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Direito Internacional Privado

1.Situações jurídicas absolutamente internacionais, relativamente internacionais e


puramente internas

O Direito Internacional Privado (DIP) é a disciplina jurídica que regula as situações da vida
privada internacional. Nas palavras de FERRER CORREIA, o DIP é o ramo da ciência jurídica
onde se procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou das
leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de carácter internacional
e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas
puramente internas de questões situadas na órbita de um único sistema de Direito estrangeiro
(situações internacionais de conexão única, situações relativamente internacionais. Segundo
FERRER CORREIA, incluímos no âmbito do DIP três ordens de questões: conflitos de leis; e duas
questões de direito processual civil internacional, competência internacional; e
reconhecimento de sentenças estrangeiras.

O DIP não se confina ao estudo do Direito aplicável a uma dada questão material controvertida,
preocupando-se também com os problemas relativos à eficácia e aos efeitos das decisões
emanadas, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais. O processo mais geral de
solução dos problemas de Direito Internacional Privado é o método próprio do Direito de
Conflitos. As disposições do Direito de Conflitos são constituídas por regras de carácter formal,
regras de “remissão” ou “de reconhecimento”, e não por regras de regulamentação material. O
legislador português entende que a melhor maneira de solucionar casos de Direito
Internacional Privado seria o método de regulamentação conflitual através do qual procura-se
encontrar a regulamentação para a questão privada internacional, ou seja, saber qual o
ordenamento jurídico material com a qual ou quais esta mesma questão é conexa para dela se
extraírem as normas aplicáveis ao caso concreto – normas de conflito. II. A “lex fori” como lei
do processo O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei
portuguesa, ainda que ao fundo da causa se aplique uma lei estrangeira. O sistema jurídico
português trata o Direito estrangeiro como Direito e não como facto.

Artigo 23.º CC (Interpretação e averiguação do direito estrangeiro) 1. A lei estrangeira é


interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele
fixadas. 2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável, recorrer-se-
á à lei que for subsidiariamente competente, devendo adotar-se igual procedimento sempre
que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a
designação da lei aplicável.

Em Portugal a lei dispõe que, àquele que o invocar, compete fazer a prova da sua existência e
conteúdo, mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respetivo conhecimento. Este
conhecimento oficioso incumbe também ao julgador sempre que este tenha de decidir com
fundamento no direito estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado ou a parte
contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição. A lei
não exige qualquer meio de prova específico, pelo que a parte ou o juiz poderão recorrer a
qualquer meio probatório idóneo para fazer a demonstração visada (por exemplo, prova
pericial ou documental). Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira
aplicável, recorrer-se-á à que for subsidiariamente competente, devendo adotar-se igual
procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de
que dependa a designação de tal lei. Caso não localize uma conexão subsidiária ou se revele
impossível averiguar o conteúdo do Direito designado por intermédio dessa conexão, o tribunal
deverá recorrer às regras do Direito comum português. O processo seguido perante os
tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da causa se aplique
uma lei estrangeira.

2.Problemas fundamentais suscitados pelas situações absolutamente internacionais: 1.


direito aplicável, 2. competência jurisdicional internacional e 3. reconhecimento de
sentenças estrangeiras

1. O tribunal nem sempre aplica a lei do seu próprio país.

Quando alguém se vê implicado num litígio em que nem todos os elementos estão
circunscritos a um único Estado, não basta saber qual é o tribunal internacionalmente
competente para julgar o processo; também é preciso saber qual das leis em presença será
aplicada pelo juiz para tomar uma decisão quanto ao fundo. São as chamadas normas “de
conflitos de leis” que determinam qual a lei que regerá uma dada situação jurídica
internacional (contratos, acidentes, família, sucessões, regimes matrimoniais, bens, etc.).

Para a elaboração destas regras, o legislador tem em conta vários fatores, entre os quais,
nomeadamente, o desejo legítimo das partes, o princípio da proximidade que tende a
submeter uma situação jurídica à lei do país com o qual apresenta laços mais estreitos, bem
como a ideia de que certas partes, como os menores, os consumidores ou os trabalhadores
assalariados, merecem uma proteção especial.

Se bem que as normas de conflitos de leis relevem do direito internacional privado, de


internacional só têm o nome: tradicionalmente, cada Estado dispõe do seu próprio sistema
nacional de normas de conflitos de leis.

2. Os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação


transnacional quando forem internacionalmente competentes.

A violação das regras de competência internacional legal constitui uma excepção dilatória de
conhecimento oficioso (incompetência absoluta) (arts. 101.°, 102.°/1 e 494.°/a CPC) e a decisão
proferida por um tribunal em violação de regras de competência internacional é recorrível (art.
678.°/2 CPC).

A competência dos tribunais portugueses é exclusiva quando a ordem jurídica portuguesa não
admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas
por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes. A competência exclusiva
contrapõe-se à competência concorrente, que é aquela que pode ser afastada por um pacto de
jurisdição e que não obsta ao reconhecimento de decisões proferidas por tribunais
estrangeiros.

Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva: o
regime comunitário e o regime interno. O regime interno só é aplicável quando a acção não for
abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente
superior.

O regime comunitário é definido pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22/12/2000, Relativo à
Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e
Comercial (doravante designado Regulamento em matéria civil e comercial).

Os critérios de competência legal exclusiva contidos no Regulamento em matéria civil e


comercial são directamente aplicáveis sempre que o respectivo elemento de conexão aponte
para um Estado-Membro vinculado pelo Regulamento e que o litígio emirja de uma relação
transnacional (proémio do art. 22.°). Não se verificando um dos casos de competência (legal ou
convencional) exclusiva previstos no Regulamento, a competência internacional dos tribunais
dos Estados-Membros é regulada pelas regras de competência legal não exclusiva contidas no
Regulamento se o réu tiver domicílio num Estado-Membro (art. 3.°).

Por conseguinte, o regime interno de competência internacional exclusiva só é aplicável


quando não se verifique um dos casos de competência (legal ou convencional) exclusiva
previstos no Regulamento e o réu não tenha domicílio num Estado-Membro (art. 4.°/1 do
Regulamento).

3. A ação de revisão de sentença estrangeira

É uma ação de rito especial prevista no art. 978 do Código de Processo Civil português, que
determina que nenhuma decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro tem
eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.

Assim, se um cidadão português casado no Brasil pode transcrever seu casamento sem a
necessidade de propor ação judicial, o mesmo não se pode dizer do divórcio: é preciso rever a
decisão estrangeira para que o ato seja averbado no assento de nascimento. O mesmo se diga
se o divórcio foi realizado por meio de escritura pública nos Cartórios do Registo
Civil brasileiros.

Embora seja tipicamente um tribunal de recursos, o Tribunal da Relação é que tramita a


ação em primeira instância (art. 73, alínea e, da Lei n.º 62/2013), sendo competente o da área
do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença. Se esta reside no
estrangeiro, será competente o Tribunal da Relação de Lisboa.

Os requisitos para a revisão estão elencados no art. 980, e o valor da causa obedece ao
disposto no art. 303, n.º 1, do CPC.

O modelo de petição inicial abaixo diz respeito à revisão de uma sentença judicial brasileira de
divórcio consensual.

3. Âmbito do Direito Internacional Privado:

O Direito Internacional Privado tem por objeto as situações da vida privada internacional, isto
é, os factos suscetíveis de relevância jurídico-privada que têm contacto com mais de um
sistema jurídico ou que se processam adentro do âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.

Direito Internacional Privado: internacional, porque é um direito que regula questões


internacionais; privado, porque estas questões são relações entre particulares.

O Direito Internacional Privado tem como objeto as relações jurídico-privadas internacionais,


os factos suscetíveis de relevância jurídico-privada. A Prof. Magalhães Collaço diz que o Direito
Internacional Privado “é o direito que regula as relações jurídico-privadas atravessadas por
fronteiras”.
Para se estar perante um caso de Direito Internacional Privado é necessário que haja:

 Uma pluralidade de ordenamentos;

 Uma diversidade de relações vitais que derivem das diferentes ordens públicas.

No Direito Internacional Privado tem-se normas formais, não dão a solução; são normas de
remissão para outros ordenamentos, ou para o português, só indicam o ordenamento jurídico
em referência que irá ser chamado para resolver a questão.

O Direito Internacional Privado tem uma justiça formal, porque de acordo ou em resultado das
respetivas normas de conflito, não nos dá soluções, aponta meramente os ordenamentos
jurídicos que são chamados a resolver a questão.

a. Direito da Competência Internacional

A teoria da competência internacional propõe-se fixar os termos em que os tribunais de um


país podem exercer a sua jurisdição em face aos tribunais dos outros países, isto é, OS termos
em que podem conhecer de ações relativas a estrangeiros ou relativas a atos praticados em
pais estrangeiro por nacionais ou por estrangeiros. Sendo assim, vem naturalmente a questão
de saber se, quando se diz que a competência dos tribunais é regida pela Iex fori, se tem em
vista tanto a competência interna como a competência internacional, ou se apenas qualquer
delas. Ninguém duvida de que a regra abrange a competência interna. Só, com efeito, a lei de
um determinado Estado é que se deve considerar competente para distribuir a jurisdição pelas
diferentes categorias de tribunais desse Estado e para fixar os critérios segundo os quais as
partes hão de dirigir-se a esses tribunais. Há dúvidas, porém, s6bre se a regra também abrange
a competência internacional. A doutrina que consideramos exata é a de que a regra apenas
abrange a competência interna, a não ser que, expressamente, uma lei ou um tratado aí inclua
a competência internacional. As regras que definem a competência internacional resolvem
conflitos de jurisdições, devendo atribuir-se-lhes valor igual ao que se atribui às regras que
definem a competência legislativa e reso)vem conflitos de leis. A sua função é semelhante e,
por isso, semelhante deve ser o seu efeito. Ora, assim como as regras de conflitos de leis
formuladas por qualquer Estado excluem absolutamente a aplicação das regras de conflitos de
leis formuladas pelos, outros Estados, assim também as regras de conflitos de jurisdições
estabelecidas por um Estado devem excluir as regras correspondentes estatuídas pelos outros
Estados. Sendo assim, os tribunais de qualquer Estado não podem aplicar e reconhecer senão
as regras de conflitos de jurisdições formuladas pelo seu próprio legislador. Ao estudar os
conflitos de jurisdições em geral e, em especial, a competência internacional judiciária,
apresentaremos com mais desenvolvimento os fundamentos desta doutrina.

b. Direito de Conflitos

A evolução do DIP tem sido dominada por tendências que põem em relevo o seu conteúdo
valorativo.

