as políticas das multidões queer se opõem não somente às
instituições políticas tradicionais, que se querem soberanas e universalmente representadas”
(PRECIADO, 2011, p. 18), mas pela constante habilidade de criticar tais instituições sociais,
como a família, a igreja, a mídia, a medicina, o direito e a escola que tentam a todo custo
naturalizar regras e normas. Os estudos queer insistem em desnaturalizar o que se apresenta
como “natural”, mostrando as diversas formas de se produzir a teoria na sociedade.
Ariel, aquela criança queer que vivia sua vida em cor-de-rosa,9 mesmo sem a
consciência do que acontecia ao seu redor, mostrou-se firme em suas escolhas. Ariel, uma

9 O filme Ma Vie en Rose ("Minha Vida em Cor-de-rosa") é um drama belga de 1997 dirigido por Alain
Berliner. Conta a história de Ludovic, uma criança de sete anos de idade que é vista pela família e pela
comunidade como um menino, contudo essa criança se identifica e se comunica como menina. Ludovic, tem
33

criança preta foi hostilizada por seus pares, também crianças, e não foi defendido pelos
profissionais da escola. Ao contrário, o objetivo da instituição que deveria acolhê-lo e
protegê-lo, foi de barrá-lo da exposição de ser criança que se revela naturalmente nos seus
desejos.
É importante ressaltar a angústia10 que foi despertada nos amigos do Ariel, nos
profissionais da escola e no próprio Ariel acerca de suposições sobre sua futura sexualidade,
ao revelarem algo a mais que foi observado e destacado sobre sua vida: o fato de ser uma
criança queer e preta.
A angústia, “em primeiro lugar é algo que se sente, respondeu Freud. Uma sensação
que tem acentuado caráter de desprazer. Um pré-sentimento, como afirma Lacan, algo
anterior a qualquer sentimento e que anuncia alguma coisa (...) Angústia é um ato que
não engana” (LEITE, 2011, p 39).

Como um corte que se abre e que deixa aparecer o inesperado, a visita, a novidade -
presentimento, pré-sentimento - ante ao nascimento de um sentimento ou um sintoma
(LACAN, 1962-1963/2005), ante a presença do Ariel, a angústia naquela escola se fez
relacionada ao desemparo da criança queer e preta.
Quem era o Ariel na escola? A forma como se aliena, quem está ao redor da criança
que se faz enigmática diz respeito ao desejo do Outro sobre como ele se mostra, diz respeito
aos primeiros discursos, como a forma que cada um é falado. Nesse sentido, Ariel é o
portador de um enigma, aguardando o momento mais oportuno para se manifestar.
De acordo com Ambra; Laufer e Júnior (2018) a normatização parte de um discurso e
um exercício de poder, que visa preencher o vazio deixado pela ilusão de que existe um
normal. “(...) Não é precisamente essa alienação que a psicanálise pretende denunciar?”
(AMBRA, LAUFER, JÚNIOR, 2018, p. 238).
E seguem assim em processo, a teoria e o Ariel, como criança queer que nem sabe da
existência de tão complexo estudo, contudo exigindo de si mesma a sua não captura, utiliza
seu impulso criativo de modo a produzir e apresentar forças que se encontram em ação no seu
corpo para driblar o poder dos adultos e criar modos de vida forjados como resistência às

uma questão urgente: "Sou um garoto ou uma garota?" Sua próxima questão é uma espécie de resposta: "Quando
me transformarei em uma garota?" Ludovic conta à sua mãe o que acredita que vai acontecer em seu futuro
porque se apaixonou por Jerome: "Ele vai se casar comigo quando eu não for um garoto." Ludovic é suspenso da
escola por conta de uma petição dos pais e responsáveis das demais crianças e o diretor pontua: "Seu gosto é
muito excêntrico para esta escola."
10 “Angústia, em alemão “angst”, embora tenha diversos sentidos em sua tradução, significa medo. Como um
sentimento de inquietude gerado por uma ameaça real ou imaginária, a angústia também é conceituada como
“receio”, “temor”, “pânico” ou “pavor” (HANNS, 1996). Como eixo fundamental da clínica psicanalítica, a
angústia é apresentada no Seminário 10 de Lacan (1962-1963/2005) através dos conceitos de inquietante
estranheza (Unheimlich) e de desamparo (Hilflosigskeit).
34

formas dos professores de governar os que são considerados fora da norma (ASPIS; GALLO,
2010).
“É preciso, portanto, um certo estremecimento dessas fronteiras excessivamente
rígidas e fixas da identificação e do desejo (...)” (ARAN; PEIXOTO JÚNIOR, 2007, p.143)
que questionem a rigidez identitária apresentando modos de subjetivação desviantes dos
regimes normativos.
35

Movimentos Queer

Sorry. Ser bicha não basta para ser queer: é necessário submeter a sua própria
identidade à crítica.
(Preciado, 2009)

A teoria queer é o resultado de diversas ações, ativismos e movimentos promovidos pelo


mundo. Entre eles: os Panteras Negras, partido político norte-americano criado em 1966 como
um grupo comunitário socialista de luta contra o racismo e violência policial; a Rebelião
Stonewall, que foi uma série de manifestações de membros da comunidade LGBT contra uma
invasão da polícia de Nova Iorque no bar Stonewall Inn em 1969; o Movimento Negro
Unificado - MNU, grupo de ativismo político, cultural e social fundado no ano de 1978 em
São Paulo que lutou pela autoafirmação da cultura de matriz africana, contribuindo para o
renascimento da cultura negra; Aids Coalition to Unleash Power - ACT UP, grupo político
internacional que nos anos 1980 lutou pelo combate à pandemia da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida - AIDS; Queer Nation, formado em março de 1990, em Nova
Iorque, que ficou conhecido por suas táticas de confronto organizando patrulhas nas ruas para
conter as agressões aos homossexuais; Pink Panthers Patrol, fundado em 1990 por membros
do Queer Nation, interrompeu suas atividades após ser processado pela MGM que detinha os
direitos autorais do nome “Pink Panther”; Black Lives Matter - BLM ou Vidas Negras
Importam, um movimento antirracista com origem na comunidade afro-americana, que faz
campanha contra a violência direcionada às pessoas negras, organizando protestos em torno
das mortes de negros causadas por policiais, e questões mais amplas de discriminação racial,
brutalidade policial, e a desigualdade racial no sistema de judiciário; Bondage, Disciplina,
Dominação, Submissão e Sadomasoquismo - BDSM, como um conjunto de práticas que
envolvem atos sexuais ou não baseados em prazer e dor a partir da exigência de respeito e
consentimento dos envolvidos que ganhou destaque após o filme “50 Tons de Cinza” lançado
no ano de 2015; a Teoria Ciborgue de Donna Haraway, que a partir do manifesto publicado
em 1985, rejeitando os limites rígidos estabelecidos entre “humano” e “animal” e “humano” e
“máquina”, defende a ideia que somos todos “ciborgues”; os conceitos divulgados por Judith
Butler em 1990 na sua obra “Problemas de Gênero”, como a heteronormatividade, que
36

marginaliza os que apresentam orientações sexuais diferentes da heterossexual e


performatividade, que busca compreender como a repetição das normas cria sujeitos que se
tornam os resultados de tais repetições; o movimento das mulheres negras, latino-americanas
e caribenhas; o movimento das trabalhadoras sexuais (SPARGO, 2017), ou como reivindica
Prada (2018), o termo ‘putafeminismo’ a partir do qual mulheres constituem suas identidades
como trabalhadoras sexuais. Uma opção por resgatar o termo ‘puta’ e recusar os termos
‘prostituta’ ou ‘trabalhadora sexual’ entre outros grupos e movimentos que criaram estratégias
políticas para combater às forças sociais opressivas e normatizadoras (PRADA, 2018); a grife
Daspu lançada em 2005, idealizada por Gabriela Leite que vendia ‘para putas’ roupas
concebidas ‘por putas’, para ironizar a Daslu, grife de luxo paulistana; os protestos
conhecidos como Movimento Ele Não, que foram manifestações populares lideradas por
mulheres que ocorreram em diversas regiões do Brasil e do mundo, tendo como principal
objetivo protestar contra a candidatura à presidência da República do então deputado
federal Jair Messias Bolsonaro, que ocorreram nos dias 29 de setembro e 20 de outubro de
2018 etc. Todos esses são movimentos que podem ser lidos como gestos de
resistência queer antiassimilacionistas (ALÓS, 2020) e contribuem de certa forma com o
ativismo queer por meio da interseccionalidade,11 que orienta como os diferentes tipos de
discriminação interagem e através do qual um ou mais estereótipos não devem ser tratados
apenas como “variáveis independentes”, já que a opressão de um está inscrita no outro
(COLLINS; BILGE, 2020).
Podemos observar que, enquanto movimento, o queer se estabelece por meio da
diversidade de sujeitos com as mais variadas formas de divulgar seus pensamentos e ideias,
atrelados a grupos, coletivos ou individualmente em nome dos corpos que não se encaixam na
heteronormatividade e que, por isso, são considerados imperfeitos e acabam por exercer um
papel de exceção à norma (PRECIADO, 2002).
Sujeitos heterossexuais não precisam declarar ou revelar a sua identidade, pois em
nossa sociedade se pressupõe que todos sejam heterossexuais. Em uma sociedade organizada
a partir de uma matriz heteronormativa, os corpos ganham o status de “ser o que se é”
dependendo do território que ocupam, dentro da normalidade ou da aberração.
Nessa lógica, quem se mostra por meio das diferenças é levado a construir um lugar
que demarca a sua particularidade em meio a uma massa considerada homogênea.

11
Na perspectiva de Collins; Bilge (2020) a interseccionalidade remete a uma abordagem transdisciplinar que
objetiva apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais, recusando o fechamento e a
hierarquização de grandes eixos de diferença social.
37

O movimento queer ao propor o questionamento das normas, conceitos e


identidades binárias cristalizadas em nossa sociedade e ao lançar a crítica à
heteronormatividade, isto é, a ideia de que a heterossexualidade é a norma, trouxe a função de
desfazer o mito da binaridade de gênero homem/mulher.
O movimento ao buscar as bases da teoria queer, vai além e desconstrói o binarismo
homossexualidade/heterossexualidade tratando a identidade de gênero e a sexualidade ou a
assexualidade como contínuas e múltiplas em suas diversas formas de expressões e diferenças
(GAMSON, 2006).

O velho dualismo binário da ignorância e do conhecimento não pode lidar com o


fato de que qualquer conhecimento já contém suas próprias ignorâncias. Se, por
exemplo, os/as jovens e os/as educadores/as são ignorantes sobre a
homossexualidade, é quase certo que eles/elas também sabem pouco sobre a
heterossexualidade. O que, pois, é exigido do conhecedor para que compreenda a
ignorância não como um acidente do destino, mas como um resíduo do
conhecimento? Em outras palavras, que ocorrerá se lermos a ignorância sobre a
homossexualidade não apenas como efeito de não se conhecer os homossexuais ou
como um outro caso de homofobia, mas como ignorância sobre a forma como a
sexualidade é moldada? A questão aqui é que a categoria normativa da
heterossexualidade só se torna inteligível quando ela é definida através das
hierarquias de diferença, quando ela é definida por aquilo que não é (BRITZMAN,
1996, p 91).

É necessário salientar que o movimento queer não é um movimento homossexual e


sim dos dissidentes sexuais, de gênero e de todos que se percebem excluídos e que fogem à
norma imposta pela sociedade que se compreende heterossexual. O movimento tem por
objetivo a análise e a desconstrução do processo histórico que demarca a sociedade
heteronormativa como dominante, bem como a inclusão das diferenças.
A política de inclusão reivindicada pelo movimento queer não é reduzida à busca por
igualdade ou à obtenção de direitos, problematizando assim, a judicialização das esferas
política e social. Diferente de diversos outros movimentos que buscam por igualdade e
integração às normas, o movimento queer, ao contrário, não deseja a integração e se coloca
distante até mesmo de algumas demandas do Movimento LGBT+12 que busca por igualdade
de direitos, “favorecendo políticas familiares, tais como a reivindicação do direito ao
casamento, à adoção e à transmissão do patrimônio” (PRECIADO, 2011, p. 17). A teoria
queer visa não apenas impor a aceitação das diferenças, mas pôr em questão a própria norma,

12 A estratégia fundamental usada pela maioria dos movimentos LGBT’s e que está muito ligada aos discursos
em torno da igualdade, é a afirmação das identidades e o uso do essencialismo estratégico que acompanha as
suas práticas políticas. Ativistas, em geral, defendem que um grande grupo de pessoas deve ter e afirmar a
mesma identidade ou um restrito grupo de identidades, na melhor das hipóteses simbolizadas pela sigla LGBT, e
que todas devem se identificar com as mesmas características que seriam inerentes a tais identidades
(COLLING, 2015).
38

inclusive o modo com que tal norma estabelece os limites de inteligibilidade que organizam a
compreensão do homem e da sexualidade (CUNHA, 2013).
O movimento queer “opõe-se às políticas republicanas universalistas que concedem
o reconhecimento” e impõem a “integração” das “diferenças” no seio da República
(PRECIADO, 2011, p 18) e diz: não nos interessa o casamento, não queremos a formação da
família tradicional, não necessitamos da aprovação da sociedade para caminharmos pelas ruas
como desejamos, não deixaremos de nos nomear como quisermos, contudo, não permitiremos
que os outros nos nomeiem e nos julguem como querem. Como aponta Preciado (2009):

O que havia mudado era o sujeito da enunciação: já não era mais o mestre hétero que
chamava o outro “bicha”; agora a bicha, a caminhoneira e o/a trans se
autodenominavam queer, anunciando uma ruptura intencional com a norma (...). Já
não se tratava de pedir tolerância e fazer vista grossa para acessar as instituições
heterossexuais do matrimônio e da família, mas afirmar o caráter político (para não
dizer policial) das noções de homossexualidade e heterossexualidade, questionando
sua validade para delimitar o campo do social (p. 15).

Em oposição à forma de dominação da sociedade heteronormativa, a proposta do


movimento queer é de que a sociedade e a sexopolítica13 deixe de ser um lugar de controle
dos corpos para transformar-se em espaço de “criação na qual se sucedem e se justapõem os
manifestos feministas, homossexuais, transexuais, intersexuais, transgêneros, chicanas, pós-
coloniais... As minorias tornam-se multidões” (PRECIADO, 2011, p. 14).
O movimento queer como a reinvenção das organizações influenciadas pelo
aparecimento da teoria queer propõem com maior vigor a desnaturalização das identidades
sexuais e de gênero e das políticas em torno dessas (PRECIADO, 2011).
No movimento queer, as identidades sexuais e de gênero dissidentes se posicionam
contrárias à assimilação das práticas e existências estruturadas que mantêm as desigualdades,
construindo assim, também, uma luta anticapitalista. Portanto, o sujeito do movimento queer
não é apenas um sujeito, mas uma “multidão de anormais” que são vistos e tratados como
minorias14 (PRECIADO, 2011).
Preciado (2011) traz o conceito de multidões queer, como uma proposta que difere
da procedente do movimento LGBTIAP+ por não se delinear em uma noção de identidade

13 A sexopolítica é uma das formas dominantes da ação biopolítica no capitalismo contemporâneo. Com ela, o
sexo (os órgãos chamados "sexuais", as práticas sexuais e os códigos de masculinidade e de feminilidade, as
identidades sexuais normais e desviantes) entra no cálculo do poder, fazendo dos discursos sobre o sexo e das
tecnologias de normalização das identidades sexuais um agente de controle da vida (PRECIADO, 2011, p. 11).
14 A expressão “minoria” não pretende se referir a quantidade numérica, mas sim a uma atribuição valorativa
que é imputada a um determinado grupo a partir da ótica dominante (LOURO, 2008).
39

natural homem/mulher ou em práticas sexuais, mas na multiplicidade de corpos que resistem


às normas.

A multidão queer não tem relação com um “terceiro sexo” ou com um “além dos
gêneros”. Ela se faz na apropriação das disciplinas de saber/poder sobre os sexos, na
rearticulação e no desvio das tecnologias sexo-políticas específicas de produção dos
corpos “normais” e “desviantes”. Por oposição às políticas “feministas” ou
“homossexuais”, a política da multidão queer não repousa sobre uma identidade
natural (homem/mulher) nem sobre uma definição pelas práticas
(heterossexual/homossexual), mas sobre uma multiplicidade de corpos que se
levantam contra os regimes que os constroem como “normais” ou “anormais” (...) O
que está em jogo é como resistir ou como desviar das formas de subjetivação
sexopolíticas (PRECIADO, 2011, p. 16).

O movimento queer traz à existência, segundo Preciado (2011, p 18), “uma multidão
de diferenças, uma transversalidade de relações de poder, uma diversidade de potências de
vida.” Nesse sentido, o movimento queer extrapola e subverte o campo de concepções sobre a
sexualidade, postulando-se como um novo paradigma que vai além da teoria.
40

Em terras brasileiras: uma teoria de combate?

Quem defende a criança queer?


(Preciado, 2012)

Assim que cheguei na entrevista de seleção para o Mestrado, segui confiante


demonstrando que queria muito pesquisar a Teoria Queer, a criança queer e suas
dissidências. Sempre fui calada, mas naquele momento falava demais a ponto de
interromper os dois professores-entrevistadores por diversos momentos. Acreditava que
estava chegando à academia com um tema inovador. No meu entusiasmo fui interrompida
pelo professor que me informou que a Teoria Queer já não era novidade nas pesquisas
universitárias fazia tempo. Rapidamente me coloquei, ao mesmo tempo em que me senti
desanimada:
“− Mas, e no chão da escola?”
O meu desejo estava ali vibrando na possibilidade de levar a Teoria Queer a quem
de fato lida diariamente com a criança queer: os seus professores.
No meio em que trabalho, ao menos algumas das professoras e professores que
conviveram comigo nos quatro municípios nos quais eu já atuei, declararam nunca ter
ouvido sequer a palavra queer.
Argumentei com o professor sobre o distanciamento entre a Universidade
produtora de conhecimento, daqueles que necessitam se apropriar desse conhecimento.
Tive a impressão de que foi naquele momento que “ganhei” a vaga.
Diferente de como ocorreu nos Estados Unidos, a teoria queer no Brasil não surgiu
através das reivindicações nas ruas. Aqui ela chegou através da Academia. Pulou os muros
das Universidades e no final da década de 1990 estava sendo estudada por pesquisadores
brasileiros.
Queer, este termo que não tem tradução clara na língua portuguesa foi utilizado por
décadas como xingamento, contudo, chegou ao Brasil já ressignificado. Queer não é um
termo de fácil compreensão no Brasil. Aqui, as pessoas não se denominam queer, ao menos,
não as pessoas que não têm acesso à teoria queer.
41

Em 2001, Guacira Lopes Louro publicou um artigo intitulado “Teoria Queer: uma
política pós identitária para a educação.” Foi um marco para o início das discussões dos
estudos queer no Brasil.
É possível dizer que o termo queer relacionado à sexualidade e ao gênero surgiu
como um insulto à população LGBTIAP+, que passou a utilizar a palavra como forma de
assunção e de deboche (LOURO, 2001b).
Segundo Spargo (2017), queer em inglês pode atuar como verbo, substantivo ou
adjetivo. De insulto, o termo queer, passou a ser reivindicado e utilizado como uma expressão
de transgressão, marcando uma oposição à norma.

Se a cultura queer reivindica o termo queer como adjetivo que se diferencia da


relativa respeitabilidade de gay e lésbica, então podemos dizer que a teoria queer
utiliza o termo queer como verbo que põe em dúvida as pressuposições sobre ser e
agir de modo sexual e sexuado. Em teoria, queer está incessantemente em desacordo
com o normal, a norma (...) é categoricamente excêntrico, a-normal (SPARGO,
2017, p. 33).

Em diversos textos de estudos e pesquisas acadêmicas, encontramos além da palavra


queer, o uso do termo queerizar ou queerizando15, como forma de ampliar a perspectiva de
movimento da prática pedagógica para o campo das multiplicidades dos sujeitos, das
transformações e das experiências. Queerizar é verbo, é ação para problematizar e transviar
sujeitos, desestabilizando-os dos lugares que confortavelmente ocupam (HALPERIN, 2000),
o que assusta a patrulha ideológica.
De acordo com LOURO (2004), a ressignificação da palavra queer trouxe uma
utilização do termo como tentativa de não mais utilizá-la de forma pejorativa e sim de dotá-la
de diversos significados, assumindo também seu aspecto político.

