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Quinta ediçäo

em sala de aua
práicas ereflexÙs
Organizadores:

Antonio Carlos Castroqiovanni


Helena Copeti Cllai
Neiva Otero Schäffer
Nestor André Kaercher

ASSOCIAÇAO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROs


SEÇÃO PORTO ALEGRE

UFRGS
NIUE/UFRGS
EDITORA
© dos autores
1' edição: 1998
Direitos desta cdição:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
eAssociação dos Geógrafos Brasileiros -Seção Porto Alegre
Reviso: Maria da Glória Almeida dos Santos
Gabriela Carvalho Pinto
Mônica Ballejo Canto
Capa: Paulo Silveira, apartir da concepção de Rudinei Kopp
Editoração eletrônica: Lucas Frota Strey

G345 Geografia em sala de aula: práticas ereflexões / organizadores Antonio Carlos


Castrogiovannl..
[et al.]. - 5. ed. -Porto Alegre: Editora da UFRGS, Associação dos Geógrafos
Seção Porto Alegre, 2010. Brasileiros -
200 p.: il.;16 x23 cm
Incluifiguras, mapas e quadros.
Inclui referências.
1. Geografia - Estudo e Ensino. 2. Geografia - Ensino
Geografia. I.Castrogiovanni, Antonio Carlos. II. Callai, HelenaFundamental
e Médio. 3. Didatuca
IV. Kaercher, Nestor André. V. Associação dos Copetti. III. Schäfter, Neiva ote
Geógrafos Brasileiros - Seção Porto Alegre.
CDU 91:371

CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na


(Jaqueline Trombin - Bibliotecária Responsável Publicação.
ISBN 978-85-386-0104-3
CRB10/979)
A
GEOGRAFIA ÉO NOSSO DIA-A-DIA

Nestor André Kaercher

GEOGRAFIA: ULTRAPASSAR A PROPRIA GËNESE DA PALAVRA

As idéias expostas aqui procuram conversar/problematizar as aulas de geo


grafia em sua boa parte baseadas nos conteúdos listados nos livros didáticos.
Ocerne desta ciência, contraditoriamente à própria gênese da palavra, não
é, no nosso ponto de vista, nem a Terra (= geo) nem tampouco a descrição (=
grafia), mas sim o "espaço geográfico" entendido como aquele espaço fruto do
trabalho humano na necessária e perpétua luta dos seres humanos pela sobrevi
vência. Nessa luta, o homenm usa, destrói/constrói/modifica a si e a natureza. "0
homem faz geografia à medida que se faz humano, ser social."
Ficaclaro que a relação sociedade-natureza é indissociável/eterna (logo não há
porque falar em geografia fisica se contrapondo àgeografia humana). Aprioridade
será dada em entender "como e por que os seres humanos modificam os espaços
em que habitam" conforme as relações sociais que estabelecem entre si. Entender
adinâmica social é fundamental, pois é a partir dela que se constroem as paisagens.
Enão existe relação que se dê fora do espaço, que prescinda da natureza.
Resumindo: a geografiaexiste desde sempre,e nós a fazemos diariamente.
Devemos romper então com aquela viso de que geografia éalgo que só veremos
em aulas de geografia.
Mas,como traduzir essa concepção de mundo em nossas aulas?
Primeiramente, não sobrecarregando o aluno com milhões de intormaçðes
que são inutilmente decoradas. Nosso problema não sâo os conteúdos (sua falta
ou seu excesso). Nem eles trazem, portanto, as soluções. Aforma como traba
Ihamos e construímos o conhecimento com os alunoséo cerne de uma educação
mais democrática ecomprometida na luta contra a repetência e aexclusão social.
O
programa é feito por nós professores juntamente com acomunidade escolar.
Não pelo livro didático. Ele é somente um auxiliar. Mais importante do que listar
muitos conteúdos éentender o fio condutor que constrói as paisagens: os homens
na sua luta pela sobrevivência. Temos intencionalidades e somos divididos enm
classes, raças, gêneros, etc., com interesses antagônicos. Dai surgem os inevi
12/Geografa em sala de aula

táveis conflitos. O espaço reflete isso e, por sua vez, condiciona anossa própria
intencionalidade.!