Por via da reserva de ordem pública internacional, os princípios fundamentais da ordem


jurídica do foro atuam como princípios do DIP, que limitam a aplicação do Direito estrangeiro
ou transnacional competente.

E, se admitirmos que, independentemente da ordem pública internacional, o DIP e o DUE


também estabelecem limites à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional, os princípios
de DI e de DUE aplicáveis a situações transnacionais também operam como princípios de DIP.
A orientação material das normas de conflitos também pode fundamentar-se na necessidade
de compensar desvantagens decorrentes do carater internacional da situação. Assim, o
favorecimento da validade formal do negócio pode até certo ponto ser justificado pelas
incertezas e dificuldades que resultam do contato da situação com diversos Estados.

Acrescente-se ainda que o favorecimento de resultados materiais deve ser compatibilizado


com as exigências da certeza e previsibilidade jurídicas. Por esta razão, este favorecimento
deve resultar, em primeira linha, de normas de conflitos gerais e abstratas e não de valorações
casuísticas feitas pelo órgão de aplicação do Direito.

A justiça concretiza-se em valores e princípios jurídicos. Não existem um sistema universal de


valores e princípios jurídicos do DIP.

O Direito de conflitos assenta em valorações específicas e utiliza um método de regulação


próprios, daí o reconhecimento da sua autonomia face ao Direito material. Mas o Direito de
conflitos não é imune aos grandes vetores que percorrem a ordem jurídica a que pertence. Há
valores e princípios jurídicos que dominam toda a ordem jurídica.

Na atualidade, o Direito de conflitos de fonte supraestadual ainda não abrange todas as


matérias, sendo essencial que haja uma harmonia do DIP com os diversos ordenamentos
jurídicos, sendo necessária uma harmonia internacional de soluções.

Ligadas à ideia de supremacia do Direito e aos valores formais do Direito de conflitos surgem
ainda 2 exigências: - A exigência de limites à aplicação no tempo e no espaço do Direito de
conflitos, que decorre da consideração da norma de conflitos como critério social de conduta e
da tutela da confiança. - A exigência de um certo favorecimento da validade dos negócios e da
legitimidade dos estados, para além do fundamentado pela tutela da confiança, que pode
encontrar justificação na justiça igualitária: este favorecimento pode compensar as incertezas e
dificuldades acrescidas que resultam do contacto da situação com diversos Estados.

De entre os valores materiais do Direito, assumem especial relevância no DIP, o da dignidade


da pessoa humana, a igualdade, a adequação, o equilíbrio e ponderação, a liberdade, a
confiança e o bem comum.

- Da dignidade da pessoa humana, decorre, ao nível da escolha das conexões, o princípio do


respeito da personalidade dos indivíduos (princípio da personalidade), ligado à noção de
estatuto pessoal e a conformidade dos elementos de conexão com os DF.

Este valor impõe o controlo da situação material a que conduz o direito competente à luz dos
DF.

- A igualdade exprime-se, no Direito dos estrageiros, no princípio da equiparação entre


nacionais e estrangeiros.

Ao nível do Direito dos conflitos, tem como decorrências: - O carater bilateral das normas de
conflitos - A aplicação dos mesmos elementos de conexão a nacionais e a estrangeiros - A
igualdade de tratamento das situações internas e das situações transnacionais,
designadamente quanto à incidência de normas imperativas e à eliminação de conflitos de
deveres - A exclusão de elementos de conexão discriminatórios - A paridade de tratamento
entre o Direito material estrangeiro e o Direito material do foro, que não pode, todavia, ser
absoluta, por haver limites à aplicação do Direito estrangeiro e casos em que o Direito material
do foro é subsidiariamente aplicável.
A igualdade postula ainda a harmonia internacional de soluções, porquanto a divergência dos
Direitos de conflitos, aliada à frequente existência de competências concorrentes dos tribunais
de vários Estados, leva ao favorecimento do titular da ação, através da possibilidade de escolha
do foro que aplica o Direito mais favorável à sua pretensão.

- A Adequação está ínsita na própria ideia de justiça da conexão e, mas amplamente, em toda
a justiça conflitual.

Para a sua realização importa ter em conta 4 aspetos: - Em primeiro lugar, temos de atender à
especificidade do domínio jurídico-material a regular na escolha do elemento de conexão. Esta
consideração não permite indicar sempre o elemento de conexão decisivo, mas permite indicar
o leque de elementos de conexão relevantes. Ex: nas matérias de estatuto pessoal, os
elementos de conexão devem no mínimo traduzir laços íntimos e estáveis com os interessados.

- Deve atender-se às políticas legislativas prosseguidas por certas normas ou regimes materiais
individualizáveis

- Justifica-se a criação de Direito material especial de fonte supraestadual para aqueles


problemas de regulação que apresentam acentuada especificidade nas situações
transnacionais.

- Importa ter em conta as circunstâncias particulares do caso, consideração que, apontando


para a justiça conflitual do caso concreto, é limitada pelas exigências ligadas à supremacia do
Direito.

- O Equilibro, é especialmente importante em matéria em que sobrelevam os interesses das


partes, designadamente os contratos obrigacionais.

É este valor que justifica regras de conflitos especiais que visam a proteção da parte contratual
mais fraca, por exemplo, nos contratos com consumidores e nos contratos de trabalho.

- A Ponderação, que exige uma harmonização de bens e interesses, é importante nos casos em
que se utilizem conceitos designativos indeterminados e cláusulas de exceção (isto é,
disposições que permitem afastar a lei de um país, primariamente competente, quando a
situação apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com outro país), bem como na
resolução d problemas de concurso e de falta de normas aplicáveis.

Por força do valor da liberdade, tem de se respeitar que, na medida do possível, cada ser
humano decida sobre a sua vida (autodeterminação individual).

Este valor tem como corolário o princípio da subsidiariedade que, neste contexto, postula que
só se justifique a regulação pelo direito daqueles aspetos da vida social que pela sua
especificidade reclama uma intervenção de órgãos públicos. Assim, o Direito não deverá
regular aspetos da vida social e da vida privada que não careçam de regulação normativa nem
aquelas cuja regulação pode ser assegurada por outras ordens ou complexos normativos
(Espaço livre do Direito).

A tutela da confiança também é uma das suas projeções.

Deve evitar-se a invocação da tutela da confiança quando estão em causa meras exigências da
certeza e previsibilidade jurídicas. Tao pouco se deve confundir a tutela da confiança com a
proteção das expetativas naturais.
A tutela da confiança tem, relevância: - Na conformação global do sistema de DIP, na medida
em que constitui um dos fundamentos para a aplicação do Direito estrangeiro, visto que a
aplicação do Direito material do foro à generalidade das situações transnacionais frustraria as
expetativas objetivamente fundadas.

Ao nível da escolha das conexões, a tutela da confiança relaciona-se com o princípio da


conexão mais estreita e da personalidade, uma vez que a aplicação de uma lei com que a
pessoa está familiarizada ou tem uma ligação íntima e estável, contribui para o
reconhecimento de situações em que a pessoa depositou uma confiança objetivamente
justificada.

A tutela da confiança é ainda mais relevante, designadamente, para a justificação da liberdade


de escolha da lei aplicável pelo interessado ou interessados.

c. Direito do Reconhecimento de Sentenças Estrangeiras

Certas decisões tomadas em Tribunais ou autoridades administrativas Estrangeiros têm de ser


revistas e confirmadas pelos Tribunais Portugueses.

Pois salvo o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União


Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal
estrangeiro, produz efeitos em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar
revista e confirmada. Assim prevê o artigo 978º do Código do Processo Civil.

(Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos
tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de
julgar a causa.)

- Os processos de revisão e confirmação mais correntes, são as ações:

Escritura de União Estável (união de facto foi confirmada por Escritura Pública de declaração de
união estável);

Sentença de divórcio (os cônjuges divorciaram-se noutro país);

Sentença de adoção (a adoção ocorreu noutro país que não Portugal);

Regulação das Responsabilidades Parentais (o acordo sobre o seu exercício foi regulado noutro
país).

- Mas todas as decisões (sentenças) tomadas no estrangeiro que necessitem de ter eficácia em
Portugal precisam ser revistas e confirmadas em Portugal tais como sentenças de condenação
cível, condenação em indemnização, etc.

II – O TRIBUNAL COMPETENTE

Para a revisão e confirmação é competente o Tribunal da Relação da área em que esteja


domiciliada a pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, observando-se com as
necessárias adaptações o disposto nos artigos 80º a 82º do código do processo civil.

III – REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONFIRMAÇÃO:

Para que a sentença seja confirmada é necessário:


- Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem
sobre a inteligência da decisão;

- Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;

- Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude
à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

- Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em
causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;

- Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal
de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da
igualdade das partes;

- Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente


incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

IV – TRAMITAÇÃO

- Instruído o processo no nosso escritório, é elaborada a petição Inicial que será apresentada
no Tribunal da Relação, com o documento de que conste a decisão a rever, entre outros
documentos complementares.