Não é por acaso que as “Teorias Queer” portam, no seu próprio nome, a história de
uma luta pela ressignificação do insulto, uma luta pelos naming-rights das
sapatonas, das travestis, das soropositivas, das bichas, das raras, das precárias. A
indeterminação do referente, inscrito no insulto queer, é um dos motivos pelos quais
este não é o nome de um movimento social que possa ser descrito, colocado no vidro
do laboratório acadêmico para ser dissecado, as suas partes expostas e classificadas
(LEOPOLDO, 2020, p. 15).

Apesar da teoria e o movimento queer não estarem especificamente voltados à


comunidade LGBTIAP+, é necessário ressaltar que o movimento LGBTIAP+, bem como os
sujeitos que ele representa, estão em contínuo processo de mudança. No início dos anos de
1990 no Brasil, a sigla mais utilizada para representar a comunidade que hoje conhecemos

15 Aqui foi adotada a forma verbal do termo queer, ampliando assim o seu escopo e enfatizando o seu aspecto
de agenciamento de novas formas de devir (HALPERIN, 2000).
42

como LGBTIAP+ era GLS - gays, lésbicas e simpatizantes.16 O passar dos anos e das novas
demandas por reconhecimento de especificidades dos sujeitos que se sentem invisibilizados
ou excluídos fez com que a sigla se modificasse continuamente (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Portanto, as letras são incluídas e alteram-se de acordo com o momento
político e as respostas que os movimentos sociais dão para as questões que emergem nos
diferentes contextos históricos.
Muitos pesquisadores defendem a exclusão da letra Q da sigla, que é utilizada em
alguns contextos, exatamente por ela representar o Q de queer. No dizer de alguns teóricos
não cabe a letra Q na sigla já que a teoria queer prega pela não identificação do sujeito e, na
sigla, cada letra exposta está seguida da representação identitária de cada grupo dissidente. “O
queer ante isto, toma uma forma: não se trata de uma identidade, mas, sobretudo, de um
questionamento contínuo das identidades, um questionamento aos processos de naturalização
e normatização” (LEOPOLDO, 2020, p. 29).
Por meio de um crescente ativismo, a sigla se encontra atualmente com variadas
possibilidades de reestruturação. Em sua versão mais conhecida, a encontramos assim:
LGBTTQQIAAP+, representando as lésbicas, os gays, os bissexuais, trangêneros, travestis,
queer, questionando, intersexuais, assexuais, aliados, pansexuais etc.

Essa expansão de pautas se dá majoritariamente em termos de uma multiplicação de


identidades. Se a sigla LGBT dizia respeito às chamadas orientações sexuais, muitas
de suas novas letras referem-se propriamente a identidades de gênero. Curiosamente,
há inclusive a tentativa de identitizar o que se define justamente por não ser uma
identidade coesa e definida, como é o caso do queer (...) (AMBRA, 2017, p. 21).

Atualmente, as políticas identitárias estão presentes na maioria das políticas públicas


brasileiras e seguem orientadas por multidões cujas identidades são nomeadas e conceituadas
para maior visibilidade. É comum no campo LGBTIAP+, ativistas argumentarem que os
homossexuais pagam impostos assim como os heterossexuais, que amam e possuem família,
por isso são dignos dos mesmos direitos (COLLING, 2015). “No Brasil, o queer ainda é visto
pela maioria como demasiado acadêmico e a palavra em inglês, na opinião de diversos
pesquisadores, não dá conta de contemplar as experiências no ativismo de cada local (...)”
(COLLING, 2015, p. 22). É nesse sentido que o conceito de identidades para os movimentos

16 Sigla utilizada no início dos anos 1990 no Brasil, representando os gays, as lésbicas e os simpatizantes.
(LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016). O acrônimo GLS se referiu a um segmento de mercado para divulgar
espaços, produtos e serviços que estavam abertos a todos os públicos, diferente da sigla LGBTIAP+ que aponta
para um caráter político-social, referindo-se às minorias.
43

queer não pode representar algo estanque, tampouco deve ser percebido como caráter de
idêntico em uma sociedade diversa (FERNANDES, 2006).
Miskolci (2010, p. 10) aponta que é urgente “o fim do modelo identitário de
letrinhas” com o risco de tornar o movimento cada vez menos plural e democrático. Por outro
lado, como ficariam as questões das multidões invisibilizadas a cada dia a partir de ações de
intolerância e violência se não representadas?
É importante ressaltar que os estudos da teoria queer e os combates do movimento
queer não buscam existir em oposição aos indivíduos heterossexuais e cisgêneros, mas têm
interesses em se opor à heterossexualidade compulsória e à cisgeneridade como regimes
políticos de normalidade. Nessa perspectiva, a heterossexualidade não é compreendida apenas
como “uma prática sexual, mas como um regime político que faz parte da administração dos
corpos e da gestão calculada da vida no âmbito da biopolítica”17 (PRECIADO, 2011, p. 12).
A teoria queer no Brasil segue engatinhando, ganhando espaço e se consolidando
ainda nas pesquisas e nas ruas. O que se pretende é provocar o estranhamento até nas formas
de pesquisar ou pensar. Apesar da busca da consolidação dos conceitos da teoria queer, esta
pode ser sempre encarada como provisória, em trânsito e não como aquela que constrói, mas
que desconstrói.18

17 A biopolítica, polo complementar do biopoder (FOUCAULT, 1975/2007), volta-se à regulação das massas,
utilizando-se de saberes e práticas que permitam gerir taxas de natalidade, fluxos de migração, epidemias,
aumento da longevidade etc. (FOUCAULT, 1970/2013; 1995).
18 Sáez (2004) apresenta uma definição aproximada do conceito de desconstrução de Derrida e, ainda, indica o
uso do conceito pela teoria queer afirmando que: “a desconstrução é uma forma de intervenção de axiomas
hermenêuticos que produz uma instabilidade na segurança dos métodos, na história das ideias, nas fontes da
significação, atuando nos sedimentos das arquiteturas conceituais (...).” (SAEZ, 2004, p.84). Segundo Derrida,
para que haja desconstrução é necessário a dissolução de todas as rígidas oposições conceituais dos binarismos
como homo/hetero, homem/mulher, natureza/cultura etc. Assim, poderemos procurar a descrição justamente por
aquilo que é ou por aquilo que não é, deslocando-se da finalidade de uma posição e avançando a noção de que
não há estrutura ou centro e nenhum significado unívoco. DERRIDA, (1967/2004; 1979/2009).
44

III PARTE

Pink Freud: o que quer uma criança queer?

Meu corpo tem cinquenta braços e ninguém vê porque só usa dois olhos.
(Paulinho Moska, 1995)

Partindo do sugestivo e não menos polêmico questionamento de Freud a Marie


Bonaparte “o que quer uma mulher?”, relatado por seu biógrafo oficial (JONES, 1970, p.
258), problematizei o querer da criança queer em meio aos seus anseios nas escolas, já
supondo seu desejo, e logo surgiu outro questionamento: seria possível pensar a professora ou
o professor da criança queer como alguém que aceite que ela tenha vivências e fantasias fora
da norma?
Mesmo que Freud não tenha se desvinculado totalmente de seu tempo, mantendo-se
de algum modo nas estruturas do pensamento conservador e normativo de sua época, Dean
(2006) sugere que Freud foi o verdadeiro fundador intelectual da teoria queer e foi sob um
conflito político-teórico que Butler (1990/2019b) desenvolveu sua crítica sobre os aspectos
fundantes da psicanálise e, a partir de variados textos de Freud, estabeleceu um permanente
diálogo dos seus estudos queer com a psicanálise.
Em relação à criança, a psicanálise inscreveu seu marco a partir da publicação do
caso “O Pequeno Hans”, texto de Freud publicado em 1909 que se tornou um modelo da
psicanálise com crianças, demonstrando que, às vezes, a criança revela seu desejo, mas que
este pode também, manter-se oculto e, no lugar, surgir um sintoma, uma angústia, um medo,
como a exemplo a “fobia de cavalos” (FREUD, 1909/1996).
O pai de Hans se comunicava com Freud por meio de cartas, relatando a rotina da
família juntamente ao pequeno, uma criança de cinco anos que tinha medo de cavalos. O meio
de transporte na época, era feito por carruagens conduzidas por cavalos, o que causava a Hans
um enorme medo de sair de casa. Hans se encontrava na fase que Freud denomina de
45

Complexo de Édipo19, quando a criança deseja a mãe para si, ao mesmo tempo que vê o pai
como aquele que vai castrá-lo, dito de outro modo: o pai como rival no amor em relação ao
amor da mãe. O pequeno Hans demonstrou curiosidade pelo órgão genital de sua irmã que
acabara de nascer, pelos órgãos genitais de seus pais e pelo seu. Ao se deparar com o órgão
sexual do cavalo, Hans fez referência ao órgão sexual de seu pai, mencionando algo do tipo “é
grande igual ao do papai” (FREUD, 1909/1996). Em forma de representação, através da
instauração do recalcamento para lidar com suas angústias edipianas e não perder o amor dos
pais, o cavalo passou a simbolizar o medo que ele tinha do pai em castrá-lo e afastá-lo do seu
objeto de desejo, sua mãe.
Desse modo, as questões acerca da sexualidade infantil e do Complexo de Édipo
predominaram na leitura freudiana no caso do pequeno Hans, estudo que abriu caminho para
descortinar a criança apresentada por Freud (1907/1976), que é dotada de sentimentos e
desejos, que vive conflitos e contradições, e, sobretudo que, é portadora de sexualidade e
escapa ao controle da educação.
No final do século XIX e início do século XX, Freud abre um campo de investigação
antes desconhecido: a noção de inconsciente, abalando a confiança que a cultura ocidental
depositava na razão. Ao apresentar a sexualidade infantil e contestar a ideia da inocência da
criança, Freud (1905/2006) provocou abalos na concepção que o ser humano tinha dele
mesmo. A psicanálise apresentava um novo discurso sobre o ser humano, não como um
sujeito objeto da ciência, mas como marcado pelo inconsciente, um ser humano passível de
sonhar, amar e desejar de forma diferente da norma judaico-cristã e da cultura vitoriana de sua
época.
A obra de Freud “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905/2006), na sua
primeira versão, apresentou uma concepção como essencialmente perversa e, o que para a
época apresentou o caráter revolucionário de Freud. Nas reformulações da obra nas edições
posteriores (1910; 1915; 1920; 1924), a riqueza interpretativa observada na primeira versão,
cedeu lugar, como sugeriu Laplanche (1992), a um aspecto menos “aberrante da sexualidade.”
A partir das concepções iniciais de Freud, a criança da psicanálise se apresenta
marcada pelo inconsciente, o qual incide sobre ela com sua dinâmica pulsional. Essa criança

19 Complexo: conjunto de sentimentos e representações, parcial ou totalmente inconscientes, dotado de uma


potência afetiva que organiza a personalidade de cada um, marca seus afetos e orienta suas ações. O termo foi
utilizado por Freud nos escritos dos casos de complexo de Édipo, complexo de castração e complexo paterno
(CHEMAMA, 1995). O complexo de Édipo é “1. Conjunto de investimentos amorosos e hostis que a criança faz
sobre os pais, durante a fase fálica. 2. Processo que deve conduzir ao desaparecimento desses investimentos e
sua substituição por identificações. S. Freud rapidamente observou as manifestações do complexo de Édipo e
avaliou sua importância, tanto na vida da criança como no inconsciente do adulto” (CHEMAMA, 1996, p. 55).
46

que é ativa e atravessada pela linguagem, assume na teorização de Freud a nomeação de


“pequeno perverso-polimorfo”20 (1905/2006). De sua dimensão de sujeito falante, advêm os
desdobramentos dos efeitos da linguagem sobre si mesma. A infância é tanto ausência, quanto
busca da linguagem (AGAMBEN, 2005) e do desejo que se constitui na nomeação e, também
como aquilo que, por sua resistência à nomeação definitiva, permite-se renomear-se
indefinidamente (LACAN 1961-1962/2003).
Para Freud (1905/2006), até 4 anos aproximadamente, a sexualidade da criança é
perverso-polimorfa, assim como é do adulto. Como se a criança tivesse uma tendência
bissexual, que transita entre a passividade e a atividade, entre um objeto não muito claro. Sua
sexualidade não é definida, pois está articulada a um objeto indefinido, logo, polimorfo. A
diferenciação só vai ocorrer na fase genital, após o Complexo de Édipo que se estabelece na
fase fálica.
Por esta razão, pensar nessa criança envolve a tarefa de tomá-la em sua dimensão de
sujeito, afastando-se de uma concepção na qual a criança é vista apenas como objeto de
alguma designação ou interpretação vinda dos seus professores na escola ou até mesmo de
seus pais e responsáveis no ambiente familiar.
A criança sempre se fez presente nos textos de Freud, contudo a marca memorável da
sua presença no texto freudiano é a desconstrução da representação da criança em sua época,
como incapaz e ingênua por natureza. Ao nos apresentar a criança como um ser “perverso-
polimorfo”, atravessada pela sexualidade, indicando assim o efeito da vida pulsional sobre a
criança, Freud nos apresentou “o corpo da criança, sendo um corpo atravessado pela pulsão
(...) um corpo de desejo” (Ferreira, 2017, p.54). Diante disso, a sexualidade perversa-
polimorfa da criança não é passiva ou inerte, mas marcada por um desejo que se apresenta
diante dos professores como uma demanda que precisa ser observada, ainda que a princípio
isso pareça incompreensível.
Inspirando-se na leitura de Freud, é possível aproximar a criança do professor
quando o teórico nos ensina que o inconsciente, sendo atemporal, não amadurece nem se
desenvolve, permanecendo na mesma condição encontrada na criança e no adulto, o que
ocasiona a máxima de que todos nós somos por natureza, infantil. Por possuirmos uma

20 Freud (1905/2006) denominou a sexualidade infantil como “perverso-polimorfa”, uma vez que, para o
teórico, a sexualidade se manifesta de várias formas, não havendo primazia de uma zona erógena determinada,
relativando o modelo genital da relação sexual e derivando as formas de obtenção de prazer de qualquer área ou
órgão do corpo, já que, na infância, a sexualidade é submetida à ação de pulsões parciais (autoerotismo). Ao
caracterizar a infância como “perverso-polimorfa”, polivalente e autoerótica, Freud aponta que o ser humano é
um sujeito dotado de desejos proibidos e conflituosos que se abstêm deles para viver de acordo com as normas
da cultura.
47

sexualidade infantil em sua essência, o perverso-poliformo, é o que não pode ser jamais
castrado, pois “não cede à castração”, é o sujeito que cede aos seus desejos e impulsos para
poder viver em uma sociedade estabelecida pelas normas de sua cultura. (FREUD,
1905/2006; 1930/2010). A “lei” regula, mas não elimina o gozo pulsional humano. O gozo
enquanto o que passa da medida é aquele a que todo ser humano está sujeito e precisa
renunciar, de modo a não se destruir e destruir o outro em seus excessos. Aceitar o hibridismo
da criança não quer dizer abolir a “Lei” ou o fato inerente de sermos todos castrados, haja
vista não ser possível viver em sociedade sem renúncia pulsional (FREUD, 1930/2010). O
papel da escola é de introduzir e permitir a elaboração dessa normatividade social na criança
(CANGUILHEM, 1966/2000). Ademais, da Lei advém a possibilidade de desejar, diante dos
limites impostos pela sociedade. No entanto, esses limites da Lei precisam ser repensados
sempre, pois devem mudar diante do obscurantismo de épocas em que é a própria sexualidade
infantil que é eliminada junto com regras que destituem os sujeitos de sua capacidade de ser e
de desejar.

Muito prazer, eu sou o Baby!


(Baby, 2018)

“Baby”, assim se apresentou Renato na Roda de Conversa. Era o primeiro dia de


aula após o recesso escolar. Havia duas crianças novas na turma da Pré-Escola e, por isso,
a professora pediu que todos se apresentassem aos novos colegas. Renato não era criança
nova na turma, já frequentava a Unidade Escolar desde o Maternal, mas no momento da
apresentação, se fez novo. Nunca tinha se referido a si mesmo como Baby! Quais
novidades as férias trouxeram?
- “Diga seu nome, Renato!” Solicitou a professora que foi seguida por risadas!
- “Você, já disse tia!”
Baby Renato, se levantou da Roda e logo disse:
- “Amigos novos, eu sou o Baby. Mas, não é apelido, não. Esse é meu nome agora,
tá?”
Aqui não se esgotam as inquietações despertadas pelo Baby, que após as férias
retornou à escola “mais alegre e colorido” e, contudo, muito além de patologizar ou
normatizar seu comportamento, é fundamental compreender a diversidade das manifestações
da fantasia da criança. Quando procuramos entender que as dinâmicas pulsionais sustentam
48

múltiplas manifestações da sexualidade, é possível refletir que a escola se detém ao momento


sócio-histórico e que os processos identificatórios pelos quais passa a criança não se separam
da cultura, ainda que, nem sempre revele a verdade de cada uma. Ainda assim, a criança
resiste e não se submete à ideia de regulação.
Segundo Freud (1905/2006), a sexualidade se manifesta desde as primeiras
experiências afetivas do bebê. Quando nasce, a percepção do bebê é sensorial, todo contato
com o mundo externo e com quem irá participar de seus cuidados, passa a compor as
primeiras sensações sexuais que serão a base para a construção dos vínculos afetivos e do
desejo de viver e aprender. Por meio da energia afetiva libidinal, a construção de sua
subjetividade ocorrerá e levará o bebê a perseguir seus objetivos. Essa vontade vital de
explorar e conhecer o mundo, Freud (1905/2006) denominou de libido, que é sinônimo de
energia sexual. Segundo Fiori (1982) a libido é:

a energia afetiva original que sofrerá progressivas organizações durante o


desenvolvimento (...) A libido é, portanto, uma energia voltada para a obtenção do
prazer. É neste sentido que a definimos como uma energia sexual, num sentido amplo,
e que caracterizamos cada fase de desenvolvimento infantil como uma etapa
psicossocial do desenvolvimento. Estamos especificando que a sexualidade não é
vista pela psicanálise em seu sentido restrito usual, mas abarca evolução de todas as
ligações afetivas estabelecidas desde o nascimento até sexualidade genital adulta. Por
definição todo o vínculo de prazer é erótico ou sexual. Ao organizar-se
progressivamente em torno de zonas erógenas definidas, a libido caracterizará três
fases de desenvolvimento infantil: a fase oral a fase anal e a fase fálica; um período
intermediário sem novas organizações é o período de latência e uma fase final de
organização adulta é a fase genital (FIORI, 1982, p. 34).