ALGUMAS PREOCUPAÇÕES BÁSICAS


Partimos do pressuposto que a geografia é um ramo do conhecimento que. tal
qual amatemática, alíngua materna, ahistória, etc., tem uma linguagem específica,
própria e como tal énecessário "alfabetizar oaluno em geografia" para que ele
não só se aproprie do vocabulário especifico desta árca de conhecimento, mas,
sobretudo, se capacite para a"leitura-entendimento do espaço geogáfico" próximo
ou distante. Ouseja, a simples vivência no mundo - seja no pais, no estado ou
nacidade - não nos transforma em entendedores críticos deste mundo. Tal qual
saber ler letras e números não nos transforma em cidadãos críticos. Desde já, cabe
destacar que não propomos simplesmente uma geografia crítica". Rotular algo
antecipadamente não garante sua eficácia.
Como espaço, entendemos basicamente - não exclusivamente -0 espaço
humanizado e, no geral, urbanizado. Nossa preocupação inicial é, sobretudo,
com o espaço vizinho, ou seja, seu espaço vivido" (casa, escola, bairro, cidade)
sem esquecer do contexto maior pais-mundo. Isso não significa necessariamente
trabalhar na seqüência rigida espaço próximo-espaço distante (tipo casa, bairro,
cidade, estado, país., continente), pois não raro decisões que afetam nosso espaço
imediato são tomadas em outros continentes. A gradação perto-longe pode ser
um ponto de partida, mas não pode virar camisa-de-força.
Uma dificuldade, entre tantas outras: Como construir conceitos/noções bási
cas do vocabulário específico da geografia sem recorrer a simples memorização?
Quais são essas noções básicas? Como evitar a memorização dessas noções?
Afinal, uma das características que se mantém na geografia é a memorização,
justamente uma das maiores chateações dos alunos.
Com isso posto, já é possível perceber que estamos questionando certos
temas típicos dos livros didáticos (coordenadas e fus0s na quinta série, Brasil só
na sexta, América só na sétima, Resto do Mundo" na oitava, etc.). Aimprensa
traz diariamente muitos asuntos que podem originar aulas mais participativas.
Até porque é preciso estimular uma leitura menos ingênua das matérias dos
meios de comunicação, tamanho o grau de manipulação e distorção que, não
raro, elas trazem. Ageografia tem papel fundamental nessa leitura mais crítica
(dos meios de comunicação), pois tem nos assuntos domundo (em suas diversas
escalas) a sua matéria-prima.

'Prédios e estradas são obra humana (intencionalidade) mas, uma vez construídos., não são mais simples obje
tos da paisagem. Induzem-nos a comportamentos, requerem respeito a regras. Não colocamos a geladeira em
qualquer peça da casa e nem os carros andam pelas calçadas.
Geografia em salu de aula/13

Como superar a dicotomia homem versus natureza? Cremos que o trabalho


humano seja uma categoria fundamental. Afinal, éele que transforma a natureza
Rm coisas úteis enecessárias à nossa vida em sociedade. E nessa luta diária pela
sobrevivência que vamos alterando. destruindo e construindo oespaço geográfico
aue habitamos. Não cremos que seja necessário abrir as tradicionais gavetas como
hidrografia", "relevo", "vegetação" ou mesmo "população'", "economia", etc.
Uma relação mais direta e constante deve ser feita - mas não só com a
história. não como Sinônimo de dar datas, mas sim mostrando que os espaços têm
falarmos
uma gênese, são uma construção temporal, um processo. Seria possível
ue geografia é a "história do espaço" e que a história éa "geografia do tempo"
espacializado"!
ou o "tempo