- Com a entrada da petição, é a parte contrária citada para, no prazo de 15 dias, deduzir a sua
oposição.

- O requerente pode responder nos 10 dias seguintes à notificação da apresentação da


oposição.

- Contudo se ambas as partes estiverem de acordo a petição inicial é apresentada por ambas,
como requerentes, não havendo aqui lugar à contestação, tornando o processo mais célere.

Nota: Não se tratando de um processo urgente, suspende-se em férias judiciais.

4. Os valores da segurança e da justiça material

O DIP não opera sem limites colocados pela justiça material, isto é, a justiça do elemento de
conexão cede perante justiça material, quando esteja em causa normas e princípios
supraestaduais ou fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

Forma-se assim uma reserva jurídico-material do sistema português do sistema de DIP


português.

Não são Princípios do DIP português:

- boa administração da justiça: esta tenderia a privilegiar o direito do foro, para facilitar a vida
aos tribunais, em detrimento do princípio da paridade de tratamento do direito do foro e do
direito estrangeiro.

5. Os princípios do Direito Internacional Privado

1- Princípio da harmonia jurídica internacional


Através da aplicação deste princípio pretende-se que o sistema jurídico aplicável ao “caso” seja
o mesmo para todos os Estados conexionados com a situação da vida a regular.

O pilar fundamental deste princípio é a necessidade de uniformizar, por via da valoração o


direito em referência.

Podendo as leis interessadas no caso ser duas ou mais, impõe-se a tarefa de coordenar de
modo a evitar que o mesmo aspeto ou efeito da relação jurídica em causa venha a ser
apreciados segundo a ótica de legislações diferentes.

2- Princípio da harmonia jurídica interna

Por via deste princípio pretende-se evitar as contradições normativas, isto é, pretende-se
adotar uma única lei para regular os vários aspetos da situação da vida ou situações de facto.
exs.: arts. 41º, 56, 57º CC.

Este princípio cria uma situação de confiança entre os particulares. O legislador ou aplicador do
direito vai evitar contradições normativas.

3- Direito Internacional Privado e jurisprudência de interesses

Dentro deste princípio é necessário fazer uma divisão:

a) Interesses individuais: os sujeitos têm interesse em que lhes sejam aplicados os preceitos
da ordem jurídica que possam considerar como sua (art. 41º/1 CC);

b) Interesses gerais do tráfego jurídico: traduz a necessidade de tutela e da segurança das


relações jurídicas, há por aplicação deste princípio a tendência para escolha de fatores de
conexão permanentes.

4- Princípio da efetividade ou da maior produtividade

Princípio pelo qual aplica-se a lei como melhor competência ou de maior proximidade; tende-
se a aplicar aquela lei que se ache mais próximo da questão (ex.: arts. 45º, 46º/1 CC).

5- Princípio da boa administração da justiça

Por via deste princípio leva-se à maximização da aplicação da lei material do foro (ex. art. 22º
CC).

Haverá boa administração da justiça pelo juiz nacional quando por via do alargamento das
normas de conflito o juiz terá de criar uma uniformização. Elas são bilaterais, os elementos de
conexão remetem, quer para o ordenamento jurídico estrangeiro quer para a lei interna e são
normas bivalentes porque tentam abranger todos os ordenamentos jurídicos.

6- Princípio da ordem pública internacional

Diz que da aplicação do ordenamento jurídico estrangeiro, resulta de uma ofensa aos princípios
fundamentais do Estado português aplicar-se-á, numa primeira abordagem, o direito desse
ordenamento e, em último caso o direito material interno português.

A ordem pública internacional do Estado português não afasta inteiramente o direito


estrangeiro considerando competente, mas somente o que é ofensivo dessa ordem pública
(art. 2º/2 CC).
O que interessa, para saber se houve ou não violação da ordem pública internacional, não são
os princípios consagrados na lei estrangeira que servem de base à decisão, mas o resultado da
aplicação da lei estrangeira ao caso concreto.

Os princípios fundamentais da ordem pública interna do Estado português são os princípios


imperativos que formulam o quadro jurídico, que são os princípios constitucionais e os
princípios fundamentais.

7- Princípio dos direitos adquiridos

Uma vez adquirido (o direito), adquirido está, este princípio assenta toda a sua estrutura no
direito romano (ex.: arts. 29º e 63º CC), uma vez capaz sempre capaz. Aceita-se estas situações
por segurança jurídica e estabilidade.

8- Princípio da autonomia da vontade

Aquele que faculta às partes a escolha da lei aplicável, só é possível nos negócios obrigacionais
(ex. art. 41º e 19º/2 CC).

Só se aceita o princípio da autonomia da vontade nos negócios obrigacionais, mas mesmo


nestes, há restrições.

Não temos uma expressão normativa tão ampla que abrange todas as situações, por isso,
quando não existe solução vai-se aos princípio do Direito Internacional Privado, que são
princípio formais porque vão ajudar a solucionar essas questões.

9- Princípio do “favor negotti” ou princípio da justiça material

Quando determinado negócio jurídico resulte por aplicação da respetiva lei material, a sua
invalidade, tendo em conta o princípio do “favornegotti” há que lhe atribuir a respetiva
validade porque há que tentar salvar o negócio ex. art. 19º CC.

Implica que o juiz nacional tenderá a salvar o negócio para que não sejam frustradas as
expectativas das partes.

- Tenta-se alcançar tanto quanto possível a mesmo solução para certa questão seja qual for o
foro em que ela decida, ex.: art. 52º/1 CC.

- Pretende-se evitar as contradições normativas, tenta-se adotar uma única lei para regular os
vários aspetos da situação jurídica em referência.

- Fatores de conexão permanentes, lugar da situação do imóvel e a lei dos contratos.

- Tem-se que fazer favorecer sempre o negócio jurídico.

6. As principais fontes do DIP

As regras de Direito internacional privado português assentam em normas jurídicas escritas


emanadas de autoridades com poder para as gerar, ou seja, em disposições imperativas
orientadas para o estabelecimento de critérios gerais aplicáveis a situações concretas,
produzidas pelos órgãos estatais competentes.

- Pluralidade Metodológica

- Diversidade de fontes
- Dispersão dos textos legais

As normas de conflito vertidas nos artigos 25.° a 65.º do Código Civil, extravasa, atualmente, a
legislação de fonte interna para assumir contornos eminentemente internacionais e
supranacionais. A cooperação judiciária implementada na União Europeia repercute-se, quer
ao nível das normas de conflitos leis, quer no que diz respeito às normas de conflitos de
jurisdições.

7. O problema do direito aplicável e as vias possíveis de solução

O DIP não se confina ao estudo do Direito aplicável a uma dada questão material controvertida,
preocupando-se também com os problemas relativos à eficácia e aos efeitos das decisões
emanadas, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais. O processo mais geral de
solução dos problemas de Direito Internacional Privado é o método próprio do Direito de
Conflitos. As disposições do Direito de Conflitos são constituídas por regras de carácter formal,
regras de “remissão” ou “de reconhecimento”, e não por regras de regulamentação material.

O legislador português entende que a melhor maneira de solucionar casos de Direito


Internacional Privado seria o método de regulamentação conflitual através do qual procura-se
encontrar a regulamentação para a questão privada internacional, ou seja, saber qual o
ordenamento jurídico material com a qual ou quais esta mesma questão é conexa para dela se
extraírem as normas aplicáveis ao caso concreto – normas de conflito.

8. Princípio da não transactividade das leis: noção e fundamento

As normas jurídicas, como normas de conduta que são, veem o sem âmbito de eficácia
limitado pelos fatores tempo e espaço: elas não podem ter a pretensão de regular factos que
se passaram antes da sua entrada em vigor nem os factos que se passaram ou passam sem
qualquer “contacto” com o Estado que as edita; elas não podem, por outras palavras, chamar a
si a orientação daquelas condutas dos indivíduos que se passaram para além da sua possível
esfera de influência.

A base do direito intemporal, constrói-se, por um lado, sobre o princípio da não retroatividade
das leis, e por outro lado, sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob o
império da lei antiga, assim o ponto de partida radical do Direito Internacional Privado assenta,
por um lado, sobre a regra da não transactividade das leis e, por outro lado, sobre o princípio
do reconhecimento das situações jurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei
estrangeira.

O direito de conflitos de leis assume como critério básico o da “localização” dos factos:
a “localização” no tempo para o direito intemporal e a “localização” no espaço para o Direito
Internacional Privado. Essa a razão por que se afirma que estes dois critérios são direitos “de
conexão”: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui o dado determinante
básico da aplicabilidade dos mesmos sistemas jurídicos. Por isso, pode-se enunciar como regra
básica de todo o direito de conflitos a seguinte: a quaisquer atos se aplicam as leis – e só se
aplicam as leis – que com eles se achem, em contacto.

No Direito Internacional Privado nem sequer basta o recurso a um princípio paralelo ao da


teoria do facto passado e o recurso ao princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos.
Pelo que respeita às situações absolutamente internacionais, importa ainda, num segundo
momento fazer intervir uma regra de conflitos capaz de dirimir o concurso entre as leis em
contacto com os factos.

9. A regra de conflitos

A aplicação oficiosa das regras de conflitos impõe-se ao julgador a ponderação da


aplicabilidade das regras de conflitos de leis ainda que nenhuma das partes invoque um Direito
estrangeiro.

Estrutura e modus operandi

A regra de conflitos destaca um elemento da situação de facto suscetível de apontar para uma,
e apenas uma, das leis em concurso. Este é o elemento de conexão. As normas de conflito do
Código Civil não apresentam qualquer tipo de solução para a resolução do caso mas indicam
qual o ordenamento jurídico que irá regular o caso

Previsão: o próprio objeto das normas de conflito. Colocação de um problema, porque para se
proceder a uma aplicação rigorosa da ordem jurídica competente, é necessário proceder
à “depecage” ou desmembramento da situação jurídica em causa.