As significativas contribuições de Freud (1905/2006) sobre o conceito de sexualidade


se mostram relevantes para o entendimento do comportamento da criança que está na escola,
lembrando que a sexualidade não se vincula apenas ao psiquismo do sujeito, mas está atrelada
também à sua formação pessoal e que a criança é dotada de sexualidade desde que nasce,
buscando o prazer em todas as fases vividas. Vale ainda destacar que, não somente a família
faz parte do processo de formação da sexualidade de seus filhos, mas, também, a escola que,
imbuída de um diálogo claro, aberto e sem preconceitos entre professores e famílias, possui
um caminho para a aceitação do desenvolvimento da sexualidade da criança, orientada a
vivenciá-la de forma menos traumática.
Naturalmente, as crianças da turma fizeram da forma que o amigo Baby pediu, e
o chamaram de Baby desde então. Para as crianças o outro pode ser quem quiser e como
49

quiser. Para a escola, o outro necessita cumprir normas. Para os professores, o Baby veio
instigar.
Alguns professores preferiam que o Baby continuasse Renato, “o menino contido”;
para outros, o Baby “colorido” suscitou uma necessidade de ampliar as possibilidades de ver o
outro como ele é, e, para tanto, buscaram alinhar a prática pedagógica à realidade que ali
estava: o Baby existe.
De acordo com Freud (1905/2006), a criança passa por fases de desenvolvimento que
são bem conhecidas dos professores da educação infantil, já que elas são divulgadas entre os
conteúdos das grades curriculares do Ensino Médio na modalidade Formação de Professores e
nos Cursos Normal Superior e de Pedagogia. Freud (1905/2006), ao publicar seus primeiros
estudos sobre a sexualidade infantil e o desenvolvimento psicossocial, chocou a sociedade da
época que possuía a ideia da não existência da sexualidade infantil. Contudo, o autor explicita
que desde o nascimento o sujeito é dotado de afetos, conflitos e desejos.
Assim são divididas as fases da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, distintas,
porém, não estanques: fase oral, fase anal, fase fálica e fase genital. Entre a fase fálica e a
genital, Freud (1905/2006) postula um período, denominado de latência.
Antes, cabe ressaltar que, para Freud (1905/2006), a sexualidade infantil não é uma
sequência de acontecimentos que ocorrem em tempo linear. São fases possíveis de serem
observadas em determinadas épocas da infância. Segundo a teoria da sexualidade infantil, as
fases do desenvolvimento infantil estão ligadas pelo deslocamento da libido para diferentes
zonas erógenas. Por ter percebido certa organização nas pulsões sexuais infantis, o teórico
agrupou tais pulsões em fases de desenvolvimento sexual infantil.
A fase oral ocorre de 0 aos 2 anos, aproximadamente. Nesta fase, a zona de
erotização é a boca. O prazer está ligado à ingestão de alimentos e tudo o que a criança deseja
conhecer, leva à boca. A amamentação e uso da chupeta, as mordidas nos seus pares na
creche, são exemplos de ações prazerosas nesta fase.
A Fase anal vai dos 2 a 4 anos aproximadamente. Aqui a zona erógena predominante
é o ânus. Esta fase é cheia de simbolismos e fantasias, visto que as fezes vêm de dentro do
corpo e a criança estabelece um certo vínculo tanto com a capacidade de excreção como com
a retenção. O controle dos esfíncteres anal e uretral é uma fonte de prazer.
A Fase fálica vai dos 4 aos 6 anos aproximadamente. Nela, a zona de erotização é o
órgão sexual, apresentando algumas convergências dos impulsos sexuais sobre o objeto.
Nesta fase, a criança apresenta curiosidade e desejo, manipulando os seus órgãos genitais.
50

É nesta fase, entre 4 e 6 anos aproximadamente, que ocorre o Complexo de Édipo


(FREUD, 1909/1996; 1924/1996), sendo a estruturação da personalidade do sujeito desperta
em torno dele.
Como apontado por Costa (2010), o termo “complexo” aponta para uma “rede de
relações que ocorrem na infância de todo sujeito e que é responsável pela organização de
nossa subjetividade desejante” (p. 7).
No Complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino e o pai ou a figura
masculina que o representa é o rival que impede o acesso do menino à sua mãe. Nessa busca,
o menino procura se assemelhar ao pai como modelo de comportamento para ter sua mãe só
para si. Assim, o menino passa a internalizar as normas sociais que são impostas pela
autoridade do pai. Com medo do pai, o menino desiste do seu desejo pela mãe, substituindo-a
pelo que seria sua vida social e cultural, através da qual, o menino pode participar da
sociedade baseando-se em suas regras que foram internalizadas através de sua identificação
com o pai. Todo este processo, também, ocorre com a menina, sendo as figuras de desejo e
identificação, apresentadas de forma diferente. O menino escolhe a mãe como objeto de
desejo e a menina, o pai. Essa troca de objeto de desejo é acompanhada da descoberta da
diferença sexual. Freud (1925/1996), marca tal diferença na observação do pênis ou na falta
dele (FREUD, 1924/1996; 1925/1996).
Através da ameaça da castração, culmina o declínio do Complexo de Édipo. “O
complexo de Édipo é dissolvido na medida em que a angústia de castração põe fim tanto à
ligação erótica com a mãe quanto à ligação amorosa com o pai” (COSTA, 2010, p. 34).
O menino na fase fálica se caracteriza por um interesse narcísico pelo próprio pênis
em contraposição da ausência de pênis na menina. É nesta diferença que se dá o início da
oposição fálico/castrado.
Embora Freud tenha introduzido o complexo de Édipo para a compreensão do
porquê o menino repudia sua mãe e volta-se ao seu pai, é possível perceber a ambivalência
nas suas relações a partir da identificação em consequência da rivalidade (BUTLER,
1990/2019b).
Segundo Freud (1905/2006), na menina, tal contestação faz surgir a inveja do pênis e
o ressentimento com a mãe que não lhe deu um pênis.21 Logo, surge um período de latência

21 Segundo Freud (1925/1996), a inveja do pênis funda-se no momento da organização sexual infantil
caracterizado pela primazia fálica. A menina se veria sem pênis, reconhecendo-se como membro de um gênero
inferior. Sob a ótica de Freud, a diferença anatômica entre os sexos acarretaria consequências psíquicas, que
diferenciariam a vida das mulheres da dos homens (FREUD, 1933/1996). Após a publicação da obra Segundo
51

que se prolonga até a puberdade, se caracterizando por uma diminuição das atividades
sexuais.
A fase da latência vai dos 6 anos até a puberdade. Nesta fase há intensa atuação da
repressão e recalcamento de fantasias e questões sexuais. É neste momento que a criança, por
meio da pulsão de saber e da sublimação, dirige sua libido ao desenvolvimento social e
cultural, quando, por exemplo, na escola, vive suas experiências sociais com as demais
crianças, se interessando por temas científicos e outras atividades criativas. Embora nesta fase
ocorra uma espécie de “pausa” na “evolução” da sexualidade, não significa que a criança não
tenha interesse sexual. Porém, trata-se de um “sexual-pré-sexual” (LAPLANCHE, 1991) uma
vez que não tem a genital amadurecida o suficiente.
Finalmente na adolescência, surge a última fase do desenvolvimento, segundo Freud
(1905/2006). Trata-se da fase genital que vai da puberdade à idade adulta. O objeto de
erotização ou de desejo já não está no próprio corpo, mas em um objeto externo, no outro. Na
puberdade, até o final da vida, a libido volta a sua concentração aos genitais, haja vista o
amadurecimento do sujeito.
Segundo Freud (1905/2006), nessa fase, os meninos e as meninas encontram-se
conscientes de suas identidades sexuais como sendo distintas e iniciam a busca de variadas
formas de satisfazer as suas necessidades interpessoais e eróticas na relação com o outro. Para
atingir a satisfação de modo pleno e adequado nesta fase, é necessário o desenvolvimento do
que se pode pontuar, mas não generalizar, como um adulto que a sociedade nomeia “normal.”
Nessa perspectiva, pode-se seguir a linha em que a partir de um conjunto de fatores
biopsicossociais que se somam, resultam, finalmente, em um sujeito adulto, com maturidade
para estabelecer relações equilibradas, ou em um sujeito com alguma descompensação.
É importante ressaltar que os desdobramentos dessa teoria, por muitas vezes, são mal
compreendidos, gerando preconceitos e estigmas, por outras vezes, são malconduzidos nas
Formações de Professores e de outros profissionais de variadas áreas, levando muitos à
incompreensão do tema e a um certo preconceito em se falar sobre a sexualidade infantil,
como se a criança não fosse dotada de desejos e de um erotismo “sexual pré-sexual.”
Com seu pensamento em permanente diálogo com as obras de Freud, Butler
(1990/2019b; 2004/2022) estabeleceu conexões entre seus encontros e desencontros com a
psicanálise, mesmo entre diferentes perspectivas, em princípio, distintas. Com todos os

Sexo (BEAUVOIR, 1949) e a segunda onda do feminismo, pode-se pensar que a centralidade do falo continua
como um motor teórico, porém, agora, a partir de seu caráter simbólico (MARTINS, 2021).
52

questionamentos que Butler realiza a respeito da psicanálise na forma como compreende o


processo de construção da sexualidade, a teórica defende que, os movimentos sociais
poderiam se utilizar da psicanálise para sofisticar muitos de seus argumentos, por exemplo,
como o poder social que, toma forma na psique e promove a regulação social e a
normalização, poderia enriquecer o pensamento relativo a temas importantes como o desejo,
as identidades e a solidariedade (PORCHAT, 2010).
Foi em um cenário de separação que durou décadas entre o sexo atrelado ao campo
do determinismo biológico (natureza) e o gênero atrelado ao campo de um construcionismo
social (cultura), que Butler propôs em 1990 a obra “Problemas de gênero: feminismo e
subversão da identidade”. Mesmo após trinta anos de sua publicação, a obra “(...) ainda
provoca efeitos éticos, estéticos e políticos em todos os campos de poder, saber e ser (...)”
(STONA; COELHO 2020, p. 39).
Segundo Porchat (2015), apesar da crítica à psicanálise, Butler em “Problemas de
gênero” (1990/2019b) entendia que a noção de diferença sexual era uma teoria da
heterossexualidade, porém, em “Desfazendo gênero” (2004/2022), a filósofa toma o conceito
de pulsão22 para acomodar tal diferença, recusando que o gênero é apenas uma construção
social e pensando sobre a potência que emana do corpo, sendo tomada como uma condição
para a transformação social.
Portanto, é imprescindível assinalar que os processos de formação do eu quase nunca
ocorrem sem violência e, principalmente, a criança queer no ambiente escolar é atingida por
ações que cotidianamente questionam seu comportamento a partir de um quadro de gênero
estabelecido pela sociedade, que nem mesmo seus professores compreendem. A família, a
cultura e a escola, como dispositivos de poder, se colocam como vigilantes e controladores da
criança que expõe suas diferenças.
Para Butler (1990/2019b), não é possível identificar entre a natureza e a cultura, o
que se coloca primeiro, onde um conceito se inicia ou termina. Desta forma, a teórica queer se
distancia da ideia de gênero como identidade. O sujeito então, seja homem ou mulher, passa a
não ter relação com o ser, mas com o fazer, desfazendo a ideia de que exista uma identidade
que seja anterior à causa do sujeito.
Butler (1990/2019b), valendo-se da torção entre as imposições sociais e a construção
do eu, demonstra outra forma de compreender o gênero, a partir de um caráter performativo

22 Termo surgido na França em 1625, derivado do latim pulsio, para designar o ato de impulsionar. Empregado
por Freud a partir de 1905, tornou-se um grande conceito da psicanálise, definido como a carga energética que se
encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente
(ROUDINESCO, PLON, 1998).
53

elaborado pela linguagem inspirada por Austin23 (STONA; COELHO 2020). São as regras
das instituições que atuam como dispositivos de poder que, ao reproduzir atos repetitivos,
instauram no interior da linguagem uma estrutura de regulação. Para que o gênero permaneça
estável, ações performáticas são impostas para a manutenção da heteronormatividade.

Identificar-se com um gênero nos termos dos regimes contemporâneos de poder


implica identificar-se com um conjunto de normas realizáveis ou não, cujo poder e
condição precedem as identificações por meio das quais se intenta insistentemente
se aproximar. Ser homem ou ser mulher são assuntos internamente instáveis. Estão
sempre acometidos por uma ambivalência precisamente porque há um custo na
assunção de cada identificação, a perda de algum outro conjunto de identificações, a
aproximação forçada de uma norma que nunca pode ser escolhida, uma norma que
nos escolhe, mas que nós ocupamos, invertemos e ressignificamos na medida em
que ela fracassa em nos determinar por completo (BUTLER, 2019a, p. 217).

Ao ler a teoria da sexualidade infantil de Freud (1905/2006), de uma forma queer,


profundamente inovadora e subversiva, é possível pensar radicalmente sobre a ordem vigente
e enxergar em seus diversos textos os fundamentos das ideias e teorias propostas por autores
queer.
Freud sugere que o menino tem que escolher não só entre as duas escolhas do
objeto, mas entre as duas predisposições sexuais, masculina e feminina. O fato de o
menino geralmente escolher o heterossexual não resultaria do medo da castração
pelo pai, mas do medo de castração - isto é, do medo da feminilização, associado
com a homossexualidade masculina nas culturas heterossexuais. Com efeito, não é
primordialmente sexual pela mãe que deve ser punido e sublimado, mas é um
investimento homossexual que deve ser subordinado a uma heterossexualidade
culturalmente sancionada (BUTLER, 1990/2019b, p. 109).

Quanto à menina:

(...) O complexo de Édipo também pode ser positivo (identificação com o mesmo
sexo) ou negativo (identificação com o sexo oposto; a perda do pai, iniciada pelo
tabu do incesto, pode resultar numa identificação com o objeto perdido
(consolidação da masculinidade) ou fazer com que o alvo se desvie do objeto, caso
em que a heterossexualidade triunfa sobre a homossexualidade, e um substituto é
encontrado (BUTLER, 1990/2019b, p 111).

A partir dos seus estudos, Freud (1905/2006) apresentou a homossexualidade como


perversão24, um comportamento sexual não normativo na sua época. Exatamente assim, é

23 Butler inicia o uso da palavra “performativo” inspirada em Austin, pensando como faz ou se desfaz gênero
através do uso da linguagem. Austin propõe uma discussão sobre os enunciados que não são nem verdadeiros,
nem falsos, não descrevem e não servem para informar, mas sim para fazer algo, confrontando a ideia da
filosofia da linguagem de que usamos a linguagem para dizer o verdadeiro ou falso. Para Austin, o dizer é de
alguma forma performativo (AUSTIN, 1990). Através de uma leitura feminista da psicanálise, Butler destaca a
temporalidade como forma de compreensão da constituição do sujeito através dos atos de fala e de seus efeitos
de citacionalidade dissimulada (BUTLER, 1990/2019).
24 O termo "perversão" sugere a noção de uma norma moral ou da natureza da qual o perverso está se
afastando. Pelo fato de a Igreja relegar a sexualidade estritamente à finalidade reprodutiva, esse tipo de
54

como a criança se mostra, fora das normas estabelecidas. No contexto da sociedade em que
Freud viveu, o sexo heterossexual e genital eram os considerados normais. Em contraposição,
qualquer comportamento ou prática sexual apresentada como diferente, era visto como desvio
da moralidade, ideia esta que podemos observar ainda atuante nos dias de hoje. No contexto
de uma sociedade tradicional e normativa como a nossa, mal podemos observar grandes
diferenças daquela sociedade na qual Freud apresentou seus conceitos. No cotidiano escolar
continua o processo de observação e cobrança da criança em revelar-se sob um
comportamento esperado, aquele de quem a vigia a todo instante.
Voltando-se ao campo cultural, o desejo da menina ou do menino, da mulher e do
homem, desvia-se do significado que a sociedade entende como original, pois é tomado por
diversos deslocamentos. Segundo Butler (1990/2019b), as predisposições sexuais são
carregadas de discursos dotados de intenções de moldar os impulsos, através dos quais a
criança queer em um processo de negação, sofre. Cobra-se da criança uma distinção entre o
que é legítimo do ilegítimo, o que é certo do errado, o que é normal do anormal, delimitando e
construindo o campo do indizível (STONA; COELHO 2020).
Entre a psicanálise e os estudos de gênero, muitos conceitos estão avançando em um
processo de historização que, quando inseridos no entendimento de um intervalo sócio-
histórico, é possível compreender a crítica que se faz ao passado. Contudo, os apontamentos
de Freud, universais e atemporais, cuja sexualidade humana é a trama que reinventada e
respeitosa ao mundo interno do sujeito, reapropria a criança que Freud já trazia como “viada”
e que a todo custo a sociedade tenta “desviadizar.”
O termo “criança viada” ficou popularmente conhecido por intitular uma página na
rede social Tumblr (criancaviada.tumblr.com).25 Nessa página, um álbum compartilhado de
fotografias, escaneadas e enviadas espontaneamente por adultos que na infância se
consideravam crianças viadas, deram vida ao projeto/álbum fotográfico que se propõe a
discutir imageticamente a temática (MACHADO, 2021).

apreciação não considera a verdadeira dimensão do desejo sexual que, submetido às leis da linguagem, escapa a
qualquer finalidade apreensível diretamente (CHEMAMA, 1995).

25 Em 2013, a série de pinturas Born to Ahazar da artista plástica Bia Leite, reproduziu as fotos do Tumblr
Criança Viada. A proposta do trabalho era fazer uma série de pinturas em cima das fotografias do projeto
desenvolvido pela página, divulgando as imagens e os textos de referências diretas aos posts de Iran Giusti,
administrador da página. As telas da série foram expostas em quatro exposições antes da proposta chegar a Porto
Alegre em 2017, quando foi contemplada pelo edital Santander Cultural e incorporada à exposição
“Queermuseu: cartografias da diferença.” Entretanto, devido a denúncias, a exposição foi interrompida sob
ameaças de boicote de clientes do Banco. ‘Queermuseu’, a exposição mais debatida e menos vista dos
últimos tempos - BBC News Brasil. Disponível em: https:www.bbc.com/portuguese/brasil-45191250.
55

Apesar da moral repressora de sua época, Freud não deixou de afirmar e defender o
pluralismo que compõe a sexualidade, confirmando a atualidade de sua teoria.
Dos encontros e desencontros entre a psicanálise e a teoria queer possibilitados por
Butler (1990/2019b, 2022/2004), o que se está de acordo é que não há nada que evidencie que
o sexo biológico garanta representar o ser um homem ou uma mulher. O que temos é a leitura
da natureza, sob a forma de semblantes: "é menino" ou "é menina", na qual o discurso do
Outro incidirá sobre tais definições com consequências na produção de identidades
inconsistentes.
Independente de Renato ser identificado ou não como uma criança queer, ele ousou
ser quem desejava, mostrando coragem em se denominar “Baby.”
56

A invenção da criança como artefato biopolítico na escola

Meu corpo não pode mais ser assim do jeito que ficou após sua educação.
(Paulinho Moska, 1995)

Toda vez que Tomás se mostrava para as demais crianças na sua Turma da
Pré-Escola, performava sua felicidade, se colocando da forma que realmente era.
Na realização das atividades pedagógicas, ele sempre se destacava por suas
ações e brincadeiras permeadas por mil alegrias. Por diversas vezes, Tomás era tolhido
não por seus pares, mas, principalmente, pelos professores ao seu redor.
- “Sossega menino.”
- “Fala baixo”.
- “Para de dançar”.
- “Ah! Esses seus gritinhos parecem de menina”.
Na hora da saída, Tomás se transformava em outra criança: tímida, calada e
triste.
No Dia das Bruxas, as crianças causaram um alvoroço, pois queriam mostrar seus
talentos através da arte, representando personagens através da música e da dança.
Chegou o tão esperado momento da apresentação da Turma do Tomás.
A música escolhida foi “Sinais”, que relatava a história de uma bruxa exibida na
telenovela infantil “Chiquititas”.
As meninas performaram timidamente. Tomás como disseram, “chegou chegando”
e coreografou: “bruxa, fedida, tomara que te dê dor de barriga. Não quero a sopa, a bruxa
tá maluca!”
Aqui segue apenas um relato, mas se pudessem ver o Tomás em sua dança que ia
de cima para baixo, de um lado para o outro, rebolando, agachando, performando em sua
fantasia... Não teve bruxa melhor representada. Sim, o Tomás foi o sucesso do evento.
Finalizou mais uma manhã na Turma da Pré-Escola, Tomás se recolheu ao seu
“menino” exigido pela norma e seguiu para casa.
57

O gênero não é inscrito no corpo passivamente, nem é determinado pela natureza,


pela linguagem, pelo simbólico, ou pela história assoberbante do patriarcado. O
gênero é aquilo que é assumido, invariavelmente, sob coação, diária e
incessantemente, com inquietação e prazer. Mas, se este acto contínuo é confundido
com um dado linguístico ou natural, o poder é posto por parte de forma a expandir o
campo cultural, tornado físico através de performances subversivas de vários tipos
(BUTLER, 2011, p. 87).

