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Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Instituto de Psicologia

Disciplina: Psicopatologia II
Professora: Marta D’Agord

O que é Borderline?

Aluna: Renata Reis Barros


Matrícula: 2951/03-7

Porto Alegre, Novembro de 2005.


Introdução
A história do conceito de borderline explica, de um certo modo, o porquê da dificuldade que se
encontra ao avaliar se o paciente tem o diagnóstico de tal transtorno de personalidade. Originalmente, o
termo borderline foi utilizado, dentro da terapia psicodinâmica, para definir aqueles pacientes que
parecem estar entre a psicose e a neurose, porém, esta concepção pode mudar conforme o autor. Tal
procedimento aponta para o fato de o paciente estar no limite entre as duas formas de funcionamento
psíquico e, por isso, passa a se chamar borderline, limítrofe ou fronteiriço.
Discussão
Para definir o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), Hegenberg (2003) sugere que,
mesmo se fazendo um entendimento psicodinâmico, se tenha em mente como tais pacientes são
descritos na prática. Como base, utiliza-se o DSM-IV e o CID-10. O CID-10 descreve o TPB como
fazendo parte dos Transtornos de Personalidade Emocionalmente Instáveis. Os critérios para TPB
incluem os sintomas do Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável Impulsivo, acrescido de
sintomas próprios do borderline. Os sintomas descritos são:
“Transtorno de personalidade no qual há uma tendência marcante a agir impulsivamente sem
consideração das conseqüências, junto com instabilidade afetiva. A capacidade de planejar pode ser
mínima, e acessos de raiva intensa podem com freqüência levar à violência ou a “explosões
comportamentais”; estas são facilmente precipitadas quando atos impulsivos são criticados ou
impedidos por outros”. (CID-10)
“... a auto-imagem, objetivos e preferências internas (incluindo a sexual) do paciente são com
freqüência pouco claras ou perturbadas. Há em geral sentimentos crônicos de vazio. Uma propensão a
se envolver em relacionamentos intensos e instáveis pode causar repetidas crises emocionais e pode
estar associada com esforços excessivos para evitar abandono e uma série de ameaças de suicídio ou
atos de autolesão”.(CID-10)
No DSM-IV, o TPB está classificado como Perturbação Estado-limite de Personalidade e tem a
seguinte descrição:
“Padrão global de instabilidade no relacionamento interpessoal, auto-imagem e afetos, e
impulsividade marcada, com começo no início da idade adulta e presente numa variedade de
contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes”:
1. “Esforços frenéticos para evitar o abandono real ou imaginado;
2. Padrão de relações interpessoais intensas e instáveis caracterizado por alternância
extrema entre idealização e desvalorização;
3. Perturbação da identidade: instabilidade persistente e marcada da auto-imagem ou do
sentimento de si próprio;
4. Impulsividade pelo menos em duas áreas que são potencialmente autolesivas (gastos, sexo,
abuso de substâncias, condução ousada, voracidade alimentar);
5. Comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes de suicídio, ou comportamento
automutilante;
6. Instabilidade afetiva por reatividade de humor marcada (por exemplo, episódios intensos
de disforia, irritabilidade ou ansiedade, habitualmente durando poucas horas ou mais
raramente alguns dias);
7. Sentimento crônico de vazio;
8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldades de a controlar (por exemplo, episódios de
destempero, raiva constante, brigas constantes);
9. Ideação paranóide transitória reativa ao stress ou sintomas dissociativos graves”. (DSM-
IV)
Assim, conclui-se que DSM-IV, o Transtorno de Personalidade Borderline é definido como um
padrão persistente de perceber, relacionar-se e pensar acerca do ambiente e de si mesmo, no qual há
problemas numa variedade de áreas, incluindo comportamento interpessoal, humor e auto-imagem. Os
indivíduos experimentam uma ampla gama de dificuldades. As características mais marcantes do
transtorno são a variedade de sintomas que apresentam.
Indivíduos com TBP podem deslocar-se bruscamente de um humor depressivo generalizado
para uma agitação ansiosa ou raiva intensa, ou envolver-se impulsivamente em ações que
posteriormente reconhecem como irracionais e contraproducentes. Eles tipicamente apresentam um
padrão de problemas errático, inconsciente e imprevisível, podendo funcionar competente e
eficazmente em algumas áreas da vida, enquanto manifestam dramáticos problemas em outras (Beck &
Freeman, 1993).
Os indivíduos borderline podem apresentar extensos períodos de estabilidade, mas eles
tipicamente buscam terapia em tempos de crise apresentando um quadro clínico um tanto quanto