NOSSA PROPOSTA: ALGUNS PILARES BÁSICOs


Cabe
As reflexões até aqui feitas não são ilações individuais deste autor.
do que
destacar que as idéias a seguir numeradas compõem a espinha dorsal
desenvolvidas na
julgamos fundamental no ensino de geografia. Essas idéias estão
São Paulo,
coleção Geografia - ciência do espaço (quatro volumes, editora Atual,Carvalho.
1993) de autoria de Diamantino Pereira, Douglas Santos e Marcos de
um de nós
a) Ageografia tem como objetivo compreender a vida de cada
desvendando os sentidos, os porquês das paisagens em que vivemos e vemos serem
foi
comosão. "Entender a lógica que estáinserida em cada paisagem". Como ela
construída? Por que ela éassim? E preciso romper com a simples visualização/
deserição conformista das paisagens.
b) No ensino fundamental, é necessário que partamos das paisagens visíveis
conceitos não
e não de conceitos (isso cabe mais ao ensino médio). Ou seja, os
devem anteceder aos conteúdos. Esses devem propiciar que os alunos construam
relevo ou "modo
0S conceitos. Por exemplo: antes de definir "democracia ou
os
de produção é importante construir no dia-a-dia relações cotidianas com
alunos e propiciar-Ihes condições para que entendam a importância destas
de outras - idéias para a geografia.
saudosista do
c)A questão ambiental não deve ser vista como um discurso
Deve
tipo "Antigamente o mundo era melhor porque era mais limp0 e calmo".

interessante no sentido de romper com uma certa


AScolha e proposital por se tratar de uma coleção muito
cristalizaço que existe nos livros didáticos de geografia.
para a editora. Receberão a coleção. Aliás, várias
que na0 tem a coleção basta dizer: apareçam (ou liguem) paradidáticos. E só mostrar interesse. Ainda
Culloras nos oferecem gratuitamente uma série de livros didáticos e
e temos material de consulta para
que nossoS alunos não adotem livros. fcamos com as novidades do mercado
aelaboraço de aulas.
porque ele não produz apenas
lender opapel do modo de produção capitalista é fundamental para a geografia
também os espaços e noSsas ideias.
ercadorlas (leia-se não só a natureza como nós próprios), mas produz
14/Gcografiacmsala de aula

não só um desequilíbrio
mos ver no desequilibrio ambiental
mas, sobretudo, um desequilíbrio entre
perdendo com essa destruiço dos recursos
lucro com o descaso/destruição do
os seres humanos, isto é, nem
naturais. H£ uma
minoria
meio ambiente. Há que se atentar que
que muitos trabalham
homem-ntaioadosrtndaureobtzsaemaétm
por exemplo, as relações subumanas em elou
tambéméum desequilibrio do homem com a natureza ecom Os seus sermSs0 vivem. para,
H£ quese ver também o processo histórico que provoca um aumento da.
da natureza: a "industrialização", ou seja,
não se pode fazer um
discurso
de que industrialização é sempre sinônimo de progresso". Omesmo vale para o
improvável: "se os homens não
destruilçinãoear
cuidado de não se passar uma visão
a natureza, seria melhor.. ", Utopia
como mero sonho ou choro é
como possibilidade a construir é
dispensável.
deespositruistievma,
sociedade (não
d) Aexistência de classes sociais em qualquer somos iSSo,
iguais como uma população de animais) que têm interesses distintos e, por todos
entram em conflitos. Exemplo: ao invés de priorizarmos os produtos 3ori
plantados devemos falar dos sujeitos que produzem no campo. "ImpossíyelInão rela-
perceberemos que os
cionar conflitos com desigualdades sociais." Daí interesses
entre oS sem-terra eos latifundiários não são os mesmos. É impossível entender
sociedades modermoe
osespaços geográficos sem perceber a conflitiVidade das
Cuidado, no entanto, para não confund1rm0s confiito com "banditisnmo»
componen
mera violência, sinônimo de página policial. Essa é uma faceta com
tes sociais, sem dúvida, mas o que nos interessa aqui são oS setores, as classes
A violência
oS grupos, Ocoletivo distinto da população, que entram em conflito.
policialémuito mais restrita, não chega a ser algo organizado por um grupo
o crime
como resposta a uma carência social (talvez, como exceção, tenhamos
organizado do Rio de Janeiro).
e) A visualização-leitura de mapas é uma necessidade constante. E neces
sária sua utilização constante para que os alunos possam ver do que falamos.