Na escola, Tomás se sentiu à vontade para performar sua criança queer, o que não
tinha liberdade para fazer em casa, sendo exigido dele apenas o “masculino”. Para Butler
(2011), o gênero deveria ser visto como uma variável fluída que se desloca e se transforma em
diferentes contextos e períodos históricos.
Ainda assim, Tomás ouviu falas “antibluterianas” dos professores, que o julgaram
por se mostrar dono de seus desejos ou, simplesmente, uma criança. O que não foi percebido
pelos adultos que o cercavam é que, cotidianamente, eles usam máscaras e performam modos
de vida fantasiosos e subordinados a normas a que nem sempre se encaixam ou questionam.
Como colocado por Butler (1990/2019b), o sujeito é instável e sem lugar fixo no
mundo, o que significa dizer que ele é um construto performativo. Como exigir de uma
criança que ela se comporte de forma a não teatralizar, através de gestos corporais, falas,
movimentos, os papéis e as encenações, dando a sensação de um gênero que está em
constante transformação?
A teórica queer aponta que não é possível viver fora da norma, pois o gênero é
limitado pelas estruturas de poder e não há possibilidade de escolha totalmente livre. Contudo,
a criança que é subversiva, cria espaço potente de enfrentamento, mesmo que a cultura ou a
escola imponham práticas entendidas como femininas ou masculinas apenas, as quais a
criança novamente subverte, troca e performa ao contrário do que é esperado por seus
professores.
A escola é uma das maiores esferas de poder que ajudam a formar as percepções da
criança sobre o mundo. Enquanto a temática de gênero e sexualidade são tratadas como tabus,
crianças existem e resistem e são universos em formação. É importante pensar sobre a
formação de quem ‘forma’ a criança para não se tornar o professor que se comporta como se
fosse uma “polícia do gênero”, termo correlacionado ao texto clássico “Polícia das Famílias”
de Jacques Donzelot (1977/1980). No texto, o autor orientado por Foucault, mostra
historicamente as transformações das organizações familiares sob a intervenção do Estado ao
longo do tempo na tentativa da construção da ordem social na França do século XVII até o
século XX. Donzelot abordou as medidas educacionais propostas pelo Estado por meio das
famílias mais abastadas contra a influência das classes pobres, da coerção da liberdade e da
58

união livre. Nesse sentido, é possível perceber a inversão do papel do Estado, onde ele deixa
de ser o provedor das políticas públicas e volta-se a exercer, segundo Donzelot (1977/1980), o
papel de “polícia” vigiando o comportamento das famílias.
Assim ocorreu também no Brasil, no governo Jair Bolsonaro (2019-2022) quando
Damares Alves26 à frente do “Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do
Brasil”, a cada aparição pública se voltava às famílias conservadoras e religiosas, realizando
declarações teocráticas sem base factual e incentivando que esses grupos se colocassem em
vigilância na defesa da família tradicional e de suas crenças.
No ano de 2013, Preciado criticou uma dessas manifestações que pretendeu ditar os
comportamentos dos sujeitos. Ocorreu na França um protesto contra a adoção de crianças por
casais homossexuais ou transgêneros, liderada por Frigide Barjot,27 ativista cristã assim como
a Ministra Damares Alves. Frigide Barjot que na verdade se chama Virginie Tellene, escolheu
seu nome artístico remetendo à sonoridade do nome Brigitte Bardot, atriz francesa conhecida
por defender as causas animais e por suas opiniões conservadora e o prenome “frígida”, é uma
lembrança dos tempos em que a “assessora de imprensa de Jesus”, como ela se define,
ganhava a vida como comediante nas casas noturnas e boates gay na capital francesa nos anos
de 1980 e 1990, até sua conversão ou como Frigide Barjot prefere dizer, sua “saída do
armário cristão”. “– Vi que minha vida não fazia sentido sem Jesus”, revelou em sua
autobiografia “Confessions d’úne Catho Branchée” (BARJOT, 2011). Porta-voz do
catolicismo e líder do movimento “Manif pour Tous - Protesto para Todos”, Frigide Barjot
reivindicava “pelos direitos da criança a ter um pai e uma mãe.”
Preciado em seu texto “Quem defende a criança queer?” (2013), recorda fatos de sua
infância, expondo como foi crescer como uma criança queer, diferente daquela defendida por
Frigide Barjot e Damares Alves. Em casa, seus pais “(...) escrupulosamente garantiram a
função doméstica da ordem heterossexual” (PRECIADO, 2013, p. 99). Da escola, foi enviada
uma carta para sua família, aconselhando seus pais a levarem ao psiquiatra “(...) para
consertar o mais rápido possível o problema de identificação sexual” (PRECIADO, 2013, p.
99). Beatriz (Preciado), tinha apenas 7 anos.

O que meu pai e minha mãe protegiam não eram os meus direitos de criança, mas as
normas sexuais e de gênero que dolorosamente eles mesmos tinham internalizados,
através de um sistema educativo e social que castigava todas as formas de

26 Damares Alves é conhecida por defender ‘direito à vida’ e políticas conservadoras - Estado de Minas
Política. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/12/23/interna_politica,1015696/.
27 Outra Bardot conservadora - Estadão. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,outrabardot-conservadora,1026236.
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dissidência com a ameaça, a intimidação, o castigo, e a morte (PRECIADO, 2013, p.


98).

Foucault (1970/2013), nos apresenta uma nova forma de entender a história,


considerando que esta é construída por práticas sociais. A história é tecida por estratégias e
táticas através de diversos jogos de saber e poder, que podem ser encontrados em diversas
instituições, entre elas, a escola. As práticas sociais são produzidas discursivamente e,
também, são produtoras de discursos (ARAÚJO, 2004).
Na tentativa de demarcar um conjunto de elementos ditos e não-ditos, tais como os
discursos, os enunciados, as instituições etc., Foucault (1976/1988) desenvolveu o conceito de
dispositivo, que surgiu para dar conta da necessidade de analisar as relações entre o discurso e
o não-discurso (CASTRO, 2009).
Em suas análises das relações de poder, Foucault (1975/2007), aponta duas
tecnologias de poder que se completam: disciplinas e biopolítica. As disciplinas são técnicas
de poder voltadas aos corpos individuais e a biopolítca é voltada ao corpo como um todo da
população e interessa-se pela vida da espécie humana, atuando em nível global, diferente dos
mecanismos disciplinares, que não lidam com fenômenos individuais.

A criança é um artefato biopolítico que garante a normalização do adulto. A polícia de


gênero vigia o berço dos seres que estão por nascer, para transformá-los em crianças
heterossexuais. A norma ronda os corpos meigos. Se você não é heterossexual, é a
morte o que te espera. A polícia de gênero exige qualidades diferentes do menino e da
menina. Dá forma aos corpos com o objetivo de desenhar órgãos sexuais
complementares. Prepara a reprodução da norma, da escola até o Congresso (...)
(PRECIADO, 2013, p. 98).

O poder, para Foucault (1970/2013), exerce-se na microfísica e nas microrrelações


cotidianas nas instituições e nos espaços sociais. A relação exercida entre os professores e a
criança é um controle social que se faz cotidianamente, mesmo que isso não seja percebido
diretamente. Foucault (1984/2021) ressalta também que a vida não é completamente envolta
no controle do poder, pois sempre escapa de alguma forma, mostrando resistência ao poder.
A criança e a criança queer, mais ainda na escola, tornou-se o sujeito objetivado pelo
saber e pelas práticas normativas com foco nas proliferações de determinados discursos,
articulando-se entre o discursivo e o não discursivo. “A verdade é deste mundo; ela é
produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder”,
segundo Foucault (1970/2013, p. 52).
60

Cabe aqui uma reflexão acerca de que Foucault (1970/2013) deu à palavra poder uma
conotação muito mais ampla e dinâmica, além de sua origem etimológica. O poder, para
Foucault (1975/2007), não era uma manifestação isolada, mas ora a parte, ora o conjunto de
um todo complexo que se faz exercer também sobre o corpo da criança, realizando sobre ele
um controle detalhado e minucioso dos seus gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e
discursos.
61

Foucault na sala de aula: combatendo a prática de biopoderes locais

Meu corpo é um grande grito e ninguém ouve porque não dá ouvidos.


(Paulinho Moska, 1995)

“– Todas as tardes na Turma da Pré-Escola essa mesma choradeira. De novo


Ariel querendo passear pelos corredores da escola no trem das meninas!
– Você é menino! Vá para a fila dos meninos!”
E assim, Ariel era apontado por todos os profissionais da escola:
“– Você é menino!”
Contudo, Ariel em suas performances diárias da Boneca Barbie e das Princesas
(tema preferido das suas leituras de Contos Infantis) não se permitia pensar sobre o
que era ou deveria ser ali na escola. Ariel, “menino” de 4 anos, queria brincar, sorrir e se
divertir. Na escola não podia.
A despeito da onipotência inconsciente da criança (FREUD, 1914/2010;
WINICOTT, 1961-1962/1975) os estudos psicanalíticos nos conduzem a pensar em processos
primários permanentes e criadores que escapam ao domínio das estruturas simbólicas. Ao
pensarmos nas marcas inconscientes deixadas pelo outro em nós, o que pode ser traduzido nos
traços de memória que vão constituindo nosso psiquismo, são as considerações e as
excitações que se disseminam como resistências e encontram as forças produzidas nos traços
para a produção de sentidos (MACIEL, 2016).
Freud (1908/1993), nos apresenta essa criança que produz sentidos, subverte, sonha e
cria através dos jogos simbólicos, brincadeiras e fantasias:

(...) Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta
como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta
os elementos de seu mundo de uma forma que lhe agrade? Seria errado supor
que a criança não leva esse mundo a sério; ao contrário, leva muito a sério a
sua brincadeira e dispende na mesma emoção (p. 135).

Em termos freudianos, no espaço do simbolismo e da brincadeira, observando a


criança, encontramos um infantil que escapa à ordem. A criança não permite o
estabelecimento, tão facilmente, de diferenças entre ela e os adultos. Se por um lado nos
62

deparamos com idades cronológicas diversas, por outro, o inconsciente remete a outros
tempos que não o cronológico, fato que aproxima a crianças dos adultos e que, talvez, a
criança perceba, mas o adulto não. Ainda assim, o adulto insiste em não permitir o acesso da
criança à fantasia, lhe impondo regras através de seu poder enquanto “autoridade.”

A criança é colocada em uma situação de passividade, quando é


excessivamente idealizada por exigências inadequadas para sua idade ritmo
ou momento de vida (...) Nada é possível se o próprio adulto não for capaz
de lidar com sua própria castração e, portanto, com os limites a serem
interpostos entre seu desejo e o que a criança pode lhe retribuir (ARREGUY,
2020, p. 142).

Para arriscar uma possível compreensão das bases da teoria queer, podemos utilizar a
teoria do Poder de Michel Foucault, (1976/1998) no qual ele abordou o sexo de forma
historicamente contextualizada e problematizou o binômio sexo/natureza e as relações entre
poder e saber, que são apresentadas em diversos espaços nos mais diferentes contextos e na
escola.
Teóricos queer se fundamentam em Foucault (1976/1998) para a desconstrução de
conceitos atualmente naturalizados, tais como a sexualidade e o gênero, propondo para estes
temas uma leitura não assimilacionista. Sedgwick (1985) afirma que em sociedades marcadas
pelo “dispositivo da sexualidade” (FOUCALT, 1976/1998), o senso comum que é
institucionalizado é caracterizado pela recusa cognitiva da homossexualidade e, em segredo,
em nome de uma sociedade heteronormativa, cria-se a identidade sexual como sinônimo de
identidade compulsória heterossexual para continuar produzindo uma identidade hegemônica.
Foucault, em sua obra “História da Sexualidade I: a vontade de saber” (1976/1998),
questiona exatamente as categorias de sexualidade que a sociedade instituiu. Sua proposta não
foi de romper com o binarismo sexual naturalizado na sociedade ocidental, mas de
compreender como poder e saber se articulam para manter uma imagem de “liberdade”,
quando na verdade, ela se dá de forma repressora sem que nós nos demos conta disso.
Segundo Spargo (2017, p. 15), “(...) um componente essencial do argumento de
Foucault é que a sexualidade não é um aspecto ou fato natural da vida humana, mas uma
categoria de experiência construída com origens históricas, sociais e culturais, mas não
biológicas”.
Não que Foucault não reconhecesse as dimensões biológicas da sexualidade, porém
ele destacava a construção sociocultural dos discursos sobre a sexualidade nas diversas
instituições, entre elas, a escola. De acordo com Halperin (2000), Foucault estava mais
63

interessado em saber como a sexualidade funcionava a partir das mais diversas construções
sociais no lugar de saber o que era a sexualidade.
Foucault não foi o primeiro a falar sobre a sexualidade como sendo construída
socialmente, porém suas ideias abriram espaço para novos estudos sobre a relação entre
sexualidade e poder, além das análises de diversas experiências essenciais para o
desenvolvimento da teoria queer. Judith Butler, por sua vez, amadureceu o trabalho de
Foucault, principalmente, na investigação por meio das teorias feministas de gênero. “O
gênero, argumenta Butler, não é uma extensão conceitual ou cultural do sexo
cromossômico/biológico (leitura feminista consagrada), mas uma prática discursiva em
andamento, atualmente estruturada em torno do conceito de heterossexualidade como norma
das relações humanas” (SPARGO, 2017, p. 42).
Governar a infância para governar a vida é uma intenção que ocorre como meio de
governar as famílias e os professores que educam a criança a partir da ideia de construção do
“futuro cidadão.”

Consideremos primeiramente que a diferença sexual é muitas vezes invocada como


uma questão de diferenças materiais. Entretanto, a diferença sexual é sempre uma
função de diferenças materiais que são, de alguma forma, marcadas e formadas por
práticas discursivas. Ao mesmo tempo, alegar que diferenças sexuais são
indissociáveis das demarcações discursivas não é o mesmo que afirmar que o
discurso produz a diferença sexual. A categoria “sexo” é, desde o início, normativa;
é o que Foucault chamou de “ideal regulatório”. Nesse sentido, então, “sexo” não só
funciona como norma, mas também é parte de uma prática regulatória que produz os
corpos que governa, ou seja, cuja força regulatória é evidenciada como um tipo de
poder produtivo, um poder de produzir - demarcar, circular, diferenciar - os corpos
que controla (BUTLER, 2019a, p. 20).

Foucault (1970/2013) se utiliza do termo biopolítica para designar um estágio de


poder que é posterior às práticas disciplinares antes utilizadas para governar o indivíduo e
que, na noção de biopolítica, a disciplina passa a ser considerada apenas como a prática de
biopoderes locais. Trata-se da passagem do controle dos corpos para o controle das
populações humanas. A história das instituições escolares tem uma relação direta com as
representações sociais em torno da criança e, da mesma forma, a história das instituições
escolares é também uma história do controle do corpo sócio populacional e, entre tantos
corpos, o corpo da criança é normatizado.
As escolas existentes até o século XV funcionavam como abrigos para uma
população pobre e que, pouco a pouco, foram se tornando instituições cuja tarefa era ensinar.
Nos séculos XVI e XVII, as escolas passaram a ser consideradas instituições de ensino,
64

entretanto, o ensino ministrado tinha uma função específica, que era a de afastar a criança dos
assuntos mundanos, relacionados aos prazeres do corpo e da carne (ARIÈS, 1973/1981).
A tarefa de ensinar fez com que a escola adotasse uma estrutura cada vez mais rígida
e disciplinar. A disciplina, como citada, é a “anatomia política do detalhe” (FOUCAULT,
1969/1987, p. 120), um poder disciplinar que opera sobre o corpo da criança a partir de
diferentes instrumentos, como, por exemplo, a distribuição dos estudantes no espaço e no
tempo, de forma a tornar o espaço cada vez mais visível e o tempo cada vez mais útil, tendo o
corpo como objeto e a normalização como objetivo. “A disciplina majora as forças do corpo
em termos econômicos e as diminui em termos políticos. O corpo humano passa a ser
fustigado, desarticulado, recomposto, através de uma anatomopolítica do detalhe (...)”
(PORTOCARRERO, 2009, p. 197).
O espaço fora e dentro da escola é organizado a partir da composição de verdadeiros
“quadros-vivos”, e o tempo é regido para estabelecer o que e como cada corpo irá realizar as
suas ações em cada segundo, minuto e hora. Trata-se de transformar os corpos em um único e
grande corpo produtivo, aumentando assim as forças do Estado, a fim de produzir corpos
dóceis, que podem ser submetidos e utilizados como extensões das máquinas, desde as suas
passagens pela escola. Assim, do controle disciplinar dos corpos, passa-se a uma biopolítica
de controle das massas.

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,


que realizam a sujeição constante das forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’. Muitos
processos disciplinares existiram há muito tempo: nos conventos, nos
exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer
dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação (FOUCAULT,
1975/2007, p. 118).

Quanto mais se queria moralizar, cobrir, corrigir e canalizar as ações investidas


através do corpo da criança, mais rigorosa foi se tornando a disciplina escolar sobre ela,
regulamentando a infância, como dispositivo no qual se estabeleceu uma pedagogia e uma
ciência que compõem o pensamento pedagógico atual sobre a criança. Para Foucault
(1976/1998), o dispositivo da sexualidade disciplina os corpos, regula e normaliza a
população, regulamenta o prazer e os saberes sobre o sexo.
Existe uma pedagogização do sexo da criança consolidada a partir do século XVIII, o
que permite compreendê-la como um dos resultados de um processo de investimento no
controle do corpo. As reformas morais e religiosas dos séculos XVI e XVII produzidas sobre
o corpo da criança fizeram com que, hoje, qualquer gesto afetivo ou sexual se tornasse uma
espécie de tabu. Havia, e ainda há, um investimento contínuo na moralização das ações da
65

criança. Isso ocorreu, entre outras formas, por meio da educação escolar (FOUCAULT,
1976/1998). O corpo da criança é, primeiramente, objeto de divertimento e de distração do
adulto (ARIÈS, 1973/1981).
Foucault (1976/1998) compreendeu que a sexualidade é um dos instrumentos mais
eficazes de controle, entendendo-a como um “dispositivo histórico do poder” (FOUCAULT,
1976/1998, p. 47). Produzidas e fabricadas no interior de um conjunto de práticas discursivas,
as leis, as medidas administrativas, os pressupostos científicos, religiosos e filosóficos,
também são dispositivos que atuam mais enfaticamente sobre alguns grupos estratégicos,
entre eles, a família que educa a criança (FOUCAULT, 1976/1998).
De tais reflexões podemos compreender que a existência do controle dos corpos das
crianças serve para criar micropoderes (mencionados por Foucault) e para manter a família
nuclear (MARCELLO, 2009). Ainda, serve à pedagogia, pois ela se reconfigura e se constrói
juntamente às representações sociais em torno da criança.
As representações sociais que discorrem na escola passando pela lógica binária dos
corpos da criança, representada por meninos que se definem por corpos masculinos e
meninas, com seus corpos femininos, é um feito da norma que barra o Ariel de se mostrar
como é. Para Butler (1990/2019b), gênero é um feito que muito traz em seus efeitos. A ideia
de uma identidade de gênero fixa e sem contestação é também cúmplice da sexopolítica.
Butler (1990/2019b) afirma que não há um gênero substantivo, e sim, performativo, já que os
corpos e a ideia binária de gênero, decorrem dos discursos que pretendem regular a estrutura
imposta pela heteronormatividade.
Por que as meninas e os meninos são diferentes? Para a criança no espaço escolar, seu
corpo representado por um gênero ou outro não é o problema. Para os professores, a escola
pode ser o lugar no qual os problemas se afixam, pois nela está estruturada um modo de
pensamento chamado "curiosidade”, um modo de pensamento que recusa a segurança
(BRITZMAN, 2010). O que está em jogo é a fantasia. Será que a escola pode lidar com essas
surpresas?
Foucault (1976/1998) argumenta que a sexualidade não é o oposto da repressão, como
mito, desejo e representação. A sexualidade tem uma historicidade e essa historicidade diz
respeito à história de como o sexo entrou no discurso e, portanto, de como se tornou
vinculado à dinâmica do aparato “saber/poder/prazer”, sendo uma das unidades estratégicas
responsáveis pela formação de mecanismos específicos do "saber/poder/prazer” a escola,
através da pedagogização do sexo da criança (FOUCAULT, 1976/1998).
66

A sexualidade pode ser vista tanto como o limite do aparato “saber/poder/prazer”


quanto como seu excesso, que se produz ao controle de outros e ao próprio autoconhecimento
(FOUCAULT, 1995).
De acordo com Britzman (2010), o que está em jogo quando a escola enfrenta essas
condições é a perspectiva normativa que ao tentar fixar certas identidades sexuais através do
saber, instaura o biopoder.
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Por uma Pedagogia Queer: o que a psicanálise tem a ver com isso?

Meu corpo vai queimar as normas e flutuar no espaço sem razão.