caótico. Além disso, eles muitas vezes apresentam co-morbidade com outros transtornos de humor e
personalidade (Beck & Freeman, 1993).
Segundo Rangé (2001), autor de orientação teórica Cognitivo-Comportamental, indivíduos com
transtorno de personalidade borderline são conhecidos por sua ambivalência, isto é, por apresentarem
sentimentos e ações contraditórias entre si, ou que se modificam muito rapidamente. Estes pacientes
também teriam dificuldades com a noção de self. Entendendo que esse self seria um estímulo privado
que permite a qualquer indivíduo ver-se como diferente de seu repertório comportamental e ver-se
como constante e contínuo, a despeito das diferentes mudanças de repertório ou mesmo de tipo de
controle (externo ou interno) ao qual está respondendo. Tal perspectiva torna-se importante para o self
porque é o único elemento presente em todas as afirmações com o “eu”. Afirmações do tipo “eu me
sinto vazio” e “eu não sou eu mesmo” são típicas de clientes com transtorno de personalidade
borderline. Segundo Kohlenberg (1991, citado por Rangé, 2001), essas sensações descritas pelos
clientes podem ser um efeito (ou função) da relativa falta de estímulos discriminativos privados que
controlam a experiência do “eu”. Se apenas estímulos externos, inicialmente representados pelos
familiares, controlam tal experiência, a pessoa pode perceber um self fora de si, instável ou inseguro.
Por fim, sendo esta uma abordagem cognitivo-comportamental, a terapia, neste caso, enfocaria o
desenvolvimento e fortalecimento da noção de “eu” do sujeito.
Sob a perspectiva da psicanálise, Hegenberg (2003) afirma que o tema central que envolve o
borderline o medo da perda do objeto. Assim, o TPB se diferencia da neurose e psicose, que têm como
conflito principal a castração e a foraclusão, respectivamente. O autor coloca o fato de o TPB estar cada
vez mais em evidência e que muito disso se deve às relações contemporâneas, onde impera o
individualismo. Assim, sendo o borderline um indivíduo que escolhe o objeto de forma anaclítica (de
apoio) se sente desamparado frente ao outro. Isto acontece porque o borderline deseja deste outro o
apoio total para sua própria existência.
Retomando, Hegenberg (2003) e considerando o que diz o DSM-IV, CID-10 e a partir do relato
do paciente com TPB, destaca-se o sentimento de vazio crônico. Para compreender tal esvaziamento do
borderline e a sua relação anaclítica com o objeto, o autor faz em sua obra Borderline: Clínica
Psicanalítica (2003) um breve relato da compreensão de outros psicanalistas a respeito do TPB.
Hegenberg (2003) afirma que Freud não se ateve ao estudo de pacientes borderline. No entanto,
lembra da importância do conceito de narcisismo e concepção de ego de Freud para compreendermos o
TPB. Assim, a obra de Freud serviu de base para que outros pensassem tal transtorno sob a óptica da
psicanálise.
Apesar de demandar limites, a questão da castração não é o foco principal no borderline, e sim a
angústia de separação. Podemos compreender esta angústia a partir do momento em que admitimos que
a formação do ego depende do olhar do outro. É a partir deste outro que formamos um ego, mesmo que
fragmentado. No caso do borderline, essa fragmentação é ainda maior, causando uma sensação de vazio
e não existência. Portanto, o indivíduo com TPB precisa do outro para sentir-se existindo.
Hegenberg (2003) prossegue citando Otto Kenberg. Este último usa a designação organização
borderline de personalidade para qual designa três critérios estruturais: difusão da personalidade, nível
de operações defensivas (principalmente a clivagem tanto do self quanto dos objetos externos em
totalmente bons e totalmente maus) e capacidade de teste de realidade (o que o diferencia de um
psicótico). Dentro da organização borderline de personalidade, Kenberg (1995) classifica o TPB.
Após, Hegenberg (2003) fala do TPB dentro da teoria lacaniana. O autor afirma que Lacan
considera a neurose, a perversão e a psicose como três estruturas possíveis para o sujeito. Assim, Lacan
classifica o borderline dentro destas estruturas vinculadas à castração. Na neurose a castração está
relacionada com o recalque, na psicose, com a foraclusão, e na perversão, com a recusa. O borderline é
classificado como um histérico grave ou perverso. Segundo esta concepção, a fragmentação ou a
relação anaclítica estariam diluídas nas três estruturas, sem ter distinção especial.
Bergeret afirma que as personalidades neuróticas e psicóticas são estruturas, enquanto a
personalidade estado-limite (como ele chama) é uma organização. Tal organização pode ser transitória
ou perdurar (Hegenberg, 2003). Bergeret definiu critérios de classificação para os três tipos de