A estatuição: dá-se por via do elemento de conexão, o qual pode revestir várias modalidades.

b) Modalidades de conexão

1) Conexão simples ou singular: existe quando a norma de conflito aponta para uma única
ordem jurídica por via de um só elemento (ex.: arts. 30º; 33º/1; 46º/1 CC);

2) Elementos de conexão múltipla: quando as normas de conflito apresentam vários


elementos de conexão: Conexões sucessivas ou subsidiárias: está-se perante duas ou mais
elementos da conexão os quais só se irão aplicar caso falhe os anteriores (ex.: art. 52º/1 e 2
CC);

i) Conexões sucessivas ou subsidiárias: está-se perante duas ou mais elementos da conexão


os quais só se irão aplicar caso falhe os anteriores (ex.: art. 52º/1 e 2 CC);

ii) Conexão alternativa: prevê várias conexões como possíveis, mas apenas uma vai ser
aplicada com vista à obtenção do resultado (ex.: art. 65º/1 CC);

iii) Conexão cumulativa: vai-se aplicar duas leis pessoais simultaneamente, ou seja, aplicam-se
ambas (ex.: art. 33º/3 e 4 CC);

iv) Conexão condicional: quando o segundo elemento de conexão chamado para regular o
caso vai limitar a aplicabilidade da primeira lei (ex.: art. 55º/2 CC).

Normas de conflitos bilaterais, unilaterais e imperfeitamente bilaterais

O objecto da norma é a realidade que a norma regula. Por função da norma pode entender-se
o fim que prossegue, a sua teleologia. A função que agora se tem em vista é a função jurídica
ou técnico – jurídica: o problema jurídico que a norma tem por missão resolver e o processo
por que o resolve.

Para examinar o objecto e a função das normas de conflitos importa distinguir entre normas
bilaterais e normas unilaterais. Esta classificação de normas de conflitos atende aos sistemas
jurídicos que são destinatários da remissão.

As normas unilaterais só determinam a aplicação do Direito do próprio foro. Um exemplo:


1) O art. 3º/3 do CC fr determina que “as leis francesas sobre estado e capacidade aplicam-se
aos franceses, mesmo que residem no estrangeiro”.

Sublinharam que não há um sistema universal de Direito de Conflitos mas uma pluralidade de
Direito de Conflitos de fonte interna diferentes entre si.

Um Estado não pode, por meio das sua normas de conflitos, delimitar a competência legislativa
de outros Estados.

As normas unilaterais podem ser gerais ou especiais.


As normas unilaterais gerais referem-se normalmente a estados ou categorias de relações
jurídicas, como é o caso do art. 3º/3 CC fr. As normas unilaterais especiais encontram-se numa
relação de especialidade com outras normas de conflitos, bilaterais ou unilaterais.

As normas unilaterais especiais podem assumir, quanto á sua previsão, três modalidades:
1) temos as normas unilaterais que se reportam a estados ou categorias de relações jurídicas,
embora se encontrem numa relação de especialidade com outras normas de conflitos que se
reportam a categorias normativas mais amplas;

2) a segunda modalidade é a das normas unilaterais que se reportam a questões parciais que,
em princípio, estariam englobadas no domínio de aplicação de outras normas de conflitos;

3) o terceiro tipo de norma unilateral é a que se reporta a uma norma ou lei material
individualizada. Já sabemos que esta modalidade de norma unilateral pode ser designada
como norma ad hoc.

As normas de conflitos ad hoc têm normalmente uma relação íntima e direta com a norma ou
lei material a que se reportam.
A melhor perspetiva é a que encara os elementos unilaterais como complemento necessário do
sistema de Direito de Conflitos de base bilateral. Por certo que certas normas de conexão ad
hoc ligadas a normas ou leis individualizadas podem apresentar-se como “estranhas ao
sistema” e como limite ao funcionamento do sistema de Direito de Conflitos.

Mas deve favorecer-se o seu enquadramento sistemático, mediante a sua generalização e


bilateralização e tendo em conta as finalidades gerais do sistema de DIP.
10. As normas de aplicação necessária ou imediata

As normas de aplicação imediata constituem em si uma exceção ao sistema geral de normas de


conflitos de leis no espaço e têm, de um modo geral, precedência ou prevalência relativamente
a essas regras.

Outra característica das normas de aplicação imediata é que podem ser do foro ou
estrangeiras. Significa que tanto o juiz do foro pode verificar que perante a situação em análise
é de aplicar a norma material do seu ordenamento jurídico, como pode o juiz ser confrontado
com uma situação em que uma das partes diz que se aplica o seu direito, mesmo que o sistema
conflitual não mande aplicar esse ordenamento, precisamente porque essa norma é uma
norma de aplicação imediata para esse ordenamento.

Se isso é pacífico para o juiz do ordenamento jurídico, já não é pacífico para o juiz do foro.

Perante a situação concreta os interesses protecionistas do Estado estrangeiro pretendem


prevalecer.

Na determinação da lei aplicável uma das partes arroga a aplicação de uma norma material do
ordenamento jurídico sem que se passe pela triagem do sistema conflitual.

Neste problema de aplicação de normas de aplicação imediata estrangeiras não temos um


tratamento corrente. O legislador português nalgumas convenções que tem ratificado aceita
essas normas. Noutras situações recusa completamente.

“Sendo certo que não há qualquer obrigação formulada pelo Direito Internacional Público geral
ou comum no que toca à atendibilidade ou tomada em consideração e, ainda menos, quanto à
aplicação das regras de aplicação imediatas estrangeiras, é necessário dizer que não
pertencemos ao grupo daqueles céticos que se opõem com veemência a quaisquer soluções
inovadoras, como a que consta do art. 7º da Convenção de Roma.

Entendemos que as necessidades da cooperação internacional, bem como os próprios


princípios savignianos da paridade de tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira e da
harmonia internacional de julgados, favorecem uma qualquer forma de reconhecimento de lois
de police estranhas, sendo certo, ademais, que, em determinados casos, estas prosseguem
valores que são comuns à própria ordem jurídica do foro, na medida em que subjazem à
conceção universalista de uma ordem pública verdadeiramente internacional.

A ideia básica de que é necessário partir, nesta matéria, não pode deixar de consistir no
reconhecimento, no Estado do foro, da vontade de aplicação das normas de aplicação imediata
estrangeiras, tal como elas próprias a determinam.

Para tal, é mister recorrer à edição de uma regra de reconhecimento dessas normas, ou seja,
de uma regra secundária que dê um título e legitime a relevância, no Estado do foro, das
normas de aplicação necessária estrangeiras, de acordo com as condições e dentro dos limites
fixados por este último Estado, já que parece óbvio que a reivindicação de aplicabilidade
espacial da própria loi de police estrangeira não pode, só por si, impor-se aos órgãos de
aplicação do direito de Estados estrangeiros.” (M.S.).

A Convenção de Roma, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, no art. 7º, salvaguarda
a existência de norma de aplicação imediata que deve ser respeitada pelo julgador, quer sejam
normas de aplicação imediata quer sejam normas de aplicação imediata estrangeiras. Portugal
ratificou a Convenção de Roma, mas fez uma reserva ao problema do art. 7º e de
obrigatoriamente aplicar as normas de aplicação imediata estrangeira.

“Consideramos que estas regras são regras de reconhecimento das normas de aplicação
imediata estrangeiras e não regras de conflitos de leis, já que contemplam expressa ou
implicitamente a vontade de aplicação das lois de police alheias.” (M.S.).

No art. 65º/2 C.C, o legislador tomou outra atitude.

11. As normas espacialmente autolimitadas

As normas de aplicação imediata são normas espacialmente autolimitadas, mas estas duas
categorias não se confundem, na medida em que há normas materiais espacialmente
autolimitadas que não são normas de aplicação imediata, pelo que as normas de aplicação
imediata são tão-somente uma espécie do género que as normas materiais espacialmente
autolimitadas constituem.
As normas materiais espacialmente autolimitadas são regras de direito material providas de
elementos de localização espacial que lhes são próprios e que as distinguem das demais
normas materiais, nas quais tal conotação espacial não está presente.
Estas normas espacialmente autolimitadas também são normas materiais, também podem
regular relações privadas internacionais. É nesta distinção que se percebe verdadeiramente a
importância, originalidade das normas de aplicação imediata.
As normas de aplicação imediata são normas de direito material, têm um resultado concreto, e
podem ser, tal como as normas espacialmente autolimitadas, tanto de Direito Privado, como
de Direito Público.
No Direito Português, no Código Civil, o art. 2223º é admitido como uma norma de aplicação
imediata (Dr. Marques dos Santos). Temos também o art. 1682º-A, nº. 2 C.C, sendo essas leis
meros exemplos. Vamos encontrando normas que reúnem essas características.

O Código de Registo Civil (arts 161º a 166º) tem um art. que diz que qualquer casamento
celebrado no estrangeiro por portugueses tem de ser precedido pelo processo preliminar de
publicações.
O art. 51º/2 C.C. prevê que: “O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português
e estrangeiro pode ser celebrado perante o agente diplomático ou consular do Estado
português ou perante os ministros do culto católico; em qualquer caso, o casamento deve ser
precedido do processo de publicações, organizado pela entidade competente, a menos que ele
seja dispensado nos termos do art. 1599º.”
Esses casamentos serão obrigados a fazer o processo preliminar de publicações. O C.R.C.
estende essa obrigação aos casamentos celebrados por estrangeiros segundo a lei local.
O desvio do art. 51º C.C. não preclude que os portugueses se casem no estrangeiro segundo a
lei local. O C.R.C. vem dizer que também esses estão obrigados à precedência do processo
preliminar de publicações previsto na lei portuguesa. Se esta formalidade for omitida estamos
perante um casamento celebrado imperativamente no regime de separação de bens.
Se o C.R.C. (norma material) diz algo mais do que a regra de conflitos, temos uma norma de
aplicação imediata. As normas têm essas características e o intérprete pode entender que não
se justifica.
Estamos a ver que há algo que vai além do sistema conflitual.
Essas normas de direito material são espacialmente autolimitadas mas que com elas não se
confundem. Significa isto que são normas materiais cujo conteúdo, de forma expressa ou
implícita, já tem o campo de aplicação espacial determinado.
Estas normas de aplicação imediata têm o seu campo de aplicação material delimitado e não
necessitam que haja uma regra de conflitos que diga quando se devem aplicar. Isso pode
acontecer explícita ou implicitamente.