(Paulinho Moska, 1995)

A psicanálise busca o significado desconhecido daquilo que é manifesto por meio de


ações e palavras ou pelas produções imaginárias advindas dos sonhos, das fantasias, dos
delírios, das associações livres e dos atos falhos, que as demais teorias não explicam e que são
presentes no cotidiano de todos os sujeitos.
Sobre os pontos de convergência e divergência entre psicanálise e teoria queer,
Patrícia Porchat (2014b) situa no Complexo de Édipo o principal ponto de tensão: “que
homem ou mulher, que masculinidade ou feminilidade podem daí ser extraídos?”
(PORCHAT, 2014a, p.81).
A psicanálise, por exemplo, exerce esse poder quando considera exclusivamente o
complexo de Édipo para compreender a construção de gênero. Seguindo por essa percepção
teórica, poucos comportamentos e destinos identificatórios se tornam compreensíveis, já que
inevitavelmente se chega à ideia de padrões e de desvios. Aponta-se para a necessidade ética e
política de reexaminar a centralidade de tal concepção, pois talvez tenhamos que pensar para
além dessas noções estanques de feminino e masculino deduzidas a partir da dissolução do
Complexo de Édipo (PORCHAT, 2014b).
O próprio Freud não estava desatento à questão acerca da influência do medo da
castração no sujeito e na sociedade em geral. O título de sua oba “O mal-estar na Cultura”
(1930/2010), por si só retrata sua preocupação em se pesquisar e tentar minimizar o efeito de
“mal-estar” que representa a vida em sociedade em relação à Lei, que Édipo, como complexo
castrador, impõe ao exigir que renunciemos aos nossos desejos e pulsões que representam
ameaças à construção civilizatória hegemônica.
As práticas educativas de muitos professores atualmente ainda se encontram baseadas
em formas repressivas no proibir as crianças de se manifestarem de forma livre em relação às
suas identificações, seja no relacionar-se com seus pares ou simplesmente nas ações
promovidas por meio das brincadeiras, que muitos professores teimam em classificar como
brincadeiras de meninos e brincadeiras de meninas.
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Ninguém nasce menino ou menina. Ao longo da vida nos tornamos homem ou mulher
ao fim de um percurso que exige de cada um o abandono das disposições bissexuais
primárias, das potencialidades polimorfas e da indiscriminação infantil (FREUD 1905/2006).
Não interessa aqui, de forma alguma, tomar essa premissa como uma perspectiva
desenvolvimentista, menos ainda eliminar a possibilidade da bissexualidade enquanto prática
sexual adulta. Contudo, cabe ressaltar a importância de Freud reconhecer que na polimorfia da
sexualidade infantil, a bissexualidade se apresenta para a criança e, só depois (a posteriori), é
que a criança poderá estabelecer identificações, orientações e, até, escolhas que se façam mais
adequadas ao seu desejo.
A criança tem o direito a sua polimorfia e, muitas vezes, as identificações e
orientações já são nítidas desde o princípio. Não cabe ao adulto exigir que ela se apresente
como ele quer enquanto a própria criança não crescer e puder, por si mesma, revelar-se sobre
a constituição de sua identidade. Roberto Graña (vide ARREGUY, 2012), em sua clínica
psicanalítica com crianças, nos deu uma bela lição ao afirmar que o conceito de “Transtorno
de Identidade de Gênero”, sob o qual eram encaminhadas crianças para a sua “cura”, não faz
o menor sentido. Autores não ortodoxos ou pouco analisados da própria psicanálise já
consideram a questão de que a criança tem o direito de se tornar ou ser “isto ou aquilo.”
O conceito da diferença sexual que remete ao reconhecimento da castração simbólica,
nos leva ao reconhecimento da bissexualidade psíquica como condição própria da
subjetividade (FREUD, 1925/1996).
A noção de bissexualidade psíquica introduzida na psicanálise por Freud (1905/2006;
1925/1996; 1923/2011; 1938/2019) ultrapassa a concepção normativa de organização de uma
lógica binária restrita ao dualismo masculino-feminino. De acordo com essa noção, todo ser
humano tem disposições sexuais masculinas e femininas, o que afirma que todos nascem
bissexuais, mas através do desenvolvimento psicológico que inclui fatores externos e internos,
a maioria se torna monossexual, até por motivo de repressão social, enquanto a bissexualidade
permanece em um estado latente (FREUD, 1938/2019).
Nesse sentido, a bissexualidade psíquica é motivada pelas necessidades de se
compreender as múltiplas expressões que se dão nos conflitos identificatórios e nas
dificuldades de escolha do objeto, segundo a linguagem freudiana. Evidente que não
descartamos aqui o fato, acentuado por autores do campo feminista e queer, que tem algo que
jamais se escolhe, que é a orientação. A escolha, nesse sentido, viria depois da orientação
sexual, inerente às identificações inconscientes mais primárias da criança.
69

Antes de ser vista como um fenômeno que interfere e confunde as relações do sujeito
sexual, a bissexualidade evidencia a existência de dois no psiquismo, o masculino e feminino,
em suas configurações singulares ou plurais. Configurações que, não seguem uma linha
binária e restritiva, mas uma ordem complexa e diversa, como condição própria da
experiência.
Winnicott (1961-1962/1975) sugere que a condição de maleabilidade do psiquismo
relaciona-se com a criatividade e suas origens são expostas pela integração entre os elementos
feminino e masculino da personalidade. Como propõe o autor, ela vai implicar em condições
de maior flexibilidade do ser e na possiblidade de se viver criativamente a vida. Por outro
lado, a dissociação desses elementos pode ser de tal gravidade que o sujeito pode não ser
capaz de estabelecer vínculo algum com a parte recalcada da personalidade (WINNICOTT,
1961-1962/1975), fazendo com que a criatividade deixe de existir ou se perca.
Quando a linha binária – “ou isto ou aquilo” – que a maioria dos sujeitos acredita ser a
única condição a seguir arrebenta, outros caminhos podem surgir.
Fomos educados e acostumados a pensar e compreender os sujeitos, principalmente, a
criança com apenas um caminho a seguir, como disjunção exclusiva:28 “ou isto ou aquilo.”
Por que não podem ser ambos?
Deleuze e Guattari (1972/2010) concordariam com Porchat (2014b), dizendo que o
inconsciente fala outra língua e que ao pensar além das noções estanques de feminino e
masculino para compreender o desejo, é necessário que a disjunção, também, seja inclusa,
implicando este “ou” em não oposição. A disjunção inclusiva, inclui a diferença enquanto
diferença daquilo que parece não se relacionar (DELEUZE; GUATTARI, 1972/2010).
Menino ou menina? Homem ou mulher? Quem sabe, ambos. Quem sabe nenhum. O
imaginário da criança não precisa ter limites. A criança rompe fronteiras aparentemente
impostas até pela natureza, e, fugindo de qualquer enquadramento, ela transborda.
De acordo com Erick Drouet (2022), pesquisador da Filosofia Queer, a lógica binária
se baseia em três axiomas: da identidade, o gênero é incontestável, determinado do
nascimento à morte, um homem não se torna mulher e vice-versa; da não-contradição, se é
homem não é mulher, pois são categorias opostas e do terceiro excluído, não é possível ser
homem e mulher ao mesmo tempo, o que exclui o andrógino. Ao proibir a passagem de uma
categoria para a outra, se cria um universo descontínuo. Mais ainda, na exclusividade binária

28 A disjunção exclusiva é caracterizada pelo termo “ou...ou” diferente do termo de ligação “ou” que é uma
disjunção inclusiva que trata de incluir ambas as possibilidades, onde a verdade de uma proposição não impede a
verdade da outra, como na disjunção exclusiva, onde a verdade de uma implica na falsidade da outra
(DELEUZE; GUATTARI, 1972/2010).
70

estrita cria-se uma exigência que vai muito além da renúncia pulsional freudiana, pois se cria
um impasse, um sexismo e uma impossibilidade de que uma gama gigantesca de sujeitos, que
não estão nos extremos Marilyn Monroe X Jonh Wayne, possam sequer existir.
Ainda segundo o teórico, essas contestações queer despertam incompreensão e raiva e,
para que seu pensamento fosse desenvolvido por uma base epistemológica, buscou
fundamento na lógica fuzzy29 (DROUET, 2022) ou lógica difusa, que em suas constatações
permitiram demonstrar que, no campo dos gêneros, há uma fluidez de dinâmicas
identificatórias situadas na recusa da binariedade de gênero. Há toda uma gama de
possibilidades que está entre “isto ou aquilo”.
Para Freud (1906/1996), o inconsciente é tido como um teatro, lugar das
“representações reprimidas” (SHIRAHIGE E HIGA, 2004, p. 20), enquanto para Deleuze e
Guattari (1972/2010), trata-se de uma usina impulsionada por “máquinas desejantes”,
relacionadas ao desejo subjetivo de cada um. Deleuze e Guattari (1972/2010) dialogaram
criticamente com o conceito do Édipo que é central na obra de Freud, contrapondo-se à
“estrutura edipiana”, que seria a nossa obrigação de adequar-se às normas. “Enquanto o ‘ou
então’ (como indicador de exclusão) pretende marcar escolhas decisivas entre termos não
permutáveis (alternativa), o ‘ou’ (inclusivo) designa um sistema de permutações possíveis
entre diferenças (...)” (DELEUZE; GUATTARI, 1972/2010, p. 25). Se Deleuze e Guattari
estabelecem essa crítica ao teatro de representações edipianas, isso tem mais uma função de
combate a certa ortodoxia existente na prática clínica de sociedades e de psicanalistas com
conceitos ultrapassados, que tampouco se mantiveram atualizados e a par de reformulações
feitas pelo próprio Freud ou, ainda, por autores da psicanálise contemporânea que têm sua
leitura permeada por outras teorias e por profundas transformações e avanços na construção
da teoria psicanalítica ao longo de mais de um século.
Na possibilidade de relacionar a educação com a psicanálise, tendo em vista que os
seus pressupostos em torno da infância estão relacionados com outros grupos além da família,
é possível observar que é fundamental compreender os processos de aquisição e construção do
conhecimento e da formação psíquica da criança. Por isso, a relevância em empregar a teoria
psicanalítica nas intervenções pedagógicas, no intuito de confrontar pensamentos, elaborar e

29 O termo fuzzy ou difusa foi introduzido em 1965 na teoria matemática dos Conjuntos Difusos por Loftali
Askar-Zadeh, cientista da computação estadunidense. Considerando que lógica ordinária lida com declarações de
verdade absoluta, a lógica fuzzy é um conjunto com definições subjetivas ou relativas, imitando assim, como os
seres humanos tomam decisões. No lugar de exigir que todas as declarações sejam absolutamente verdadeiras ou
absolutamente falsas, como na lógica clássica, os valores da verdade na lógica fuzzy pode avaliar conceitos não
quantificáveis, como o sentimento de felicidade (LANZILOTTI, 2014).
71

reelaborar explicações, propor novas respostas e buscar novas perguntas (BEAUCLAIR,


2004).
Muitos dos desejos são reprimidos quando se é criança, para tanto a psicanálise se faz
importante no contexto educativo, pois a partir de seus conhecimentos, o professor poderá
construir práticas que possibilitem o desenvolvimento do prazer nas relações educativas,
contemplando a criança como quem verdadeiramente possui uma energia sexual que necessita
ser liberada e expressa.
Cifali; Imbert (1999) são autores que recorreram a vários trabalhos de Freud,
apontando que os textos psicanalíticos mostram que o mal-estar na cultura é inerente ao
desenvolvimento da vida em sociedade, expondo que, do ponto de vista histórico, não há uma
educação que possa abrandar a insatisfação caracterizada pela sexualidade humana. Destacam
ainda que as práticas educativas são determinadas pelos recalcamentos sofridos também pelo
professor e que incidem sobre a parte infantil da sua própria sexualidade (FREUD,
1930/2010).
Freud (1920/1996) almejou que a psicanálise pudesse oferecer contribuições aos
domínios da educação e à pedagogia. Seguindo-o, psicanalistas e pedagogos pesquisaram
instrumentos teóricos e práticos que permitissem educar e ensinar reconhecendo as dimensões
inconscientes do sujeito. Freud não propôs modelos de aplicação prática da psicanálise no
campo da educação e reconheceu essa sua “falta.” No texto “O esclarecimento sexual das
crianças”, Freud (1907/1973) refletiu sobre as limitações dos adultos a respeito da vida
sexual. Suas respostas habituais sempre vazias, ofendem a curiosidade da criança, que passa a
desconfiar dos adultos.
Cifali; Imbert (1999) puderam muito bem localizar no conjunto de trabalhos
psicanalíticos, que uma "educação psicanalítica" seria aquela capaz de acolher a realidade e as
pulsões, ao mesmo tempo em que não deveria permitir o livre acesso à satisfação. Nesse
sentido, a educação deve buscar um equilíbrio entre privação e permissividade (CIFALI;
IMBERT, 1999).
Há de se destacar que tanto a psicanálise como a pedagogia queer questionam o
porquê de a educação ser repressora. De que maneira a educação poderia cumprir com a sua
função de apontar os limites da vida em sociedade sem destruir o próprio desejo infantil?
Como a psicanálise contribuiria no contexto educativo? Estas são questões herdadas de Freud.
Para Freud “(...) só pode ser pedagogo aquele que se encontrar capacitado para
penetrar na alma infantil. Nós os adultos não compreendemos nossa própria infância"
(KUPFER, 1989, p. 47).
72

Se a educação e as possíveis pedagogias queer puderem navegar nas contribuições da


psicanálise para a educação e romper com as fronteiras culturais da forma de compreender a
sexualidade problematizando as diferenças, podemos assim, repensar a representação e os
discursos das identidades, do conhecimento e do poder cultural que circulam nas escolas e no
interior do aparato do saber e do poder que cada professor carrega dentro de si.

(...) Compreender as sexualidades em tantos termos quanto possíveis e ainda


assim conseguir assinalar as sexualidades como algo que é moldado na
linguagem e na conduta. Isso significa construir pedagogias que envolvam
todas as pessoas e que possibilitem que haja menos discursos normalizadores
dos corpos, dos gêneros, das relações sociais, da afetividade e do amor
(BRITZMAN, 1996, p.93).

Por outro lado, atentar-nos às contribuições da psicanálise para a educação, significa


que professores e as professoras devem arriscar o óbvio a fim de ter acesso ao que é possível
de se transformar. Isso exige uma educação mais explícita e mais arriscada, uma compreensão
de que a educação consiste em arriscar o eu significa a abertura à ideia de que alguns riscos se
fazem necessários para o acolhimento da criança em suas diferenças.
“Uma pedagogia e um currículo queer se distinguiriam de programas multiculturais
bem-intencionados, em que as diferenças (de gênero, sexuais ou étnicas) são toleradas ou são
apreciadas como curiosidades exóticas” (LOURO, 2001, p. 550b). Desta forma, uma
pedagogia baseada na teoria queer estaria voltada para um processo de produção e valorização
das diferenças e trabalharia com a instabilidade de todas as identidades. Uma proposta queer
nas escolas permitiria com que as diferenças fossem percebidas. A psicanálise, de forma
semelhante, sustenta essa instabilidade, ou ainda, fantasia que sustenta as identidades, sempre
parcial e frágil diante da condição pulsional do humano e, sobretudo, da criança.
A busca por dissoluções frente à demanda da desconstrução de preconceitos que o
professor carrega dentro de si, o instiga a elaborar um novo saber e a se entregar à observação
das singularidades da criança. Faz-se necessária uma travessia pelas fronteiras estabelecidas
entre professor e a criança queer, pelas teorias e pelas epistemologias dos estudos de gênero
que tanto impactam as relações nas escolas. Para tanto, existe a necessidade de se preparar
para acolher essa criança que o professor enxerga como estranha30, que não é só a criança,

30 O “estranho”, também conhecido como o “infamiliar” (Das Unheimliche) (FREUD, 1919), termo
praticamente intraduzível para a língua portuguesa é uma palavra-conceito muito utilizada e discutida na
psicanálise, a qual por ter diversas traduções, ainda desperta variadas interpretações. Em alemão o “un” é um
prefixo de negação assim como “in” em português, heimliche poderia ser pensado em uma tradução possível
como sendo o lar, algo familiar, dessa forma, un-heimliche ou in-familiar. O infamiliar ou estranho é aquilo que
73

mas o sentimento que habita, também, o professor e é para ele desafiador como o próprio
entendimento e implementação da pedagogia queer.

Tia, já falei com todas as meninas da turma! Eu vou usar o banheiro das meninas!
(Paulinho)

Paulinho tinha 5 anos e integrava a Turma da Pré-Escola. Quando foi matriculado


na Unidade Escolar, em nada demonstrou ser uma criança que não iria se preocupar com
uma pedagogia da boa imagem. Sempre expansivo e alegre, se relacionava com seus pares
de forma amistosa. Atento à fala das professoras, era uma criança que toda professora
gostaria de ter, quando se mostrava inteligente, participativo e criativo. E, também era
uma criança que muitas professoras preferiam não ter, quando se mostrava desafiador,
ousado e algumas vezes, “abusado.” Assim, ele foi qualificado quando naturalmente não
perguntou, mas informou à professora de sua Turma, que já tinha organizado com as
meninas da turma que iria acompanhá-las ao “banheiro das meninas” ou mesmo sozinho,
iria ao “banheiro das meninas.” Desconcertada, a professora lhe pediu calma.
Ela não quis nomeá-lo como menino ou menina.
- “Se digo que Paulinho não é menina e, por isso, não pode frequentar o banheiro
escolhido, tenho que debater a ideia de ser menino ou menina. Se afirmo que ele não pode
frequentar o banheiro por ser menino... Ah! Eu não soube elaborar uma resposta para o
Paulinho. E mais inusitado ainda, foi quando eu quis usar seu nome para resolver o
problema.
- Qual é o seu nome?
- Paulinhaaaaaaaaa!
- Aos risos Paulinho debochou de mim e mais ainda fiquei sem ter o que dizer. Achei
que já tinha avançado, não o proibindo, assim, de cara, sua entrada no banheiro das
meninas. Mas, continuei sem chão, sem voz e sem resposta. E a única coisa que eu disse
para finalizar tal assunto, até que ele esquecesse da questão foi: Paulinho, não adianta
nada você combinar com suas amigas da Turma. Não tem somente esta turma na escola.

deveria estar oculto e vem à tona, tornanado a estranheza um “sentimento de mal-estar e de singularidade diante
de um ser ou objeto familiar e perfeitamente conhecido.” (CHEMAMA, 1995, p. 64).
74

Calma! Calma! Tenho que falar com a Orientação Pedagógica, tem outras turmas na
escola.”
A professora do Paulinho gostaria de avançar em um tema que ela acreditou ser fácil
de debater. Por não ter dito “não” na conversa com o Paulinho, acreditou ter uma visão de
mundo diversa e acolhedora. Porém, a professora não disse “sim” ao Paulinho. Ela pensou em
quem sabe, resolver a situação colocada por meio do diálogo e de uma escuta atenta e
inclusiva. A professora esbarrou nas normas já colocadas ou não na escola. Para ela, a melhor
opção era nem mesmo que tais normas tivessem sido um dia debatidas. A professora se
esforçou para não barrar o Paulinho, mas a decisão não era somente dela. O “banheiro das
meninas” era de todo o segmento da educação infantil e não apenas de uso exclusivo de sua
turma.
Em uma Unidade Escolar regida por uma Pedagogia Queer haveria um banheiro para
meninos e outro banheiro para meninas?
No ano de 2019, no qual passamos por campanha eleitoral para Presidente do país
envolvidos em diversas fake news, a possibilidade do uso do banheiro unissex nas escolas
tornou-se alvo de intenso debate. O Projeto de Lei 5008/2020 proíbe a discriminação no uso
do banheiro público de acordo com a orientação sexual ou a identidade de gênero em espaços
públicos, estabelecimentos comerciais e ambientes de trabalho. Ao chegar na escola, o debate
transformou-se em disputa ao ser divulgado que professores faziam campanha para que não
houvesse nas unidades escolares, banheiros separados para o uso de meninas e meninos. Tal
situação, por diversas vezes nem é mesmo pensada de acordo com a real necessidade de
atendimento às crianças transgêneros, por exemplo. Casos de hostilização, e até mesmo
violência, poderiam ser evitados na possibilidade do uso do banheiro de acordo com as
identidades de gênero apresentadas por cada sujeito.
Desde o ano de 2015 a ação sobre o uso do banheiro por pessoas trans de acordo com
a sua identidade de gênero aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal - STF sem
previsão de data. Vários Estados têm apresentado e até aprovado projetos de lei que visam
proibir as instalações de banheiros unissex ou multigênero, alegando riscos às crianças ou as
mulheres cisgêneras. Existem projetos ou propostas que pretendem implementar banheiros ou
espaços de uso coletivo multigênero, mais ainda é uma demanda distante das reais
necessidades das pessoas transgêneras.
75

Como fizeram com a “ideologia de gênero”31, “kit gay”32etc., criaram mais um


inimigo em comum em um novo levante que pretende criminalizar pessoas LGBTIAP+,
especialmente pessoas transgêneras.
A busca por banheiro multigênero teve um aumento, sobretudo durante a campanha
eleitoral do ano de 2022 por causa de uma falsa informação de que o candidato da esquerda à
presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, iria implementar banheiros sem identificação de
gênero nas escolas caso eleito33. As propostas de cunho meramente eleitoreiro ganharam
notoriedade e continuam sendo defendidas como se fossem verdadeiras, apesar de se
apresentarem discriminatórias, inconstitucionais e transfóbicas.
As reclamações que surgem sobre o assunto partem de denúncias falsas já que em
nenhuma delas se comprovou a existência de espaços coletivos de uso multigênero nas
escolas. Banheiros públicos multigêneros já existem e são utilizados sem questionamentos
independente do gênero, em aviões, ônibus intermunicipais e estaduais e até mesmo em
diversas empresas. O que as pessoas transgêneras defendem é que possam fazer o uso do
banheiro de forma segura de acordo com as identidades de gênero autodeclaradas. Há uma
urgência que não pode mais esperar para a conclusão do julgamento pelo Tribunal Superior
Federal, já que existem precedentes que garantem o uso do banheiro de acordo com a
identidade de gênero em consonância com tratados internacionais e o próprio julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4275 que reconheceu a identidade de gênero
como um direito humano.