Explorar os mapas, bem como fotos e imagens - seja de TV ou de revistas
uma matéria-prima fundamental para o estudo de geografia. Levá-los para sala,
expô-los na biblioteca sem deixá-los enrolados nas estantes. Mostrar que se trata
de uma linguagem muito específica que deve ser bem elucidada para que se posSa
retirar o máximo de informações deste instrumento didático.
f) E preciso falar dos processos que dão origem às paisagens que vemos. A
existência de um país chamado Brasile a sua própria condição de "subdesenvolvido"
não pode ser considerado como algo estáico/imutável que não foi uma construçao
produzida pelos próprios homens, sejam eles moradores ou não deste pais.
Em outras palavras, para poder entender qualquer fenômeno geograico,
explica-
asirazões, as
necessáriocompreender os fatores que ogeraram. E, muitas vezes,internacionalmente.
çÇões para os fatos se encontram nas relações que se estabelecem
4Desculpe o costume (machista) de linguagem. Onde se lê "homem" leia-se seres humanos.
Geografa em salu de aula/|S

g)Comparar constantemente as diferenças entre os locais". Sejam diferenças


naturais,econômicas ou ideológicas. Neste sentido, nem sempreé de grande valia
procurar fazer homogeneizações, padronizações, classificações de espaços. Pelo
antrário. construir com os alunos a idéia de que as diferenças éque geram,muitas
vezes, mudanças nos espaços geográficOS e constroem fronteiras. Por outro lado,
muitas diferenças (culturais, étnicas, etc.)são riquezas que nos enriquecem enão
como uma simples ameaça aos nossoS valores e padrões tidos e havidos como os
mais sensatos e coerentes.
Como dizem os autores da coleção citada (v.4, p.l24):
Para resumir, podemos afirmar que nada impede que façamos um estudo geográfico tanto
de nossa casa como de todo o mundo. Oque importa, uma vez que constatamos que cada
lugar geográfico se diferencia dos demais, éter sempre em conta que onosso planeta no
Ãuma realidade homogênea, mas, sim, a combinação de diferenças de todos os tipos,
que se expressam em todas as escalas. Estudar ageografia de uma pequena localidade
é, repetimos, entend-la em suas particularidades, inserindo-a na realidade do mundo
como um todo; por outro lado, estudar a geografia do mundo éprocurar constantemente
as maneiras pelas quais os diferentes lugares se combinam.

h) Ageografia éfeita no dia-a-dia, seja através da construção de uma


casa, da plantação de uma lavoura ou através das decisões governamentais
ou dos grandes grupos econômicos (empresas transnacionais). Ou, ainda,
em nossas andanças/ações individuais pela cidade (pegar um ônibus, fazer
compras, etc.).
i)Uma pergunta fundanmental: "Como são construídas as fronteiras"? Ajudar
aconstruir com os alunos a idéia de que as fronteiras são uma construção humana
eque, portanto, são provisórias, repletas de interesses e conflitos. Fronteiras não
são sóentre unidades administrativas. Uma caixa de supermercado é uma fronteira
intransponível para quem não possuidinheiro para comprar. Euma fronteira que
impede o desejo de consumo das pessoas. O mesmo vale para as vitrinas espe
Ihadas das lojas. Tão perto, tão longe, sonhos e realidade.
)Favelas, cortiços, vilas, enfim, tudo o que vemos são manifestações ge0
gráficas, territoriais da segregação que é econômica, social. Priorizar o social é,
pois, absolutamente fundamental para entender oespaço. Ageografia deve cuidar
para não naturalizar o social.
k) Atentar contra a simplificação de generalizações que muitas vezes são
estereótipos - quando não preconceitos - do que pouco conhecemos.Toda ge
neralização pode simplificar uma realidade que sempre écomplexa. Exercitar na

areligião- não sóno Oriente Médio - cria fronteiras. As diferenças sociais criam espaços diferentes. As
grades, cercas e muros são fronteiras geográficas muito importantes em nossas cidades.
16/Geografiaem sala deaula

prática o ditado que diz que as "aparências enganam". Os contrastes são grandes
mesmo dentro de um mesmo pais, que dizer de um continente? Nas palavras da
Pereira et al. (v.3, p.94):
Em suma, identificar um pais como sendo africano não indica, a principio,
suas carao
d
teristicas, sejam elas fisicas, culturais ou econômicas. A comprovada diversidade
continente não autoriza a fregüente associação que se faz entre Africa, negros, selva
miséria. Eapenas mais um estereótipo.