personalidade. Para ele, a estrutura neurótica teria o superego como instância dominante na
organização; a natureza de conflito seria a relação do superego com o id; a natureza da angústia é a
castração; o recalcamento seria a principal defesa e a relação de objeto seria genital. Na estrutura
psicótica, a instância dominante na organização seria o id; a natureza do conflito seria a relação do id
com a realidade; a natureza da angústia seria de fragmentação; as principais defesas seriam a recusa da
realidade, a clivagem do ego e a projeção; já a relação de objeto seria fusional.
Sendo o que mais interessa neste trabalho, Bergeret afirma que nas organizações limites a
instância dominante seria o ideal do ego; a natureza do conflito estaria entre o ideal do ego, o id e a
realidade; a natureza da angústia seria da perda do objeto; as principais defesas seriam a clivagem dos
objetos e a foraclusão; por fim, a relação de objeto seria anaclítica (Hegenberg, 2003).
Este objeto anaclítico teria o papel de superego auxiliar e ego auxiliar, ora protetor, ora
interditor. O sujeito se espelharia no ideal do ego. Segundo Bergeret (citado por Hegenberg, 2003),
haveria uma relação de dependência, sendo que os dois pais não seriam sexuados, mas “grandes”.
Assim, haveria necessidade de afeto, de apoio e compreensão.
Após, Hegenberg (2003) cita André Green dizendo que este último aponta a angústia de
separação e de intrusão como as principais do borderline. Para Green, a angústia de castração também
estaria presente no borderline, mas não seria estruturante da personalidade. Este autor ainda cita a
clivagem (no sentido kleiniano) e a “depressão” como mecanismos fundamentais para o estado-limite.
O borderline estaria enredado no fantasma que não é elaborado, mas evacuado; um aparelho que se
automultilaria pela recusas, pela foraclusão e pela clivagem. Não seria a realização de desejo que
prevaleceria, mas a tendência ao agir, à descarga, à repetição. Assim, a elaboração psíquica daria lugar
à ação.
Por fim, Hegenberg (2003) fala de como Winnicot visualiza o borderline. Para Winnicot (citado
por Hegenberg, 2003) seria devido a não constituição do self que viria a sensação de vazio e falta de
sentido da vida, resultando em tédio e depressão. Para que o self se constitua, seria necessário um
ambiente suficientemente bom. Dessa forma, Winnicot (1969, citado por Hegenberg, 2003) afirma que
“relacionar-se pode ser com um objeto subjetivo, ao passo que o usar implica que o objeto faz parte da
realidade externa. Pode-se observar a seguinte seqüência: 1. O sujeito se relaciona com o objeto; 2. O
objeto está em processo de ser descoberto, em vez de ser colocado no mundo pelo sujeito; 3. O sujeito
destrói o objeto; 4. o objeto sobrevive à destruição; 5. O sujeito pode usar o objeto”.
O borderline não teria tido um ambiente suficientemente bom, logo não seria capaz de destruir o
objeto e de usá-lo depois, ficando preso na dependência anaclítica com objetos subjetivos, sem
relacionamentos com pessoas reais e sem conseguir se sentir real, pois seu self não estaria constituído.
Cabe ressaltar que o self, neste caso, não seria o ego, seria a pessoa que sou, que seria somente eu.
Considerações finais
Poderia dizer, que ao final deste trabalho, vários autores procuram explicar o que é borderline
ou estado-limite. Talvez ainda não se possa dizer com certeza, mas para mim, muitos dos apontamentos
anteriores fizeram grande sentido. Digo isso a partir dos aspectos que pude observar no contato com
esses pacientes durante o estágio de Psicopatologia. Entre eles a dificuldade destes em lidar com
frustrações, além da superficialidade de seus relacionamentos, na maioria conturbados, parecendo
dificultar a formação de um vínculo. As demandas de apoio e atenção destes sentidas na transferência
causaram em mim em alguns momentos o sentimento de esgotamento, mostrando o quanto é
importante tentar entender o porquê desta dependência.
Referências
BECK, A.; Freeman, A. & cols. (1993). Terapia Cognitiva Comportamental dos Transtornos de
Personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas.

RANGÉ, B. (2001). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais – Um Diálogo com a


Psiquiatria. São Paulo: Artmed.

HEGENBERG, M. (2003). Borderline: Clínica Psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo.

CID-10 (1992). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1993.

DSM-IV (1994). Manual de Diagnóstico e Estatísticas das Perturbações Mentais. Lisboa:


Climepsi, 1996.

KENBERG, O. (1995). Transtornos Graves de Personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas.

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