31 A ideologia de gênero é um termo que apareceu nas discussões sobre os Planos de Educação, nos últimos
anos, e tem sido apresentado como uma ideologia que que visa destruir as famílias. Trata-se de uma narrativa
criada no interior de uma parte conservadora da Igreja Católica e no movimento “Pró-vida e Pró-família” que, no
Brasil está centralizado em um site chamado Observatório Interamericano de Biopolítica. Para uma
contextualização mais ampla, acessar a entrevista com a professora Jimena Furlani sobre a construção da
ideologia de gênero no país. “Existe Ideologia de Gênero?” - Agência Pública (Agência de Jornalismo
Investigativo). Disponível em: http://apublica.org/2016/08/existe-ideologia-degenero/.
32 No ano de 2011 ocorreu na cena da política nacional o que foi denominado “kit gay” que dizia respeito a um
conjunto de materiais que seriam distribuídos nas escolas com o objetivo de combater a homofobia. Composto
por um caderno, boletins, audiovisuais, cartaz e carta de apresentação para os gestores das unidades de educação,
o kit era parte do Projeto “Escola sem Homofobia”, proposto pelo Ministério da Educação, à época gerido por
Fernando Haddad e por ONG’s Nacionais e Internacionais em parceria com a UNESCO que, por sua vez, estava
vinculado ao Programa “Brasil Sem Homofobia”, programa interministerial que visava o combate à homofobia
em diversos eixos, dentre esses as escolas públicas. Neste contexto, pressões realizadas por parlamentares
conservadores culminaram no veto da presidenta Dilma Rousseff ao material. “Kit Gay”: o que é mito e o que
é verdade - Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/kit-gay-o-que-e-e-
mito-e-o-que--e-verdade-b60i8lo4osb19tsf2du8bmr54/.
33 É mentira que o PT vai implementar banheiro unissex nas escolas - Voz das Comunidades. Disponível
em: https://www.vozdascomunidades.com.br/fato/e-mentira-que-pt-vai-implementar-banheiro-unissex-nas-
escolas/.
76

Paulinha é uma criança que não faz a pedagogia da boa imagem. Ela não cessa de criar
e resistir. Criança transgênero existe. Na escola pautada por uma Pedagogia Queer, o banheiro
seria de e para todos, todas e todes.
A Pedagogia Queer pode então ser constituída e considerada como uma pedagogia
mais desenvolvida e evoluída. A partir desta ótica, faz todo sentido que a Pedagogia Queer
caminhe junto ou pelo menos se inspire ou faça referência às possíveis reflexões e
desdobramentos que permitam (re)pensar a relação entre a educação e a psicanálise, já que
ambas pretendem a promoção do humano, sendo a inclusão da criança no mundo de forma
menos traumática, o objetivo primordial.
77

IV PARTE

O professor melancólico
A infância é um chão que a gente pisa a vida inteira.
(Ariane Osshiro)

Mais do que um estudo sobre as manifestações de luto, o texto "Luto e melancolia" de


Freud (1917/2010) trata-se de um escrito fundamental sobre o eu. Nele, Freud mostra como a
melancolia ser relaciona à face tenebrosa do jogo entre sujeito e objeto. Com isso, não se trata
apenas de explicar o fenômeno do luto e o quadro clínico da melancolia, mas de romper com
qualquer postulação do sujeito como idêntico a si mesmo e distinto do objeto com o qual ele
estabeleceria uma relação de complementariedade. A melancolia, muito além de um quadro
clínico, é uma noção que traz à tona algo fundamental aos sujeitos, as suas paixões mórbidas.
(RIVERA, 2012).
A partir de Butler (1999/2019b) talvez possamos afirmar que a melancolia possui duas
disposições: uma estruturada e outra desviante. A melancolia estruturada seria regida pela lei
patriarcal da psicanálise que curaria os desvios da sexualidade por meio da aplicação dos
códigos fálicos ao sujeito do desejo, conduzindo a elaboração de uma reflexão culposa sobre
seu eu. Já a melancolia desviante estaria vinculada à subversão da heteronormatividade, pois
seu modo de subjetivação se daria por meio da crítica em relação aos poderes e saberes do
falo (STEPHAN, 2020). É importante ressaltar que aqui que o termo “desviante” não é
tomado de forma pejorativa, como acontece usualmente no discurso social binário
normalizador.
Uma das partes das características da melancolia34 é tomada do luto (FREUD,
1917/2010). Contudo, os motivos que ocasionam a melancolia ultrapassam a perda
ocasionada pela morte e abrangem outras situações como a ofensa e o desprezo nas relações
de oposição entre amor e ódio, caracterizando a melancolia por um desânimo profundo quase

34 Na psicanálise, a melancolia é caracterizada como “afecção profunda do desejo, que Freud considera a
psiconeurose por excelência, caracterizada por uma perda subjetiva específica, a do próprio eu (CHEMAMA,
1995 p. 134).
78

que doloroso, rebaixamento da autoestima e por um extremo desinteresse pelo mundo


externo, e consequentemente, pela perda da capacidade de amar. Se comparada a melancolia
ao luto, podemos dizer que no luto há a perda do objeto amado onde o mundo se tornou feio e
vazio, já na melancolia o próprio ego se tornou vazio e, como em um quadro de delírio de
inferioridade, predominantemente moral, a pulsão que todo ser humano carrega para
impulsionar a própria vida e se apegar a ela se perde. Na analogia com o luto, o sujeito sofre
uma perda do objeto e, de sua própria identificação com o objeto perdido, surge uma perda
em seu eu.
Butler (1990/2019b), se valendo dos estudos de Freud (1917/2010) sobre a
melancolia, introduziu o conceito de melancolia de gênero que é pensada da seguinte maneira:
o objeto de amor homossexual é perdido e, por ser proibido, essa perda não é vivida, de modo
que o objeto é internalizado e interditado, sendo o tabu da homossexualidade uma função
mantenedora da identidade ‘aceita’ pela cultura. Butler defende que a formação do gênero se
dá à custa da “síndrome da heterossexualidade melancólica” (BUTLER, 1990/2019b).
Butler (2017) ainda destaca como a identificação melancólica é necessária para que o
eu assuma uma morfologia de gênero. Esse processo é pensado em decorrência da
normatividade cultural que “(...) só consegue prantear a perda do apego homossexual com
grande dificuldade” (BUTLER, 2017, p. 142).
Portanto, a melancolia de gênero é uma experiência que não se dá de forma individual.
Aceitar ou não os apegos homossexuais não é uma decisão do sujeito apenas, pois é
atravessada pelo aspecto normativo da cultura que incita à heterossexualidade compulsória.
Daí se estabelece o contraste entre a melancolia heterossexual e a melancolia homossexual:
um sujeito homossexual pode recusar o amor heterossexual, já a recusa da homossexualidade
é fruto da imposição da cultural (BUTLER, 1990/2019b), o que nos leva a pensar que
vivemos uma cultura da melancolia de gênero.
Como um professor ou uma professora que se perdeu na constituição do seu ‘eu’
saberá lidar com a criança queer de forma respeitosa? E se esse professor ou professora for
um melancólico de gênero que não compreende o equívoco na insistência acerca do
binarismo-natureza e cultura de modo a trazer em si uma marca de gênero,35 se apresentando
melancólico e triste?

35 Wittig (1992), descreve a marca do gênero na linguagem como um ato criminoso dos homens contra as
mulheres: “apropriaram-se do universal como masculino” (p.107).
79

O melancólico em uma exacerbada autocrítica se reconhece como mesquinho e egoísta


que oculta as próprias fraquezas. Como ele poderia se aproximar da criança queer sem
julgamentos?
Conseguimos explicar o doloroso distúrbio da melancolia pela suposição de que [nos
que sofrem dele] um objeto perdido é reinstaurado no eu - isto é, que um investimento
no objeto é substituído por uma identificação (...) Desde então, compreendemos que
esse tipo de substituição tem grande peso na determinação da forma assumida pelo eu,
e que dá uma contribuição essencial para a construção daquilo a que se chama seu
“caráter” (FREUD, 1917/2010, n.p).

Para Butler (1990/2019b), não é meramente o ‘caráter’ que está sendo descrito, mas
sim, a aquisição de uma identidade de gênero. Segundo a teórica, a melancolia corresponde a
um mecanismo psíquico que constitui a identidade de gênero (BUTLER, 2017)

De todo modo, o processo é muito frequente, sobretudo nas primeiras fases do


desenvolvimento, e pode possibilitar a concepção de que o caráter do Eu é um
precipitado dos investimentos objetais abandonados, de que contém a história dessas
escolhas de objeto (FREUD, 1917/2010, p. 36).

Freud (1917/2010) se movimenta pelas fronteiras entre o luto e a melancolia, mas em


um de seus ensaios sugere ser a ‘baixa autoestima’ um dos demarcadores entre essas
experiências. Butler (2017) explora como o gênero é um dos efeitos da melancolia.

Na melancolia, o objeto amado é perdido por uma variedade de meios: separação,


morte ou ruptura de um laço afetivo. Na situação edipiana contudo, a perda é ditada
por uma proibição acompanhada de um conjunto de punições. A melancolia da
identificação de gênero que responde ao dilema edipiano deve ser entendida,
portanto, como a internalização de uma diretriz moral interna, que adquire sua
estrutura e energia a partir de um tabu externamente imposto (BUTLER,
1990/2019b, p. 117).

Ao fundamentar o desenvolvimento dos seus estudos queer no conceito de


melancolia de gênero, Butler (1990/2019b) demonstra que a heterossexualidade normativa
pode ser constituída por resíduos de desejos homossexuais, evidenciando que a própria
heterossexualidade não é tão heterossexual quanto parece (LIMA, 2021).
Logo, sobre o fato de a heterossexualidade ser uma compulsoriedade cultural onde
homem e mulher estão atrelados à reprodução, Butler (1990/2019b) nos apresenta o gênero
heterossexual como melancólico. A perda do objeto bissexual na história do desenvolvimento
sexual infantil é aprisionada pelo discurso, como se a criança ou o adulto ao se aprisionarem e
se afirmarem dentro da heterossexualidade, ficassem a mercê de uma espécie de melancolia
de gênero, pois sua própria afirmação estaria fixando o objeto perdido na infância, aquele
80

objeto que era polimorfo, passa a ser recalcado, logo expresso pela melancolia de gênero. Para
Butller (1990/2019b), todo heterossexual é melancólico de gênero, pois não conseguiu
experenciar sua forma livre e plena de viver no mundo. A própria experiência da
heterossexualidade seria para a teoria queer, uma violência, na medida, em que uma parte da
sexualidade deve, num contexto binário hegemônico, ser extirpada do campo da experiência.
Atualmente, o termo melancolia não é mais utilizado na classificação da Organização
Mundial da Saúde - OMS, bem como no DSM V “Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Discordes” - “Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”, que é
agora coberto pela categoria como depressão grave. Apenas a psicanálise continuaria a
reconhecer a melancolia como uma condição por si só e, portanto, continua aprofundando os
estudos dos aspectos inconscientes que a determinam. Os estudos de gênero vêm ampliando a
discussão sobre a melancolia de gênero.
Professores inseridos em uma cultura de melancolia de gênero, sem que percebam ou
que se importem, geram crianças melancólicas, atravessadas por um estado de consentimento
que a relegam à falta de vontade, à apatia, à indiferença e ao tédio, muitas vezes, permeadas
por dinâmicas ocorridas nos espaços da escola que engendram a impossibilidade de se
defrontarem com as frustrações que a vida apresenta. Certos de que não desejamos gerar na
criança um ‘coração partido’ e com a sensação de que não é suficientemente boa para que seja
abandonada, não queremos contribuir com uma dor e sofrimento que acarrete a perda da
pulsão de vida a ponto de que medidas extremas possam ser pensadas como saída. O objeto de
sua autoestima que faz parte do seu próprio ser, quando repudiado ainda na infância, de forma
real ou imaginária pode um dia retornar como sensação de abandono. O professor certamente
não possui a noção do quão se faz importante seu empenho no lidar com a criança na escola.
Como saber se a criança queer já está através da arte e da dança, por exemplo, sublimando os
motivos das diferenças que por ela não é percebida, mas que pelo professor além de ser
percebida é desmerecida?
As crianças que esta pesquisa apresenta na maioria das vinhetas, ao contrário da
representação de uma criança com características melancólicas, se mostra ativa e alegre.
Contudo, em outras vezes, há relatos de situações que as constrangem. Negar seus
sentimentos, não os elimina, pois a criança queer está ávida para se lançar ao mundo de forma
autêntica. Por meio da falta de afeto que não seja o professor que a impeça de se revelar
verdadeira.
81

Que falta é essa que, constituída em nós, nos leva e leva o outro ao adoecimento? A
psicanálise nos apresenta o amor como o motor da transferência.36 Na escola, portanto, o
professor, independentemente de sua ação, pode despertar afetos na criança para além daquilo
a que ele próprio tem noção conscientemente. O mesmo pode acontecer ao professor, por
parte da criança. Tal fenômeno pode se estabelecer nos dois sentidos.
Freud (1914/1969), afirma sobre o que passam a ser, os professores, no fenômeno
transferencial:
(...) nossos pais substitutos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas
ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos
nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido
em nossas próprias famílias, e ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de
lutar com nossos pais em carne e osso (p. 249).

Essa via de mão dupla entre o excesso praticado pelo professor castrador do desejo da
criança e o professor que precisa renunciar a esse lugar, é sem dúvida a linha tênue
desafiadora para aqueles que enxergam sua prática como algo voltado para o respeito ao
outro.
A transferência é o momento em que a criança se relaciona com seu professor da
mesma maneira que se relaciona com seus pais. Entretanto, nas relações afetivas ocorrem
variações emocionais, na medida em que criança e professor, transferem um para o outro uma
forma de se relacionar que é transposta de suas relações parentais. Nesse sentido, as relações
transferenciais portam uma carga afetiva inconsciente já marcada por identificações e
traumatismos psíquicos prévios. Nesse impasse relacional, é que o professor pode se tornar
para a criança, inconscientemente, uma figura depositária de seus afetos de amor ou ódio,
ocupando um lugar especialmente importante de poder sobre a criança (RIBEIRO, 2014).
Lacan expõe a relação melancólica como uma espécie de “falha no que concerne à
realização disso que se chama de amor” (LACAN, 1975, p.13).
Como pensar essa falha amorosa na melancolia? De que falha o professor melancólico
seria vítima, levando à criança a tornar-se melancólica também?
“De acordo com a narrativa da melancolia provida por Freud, o eu ‘se volta sobre si
mesmo’ quando o amor falha em encontrar o seu objeto e toma a si mesmo não apenas como
um objeto de amor, mas também de agressão e de ódio” (BUTLER, 1990/2019b, p. 168).

36 Vínculo afetivo intenso, que se instaura de forma automática, entre o paciente e o analista, comprovando que
a organização subjetiva do paciente é comandada por um objeto. Fora da situação da análise, o fenômeno de
transferência é presente nas relações, sejam elas profissionais, hierárquicas, amorosas etc. Nesse caso, a
diferença com o que ocorre em uma análise está em que os dois parceiros estão presos, cada um por seu lado, a
sua própria transferência, da qual, com muita frequência, não têm consciência; motivo pelo qual não é
organizado o lugar de um intérprete, tal como o encarnado pelo analista, na situação de um tratamento analítico
(CHEMAMA, p. 2017, 1995).
82

Seria o professor melancólico a vítima da impossibilidade de barrar o Outro que já é


capaz de sustentar um ‘desmame’, sendo interditada a perda do seio pelo Outro na
melancolia? (HASSOUN 2002).
A criança que Freud um dia descortinou sente tristeza, solidão, raiva, desejos
destrutivos, vivencia conflitos e contradições, é portadora de sexualidade e escapa ao controle
do professor. É uma concepção de criança peculiar, ou seja, “(...) não a criança policiada,
educada, disciplinada, e sim a criança visada pelo gozo, gozo que deixa seus traços no adulto,
em seus sucessos e seus fracassos, suas perversões ou suas sublimações” (MILLER, 1991,
p.138).
Para o professor, pensar nessa criança implica necessariamente pensar também nas
suas ações de intolerância em relação a ela e à sua própria infância. Construir um ideal para a
criança que tanto o perturba, implica construir um ideal para o adulto que ele se tornou.

Jamais seremos perfeitamente masculinos e femininas jamais realizaremos com


excelência imagética ou especular a heterossexualidade visto que estas verdades
fundamentais não passam de ficções inventadas e sustentadas por uma linguagem
difundida por meio de saberes teóricos e práticos de poder completamente mutáveis
(STEPHAN, 2020, p.9).

Por isso, a criança queer tanto desafia o professor e a professora. Ela não necessita de
autorização para realizar seus desejos, ainda que pudesse se mostrar mais feliz se de seus
professores recebesse acolhimento, implicada em uma relação de amor e confiança.
83

As caixinhas moldadoras de professores

É muito fastidioso ser sempre o mesmo.


(Foucault, 2014, p. 255).