Priorizar as diferenças talvez seja uma boa chave para evitar a monotonia
eoperigo de trilharmos sempre pelo caminho mais fácil das semelhanças (entre
paises, entre regiões, etc.).
1)Cada lugar coresponde/exige a adoção de certas regras e certos compor
tamentos. Por exemplo: uma escola permite um comportamento diferente de uma
igreja. São espaços distintos. E até mesmo um espaço único permite diferentes
regrasconforme o horário: uma sala de aula em prova ou durante o recreio. São
e, ao mesmo tempo não são, 0 mesmo espaço.
Enfim, a geografia precisa procurar entender as paisagens não sópela apa
rência. Precisadesvendar os significados dos lugares. Os lugares apresentam
uma hierarquia de valores e sensações, nem sempre democráticas ou agradáveis.
Exemplos: "Vájápara o seu lugar". Quando percebemos que estamos perdidos
temos uma sensação de insegurança, pois não reconhecemos os lugares mesmo
que eles possuam prédios, avenidas, veiculos e pessoas como nossa cidade natal.
Por que o medo,então? Porque mudou a "relação" com o espaço. CremoS, por
tanto,que devemos colocar como central para nossos alunos aseguinte questão:
"Como nosapropriamos dos lugares e os transformamos?

cONCLUINDO MUITO PROVISORIAMENTE

Cada sociedade produz uma geografia de acordo com seu objetivos. Mais
importante do que localizar érelacionar os lugares e as sociedades que ali habitam,
sempre tendo em mente a globalização da sociedade mundial que cada vez mais
se integra, ainda que com diferentes poderes e direitos (Estados Unidos e Etiópia
se integram, mas não têm os mesmos poderes).
Se nossos alunos puderem ter na geografia um instrumento útil de leitura do
mundo, estaremos ajudando aconstruir não só uma escola como uma sociedade
mais críticae indignada contra toda e qualquer miséria humana.
Geografia em sala de aula/17

ANEXO

Neste anexosão apresentadas atividades que complementam as idéias do


texto. Elas foram trabalhadas em curso realizado no XVI Encontro Estadual de
Professores de Geografia (XVI EEPG/Passo Fundo-RS/1996).

A -ATIVIDADE COM MÚSICA


O objetivo aqui não épropor simplesmente trabalhar com música em sala
de aula. Échamar a atenção que as músicas ouvidas cotidianamente por nóse
nossos alunos trazem a questão social/espacial em suas letras e que podemos
começar alguns assuntos novos com este "chamariz". Desperta mais aatenção do
que iniciarmos nossa fala, ainda que bem intencionada e de cunho progressista,
com aulas expositivas abstratas e distantes do mundo do aluno. A música não
substitui aproblematização/reflexão/sistematização do professor." Só a inicia. A
nossa relação como aluno continuará sendo sempre o centro do processo peda
gógico. O objetivo maior não é (só) tornar a aula mais legal" (seráque esse é
um objetivo a ser perseguido por nós professores?) mas sim, a partir das letras,
questionaroque o aluno jásabe a fim de superar visões de mundo conformistas,
conservadoras ou ligadas somente ao senso comum.
Que grupos, cantores mais poderemos usar em nossas aulas? Lembrei-me
do Legião Urbana, do Gabriel Pensado, dos Titãs... Mas são tantos outros!
Que outros materiais mais podemos usar para mostrar que a geografia não
estásomente nas aulas de geografia e com os professores desta disciplina?
Comopoderemos trabalhar com as notícias de jornais? Revistas? (Que eles
nem lêemn, no geral!).
Enfim, tem sentido ainda todo nosso trabalho de professores, de educadores?
Ou falamos cada vez mais para as paredes?
As duas músicas abaixo sãodo CD Calango, do Skank (1994).

ESMOLA(Samuel Rosa e Chico Amaral)


Uma esnmola pelo amor de Deus
Uma esmola, meu, por caridade
Uma esmola pro ceguinho, pro menino
Em toda esquina tem gente sópedindo
18/Geografia em sala de aula

Uma esmola pro desempregado


Umaesmolinha pro preto pobre doente
Uma esmola pro que resta do Brasil
Pro mendigo, pro indigente
Ele que pede, eu que dou, ele só pede
Oano é mil novecentos e noventa e tal
EutÙcansado de dar esmola
Qualquer lugar que eu passe é isso agora
Eu tô cansado, meu bom, de dar esmola
Essaquota miserável da avareza
Se o pais não for para cada um
Pode estar certo
Não v¡i ser pra nenhum
Não vai não, não vai não, não v¡i não
Nohospital, no restaurante,
No sinal, no Morumbi
No Mario Filho, no Mineirão
Menino me vê, começa logo a pedir
Me dá, me dá, me dáum dinheiro aí!