O art. 2223º C.C. prevê: “O testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com
observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em Portugal se tiver sido
observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.”.
Este artigo não oferece dúvidas quanto à sua aplicação no espaço. Do ponto de vista de
aplicação espacial já está delimitado expressamente.

Já no art. 1682º-A, nº. 2 C.C. (“A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros
direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento
de ambos os cônjuges.”) não tem nenhuma autolimitação espacial expressa. Apenas diz que
em qualquer regime de bens carece do consentimento do outro cônjuge a alienação, oneração,
arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da
família. Não se diz nada quanto ao espaço a que essa norma se deve aplicar. Acontece que este
artigo implicitamente está espacialmente autolimitado. Tem a ver com a política legislativa que
lhe está subjacente. É a proteção da morada de família não apenas com o interesse de
preservar a união da família, mas porque a vida familiar se deve desenvolver na habitação que
é um bem escasso em Portugal. O que se pretende é que se satisfaça o direito à habitação à
custa do Estado. Com a impossibilidade de alienação da casa de morada da família sem o
consentimento de ambos os cônjuges está a salvaguardar-se o direito de proteção da casa de
morada da família. Se esse é o escopo da norma, não interessará salvaguardar esse direito se a
casa de morada da família se situar no estrangeiro e daí que o art. 1682º-A nº. 2 C.C. se aplica
às casas de morada de família situadas em Portugal. Esta norma tem assim o seu campo de
aplicação delimitado de acordo com interesses sociais.

“Uma distinção fundamental adotada entre nós por Baptista Machado e Ferrer Correia é a que
agrupa as normas materiais autolimitadas em duas grandes categorias, definidas pela sua
posição perante as regras de conflitos do sistema geral de D.I.P. do ordenamento jurídico a que
pertencem.
Assim, por um lado, há as normas materiais espacialmente autolimitadas cuja aplicação no
espaço pressupõe necessariamente a determinação prévia, através do recurso às normas de
conflitos de leis gerais, da competência ou aplicabilidade da ordem jurídica do foro para regular
as questões privadas internacionais que caem sob a alçada das referidas normas materiais
autolimitadas e, por outro lado, há as normas materiais espacialmente autolimitadas cuja
vontade de aplicação extravasa do âmbito da competência normas da ordem jurídica a que
pertencem, o qual é determinado pelo respetivo sistema geral de regras de conflitos de leis;
neste último caso, as referidas normas reclamam, portanto, um campo de aplicação no espaço
que se pode revelar exorbitante em relação àquele que é reservado à ordem jurídica em que se
inserem, ou que, em todo o caso, é autonomamente definido por elas, independentemente do
que estabeleça o sistema geral de regras de conflitos de leis no espaço do ordenamento a que
pertencem.
As normas do primeiro tipo poderão ser designadas como normas materiais espacialmente
autolimitadas stricto sensu, enquanto as do segundo grupo são justamente as normas de
aplicação imediata ou necessária.” (M.S.)
Para ilustrar a diferença o Dr. Marques dos Santos utiliza o exemplo do diploma aplicável ao
E.I.R.L.. O E.I.R.L. é uma pessoa coletiva.
No art. 36º. do DL 248/86 tem a definição (expressa) do campo de aplicação espacial: sede em
Portugal e constituição em Portugal. Quando estes dois pressupostos cumulativos estão
reunidos aplica-se a lei portuguesa.
O art. 33º/1 C.C. (“A pessoa coletiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra
situada a sede principal e efetiva da sua administração.”) diz que a lei pessoal das pessoas
coletivas – e o E.I.R.L. é uma pessoa coletiva – é a lei da sede principal e efetiva.
O elemento de conexão ad hoc do E.I.R.L. no art. 36º não desmente, antes confirma o que diz o
artigo 33º/1 C.C, que lhe seria aplicável. Mas o art. 36º D.L. 248/86 diz mais do que isso: ser
constituído em Portugal. O diploma do E.I.R.L., esta norma material do Direito Português, não
se aplica só quando ela própria determina, vai-se aplicar quando o Direito Português for
aplicável.
Vamos supor que o juiz quer aplicar a um sistema o art. 33º C.C. que refere a sede principal e
efetiva que é em Portugal aplica-se o D.L. do E.I.R.L. e portanto confirma a regra de conflitos. O
art. 36º D.L. diz ainda mais, é uma norma que confirma o teor da regra de conflitos, mas ainda
vai delimitar o seu âmbito de aplicação espacial.
Uma norma espacialmente autolimitada tem um campo espacial pré-
-determinado, mas que não contraria o que está estabelecido na regra de conflitos. Portanto,
não é uma norma de aplicação imediata porque uma norma de aplicação imediata ignora o
sistema conflitual e o E.I.R.L. nunca está para além do sistema conflitual. O diploma do EIRL faz
de uma forma concordante com a solução do direito conflitual português.

12. Teoria da norma de conflitos / conceito-quadro e o problema da qualificação

A norma de conflitos é constituída de três partes: o objeto da conexão, o elemento de conexão


e a consequência jurídica.

O objeto da conexão (aquilo que se conecta com determinada lei: a lei que no caso concreto
for designada pelo elemento de conexão da norma) é definido por meio de um conceito
técnico-jurídico, o chamado conceito-quadro da regra de conflitos. Ao elemento de conexão
cabe a tarefa de localizar a situação jurídica num espaço legislativo determinado de a situar,
pelo que toca à valoração de tal dos seus aspetos ou perfis, no quadro de um certo sistema de
direito.

Quanto á competência jurídica, ela consiste justamente na declaração de aplicabilidade de


preceitos jurídico-materiais da lei que for designada pelo elemento de conexão.

Uma norma de conflitos não corresponde uma única consequência jurídica, mas tantas
quantos os ordenamentos existentes.

A relevância do elemento de conexão escolhido pela norma de conflitos é por vezes colocada
sob determinada condição de ela própria se considerar competente. É o que se passa desde
logo em virtude do reenvio: se a condição posta não se verifica e se a lei indicada pelo DIP da
lex fori não se reputa aplicável, aplicar-se-á aquela que for designada pela norma de conflitos
da referida lei. É quase sempre uma ideia de harmonia jurídica internacional que esta na base
desta orientação.
Todo o sistema de regras de conflitos deve ser preordenado á satisfação de determinados
interesses.

Ao formular essas normas, o legislador deve proceder em termos de a cada matéria ou zona de
regulamentação jurídica ficar a corresponder a conexão mais adequada, em função dos
interesses que em cada um desses vários setores deva considerar-se prevalecentes.

É essa a ideia que nos deverá guiar na definição dos limites do conceito-quadro do preceito a
interpretar, pois é evidente que a interpretação de toda a norma de conflitos, como a de
qualquer preceito jurídico, só pode ser uma interpretação teológica.

Se o DIP tem a sua intencionalidade e a sua justiça própria, logo por aqui se deixa ver que a
interpretação dos seus preceitos e dos respetivos conceitos-quadro tem de ser conduzida com
certa autonomia.

O DIP ordena assim, os preceitos materiais dos diferentes sistemas jurídicos, distribuindo-os
pelas diversas categorias que autonomamente estabelece.

Quanto ao material normativo a ordenar, as suas características reais só nesse sistema poderão
colher-se tendo em conta o seu conteúdo, as suas conexões sistemáticas e a função
sociojurídica que nele lhe for assinada. Pois nenhuma norma poderá ser corretamente
entendida se a não situarmos no seu contexto próprio, se a isolarmos de todo o orgânico a que
pertence. Nesta ideia se inspira o preceito do art.15º do CC.

Se á lex fori compete decidir se os preceitos considerados correspondem na verdade, atentas


as suas características primordiais, ao tipo visado na regra de conflitos, é no quadro da lex
causae que vão pesquisar-se essas características – as características das normas materiais
potencialmente aplicáveis ao caso concreto.

O problema central do tema da qualificação reside na definição do objeto desta, ou seja, o quid
a subsumir ao conceito-quadro. Por seu turno, o problema do objeto da qualificação, não é
senão o do objeto da própria norma de conflitos.

Ora a regra de conflitos destina-se a coordenar os diversos sistemas jurídicos conexos com a
situação da vida a regular, em ordem a evitar que leis diferentes, inspiradas em princípios
distintos se não contraditórios, sejam eventualmente chamadas a decidir a mesma questão de
direito. A norma de conflitos de DIP tem como objeto prevenir ou eliminar conflitos entre
preceitos matérias provenientes de ordenamentos distintos.

Sendo esta a função do conceito-quadro, logo se alcança que é a outros preceitos jurídicos que
a norma se refere em ultima analise, pois são eles que darão resposta ao tipo de questões
jurídicas visadas pela regra de conflitos em causa: a questão da validade de um ato, a da forma
do casamento, a da admissibilidade e consequências do divorcio, a da posição sucessória do
cônjuge supervivente, a dos pressupostos da responsabilidade civil e da natureza e extensão do
dano indemnizável.