Ideologia de gênero, Escola sem Partido37 “kit gay”, “menino veste azul e menina
veste rosa38” etc. Ao falarmos em crianças, estamos falando, também, sobre os adultos, o que
significa admitir que preocupações baseadas na sustentação do caráter normativo e idealizado
da infância atuam também para prevenir ou evitar a formação de adultos desviantes das
normas estabelecidas (FAVERO; MARACCI, 2021).
Desde seu surgimento, a expressão “ideologia de gênero” carrega um
sentido pejorativo para um grupo conservador, principalmente, religioso, que tenta a todo
custo responsabilizar profissionais da educação por controvérsias estabelecidas a partir de
protestos de um grupo que nega a importância de debater temas como direitos humanos e
educação sexual nas escolas.
No Brasil, a expressão tornou-se famosa a partir do ano de 2014, quando o Ministério
da Educação - MEC buscou incluir educação sexual, combate às discriminações e a promoção
da diversidade de gênero e orientação sexual no Plano Nacional de Educação - PNE. Após
muitos protestos por parte da população mais conservadora, liderada por grupos religiosos e
pelo Movimento “Escola sem Partido”, o PNE foi aprovado sem fazer menção a gênero e
orientação sexual. Fazendo um balanço parcial da política moldada pela criação e
disseminação da noção de “ideologia de gênero”, é possível confirmá-la como um campo

37 O Movimento Escola sem Partido - MESP, foi criada em 2004 com o objetivo de dar visibilidade à
instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários, utilizando-se de um site como
principal suporte que funciona como um meio de divulgação de ideias, de instrumentalização de denúncias e de
disseminação de práticas de vigilância para apontar a criminalização das ações dos professores que deverão ser
vigiados em seus espaços de trabalho, ao que os responsáveis pela organização do movimento que são pais e
responsáveis pelos alunos e os próprios alunos, entendem como “prática de doutrinação comunista e de gênero”
que seriam identificáveis em aulas, livros didáticos e programas formativos (FRIGOTTO, 2017).
38 No ano de 2018, após a vitória do candidato da direita à Presidência, Jair Messias Bolsonaro, em
comemoração Damares Alves declarou para a imprensa que a partir daquele momento firmava-se para os
conservadores a certeza de que “meninas vestiam rosa e meninos vestiam azul” em contraponto à ideia de que
acreditavam existir da defesa de uma suposta “ideologia de gênero” que divulgavam como sendo projeto da
esquerda.
84

discursivo de ação conservadora que objetiva barrar avanços dos direitos humanos voltados às
demandas que envolvem direitos sexuais e reprodutivos e a incorporação da categoria gênero
e orientação sexual nas políticas públicas (MILSKOLCI, 2017).
Em cumprimento das disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB
(BRASIL, 1996), o primeiro Plano Nacional de Educação - PNE, foi elaborado e vigorou
entre 2001 e 2010. A proposta do novo PNE foi apresentada na Câmara dos Deputados em 20
de dezembro de 2010 e em 17 de dezembro de 2013, o Plenário do Senado aprovou o
Substitutivo ao Projeto de Lei, no qual retirou da redação do inciso III do artigo 2º a frase
“promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” (BRASIL, 2013).
De volta à Câmara dos Deputados, aflorou-se nas audiências e debates sobre o Projeto de Lei,
o fenômeno da crítica à “ideologia de gênero”, com calorosas manifestações a favor e contra,
até sua sanção presidencial em 25 de junho de 2014, com flexão de gênero, porém sem
especificação de formas de discriminação (BRASIL, 2014).
É importante destacar que nenhum dos Documentos Finais das Conferências de
Educação de 2008, 2010 e 2014, nem a versão inicial do Plano Nacional de Educação, fazem
menção ao termo “ideologia de gênero”, e sim, têm por objetivo garantir o alcance da
equidade entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual.

Professora L.:
- “Depois da Reunião Pedagógica de ontem, percebi o quanto estou despreparada
para lidar com as diferenças. A Rede não me dá suporte e a escola muito menos. Lá vou eu
mais uma vez procurar por conta própria uma formação que dê conta de me preparar.

Professora G.:
- Te preparar pra quê? Você teve que se preparar para lidar com as crianças
especiais? Por que “esses” diferentes precisam de destaque? Quanto mais se fala sobre
isso, mais tem que se preparar. As coisas não podem acontecer naturalmente?

Professora B.:
- Não. Tem lei. Ou não tem lei?

Professora T.:
85

- Tá vendo nosso despreparo? Não sabemos de nada! São crianças muito pequenas.
A Família não pode dar conta disso?”

“Disso” o quê? A família tem que dar conta de quê? E a escola tem que dar conta de
quê? A vinheta escolar descrita acima é um relato de uma conversa realizada não na Reunião
Pedagógica, mas após a reunião ser encerrada. A proposta da Reunião era a implementação de
temas voltados a trabalhar a Diversidade na Unidade de Educação Infantil. Até então, os
temas abordados no início de cada bimestre eram os mesmos dos anos letivos anteriores. A
“novidade” nesse ano foi a chegada de uma criança “diferente.” Toda a escola mobilizou-se
para se “preparar” para acolher uma criança diversa nunca recebida na Unidade.

Professora L.:
- “Tantos anos de Magistério, já vi menino afeminado e menina sapatinha. Mas,
trans é a primeira vez. Tô Perdida! Não sei lidar!”

Professora G.:
- “Tá muito cedo pra dizer que é trans. Só tem 6 anos! Ainda bem que no ano que
vem, ela vai para o Ensino Fundamental. Aqui no Pré nem vejo sentido levantar essa
questão.”

Professora L.:
- “Ano que vem pode chegar mais crianças desse tipo.”

Como se fosse um tema proibido, nenhuma das professoras demonstraram cuidado nas
falas sobre “Cat”. A criança tinha um nome, nome esse que a família solicitou que evitassem:
Carlos. Foi nela inscrito um novo nome, nome esse que a família solicitou que enunciassem:
Catarina.

O problema é que, embora a identidade heterossexual normativa exija que se


construa, ao mesmo tempo, a homossexualidade como falta, o que se deixa de
pensar é que todas as sexualidades devem ser construídas, que nossas práticas e
interesses são socialmente negociados durante toda nossa vida e que a moldagem
sexual não precisa estar presa a estruturas de dominação e sujeição (BRITZMAN,
1996, p. 91).
86

Como lidar com a Cat? Variados questionamentos surgiram entre as professoras.

Afinal, existe sexo biológico? Todos nascemos com determinados sexos que dentro
das Ciências Médicas são reconhecidos como sexo biológico, este é reconhecido pela maioria
da sociedade como sexo masculino ou feminino. Hoje as compreensões estão expandidas,
pois as possibilidades de sexo são diversas. Dentro da intersexualidade, por exemplo, há mais
de quarenta variações nas quais, um sujeito pode não se encaixar ao padrão binário masculino
e feminino. O sexo social é construído sobre um modelo binário. De outro modo, os “sexos
biológicos” claramente definidos, possuem uma ampla gama de situações intermediárias,
como os sujeitos “intersexo”, que coloca fora nossas certezas sobre a estabilidade das
categorias “homem” e “mulher”.
Desde 1º de março do ano de 2018 no Brasil, transgêneros e travestis puderam
expandir até mesmo as compreensões da Biologia, quando obtiveram a garantia de se
apresentarem como sendo do sexo masculino ou feminino. O Supremo Tribunal Superior
Federal - STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4275, reconheceu os
transgêneros, independente de cirurgia de redesignação sexual, de tratamentos hormonais ou
da apresentação de documentos médicos ou psicológicos, o direito à substituição do pronome
e do gênero diretamente nos Cartórios de Registro Civil mediante à autodeclaração. Sem
dúvida essa mudança de paradigma para alteração do nome e do gênero trouxe efetividade
prática para a vida de centenas de pessoas, talvez milhares de pessoas trans.
Criança transgênero existe e não pode ser excluída do direito de retificação de nome
e de gênero, principalmente, dentro da escola. A criança queer entra na escola, mas é
garantido seu direto de permanecer nela?
É a partir das “caixinhas limitadoras”, que muitos professores se eximem da aceitação
do outro e, sem que percebam, excluem a criança que os assusta por ser quem deseja.
O que a maioria dos professores não compreendem, ou até mesmo não sabem, é que
há respaldo legal para que eles possam lutar pela permanência de toda e qualquer criança na
escola, independentemente de como se apresentam.

Professora X.:
- “Mas, e o gênero da ou do Cat? É masculino ou feminino?”
- “É menino ou menina? É a tal da Ideologia de Gênero?”
87

Ao ouvir tal questionamento, a impressão era de que a professora acima, ao se mostrar


em dúvida, no fundo estava sendo sarcástica. Era só olhar para a Cat para constatar que era
uma criança que desejava ser identificada como uma menina. Para alguns, tal situação parecia
simples, porém a professora realmente não sabia como lidar com a Catarina e, ainda, tinha
dúvidas ou se recusava a aceitar a diversidade a partir do gênero que deveria atribuir a ela.

Gênero é um conceito construído pelas ciências humanas no último século. Exato.


Não é uma ideologia, nem um movimento, nem um partido político, mas um conceito
científico. Existem muitas formas de contar a história desse conceito. Uma das suas
origens está na Antropologia, especialmente em estudos feitos a partir do início do
século XX. Até aquele momento, tudo o que se sabia sobre as relações entre homens e
mulheres vinha da Biologia. As explicações que vinham de um campo ou de outro
atribuíam as distinções de comportamento, corpo e função social de homens e
mulheres a uma “diferença sexual” inata. Produzida por genes ou pela criação divina,
essa diferença já estaria marcada nos corpos e seria compartilhada por todos os seres
humanos, independentemente do tempo ou da sociedade em que existissem. Essa
explicação, no entanto, começaria a ser questionada a partir de pesquisas etnográficas
produzidas por estudiosos da cultura em sociedades de diferentes partes do globo que
mostravam como diferentes sociedades atribuíam significados muito diversos ao
masculino e ao feminino (BORTOLINNI, 2008, p.15).

Existe hoje um vasto campo interdisciplinar de pesquisa científica organizado em


torno do conceito que é chamado de “estudos de gênero” (BORTOLINNI, 2008). O que se
definia enquanto “homem” ou “mulher” não se mostra igual em todas as culturas, afinal foi
possível identificar uma grande variação cultural dos sentidos de masculinidade e
feminilidade nos mais diferentes povos que habitam o mundo. Variações que contrastavam, às
vezes, de maneira bastante radical.
Margaret Mead (2000), antropóloga foi uma das pioneiras nos estudos das relações de
gênero. Suas investigações sobre tribos da Nova Guiné, registradas no livro “Sexo e
Temperamento em Três Sociedades Primitivas” (1935), identificaram grandes variações nos
sentidos e funções que cada cultura atribuía a homens e mulheres. A conclusão da
pesquisadora foi que, se é possível encontrar formas tão diferentes de entender o feminino e o
masculino nas diversas sociedades, então os temperamentos que atribuímos a homens e
mulheres não são inatos, mas definidos nas relações sociais.
Os estudos de gênero foram se acumulando e começaram a questionar a ideia de uma
“diferença sexual” inata e universal. Se os significados de masculino e feminino variavam
tanto no espaço quanto no tempo, então esses significados não podiam ser atribuídos à
natureza biológica, mas eram produzidos pelas culturas e se transformavam ao longo da
história (BORTOLINI, 2008).
88

A professora que questiona a existência de uma “ideologia de gênero” que para ela é
disseminada na escola não se dá conta de que o que o conceito de gênero faz é, justamente,
lançar luz sobre uma série de “ideologias” que hoje regulam os modos de ser e de pensar os
corpos, as identidades, as sexualidades e tantas outras dimensões da vida a partir de ideias
historicamente cristalizadas sobre masculinidade e feminilidade.
De acordo com o parecer da Resolução nº 12 do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação de pessoas LGBT (BRASIL, 2015), o conceito de identidade de gênero
permite que se possa reconhecer o direito de cada pessoa à livre construção da sua
personalidade na relação com as concepções de masculinidade e feminilidade disponíveis na
cultura. O texto reitera o direito ao próprio corpo, o que constitui uma peça fundamental para
compreender a experiência de pessoas transgêneras e travestis, embora não se restrinja a elas.
A construção da dimensão das identidades é um processo permanente e mutável,
complexo e dinâmico, realizado por todos os sujeitos mesmo que isso não seja evidente
(LOURO, 2008), o que significa que todas as pessoas têm uma identidade de gênero.39 A
identidade de gênero não necessariamente tem relação com o sexo atribuído no nascimento e
não tem nenhuma relação com orientação sexual.40
Apesar de tais debates se mostrarem vivos dentro das unidades escolares, muitos
professores ainda temem falar sobre suas inseguranças quando se sentem ameaçados e com
medo do que está posto ao redor a partir de uma sociedade conservadora e que se mostra
vigilante das ações dos professores dentro das escolas, como faz o Movimento Escola sem
Partido.
O Movimento vem realizando desde a sua criação, a divulgação de ações e orientações
que visam coibir a apresentação de determinados temas que são abordados no processo de
ensino e aprendizagem, principalmente nos momentos em que são ministradas as aulas. Com
esta atuação, a organização apresenta condições de visibilidade e de penetração social que
forjam a percepção de uma ampla preocupação social e ocultam a sua verdadeira intenção em
termos políticos (FRIGOTTO, 2017).

39 “É a maneira como o indivíduo se enxerga em relação ao seu próprio gênero, ou seja, é com a pessoa se
reconhece: homem, mulher, de ambos os gêneros, ou ainda não se identificando com nenhum dos gêneros. É um
processo de construção ou desconstrução em relação ao seu comportamento social” (SEPULVEDA; CORREA;
FREIRE, 2021, p. 49).
40 “Esse termo diz respeito à forma como o sujeito vivencia seus desejos e deleite corpóreo. Nesse sentido,
pode praticá-los de diversas maneiras, com pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente (...)” (SEPULVEDA;
CORREA; FREIRE, 2021, p. 13).
89

Com o uso de gravações e filmagens de trechos de aulas divulgados na página de


abertura do site, o Movimento Escola Sem Partido, expõe publicamente cenas com
professores e alunos sem autorização, colocando em disputa o caráter público e democrático
das escolas, principalmente das unidades públicas, relacionando-as ao modo como se portam
seus professores, criminalizando assim, o trabalho pedagógico das escolas.
De acordo com Frigotto (2017), as prerrogativas ultraconservadoras do Movimento
Escola Sem Partido, não estão relacionadas apenas aos conteúdos pedagógicos apresentados
nas salas de aula, mas também se tornaram alvo de denúncias, os professores que divulgam
suas ideias ou as ideias já estabelecidas por uma sociedade que preza por uma educação
diversa, por exemplo.
Portanto, quando os professores promovem a inclusão de todos os alunos,
independente da forma que são e se apresentam, como queer, transgênero etc., e divulgam
entre eles legislações que discutem ideias que são direitos de todos, tornam-se alvo de
denúncias e perseguições por incluir e representar o real papel da escola em não propor a
neutralidade diante de temas tão essenciais e diversos para a divulgação de um espaço escolar
que acolha a todos.
90

Quem autorizou o professor a enunciar o futuro da criança?

As pessoas devem poder viver a identidade que lhes parece mais cabível.
(Laerte)

No Recreio de uma escola de Educação Infantil de uma rede municipal da Baixada


Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, uma criança de 04 anos de idade é observada na
escolha de suas brincadeiras.
– “Ana não gosta de brincar com as outras meninas. Só gosta das brincadeiras de
menino. Nunca a vi brincando de boneca. Todo dia essa história de jogar futebol. E quando
crescer? Será o quê?”
Nesta vinheta escolar não fica clara a natureza da preocupação com a Ana na fala da
professora auxiliar de educação infantil. Não é possível identificar no questionamento da
professora – “e quando crescer” – se ela se encontra preocupada com o futuro pessoal ou
profissional da Ana. – “Será o quê?” A professora deixa na dúvida quem ouve suas palavras.
Ela projeta para a Ana um futuro profissional, como por exemplo, será bailarina, jogadora de
futebol ou ela deseja especular se Ana se mostrará à sociedade como menina ou menino?
Heterossexual ou homossexual?
Ana poderia ser o que quiser no espaço da unidade escolar, mas necessita sempre
corresponder às normas estabelecidas.
Ana desalinha o tracejado da norma que ordena o pensamento da professora auxiliar.
Nesse sentido, se aproxima do entendimento que o queer experimenta, rompe, transborda e
confunde.
No livro “Ser criança na educação infantil: infância e linguagem”, Solange Jobim e
Souza diz que “a infância não é algo que possa ser compreendido antes da linguagem ou fora
dela, pois é na linguagem e pela linguagem que a criança se constitui para si, para o outro e
para o mundo da cultura” (SOUZA, 2016, p.18).
É preciso que os professores estejam atentos à linguagem utilizada, procurando
perceber e evitar o sexismo que ela frequentemente carrega e institui.
Por que a criança queer afeta tanto os professores a ponto de os limitarem em suas
relações cotidianas no chão da escola?
91

Ao compreender a infância articulada com a linguagem, é possível compreender que a


criança não é apenas uma etapa cronológica na evolução da espécie humana “(...), mas sim
um ser que participa da criação da cultura através do uso criativo da linguagem na interação”
(SOUZA, 2016, p. 15).
A rígida distinção que se dá dentro do espaço escolar sobre os gêneros, acrescenta
como uma consequência social o sexismo, estipulando perfis diferenciados entre quem é ou
pode ser menino ou menina, sendo que a infância, como uma simbologia associada à
realidade através da linguagem, também divulga uma enorme significância para os
imaginários infantis.

Consideremos o caso da interpelação médica que (apesar de o surgimento da


ultrassonografia ser recente) desloca uma criança de “bebê” para “menina” ou para
“menino” e, nessa nomeação, a menina é “feminilizada” por essa denominação que a
introduz no terreno da linguagem e do parentesco por meio da interpelação de
gênero. Mas essa “feminilização” da menina não termina aí; pelo contrário, essa
interpelação fundacional é reiterada por várias autoridades e ao longo de vários
intervalos de tempo que reforçam ou contestam esse efeito naturalizado. A
denominação é ao mesmo tempo um modo de configurar um limite e também de
inculcar repetidamente uma norma (BUTLER, 2019a, p. 28).

Supor que a infância pode expressar-se perpassada pela experiência da linguagem nos
leva a pensar em uma criança que nos convida a refletir sobre o mundo por meio de suas
irregularidades, levando o professor a lidar com um outro campo discursivo que se faz pelo
que vaza, pelo que existe e resiste na criança.
A imprevisibilidade da criança instala no professor a dúvida e a incerteza como
possibilidade de ainda conhecer o desconhecido e assumir a postura diante do mundo da
criança que coloca o professor em um lugar de quem nem tudo sabe, nem tudo é devido saber
e nem tudo pode (LIMA, 2008).
A expectativa predominantemente do professor de capturar a infância marca suas
diferentes narrativas. Mais do que saber o que é uma criança, é preciso pensá-la como algo
desconhecido. A infância “(...) pode arriscar-se a percorrer por caminhos não traçados,
experimentar as surpresas do incerto e do inesperado” (LOURO, 2004, p. 16). Ao pensar a
infância como um trajeto desconhecido e como experiência, o professor aproxima-se da
criança na tentativa de não se ver como o sujeito soberano que tem a sua voz e fala imposta no
lugar da voz de criança. A estranheza (Das Unheimliche) (FREUD, 1919/1996) produzida
causa a sensação de não saber por onde começar e caminhar.
Diferentes saberes são produzidos sobre a infância como experiência, sendo hoje a
criança o sujeito que pretendemos nomear, por meio das diferentes áreas de conhecimento.
92

Contudo, continuamos a nos esforçar em controlá-la em nome do que está por vir
(LARROSA, 2004) através dos diferentes discursos produzidos nas práticas escolares.
O encontro do professor com essa criança que o lança para uma experiência com o
desconhecido e o estranho, também o desafia pelo fascínio de arriscar-se no desejo de
normatizar e capturar a criança e expõe sua preocupação com o futuro dela, de como ela será
quando crescer, de que gênero ou orientação ela irá se apresentar.
Por fim, o professor na realidade, expõe sua própria dificuldade em relação à
sexualidade. Sua vivência do que se considera como “castração”, em psicanálise, aponta para
certa rigidez em lidar com sua própria orientação sexual ou sua própria identidade de gênero,
pois o recalque do componente homossexual de sua sexualidade talvez não seja tão estável
quanto parece. Um exemplo disso está em Freud (1913/2012), quando fala do “homem
ciumento” e “machão” como uma forma de se defender inconscientemente do retorno de sua
homossexualidade (mal) recalcada.
Se o sentimento de estranheza se produz “(...) quando os complexos infantis que
haviam sido recalcados revivem uma vez mais por meio de alguma impressão” (Freud,
1919/1996, p. 266), não é o adulto que pode enunciar sobre a criança queer hoje ou no seu
futuro, é a criança que nos desestabiliza a todo momento e nos incita a pensar sobre quem nós
somos. É a infância que não pode ser dita, pois a todo tempo se movimenta de forma
descontínua, se finalizando e se recriando a cada instante que tentamos nomeá-la.
Ao professor cabe o cuidado de não permitir que seja a educação que o afaste da
infância como possibilidade de experiência. A infância como experiência nos provoca a ter
um encontro com o nosso ‘si’, no que podemos nos reportar, também, ao conceito de
experiência em Foucault (1984/2021) que considera o saber, o poder e a subjetividade como
elementos que ajudam a definir o conceito de experiência estruturalmente. Trata-se de “(...)
entender os diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornam-se
sujeitos” (RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 231), o que nos leva a voltar ao conceito de
experiência em Benjamin (1939/1989) onde é possível destacar a convergência entre os
filósofos na ênfase da dimensão histórica da experiência em Foucault (1984/2021) e das
formulações das experiências benjaminianas.
Experiência para Foucault não é outra coisa senão os discursos e as práticas que nos
levam a criação de um sujeito não como sujeito universal, mas como uma forma singular de
sujeito, com uma subjetividade difusa e diversa. Não se trata de descobrir a verdade por trás
de cada um, mas de compreender os jogos da verdade e as práticas concretas através das quais
cada um se constitui historicamente (FOUCAULT, (1984/2021).
93

Trata-se de fazer a história da constituição da “experiência de si” com os seus limites


históricos e culturais. As propostas pedagógicas tradicionais que trabalham longe de uma
proposta de uma pedagogia queer suprimem o espaço da experiência nas práticas escolares
em prol do total controle pedagógico da prática das crianças e dos professores.
Nas perspectivas teóricas através das concepções históricas consideradas por Foucault
e por Benjamin, a história é algo descontínuo e não linear, não havendo uma origem como
uma essência ou identidade, o que significa falar da experiência entrelaçada a um mundo
moderno em meio às suas transformações (ROSA- PETRUCCI; RAMOS, 2015).
Mesmo que a tendência romântica de Benjamin não encontre lugar nos escritos de
Foucault, ainda assim, é possível compreender que o problema histórico-filosófico que
Benjamin formula agrega instrumentos conceituais precisos ao ser trabalhado pelo método
genealógico de Foucault no qual ele procura conceituar um ponto de vista alternativo sobre as
condições de possibilidade para se constituir a história, privilegiando compreensões que,
fortalecem e destacam o papel transformador das vozes dos professores para que sejam
enunciadas como notas da experiência.
A experiência remete a algo que nos passa e que nos acontece, se opondo as práticas
apressadas no trabalho, na informação e na opinião. Larrosa (2002) propõe uma experiência
com significado que possa criar sentidos através das palavras enunciadas enquanto
mecanismo de subjetivação. Do ponto de vista da experiência, o que importa não é forma de
se opor ou de se impor sobre as coisas e acontecimentos, e sim, de se expor (LARROSA,
2002), ação que a criança realiza a todo momento ao expor o que pensa e sente.
Carvalho (2010) explorou no pensamento de Foucault, as contribuições de pensar no
lugar do professor e na sua função de intercruzamento de práticas discursivas com as relações
de poder e técnicas de si. “Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo
controle e dependência, e preso a sua própria identidade por uma consciência ou
autoconhecimento” (FOUCAULT, 1995, p 235). As duas sugerem uma forma de poder que
subjuga e torna sujeito a alguém.
A luta por uma subjetividade moderna passa pela resistência às formas de sujeição
que levam à individualização. Uma fala e uma escuta mais atentas se fazem necessárias para a
dissolução dos discursos que fixam uma identidade determinada, esta que deve ter o direito à
diferença e a variações.
De acordo com Chácon (2022) “escutar a partir da psicanálise é aceitar que o corpo,
aquele que portamos, não tem nada de natural; está esculpido pela linguagem; nem o sexo,
nem a diferença sexual são lugares em que jaz uma verdade inamovível (...)” (p. 5).
94

Embora a enunciação dos professores possa se estender infinitamente, ela tem o limite
de não poder dizer tudo. Só dirá parcialmente, já que a realidade e o saber estão além de seus
domínios.