A
CERCA (S. Rosa, C. Amaral e F. Furtado)
Fazendo cerca na Fazenda do Rosário
Resto de toco velho mandado pelo vigário
Meu camarada, eu moro aqui do lado
Oterreno que tu cerca játá cercado
Não entendi a assertiva do compadre
Se éleichama o doutor
Se émilagre chama o padre
muito simples, tu veja ali na frente
Tá vendoolaranjal, minha cerca passa rente
Que dia quente, tem feito muito calor
Daqui hápouco, meu vizinho vÁ um disco voador
Se visse ele pedia para descer
Quem sabe se um marciano
consegue te esclarecer
Omeu compadre, cêtávendo assombração
Cê num é advogado, cê num é tabelião
Nem por isso eu deixeide fazer o justo
Se o sujeito enxerga torto
Geografia em sala de aula/19

Odireito dáum susto


Tucerca a terra, tu cerca até o mundo
Então cerca tua filha, toda noite aqui no fundo
Pois te conto um segredo
Cê não conta pra ninguém
Andam vendo tua mulher
Com o dono do armazém
Malediciência, eu játôacostumado
Atédizem que o senhor é incapacitado
Eu tomo chuva, tomo ar puro de manhã
Minha saúde éde ferro, pergunte para sua irmã
Nunca se está a salvo da falação alheia
Eis que um tipo parvo vem falar na minha oreia
Martelo prego, torniquete com serrote
Acerca de homem cego, quem tem vista dáo mote
Terequitem, ôpra cá vocênão vem
Terequitem, que eu conserto a ti também
(Te prego um prego também)

Algumas questões para pensarmos juntos


Escreva no verso, por favor.
a) Por que a música "Esmola" tem a ver com geografia? ldem para "A cerca".
b) Em que séries essas músicas poderiam ser trabalhadas? Por quê?
c)A geografia estuda "População" (mundial, brasileira, gaúcha, passo-funden
se, etc.). Que contribuição "Esmola" traz para tornar este assunto mais real, mais
politizado, mais próximo do aluno?
d) Epossível fazer umaleitura progressista'(Fquestionadora do statusquo)
e/ou uma leitura conservadora (= reacionária) desta "Esmola'? Por qu¿?
e) Na "Cerca", quais são as pessoas/instituições envolvidas no enrosc0, na briga?
n) Quando e como se poderia trabalhar A cerca" em aula? Além da disputa
pela terra que temas mais essa música mostra serem indissociáveis da geografia?
g) Na segunda parte da música, discute-se asexualidade/masculinidade dos en
volvidos. Tem issoa ver com a geografia? Como? Em que momento do conteúdo?
O
senso comum (n0sso, dos alunos, dos meio de comunicação) devem ser
sempre aceitos como diz o ditado que A voz do povo é a voz de Deus"?
h) Que outro ponto mais você gostaria de salientar ou retrucar como impor
tante nessas músicas?
20/Geografia em sala de aula

B-ATIVIDADE COM TEXTO


Leia os textos e responda (em grupoe sinteticamente) as questões. "Sua idéia &
fundamental." Justifique cada resposta para que possamos ver as "diferentes visões
é o nosso oL
que vocês têm acerca da geografia. Não busque o consenso. Isso não
jetivo. Pense sempre se o que você estálendo/ouvindo ou falando tem sentido nara
seus alunos. Fale sem mnedo. Isso é fundamental para esse encontro ter sentido