Da lei designada pela norma de conflitos só podem, portanto considerar-se aplicáveis os


preceitos correspondentes á categoria definida e delimitada pelo respetivo conceito quadro.
Ou seja, uma lei nunca é convocada na totalidade das suas regras materiais, mas a norma de
conflitos da lex fori recorta no sistema a que se refere um setor determinado e localiza nele a
competência atribuída a esse mesmo sistema.

O art. 15º CC: “A competência atribuída…” é pela norma de conflito – há um controlo absoluto
da lei do foro, e este controlo da lex fori é feito pela respetiva interpretação do objeto.
Preconiza-se a interpretação das normas de conflito pela lei do foro, e nesta lei do foro que há
o controlo absoluto.

A competência implica a tripartição da qualificação: por via da interpretação (lei do foro) e


subsunção das normas de conflito, passa-se à terceira parte do artigo.

Por via da subsunção abrange-se as normas materiais, não do Direito Internacional Privado que
pelo seu conteúdo e função integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.

Podem existir situações da vida social cuja limitação jurídica implique várias ordens jurídicas
em referência, isto é, para uma situação podem ser chamadas várias ordens jurídicas a regular
a situação. São os chamados conflitos positivos ou negativos da qualificação, isto é, os conflitos
mais da qualificação surgem quando há concurso de normas chamadas para regular a mesma
questão, e à contrário sensu, tem-se os conflitos negativos de qualificação que surgem quando
existe um vácuo nestas mesmas normas.

13. O reenvio

O reenvio como problema da interpretação do direito de conflitos Tem-se até aqui concebido a
regra de conflitos como uma norma que essencialmente se destina a resolver concursos de leis.
O pressuposto básico da norma de conflitos é, pois, tanto nas suas origens históricas como o
seu significado actual, a existência de mais que uma lei que se candidata ou concorre à
resolução de certa questão privada internacional – e isto directamente, através das suas
normas de regulamentação directa (materiais) ou, quando muito, também através de normas
doutro ordenamento recebidas através de uma norma de remissão material. Essa diversidade
das regras de conflito de leis dos diferentes sistemas nacionais veio pôr em cheque o ideal de
uniformidade de soluções a que aspira pela sua própria natureza o Direito Internacional
Privado – ideal que se deveria traduzir na garantia de uma dada questão viria a ser apreciada
por aplicação das mesmas normas materiais, qualquer que fosse o Estado em que viesse a ser
julgada. O problema é posto na doutrina em termos de saber qual o sentido da referência feita
pela regra de conflitos à lei por ela designada: trata-se de uma referência material ou duma
referência global? Por outras palavras: pergunta-se se, com a designação da lei aplicável feita
pela regra de conflitos, se pretende escolher directamente as normas materiais que devem
regular a questão, ou se se pretende, antes, determinar essas normas indirectamente,
mediante uma referência à lei que abranja também as normas de Direito Internacional Privado
desta lei. Responde no primeiro sentido a teoria da referência material, e no segundo, a tese da
referência global. Teoria da referência global ou devolucionista A favor desta teoria alegaram-se
fundamentalmente duas razões. A primeira é a de que a norma material estrangeira não pode
ser aplicada abstraindo da regra do Direito Internacional Privado que, na lei a que pertence, lhe
define o âmbito de aplicação no espaço: aplicá-la noutros termos para desvirtuá-la. A regra de
conflitos constitui elemento integrante da hipótese da norma material, forma com ela, um todo
incidível. Aplicar esta sem atender àquela não seria aplicar a lei estrangeira seria, antes, ir
contra a vontade dessa lei. A segunda razão alegada a favor da mesma tese é a de que o
entendimento por ela propugnado da referência global conduz à harmonia jurídica entre leis
que têm normas de conflitos divergentes. Esta teoria significa que a ordem jurídica tem que ser
vista como um todo, logo a referência feita pela norma de conflitos portuguesa irá chamar o
Direito Internacional Privado da outra ordem jurídica e esta considerar-se-á ou não
competente. A teoria do reenvio ou devolução tem sido praticada pelos tribunais europeus sob
duas formas: sob a forma de devolução simples e na modalidade de devolução dupla ou
integral. Fala-se em devolução simples quando o ponto de vista da referência global se aplica
só no momento da partida, isto é, à designação feita pela regra de conflitos do foro à lei para
que inicialmente remete; mas já não se aplica nos momentos subsequentes – designadamente,
já não se aplica à regra de conflitos estrangeira que devolve a competência à lei do foro. Pelo
contrário a devolução dupla acolhe plenamente a ideia que está na base da teoria da referência
global: o tribunal do Estado do foro deve julgar o caso tal como este seria julgado pelo tribunal
do Estado cuja lei é declarada competente pela regra de conflitos da lex fori. A devolução pode
assumir duas formas: a forma de retorno da competência à lex fori[14] e a forma de
transmissão da competência a uma terceira (ou quarta) lei. Teoria da referência material ou
tese anti-devolucionista A referência feita pela lei do foro (L1) ao ordenamento jurídico em
causa (L2) abrangeria somente as normas materiais desse ordenamento, não se admitindo
sequer existência de normas de Direito Internacional Privado. Fundamentos desta tese: ▪ Era
necessário uma lógica na remissão da referência directa ao direito material interno: crítica, não
se pode basear uma teoria num fundamento lógico porque a índole remissiva das normas de
conflito terá que ser resolvida pelos princípios objectivos a prosseguir pelas principais normas
de conflito; por outro lado, é também negar a principal estrutura das normas de conflito
gerando assim lacunas. ▪ Respeitar a vontade soberana do legislador nacional: aceitar a tese da
referência global, isto é, das normas de conflito noutro ordenamento, aqui valeria a prescindir
dos elementos de conexão. A doutrina clássica entendia que a aceitação de um Direito
Internacional Privado em L2 equivaleria a negar o nosso Direito Internacional Privado. Crítica, é
uma visão que aceita uma apresentaçãoconceitualista e o facto de aceitarmos outros Direitos
Internacionais Privados não significa que devemos negar o nosso Direito Internacional Privado.
▪ Atende-se à vontade histórica das leis (das normas de conflito): as normas de conflito
surgiram primeiramente como norma de referência material. Crítica, se o entendimento
doutrinal na feitura das normas de conflito foi só o entendimento de natureza material não
significa que não possa ter havido um progresso no Direito Internacional Privado com aparição
das normas de conflito. ▪ Dificuldade de actuação prática da devolução: pode suscitar-se
dificuldades gerais de conhecimento e aplicação do Direito Internacional Privado estrangeiro,
por ex., L2, pode não aceitar competência para resolver a questão por existir no seu Direito
Internacional Privado uma norma semelhante ao art. 22º CC (reserva da ordem pública). 34.
Teoria da devolução simples Preconizam a aceitabilidade da referência material como primeira
referência, mas com um limite que é o segundo momento, que é o da referência material. L1
remete para L2, sendo uma devolução simples esta é obrigada a aceitar. L2 devolve para L1. L1
devolve logo para o direito material interno de L2 que é obrigado a aceitar. O art. 17º CC é o
princípio geral. 35. Teoria da dupla devolução Por via da qual as normas de conflito remetem
para a ordem jurídica estrangeira mas L1 deverá regular a questão como ela seria julgada em
qualquer outro ordenamento. A teoria da referência global pode funcionar com limites, este é
na segunda referência existir necessariamente uma referência material. 36. Princípios a ter em
conta em matéria de reenvio: art. 16º CC As regras de conflito, na construção do Direito
Internacional Privado situam-se num segundo plano, num plano subordinado. O plano superior
ou primário é constituído por dois princípios, o da estabilidade e o da uniformidade de que as
regras de conflitos não apresentam a directa expressão pois estas são antes simples critérios de
resolução de concursos. Afasta-se, em tese geral, a doutrina da devolução ou do reenvio,
aceitando-se como regra o princípio da simples remissão da norma de conflitos para a lei
interna, em conformidade com a chamada teoria da referência material.[15] Quando a norma
de conflitos portuguesa fixar a competência de uma lei estrangeira, entende-se aplicável a lei
interna estrangeira reguladora da relação jurídica, e não a lei internacional (norma de conflitos)
se, porventura remeter para outro sistema legislativo. Este, em princípio, não é considerado
pela regra de conflitos da lei portuguesa. Sobre o art. 16º CC há que fazer duas observações: A
primeira é que, embora a atitude nele definida corresponda à que é própria da teoria da
referência material, não se crê que tal texto possa ser interpretado como impondo uma certa
concepção de fundo quanto ao sentido da referência de toda e qualquer norma de conflitos. A
sua função não é doutrinal, mas prático-regulamentadora: verificada a inexequibilidade da
devolução como regra geral e verificado também que a sua utilização em certos casos permite
obter resultados valiosos, revela-se praticamente aconselhável partir da regra da sua não
admissibilidade, estabelecendo de seguida os desvios que esta regra comporta. A segunda
observação a fazer é que, mesmo que porventura de devesse entender como princípio a regra
do art. 16º CC certas soluções a que se chegaria através do reenvio poderiam ainda ser
alcançadas por outros meios, como o princípio da favor negotti ou do respeito dos direitos
adquiridos, pelo que aquele texto não obstaria a tais soluções, quando devidamente
fundamentadas. Os princípios mais altos do Direito Internacional Privado são princípios que
exprimem uma justiça puramente formal, uma justiça unicamente atenta aos valores da
certeza do direito e da segurança jurídica. A regra, neste preceito consagrada de que a
referência da norma de conflitos portuguesa à lei estrangeira determina apenas na falta de
preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei, obtém duas excepções, os arts.
17º/1 e 18º/1 CC. As regras do art. 17º CC O n.º 1 deste artigo prevê que a norma de conflitos
da lei competente, segundo o Direito Internacional Privado português, remete para o direito de
um terceiro Estado, e este considera-se competente segundo a sua norma de conflitos. Aceita-
se a devolução, aplicando nesse caso o direito interno desse terceiro Estado. A excepção deixa
porém de ter aplicação no campo da competência da lei pessoal, diz o art. 17º/2 CC se o
interessado residir habitualmente em território português ou em país cuja norma de conflitos
considere competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade. Pode dizer-se, talvez,
que a ideia da lei é a de que, no domínio do estatuto pessoal, em que são duas as conexões
principais (nacionalidade e residência habitual), só há harmonia de decisões susceptível de
justificar o reenvio quando ambas as leis designadas por aquelas conexões estejam de acordo.
Ora, não é esse o caso em nenhuma das hipótese contempladas no art. 17º CC. Note-se ainda
que a segunda exclusão de reenvio, por força do art. 17º/2 CC, pressupõe que o Direito
Internacional Privado da lex domiciliiremeta para o direito “interno” da lex patriae. Significa
isto que a referência da primeira à segunda destas leis deve ser uma referência material.
Segundo o art. 17º/2 CC o reenvio não será de admitir se o Direito Internacional Privado da lex
domicilii persiste em considerar aplicável o direito material da lex patriae. Mas segundo o art.
17º/3 CC já assim não será, o reenvio já não será afastado se, tratando-se duma daquelas
matérias que o texto enumera, a lex patriae remeter para a lex rei sitae e esta se considerar
competente. Isto ainda que a lex domicilii seja alex fori. A lex rei sitae, embora ano tenha em
princípio título para se aplicar em matéria de estatuto pessoal, pode querer aplicar-se às
repercussões deste estatuto em matéria de direitos sobre as coisas situadas no seu território. E
deve reconhecerse que, neste ponto, ela é de todas as leis interessadas aquela que está em
melhores condições para fazer vingar o seu ponto de vista, uma vez que as coisas sobre que se
pretende exercer o direito se acham no seu território. Por isso se diz que ela é a lei dotada de
competência mais forte ou mais próxima. A manifesta finalidade deste conjunto de princípios é
a de assegurar no maior grau possível a harmonia jurídica entre diversas legislações, dando
prevalência, com um sentido bastante realista das soluções, à lei do Estado que se encontra
numa situação privilegiada quando às relações jurídicas cujo o regime se trata de fixar. As
disposições do art. 18º CC Este artigo ocupa-se do reenvio sob a forma de retorno de
competências à lei portuguesa. Este retorno pode ser directo[16], ou indirecto[17]. Para
qualquer dos casos, o art. 18º/1 CC estabelece o retorno só é de aceitar se o Direito
Internacional Privado da lei designada pela regra de conflitos portuguesa devolver (directa ou
indirectamente) para o direito interno português. Dos termos da lei parece decorrer que a
referência ao direito português por parte da lei estrangeira que o designa como competente
há-de ser uma referência material. A razão de ser do art. 18º/1 CC é a salvaguarda da harmonia
internacional de decisões. Ora, no caso, tal harmonia será alcançada qualquer que seja a
atitude que se adopte. A admissão do reenvio não é aqui um meio necessário para se alcançar
a referida harmonia. Mas também a não prejudica de forma alguma. A isto acresce a vantagem
de que, pela aceitação do retorno, os tribunais português aplicarão a lei portuguesa, o que
facilita a administração da justiça assegurando uma aplicação mais adequada e mais rigorosa
do direito. Segundo o art. 18º/2 CC o retorno à lei portuguesa em matéria de estatuto pessoal
apenas será de aceitar se o interessado tiver a sua residência habitual no nosso país ou em país
cuja lei considere competente o direito interno português. A primeira observação a fazer aqui
respeita à diferencia entre os requisitos a que a lei sujeita a aceitação do reenvio na hipótese
de transmissão de competência e aqueles a que ela submete a dita aceitação na hipótese de
retorno. Neste segundo caso, a lei é mais exigente, pois afasta o reenvio não apenas nas
hipóteses em que a lex domicilii considera competente o direito interno (material) da lex
patriae, como no art. 17º/2 CC mas em todos os casos em que sendo a lex domicilii uma lei
estrangeira, esta remeta também (em consonância com a lexpatriae) para o direito interno
português. Coordenadas básicas do regime legal do reenvio em matéria de estatuto pessoal,
casos omissos Das disposições do art. 17º e 18º CC podem-se extrair conclusões bastantes
significativas sobre o reenvio em matéria de estatuto pessoal. A primeira é a que respeita à
relevância da conexão “residência habitual”, esta conexão é tão importante que, em princípio
se deve exigir o acordo da lex domicilii para que se possa entender que há uma harmonia
internacional de decisões capaz de justificar aquilo a que se chama o reenvio. Assim é, que
devemos aplicar a lex fori, desistindo (digamos) da nossa regra de conflitos, quando as duas
principais leis interessadas (lex patriae e lex domicilii) fazem aplicação do nosso direito
material. Mas repare-se que não basta aceitar o reenvio que a lexpatriae faz à lex fori: é preciso
que esse reenvio seja confirmado por uma lei a que não chega a designação da nossa regra de
conflitos: a lexdomicilii. Artigo 19º CC c) Artigo 19º/1 CC Segundo este preceito, do reenvio não
poderá resultar a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico que seria inválido ou eficaz
segundo a lei designada pela nossa regra de conflitos, nem a ilegitimidade de um Estado que
de outro modo seria legítimo. d) Artigo 19º/2 CC: a lei designada pelos interessados O reenvio
não é de admitir no caso de a lei estrangeira ter sido designada pelos interessados, quando tal
designação é válida. Quer este texto referir-se às hipóteses em que vigora o princípio da
autonomia da vontade em Direito Internacional Privado, ou seja, àquelas em que a lei
competente é a directamente designada pela vontade das partes. Trata-se, portanto, apenas
das hipóteses abrangidas no art. 41º CC: obrigações provenientes de negócios jurídicos. Só
neste domínio é que o Direito Internacional Privado português permite que a lei competente
seja directamente designada dentro de certos termos, pela vontade dos interessados.
Ordenamentos jurídicos plurilegislativos O art. 20º/1 CC estabelece como princípio básico o
princípio segundo o qual, designada a lei de um Estado plurilegislativo em razão da
nacionalidade de certa pessoa é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema
legislativo local aplicável. O art. 20º/2 CC esclarece sobre quais as normas do “direito interno
desse Estado” que importa aplicar para determinar o sistema legislativo local competente: são
as normas do direito interlocal e, na falta desta, as normas do Direito Internacional Privado
unitário do mesmo Estado. Por último, a 2ª parte do art. 20º/ CC determina que, na hipótese
de nenhum dos indicados procedimentos nos fornecer a solução, deve-se considerar como lei
pessoal do interessado a lei da sua residência habitual. Esta última hipótese verifica-se
portanto, quando não exista no Estado plurilegislativo um direito interlocal ou um Direito
Internacional Privado unificado. Por seu turno, o art. 20º/3 CC refere-se à hipótese de a
legislação designada como competente ser territorialmente unitária, mas com sistemas de
normas diferentes para os diferentes grupos de pessoas. Neste caso, manda a nossa lei
observar sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas. Retorno
directo, se é a lei designada pela regra de conflitos da lex fori que manda aplicar esta lei; ou
retorno indirecto se é uma terceira lei designada pela regra de conflitos da lei primeiramente
chamada, que opera o retorno. Vide arts. 62º e 18º CC. Se é a própria lei designada pela nossa
regra de conflitos que devolve a competência à lei portuguesa. Se o Direito Internacional
Privado da lei designada pela regra de conflitos transmite a competência a uma outra lei, sob a
forma de referência global, e estoutra lei retorna a competência à lei portuguesa.