Reinventando o professor

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde (...) A gente se
forma como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobrea prática.
(Paulo Freire, 1991, p. 58)

Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais41 (1998), houve uma


significativa ampliação do debate sobre sexualidade e educação sexual nas escolas. As
discussões sobre gênero e diferenças, tornaram-se presentes e o combate à homofobia e a
defesa dos direitos LGBTIA+ 42 passaram a fazer parte do discurso social e jurídico. Por volta
do ano de 2014, se deu o início das discussões para a elaboração da Base Nacional Comum
Curricular 43
- BNCC, a “sucessora” dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs. Os
documentos são distintos, porém é possível constatar que a BNCC chegou na contramão dos
PCNs, imbuída da onda de conservadorismo que inundou o país (MONTEIRO; RIBEIRO,
2020).
A Base Nacional Comum Curricular carrega em seu texto, várias intencionalidades
voltadas aos interesses políticos, religiosos, mercadológicos e, no lugar de estimular o
exercício da reflexão sobre as diferenças, optou por retirar temas e termos relativos a gênero
que caminham em sentido oposto à ideologia hegemônica (PICOLI, 2020). Trata-se hoje, de
um documento que censura as singularidades de cada um, impondo um padrão único a ser
seguido em um país tão diverso, como o Brasil.

41 Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) é um documento da década de 1990, que atuou no sentido de
uniformizar o currículo nacional da educação básica (GALIAN, 2014).
42 Sigla utilizada para representar a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, intersexos
e agêneros (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016). O símbolo de adição representado pelo sinal + representa as
múltiplas possibilidades de inserção de outras letras na sigla.
43 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada no dia 22 de dezembro de 2017, por meio da
Resolução n° 2 do Conselho Nacional de Educação que institui e orienta sua implantação, a ser respeitada
obrigatoriamente, ao longo das etapas e modalidades da educação básica. Apesar do texto se apresentar como
conquista prevista em Lei, desde a Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), movimentos e associações do setor educacional se opuseram à sua aprovação (ALBINO;
SILVA, 2019).
95

Na sua concepção, a BNCC leva ao ambiente escolar, uma percepção restrita e que
censura as singularidades, como se a escola fosse um espaço no qual fosse possível
desenvolver “(...) um modelo de aluno que corresponde à norma social: um menino ou uma
menina com as características de gênero, heterossexualidade e estrutura familiar compatíveis
com o que é esperado pela sociedade” (FRANÇA; CALSA, 2011, p. 111).

Quando a professora da Sala de Leitura solicitou a mudança na inscrição da placa


exposta na porta da Sala dos Professores, sua atitude foi criticada pelos próprios colegas.
Na placa constava: “sala dos professores”. A professora já comentava há algum tempo
que só existiam professoras na escola e isto já ocorria há anos. O pedido foi simples,
alterar para Sala das Professoras. Os questionamentos foram diversos.
- E se chegar um colega professor? Um homem na Unidade Escolar?
A professora respondeu que era bem simples, era só trocar novamente a placa.
Para ela nunca foi justo aguardar por este professor ainda inexistente no local.
Trocaram a placa. Daquele dia e até hoje (anos depois), lemos: Sala da
Professoras!

A verdade é que, se existe uma “ideologia de gênero” dentro das escolas, ela já existe
há muito tempo, mesmo antes da divulgação da palavra gênero que hoje se tornou tão
corriqueira na fala dos professores, sejam eles a favor ou contra o debate de. A escola sempre
ensinou a ser menino e menina. Sempre ensinou também a como se portar diante das
diferenças, na maneira de ser, agir, se portar e brincar. Antes mesmo da divulgação de uma
“ideologia de gênero”, a escola separava brincadeiras e brinquedos de meninos e meninas,
filas, uso dos banheiros, entre tantas outras situações e espaços que foram e são separados
pelo gênero, não apenas entre as crianças, mas também, entre os professores, sendo vistos e
tratados de formas diferentes.
Essa “ideologia” é sexista e transfóbica porque condena qualquer possibilidade de
trânsito entre posições definidas já antes mesmo do nascimento, obrigando cada criança ou
qualquer outro sujeito a assumir uma identidade de gênero pré-determinada (BORTOLINI,
2008).
Como professores, pensamos em nós de forma a colocar o outro sempre em uma
posição pedagógica, principalmente a criança. Para Foucault (1981-1982/2006), o lugar do
96

outro se inscreve no entendimento do verbo latino educere44, no lugar ao educare45, como se


representasse o lugar do professor de estender a mão a um sujeito que precisa de
transformação.
Ao realizar uma mudança no percurso de sua obra a partir da década de 1980,
Foucault altera os eixos marcantes de seu pensamento que eram até então as questões do saber
e do poder, que ganham um novo componente: a questão do sujeito. Metodologicamente,
poderíamos dizer que Foucault deu continuidade ao projeto genealógico de se desembaraçar
da concepção negativa do poder (FOUCAULT 1975/2007) e acrescenta a ele a perspectiva de
que os sujeitos não são mais apenas efeito de um poder produtivo. Assim, ele pretendeu
construir uma teoria que pensava a subjetivação a partir do “cuidado de si.”
Essa conversão a ‘si’ visa à criação de uma relação satisfatória de si para consigo,
trata-se de realizarmos um trajeto desde aquilo que não depende de nós em direção àquilo que
depende de nós (FOUCAUT 1981-1982/2006). Trata-se da questão da governabilidade e do
governo dos outros a partir do cuidado de si.
Onde será produzida a verdade do professor sobre si e sobre a criança a qual está sob
seus cuidados, sendo que a relação com a vida se dá de forma singular? Nesse processo, tem
grande parte inconsciente do professor na busca de si, e permanece a insistência em se colocar
no lugar do outro, contudo também permanece a tentativa de aprimorar seus sentidos para
receber as diferenças que se estabelecem ao seu redor.
Esse encargo é o que justifica a presença do professor nas condições de composição da
relação consigo prevista no “cuidado de si”, ocupando-se de um trabalho incansável na
criação de si mesmo (FOUCAULT, 1991-1992/2006).
Uma simples identificação em uma placa colocada na porta da Sala dos Professores,
que se tornou a Sala das Professoras, estabeleceu a importância da afirmação de ser quem se
é. Aquele espaço de planejamento se tornou um espaço de resistência e de acolhimento de
quem ali se encontrava todos os dias.
Seja professor ou criança somos moldados por normas já postas pela sociedade e
nossa constituição é atravessada pelo que é posto, como o regime da verdade, produzido pela
cultura a qual somos submetidos e somos educados (FOUCAULT, 1987/1969).
Ainda assim, Butler (2017) explicita que tornar-se sujeito significa a sujeição ao poder
das normas já então estabelecidas. Contudo, ao mesmo tempo que somos constituídos pelo

44 Promover o surgimento de dentro para fora das potencialidades que possui.


45 Orientar, nutrir, decidir em um sentido externo, levando o sujeito de onde está para outro que se deseja
alcançar.
97

poder, somos sujeitos que o dissimulam e o invertem, transformando as normas da própria


relação com o poder.

Como preconizou Freud ([1907] 1996) em um texto curto intitulado O esclarecimento


sexual das crianças, é possível atuar com mais franqueza na educação infantil (...) Ou
seja, é importante falar a partir da pergunta feita pela criança, de acordo com a etapa
de desenvolvimento cognitivo (e também emocional) em que se encontra. Acontece
que, frequentemente os próprios adultos, pais e professores, têm mais dificuldade em
lidar com a ‘verdade’ da própria sexualidade do que as próprias crianças poderiam vir
a ter. Mentem para as crianças sobre aquilo que não têm coragem de abordar pelo
prejuízo daquilo que em si mesmos não querem saber (ARREGUY, 2017, p. 29).

A construção do gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida,


continuamente, e, infindavelmente. Os processos se dão através de inúmeras aprendizagens e
práticas na escola, seja de modo explícito ou dissimulado.
O “mito da igualdade” estabelecido nas escolas (BRABO, 2009), tornou-se um dos
maiores desafios para o professor que precisa admitir que as fronteiras sexuais e de gênero
vêm sendo constantemente atravessadas e o que é ainda mais complicado admitir é que o
lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente na fronteira (LOURO, 2004).
Se, por um lado, a escola passou a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade
sexual, por outro lado, valores tradicionais ainda influenciam a escola gerando dúvidas e até
mesmo manifestações de violência pela não aceitação do outro como se é.
As possibilidades de viver os gêneros e as sexualidades se ampliaram. As certezas
acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, mas também, desestabilizador. Não há como escapar
a esse desafio (LOURO, 2018).
É nesse sentido que esta pesquisa enxerga o professor como quem percorre sobre e sob
um processo de questionamento e de elaboração de seus próprios conflitos que são produzidos
pelo fato de estar imerso no sistema normativo, interferindo assim, diretamente no fazer da
criança que deseja ser quem se é.
98

V PARTE

Considerações sem fim

Homo, homo, homo... Homo sapiens, errou.


(Criolo, 2019)

Nesse contexto ainda incerto de busca de novas pedagogias, esta pesquisa procurou
compreender o papel do professor da educação infantil que precisa ser repensado através de
uma atitude reflexiva e aprendente que se propõe a uma prática pedagógica queer.
Se até os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905/2006), particularmente
em sua primeira versão, constituem o que podemos chamar de uma “obra aberta”, em que
diferentes teses a sexualidade, muitas vezes, contraditórias entre si são apresentadas sem uma
preocupação com qualquer tipo de síntese conclusiva, dando margem a diversas
interpretações, como concluir um trabalho pautado na Teoria Queer, que veio para
desconstruir e não construir? E como concluir uma pesquisa fundamentada nas contribuições
da psicanálise que, apesar de sua tradição, vem se permitindo avançar na ampliação e na
discussão de seus conceitos?
Não busquei com as perguntas apresentadas na introdução desta pesquisa trazer
respostas e soluções para o lidar do professor da educação infantil com as crianças que
subvertem as normatizações da escola, contudo proponho pensar, discutir e organizar uma
pedagogia queer.
Para tanto, é necessário pensar em uma prática dentro das escolas que promova a
transição da teoria para a prática na construção de uma pedagogia que contemple as relações
que democratizam as diferenças, baseada no compromisso em erradicar a ideologia da
dominação em seus variados níveis, como no sexo, na raça, na classe e na sexualidade e pela
busca da práxis no ensino e a na aprendizagem (HOOKS, 2014) de modo a romper com a
invisibilidade da criança queer.
Os atravessamentos provocados pelas enunciações das “vinhetas escolares" ao longo
do texto deste trabalho, buscou não obter respostas prontas para lidar com as crianças nas
99

salas de aula de educação infantil, já que não há modos verdadeiros de práticas pedagógicas.
Contudo, pensar como possíveis práticas pedagógicas atravessadas pelas teorias queer podem
estimular diariamente as práticas na escola e além dela, nos faz refletir sobre a viabilidade da
construção e implementação de uma pedagogia queer.
Como em uma perspectiva foucaultiana, é preciso antes de tudo “recusar as
explicações unívocas, as fáceis interpretações e igualmente a busca insistente do sentido
último ou do sentido oculto das coisas” (FISCHER, 2012, p. 73). O fato é que a possibilidade
de uma pedagogia queer implica em um rompimento epistemológico. Os estudos queer nos
propõem repensar a criança e a não definição das identidades. “Pensar queer significa
questionar, problematizar, contestar todas as formas bem-comportadas de conhecimento e
identidade. A epistemologia queer é, neste sentido, perversa, subversiva, impertinente,
irreverente, profana, desrespeitosa” (SILVA, 2010, p. 107), tal como é toda criança.
Nos alinhavos de uma (in)conclusão, (re)existir enquanto criança queer e progredir
enquanto professor desconstruidamente queer se traduz na seguinte inquietação: “como um
movimento que se remete ao estranho e ao excêntrico pode se articular com a educação,
tradicionalmente o espaço da normalização e do ajustamento?” (LOURO, 2008, p. 47).
Ressurge, então, o questionamento: como é possível traduzir a teoria queer para a
prática pedagógica? Como nos aponta Couto Junior; Pocahy; Oswald (2018), a escola não é
unicamente uma instituição de sequestro, ela é também a possibilidade de devir outro” (p.71).
Butler relata a angústia de Freud que admitiu sua confusão sobre o que é exatamente
uma “predisposição masculina ou feminina”, ao interromper sua reflexão a meio caminho
com uma dúvida entre travessões: “- o que quer que seja isso -” (BUTLER, 1990/2019, p.
111).
Freud, pai da psicanálise e por que não, um possível teórico queer que tanto nos
ensinou sobre a sexualidade infantil e segue até os dias de hoje inspirando e auxiliando nossos
fazeres enquanto professores, se viu confuso e, portanto, na busca de respostas. Nós,
professores, imbuídos de uma prática ainda em construção e desejosos de romper com as
normatizações estabelecidas ao questionar a criação da realidade a partir da produção de
subjetividades, assinalamos novos caminhos para o pensamento, avaliando até que ponto
queremos conservar algo ou não sobre o que conhecemos ou desconhecemos (BASTOS;
ARREGUY, 2020).
A perversidade polimorfa da criança configura um caminho que permite a psicanálise
e a teoria queer dialogarem por um mesmo lugar de resistência e a criança, sendo “isto ou
aquilo” na escola, nos inspira a pensar em formas de insurgências e a contestar as noções
100

essencializadas de infância e do que é e pode ser uma criança queer. A escola nomeia e
significa as experimentações das crianças, através dos (pré)conceitos e enunciações que
insistem em projetar um futuro seguro para governar as infâncias e conduzir suas vontades,
limitando-as em seus desejos e devires, tolhendo a liberdade de ser quem se é, permitindo que
as normatizações se estabeleçam para classificar, separar, nomear e punir aquelas que ainda
estão se descobrindo ou apenas brincando.
As epistemologias queer nos ajudam a escapar de formas de representações
identitárias para compreender que a criança é o que é, o que deseja ser e por si só, já é queer
cotidianamente.
Ao se forjar as noções de gênero e sexualidade é revelada a importância do papel do
professor na produção de uma criança (in)viável e (im)possível. No entanto, os esforços
normativos não são de todo incorporados, e diante dos jogos de verdade (FOUCAULT, 2010),
enunciamos como são entendidos os conjuntos de regras que compartilhadas, são constituídas
por uma convenção em um determinado contexto como o que regula o modo de produção dos
discursos nas escolas.
Ao intentarmos forjar a criança ideal, algo escapa. Se a escola ousar falar em criança
queer, a instituição assumirá um compromisso que pressupõe o alargamento das margens de
liberdade dentro e fora da escola.
No início deste trabalho foi compartilhado um poema da Cecília Meireles, intitulado
“Ou isto ou aquilo.” Professores e professoras são demasiadamente sonhadores. E, seja na
expressão de um poema, utopia ou desejo, o futuro está sempre à mostra nos nossos mais
variados planos.
De acordo com Bastos; Arreguy (2021) não é possível na educação infantil definir os
próximos passos de uma criança. Porém, é possível acolhê-la com uma visão de mundo de
que ali está alguém que deseja ser exatamente quem é e como é, desidentificada dos padrões
instituídos.
Na aposta da possibilidade de se construir novas pedagogias que desestimulem
discursos normatizadores dos corpos, das identidades, dos gêneros, das sexualidades, das
brincadeiras infantis e até mesmo dos processos de ensino e aprendizagem, que será possível
surgir o esforço comum dos interessados pela pedagogia queer.
Preciado (2014) não pensou muito diferente ao nos apresentar os “Princípios de uma
Sociedade Contrassexual”, que renuncia a uma identidade sexual fechada e determinada
naturalmente. No texto é revelado como se darão os corpos no futuro, onde as denominações
masculino e feminino, que correspondem às categorias biológicas, homem e mulher não mais
101

existirão, ficando cada corpo na apropriação de ser nomeado assim como desejar, como
corpos falantes fora das marcas de gênero.
De acordo com Preciado (2014), em tal sociedade será abolida a família nuclear
como célula de reprodução, modificando as instituições educativas tradicionais para o
desenvolvimento de uma pedagogia livre das amarras normatizadoras.
No âmbito da sociedade contrassexual e da pedagogia queer, os corpos falantes se
chamarão “pós-corpos” (PRECIADO, 2014, p. 43) ou quem sabe “Baby.”

“Amigos novos, eu sou o Baby.


Mas, não é apelido, não.
Esse é meu nome agora, tá?”

O que propus ao problematizar a nomeação da criança como sendo queer, foi


despertar o interesse dos professores da educação infantil para os estudos de gênero, baseados
na teoria queer e nas contribuições da psicanálise para a educação e assim, desinvibilizar a
criança que pode e deve ser “isto ou aquilo” e se apresentar na educação infantil da forma que
deseja, desindentificada dos padrões de gêneros e sexualidades.
Seria uma questão de se inventar uma nova língua que possa sustentar a cadeia de
significantes, colocadas em questão pela teoria queer e pela psicanálise?
Por meio dos elementos do discurso, tanto ao nível consciente como inconsciente que
representa o sujeito, seja a criança, o professor ou a professora, esta pesquisa desafia
queerizar a escola, para quem sabe assim, queerizar a vida.
Desta forma, esta pesquisa, apresenta toda a criança da educação infantil como sendo
queer - “isto ou aquilo” - por levar em seu corpo a marca e dentro de si o desejo de se
apresentar como se é.
102

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