Texto 1: A geografia é acara da sociedade


As paisagens que compõem a geografia seja no campo ou na cidade re
fletem os usos que os seres humanos fazem do espaço.
Por exemplo, um terreno pode ser usado para plantar ou pode virar um pré
dio! Esse prédio pode ser uma moradia, uma loja, uma prisão, uma escola, etc.
Basta você entrar nesses recintos para identificá-los.
Por outro lado, um mesmo espaço pode mudar muito: Veja a Rua da Praia!
Às 15 horas está cheia, às 23 horas, vazia! Uma sala de aula no recreio ou numa
prova são o mesmo espaço fisico, mas mudam conforme as relações que as pes
soas ali estabelecem!
Veja outro detalhe: basta mudar o salário e teremos geografias muito dife
rentes para uma mesma finalidade. Exenmplo: uma mansão ou um barraco servem
"para morar" mas são muito diferentes. Classes sociais diferentes vivem, mesmo
dentro de uma mesma cidade, em geografias diferentes. Moram, compram, se
divertem, usam transportes e trabalham em lugares diferentes.
Enfim, sem entender as relações (políticas, econômicas, etc.) entre os seres
humanos não entenderemos a geografia. A geografia precisa ver como oshomens
transformam o espaço em que vivem!
Texto 2: A geografia nonosso dig-g-dia
A palavra geografia vem do grego "geo" = terra, "grafia'" = descrição! A
geografia como matéria de escola émuito recente. Sótem um pouco mais de cem
anos. Nasceu na Alemanha em torno de 1880.
Mas, na prática, os homens sempre fizeram geografia porque sempre ocu
paran e deslocaram-se no espaço. Sempre mudamos a natureza, poisé delaque
retiramos o nosso sustento: alimento, casa, móveis, combustíveis, etc.
A geografia tem a ver com muitas outras ciências, entre elas destacaria:
a) Economia: a natureza tem preço. Sóo aré de gaça. Terra, terreno valem dinheiro.
b) Política: ter espaço é ter poder. Exemplo: ser dono de umamina de ouro
émelhor que nela trabalhar.
Concluindo: fazemos geografia no nosso dia-a-dia porque precisamos. Fa
zer geografia éa própria luta pela sobrevivência. Agora, sem entendermos como
vivem as pessoas desse lugar, sem sacarmnos a sociedade, não entenderemos a
geografia. O espaço geográfico éa cara da sociedade.
Geografia em sala de aula/21

Texto 3: Ageografia: as paisagens e os lugares


Ageografia estuda os lugares. Os lugares ligam-se às diferentes necessidades
evontades:morar, comprar, divertir-se, trabalhar, etc. Os lugares dependem entre
si. Estudar as relaçÕes entre eles é fundamental.
Por exemplo: uma padaria. Nós compramos opão. Mas, quantos fornecedo
res ela possui? O campofornece insumos,a cidade, os consumidores e a própria
produção. OEstado (governo) cobra impostos. E um sem-número de relações e
lugares interagindo num simples espaço como uma padaria.
Conclusão: não basta ficar nas aparências. A geografia deve falar das
pessoas (e das suas histórias) e das relações entre elas.
As diferentes paisagens materializam/concretizam as desigualdades sociais
que temoS no Brasilou qualquer outro lugar. Grandes contrastes sociais levam a
grandes contrastes geográficos.
Na lutadiária pela sobrevivência, podemos ver as dificuldades que muitos
brasileiros enfrentam no dia-a-dia! Por exemplo: moradia, transporte, falta de
saneamento, escolas, creches, calçamento,etc. Eessa pobreza gera muitos con
flitos na luta por mais dignidade: invasão de terras (no campo e na cidade), luta
por escola, saneamento, etc.
Cada lugar leva a um comportamento/atividade. Falar de lugares é falar
de regras. Exemplo: "Vá para o seu lugar", "lugar de palhaço é no circo". Uma
quadra de cimento pode virar uma cancha de vários esportes! Basta mudar sua
pintura no chão.
Oque acontece quando vocênãorespeita as regras dos lugares?
QuestQes propostas
a) Em que série (ou idade) poderiam ser trabalhados estes textos? Por que?
Vocêpoderia aplicá-los aos seus alunos?
b) Por que para entender de geografia épreciso superar as aparências e
entender as relações?
c) Sublinhe cinco palavras que vocêacha fundamentais, nos textos, para se
entender o espaço geográfico.
d) O
que você acha mais importante para entendermos oespaço geográfico:
as semelhanças (homogeneidades) ou as diferenças? Por quê?
e) Geografia estuda o espaço! E possível estudá-la sem a interferência hu
mana? Por quê?

Textopublicadooriginalmente no Boletim Gaúcho de Geografia, n.21, 1996, elaborado quando oautor trabalhava
no ensino fundamental, na Escola Municipal São Pedro, e assessorava a rede municipal em geografia.

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