Exclusão do reenvio nos Regulamentos da UE

Entende-se por aplicação da lei de qualquer país designada pelo presente regulamento, a
aplicação das normas jurídicas em vigor nesse país, com exclusão das suas normas de direito
internacional privado. Unicamente o Regulamento 650/2012 (art. 34) aceita o reenvio quando
das regras de conflito de leis estabelecidas podem resultar na aplicação da lei de um Estado
terceiro. Nesses casos, haverá que atender às regras do direito internacional privado da lei
desse Estado. Se essas regras previrem o reenvio para a lei de um Estado-Membro ou para a lei
de um Estado terceiro que aplicaria a sua própria lei à sucessão, esse reenvio deverá ser aceite
a fim de assegurar a coerência internacional. O reenvio deverá, todavia, ser excluído nos casos
em que o falecido tiver feito uma escolha de lei a favor da lei de um Estado terceiro

Artigo 20.º (Ordenamentos jurídicos plurilegislativos) 1. Quando, em razão da nacionalidade de


certa pessoa, for competente a lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemas
legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema aplicável. 2.
Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito internacional privado do mesmo
Estado; e, se este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua
residência habitual. 3. Se a legislação competente constituir uma ordem jurídica
territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos sistemas de normas para diferentes
categorias de pessoas, observar-se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito
de sistemas.

Remissão para Ordenamentos jurídicos plurilegislativos nos Regulamentos da EU

1. Sempre que um Estado englobe várias unidades territoriais, tendo cada uma normas de
direito próprias em matéria de obrigações extracontratuais, cada unidade territorial é
considerada um país para fins de determinação da lei aplicável por força do presente
regulamento. 2. Um Estado-Membro em que diferentes unidades territoriais tenham normas
de direito próprias em matéria de obrigações extracontratuais não é obrigado a aplicar o
presente regulamento aos conflitos de leis que respeitem exclusivamente a essas unidades
territoriais.

14. A fraude à lei em Direito Internacional Privado

Para o Direito Internacional Privado a fraude à lei é quando os interessados no instituto


escapam à aplicação de um preceito material de certa legislação “criam” um elemento de
conexão que tornará aplicável uma outra ordem jurídica mais favorável aos seus intentos, há
assim uma norma instrumental de fraude.

