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Avaliação de Pensamento Político Liberal.

Prof.ª Mariana.

Alunos: Gustavo Carrijo Guimarães | Gustavo Francisco Galvão de França

O presente artigo pretende propor uma contribuição para o debate sobre o


conceito de biopolítica desenvolvido por Agamben em Homo sacer, em especial
para as discussões de longa data da tradição política ocidental que dizem respeito à
vida natural (zoé) e à vida social (bios) dos indivíduos, e ao modo como uma ou
outra são tratadas e se relacionam nos elementos que constituem a ordem do
Estado de direito e as tecnologias da biopolítica. A contribuição proposta parte de
discussões desenvolvidas por Althusser em “A Querela do Humanismo”, em que o
autor investiga, através da produção de Marx, as mudanças de perspectiva sobre o
humanismo no decorrer de sua obra. Pretendemos aqui nos ocupar da questão da
necessidade do anti-humanismo teórico enquanto houver a preocupação de
construir uma teoria revolucionária e, consequentemente, uma nova forma política.
O foco da pesquisa de Agamben é discutir a intersecção entre o modelo
jurídico-institucional e o modelo biopolítico de poder, representações da perspectiva
da vida como bios e como zoé respectivamente. O resultado seria de que as duas
perspectivas são inseparáveis e que o impacto do conjunto de ideias e imagens que
constituem o que o autor chama de vida nua, o caráter natural da vida humana, seria
o cerne original e oculto do poder soberano e suas formas de dominação através
das formas do Estado e da vida em sociedade. O foco, portanto, é que o grande
trabalho do poder soberano enquanto as formas do Estado de direito se
transformaram e se tornaram mais complexas, foi a produção de um corpo
biopolítico específico, sujeito a sua proteção e reprodução ou até mesmo ao seu
extermínio.
Quando a noção de vida biológica volta a fazer parte do centro do
planejamento do Estado e do imaginário que concerne à gestão apropriada desses
corpos, há um fio de memória sendo puxado entre as formas modernas de
organização da sociedade e formas anteriores.
Desenvolvendo as ideias da diferença de perspectivas sobre a vida, Agamben
disserta sobre a trajetória das mesmas através das formas de governo: Os gregos
não possuíam um único termo para expressar o que para nós seria a palavra “vida”,
usavam dois termos distintos semântica e morfologicamente: zoé, que expressava
as formas naturais e comuns a todos os seres vivos do viver; e bios que indicava a
forma ou maneira específica de viver de um grupo.
Para Aristóteles, o fim último das cidades seria viver segundo o bem, um
conjunto de valores, um ethos que exprime as formas da vida política, que deveria
ser baseado nas ponderações da ética (o justo e o injusto), da política (o bom e
mau) e da estética (o belo e o feio). Os homens, porém, unem-se e reproduzem a
comunidade política considerando até mesmo a zoé, o simples viver: se há
dificuldades de sobrevivência, é claro que a maioria dos homens suporta sofrimentos
dos mais variados e se apega a vida simples, como se ali encontrassem um tipo de
serenidade, contemplação.
Apesar disso, a vida natural e simples era excluída da pólis, sendo delimitada
como mera vida reprodutiva. Em um trecho, que de acordo com Agamben, deveria
se tornar canônico para a tradição política do Ocidente, Aristóteles define a meta da
comunidade perfeita, e o faz justamente opondo o simples fato de viver (to zen) à
vida politicamente qualificada (to eû zen): “nascida em vista do viver, mas existente
essencialmente em vista do viver bem”. Aqui, político não é um atributo do vivente
como tal, mas uma característica específica que determina o gênero zôon (a política
humana é distinguida daquela dos outros viventes porque se baseia, através da
linguagem, sobre uma comunidade de bem e de mal, de justo e de injusto, e não
simplesmente de prazeroso e doloroso).
É em referência a esta proposição que Foucault disserta sobre o processo
que ocorreu na Idade Moderna, em que a vida natural começava a ser incluída nos
mecanismos e cálculos do poder estatal, e a política se transforma em biopolítica:
"Por milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente
e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja
política está em questão a sua vida de ser vivente." (Foucault, 1976)
Assim, para Foucault, o “limiar da modernidade biológica” de uma sociedade
situa-se no ponto em que a espécie e o indivíduo, enquanto corpo dócil, vida nua,
torna-se a aposta que está em jogo em suas estratégias políticas. A partir de 1977,
os cursos de Foucault no College de France começam a focalizar a transição do
“Estado territorial” para o “Estado de população”, e o subsequente aumento da
importância da vida biológica e da saúde da nação como preocupação do poder
soberano, criando a necessidade de ferramentas que lidassem com essa esfera tão
latente da vida em sociedade.
Resultaria desse processo uma espécie de animalização do homem posta em
prática através de sofisticadas técnicas de biopolítica. Desse mesmo processo
surgem as possibilidades das ciências humanas e sociais, seja simultaneamente
incentivando a proteção à vida ou de autorizando o holocausto.
O desenvolvimento e consolidação do capitalismo não teria sido possível sem
o controle disciplinar efetuado pelo novo biopoder, que criou uma série de
tecnologias apropriadas para condicionar os “corpos dóceis” de que necessitava.
Nos anos 50, Hannah Arendt já havia proposto o processo que levou o homo
laborans, e juntamente a vida biológica inserida nessa condição, a ocupar aos
poucos o centro da vida política moderna. Para a autora, era justamente esse
primado da vida natural sobre a ação política que estimulava a decadência do
espaço público na sociedade moderna.
O que se propõe, nesse momento, é introduzir uma perspectiva do
condicionamento desses corpos dóceis e da inserção da vida biológica nos espaços
da vida política, que considere as elaborações acerca das mudanças nos modo
como o Estado se relaciona com a sociedade civil, ao passo que a ciência da
História, por parte do discurso hegemônico no ocidente, coloca a categoria do ser-
humano, e portanto do humanismo, no centro do debate.
No texto que propomos para enriquecer o debate, Althusser faz uma análise
das fases da produção de Marx e identifica os pontos de passagem de uma
perspectiva idealista de humanismo no jovem Marx, até a tomada de consciência da
necessidade do anti-humanismo teórico em “O Capital”.
Althusser cita a crítica de Stirner, de que algo de novo está colocado
teoricamente: as categorias de Homem, e o Humanismo, dizem respeito à negação
do real e do concreto, ao contrário do que circulou na tradição progressista da
democracia liberal. Aqui, uma aventura teórica talvez nos permitisse abrir um diálogo
entre a ideia do humanismo enquanto um idealismo histórico, como tipo ideal e, ao
mesmo tempo, ideologia, que reforça a docilidade dos corpos sujeitos a sua lógica e
abre espaço também para a negação total de seu aparente efeito positivo:
extermínio e genocídio.
Assim, em face desses indivíduos reais e concretos, que são a origem
perpétua, os sujeitos simultâneos de uma história que é sua própria produção, em
que exteriorizam literalmente suas forças vitais em um processo de alienação que,
pela divisão do trabalho, aparta-os de seus produtos e de suas condições de
existência: em face dos indivíduos, não se encontra mais o Homem. Enfim, o
Homem cessou de ser uma categoria racional fundamental para o entendimento da
História, como fora em vários tipos de idealismos. O Homem é, ao contrário, uma
noção irracional, irrisória e vazia, incapaz de explicar o que quer que seja, pois é
ideológica. “Discurso vazio e vão, o Homem é, no seu fundo, a diversão de uma
ideologia reacionária” (ALTHUSSER, Louis. Crítica Marxista “A Querela do
Humanismo”, p. 36).
Ao final da introdução, Agamben indaga: “como é possível “politizar” a “pureza
natural” da zoé?” Mais além, é necessária sua politização ou ela já carrega como
sua essência o político? Para o autor, tanto a biopolítica apresentada em formas
totalitárias quanto em sociedades de consumo de massa apresentam respostas à
essa pergunta, e até que uma forma política inédita, não fundada na exceção sobre
a vida nua se constitua, toda teoria e prática no sentido de construir essa nova forma
política será vão, tornando o caminho da violência cada vez mais sedutor.
Para o autor, a opção pelo estado de exceção instaurado por experiências
que almejavam a ditadura do proletariado como fase de transição para uma
sociedade sem Estado seria justamente a opção mais evidentes na causa das
derrocadas das experiências revolucionárias do século XX.
Segundo o próprio comentário de Agamben, desde a antiguidade a soberania
é entendida como o poder de determinar quem ou o que faz ou não parte do corpo,
e a regra de inclusão cria, necessariamente uma regra de exclusão, que no caso
segrega as características essenciais que compõem também a vida nua dos corpos.
Portanto, a definição recorrente de soberania, “schimttiana” segundo Agamben
(“soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção”), sempre ocultou o
ponto limite da teoria do Estado, em que esta se confunde com a esfera da vida
natural, da zoé.
Por que então, uma soberania popular, na forma de uma ditadura do
proletariado que levasse também em conta a crítica de Agamben sobre a crítica do
Estado, além da literatura anarquista e marxista sobre o tema, estaria fatalmente,
como diz o autor, condenada a naufragar se seguisse o caminho da violência
revolucionária?
Ao fim das conclusões da afirmação de um anti-humanismo teórico para
Marx, Althusser relembra as diferenças específicas que determinam o limite entre as
formas de existência humana e as formas de existência dos outros animais, que são:
os seres humanos não vivem senão em formações sociais; que essas formações
sociais humanas específicas são diferentes da história das sociedades animais, por
não serem regidas pelas leis biológicas e ecológicas da espécie; que são regidas
pelas leis sociais de produção, reprodução e das condições sociais de produção dos
meios de existência.
Reafirma-se, portanto, que os pilares fundamentais da construção de uma
ciência da História das formações sociais passam necessariamente pelas
categorias, de modo de produção, formas de produção, relações de produção, de
superestrutura jurídico-política, de superestrutura ideológica, etc.
Mas isso não significa que para Marx os indivíduos tenham sua subjetividade
eliminada da história, nem sobre as piores condições. O que talvez uma análise que
faça uso de instrumentos mais heterogêneos nos permita, é perceber que é a
própria noção e tentativa de estabelecer as características subjetivas e espirituais da
espécie humana como um padrão universal das formas políticas que permitem uma
dicotomia com noções de que essas características subjetivas só escondem corpos
frágeis, com necessidades bestiais.

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