A fraude à lei traduz-se em defraudar o imperativo de uma norma material de certo


ordenamento jurídico através da utilização como instrumento de uma norma de conflitos, ou
seja, fraude à lei em Direito Internacional Privado, não é fraude de uma norma, a norma é
apenas um mecanismo de fraude.
As conexões das normas de conflitos são facilmente deslocáveis, logo as partes podem
aproveitar estas normas de conflito de maneira a obterem soluções mais vantajosas.

 Procedimento pelo qual o particular utiliza um tipo legal em vez de outro a fim de
provocar a consequência jurídica pretendida;

 A pessoa manipula um tipo legal com vista a obter uma consequência jurídica.

No Direito Internacional Privado há situações que são consideradas de fraude à lei, surgindo
quando os interessados no intuito de escapar à aplicação de um preceito material de certa
legislação “criam um elemento de conexão que tornará aplicável na outra ordem jurídica mais
favorável aos seus intentos”. Norma meramente instrumental de fraude à lei:

Ex.: A, português, naturaliza-se britânico com vista a privar da legitima seu filho.

A ordem jurídica inglesa é a norma instrumental com vista a obter um determinado resultado.

A maior parte da doutrina aceita a fraude à lei no campo do Direito Internacional Privado, mas
há já três autores que aceitam a fraude à lei no Direito Internacional Privado, razões:

6) É o próprio legislador que indica às partes o caminho pelo qual pode escapar;

7) Muitas vezes é difícil determinar os casos de fraude à lei;

8) Qualquer norma jurídica que venha estipular o conceito de fraude à lei vem trazer muita
segurança e incerteza jurídica.

A natureza de fraude à lei pode ser um problema autónomo ou um problema da reserva da


ordem pública. O estudioso da China, Huang Jin, considera que é um problema autónomo; e
sintetiza os seguintes elementos:

1. as causas são diferentes. A fraude à lei é consequência de acto voluntário das partes na
mudança do elemento de conexão enquanto que a reserva da ordem pública é causada pelo
conflito entre o conteúdo do direito estrangeiro designado pela norma de conflitos e a ordem
pública do país da norma de conflitos.

2. os bens jurídicos protegidos são diferentes. O instituto da fraude à lei pode proteger as leis
internas, também pode proteger as leis estrangeiras, e a maioria delas são normas proibitivas;
a reserva da ordem pública apenas protege o direito interno, são princípios fundamentais do
direito interno, não têm de ser normas jurídicas proibitivas.

3. a natureza do acto é diferente. A fraude à lei é um acto privado; a reseva da ordem pública é
aplicada por um órgão estatal.

4. as consequências são diferentes. Quando uma lei estrangeira não é aplicada por causa da
negação da fraude à lei, não só o objectivo que as partes tentarem obter com a aplicação de
uma lei estrangeira não pode ser alcançado, como também podem assumir a responsabilidade
jurídica; em caso de não aplicação da lei estrangeira designada pela norma de conflitos por
causa da ordem pública, as partes não assumem qualquer responsabilidade jurídica.

5. o estatuto e a situação na legislação são diferentes. A reserva da ordem pública é


reconhecido por todos os países do mundo, o direito internacional privado de todos os países
estipula o instituto da reserva da ordem pública sem excepção; a fraude à lei é considerada
como uma doutrina, além de poucos países, a maioria dos países não tem disposto escrito na
legislação. Outro estudioso da China, Yang Xiankun, compara a fraude à lei com o reenvio e a
reserva da ordem pública. Ele considera que embora a fraude à lei, o reenvio e a reserva da
ordem pública são institutos do direito internacional privado, existem diferenças18:

1. Quanto à causas: A fraude à lei é causada intencionalmente pelas partes, ao passo que o
reenvio e a reserva da ordem pública resultam do conteúdo do direito estrangeiro designado
pela norma de conflitos, não podendo ser alterados pela vontade das partes.

2. Quanto ás consequências: as partes não assumem qualquer responsabilidade, quando um


direito estrangeiro designado pela norma de conflitos não é aplicado por causa do reenvio ou
de reserva da ordem pública; em caso de não aplicação de um direito estrangeiro por causa de
negação da validade de fraude à lei, as partes não apenas não alcançam o objectivo de tentar
aplicar um determinado direito estrangeiro, como também têm de assumir certas
responsabilidades jurídicas pela sua conduta fraudulenta. O estudioso português, J. B.
Machado, considera que a fraude à lei e a ordem pública internacional revelam quatro
diferenças.

1. nos casos de fraude à lei como de ordem pública internacional, é recusada a aplicação da lei
estrangeira, mas as razões de recusa são diferentes.

No primeiro caso, é recusada a aplicação porque a lei estrangeira é “inconciliável” com a lei do
foro; no segundo caso, é recusada a aplicação porque a lei estrangeira é “inaceitável”.

2. a fraude à lei envolve o problema da justiça formal, ao passo que a ordem pública
internacional tem a ver com o problema da justiça material.

3. O problema da fraude à lei põe-se em primeiro lugar, porque se verifica ao nível da aplicação
de normas de conflitos; ao passo que o problema de ordem pública internacional põe-se
depois, porque se verifica no âmbito da aplicação do direito material.

4. a ordem pública internacional apenas protege os interesses da lei do foro, ao passo que o
instituto da fraude à lei não apenas protege os interesses da lei do foro, como serve ainda para
proteger os interesses da lei estrangeira.

15- A aplicação do direito material estrangeiro

O direito aplicável por força da norma de conflitos é o direito que realmente vigora num
determinado país, seja qual for a natureza da fonte de onde emanam os respetivos preceitos.
Pode tratar-se de direito religioso, de direito internacional incorporado in foro, de direito
consuetudinário. Por outro lado, é irrelevante o facto de o Estado ou o Governo estrangeiro
não ser reconhecido pelo estado de foro. Na verdade, são coisas conceitual e praticamente
distintas: o reconhecimento do Estado ou do respetivo governo (assunto que releva do direito
internacional publico) e o reconhecimento do direito privado que num estado se encontra em
vigor.

O direito estrangeiro e aplicado entre nós como direito. Vejam-se neste sentido os artigos 348º
nº2 do código civil (o tribunal aplica ex officioo direito estrangeiro declarado competente pelas
normas de conflitos portugueses e 721º nº3 do CPC, constitui fundamento de recurso de
revista a violação da lei substantiva estrangeira.

Prova da existência e averiguação do conteúdo do direito estrangeiro. Dispõem o já citado


artigo 348º nº1 do código civil que aquele que invocar direito estrangeiro compete fazer a
prova da sua existência e conteúdo, mas que o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o
respetivo conhecimento. Por outro lado, o nº2 do mesmo artigo resolve uma outra questão
que noutros países tem suscitado duvidas e que é da aplicação
16- Obrigações Contratuais e Extracontratuais

As relações entre cidadãos e entre organizações obrigam à definição de regras especificas,


perante diversas situações através de um acordo vinculativo entre ambas as partes, refletindo
os direitos e os deveres necessários para a convergência do objetivo comum. No entanto, estes
contratos são regulados por determinadas normas que se enquadram na lei em vigor, ao não
serem respeitados podem gerar prejuízos para uma das partes. No intuito de evitar um conflito
de leis e a fim de responder à globalização e harmonização de Estados, as obrigações
contratuais devem também respeitar tanto a Convenção de Roma como a Regulação de Roma
II, o que exige um estudo aprofundado na área do Direito Internacional Privado. Em virtude de
materializar uma declaração unilateral de vontade do cidadão ou qualquer ato ilícito, como a
responsabilidade civil e/ou aquilina, o instrumento em causa define-se por obrigações
extracontratuais. O facto destes instrumentos não se encontrarem reduzidos à forma
contratual a solução carece da interpretação da Lei e do caso específico, o que faz com que a
solução produzida seja única e singular para cada processo.

A Convenção de Roma, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, no art. 7º, salvaguarda
a existência de norma de aplicação imediata que deve ser respeitada pelo julgador, quer sejam
normas de aplicação imediata quer sejam normas de aplicação imediata estrangeiras. Portugal
ratificou a Convenção de Roma, mas fez uma reserva ao problema do art. 7º e de
obrigatoriamente aplicar as normas de aplicação imediata estrangeira.

“Consideramos que estas regras são regras de reconhecimento das normas de aplicação
imediata estrangeiras e não regras de conflitos de leis, já que contemplam expressa ou
implicitamente a vontade de aplicação das lois de police alheias.”

No art. 65º/2 C.C, o legislador tomou outra atitude.

A lei aplicável às obrigações extracontratuais:

Regulamento (CE) n.o 864/2007 — A lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»)

SÍNTESE

PARA QUE SERVE ESTE REGULAMENTO?

—Este regulamento traz uma maior certeza jurídica relativamente à lei aplicável às obrigações
extracontratuais, em particular nos casos de responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito
ou no risco.

—Assegura ainda um equilíbrio razoável entre os interesses da pessoa cuja responsabilidade é


invocada e do lesado.

—Qualquer lei especificada nos termos do regulamento é aplicada, quer seja ou não a lei de
um país da UE.

— O regulamento é aplicável a todos os países da UE, com exceção da Dinamarca.

PONTOS-CHAVE

O regulamento não substitui as disposições do direito material nacional (isto é, as leis que
determinam os direitos e as obrigações) relativas às obrigações extracontratuais, determinando
apenas qual é a disposição do direito material nacional aplicável.
A lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato
lícito, ilícito ou no risco é:

1. A lei do país onde ocorre o dano; ou

2. A lei do país onde ambas as partes tinham a sua residência habitual ou o seu
estabelecimento habitual quando ocorreu o dano; ou

3. Se o caso tiver uma conexão manifestamente mais estreita com outro país, é aplicável a lei
desse outro país.

O regulamento permite ainda, em determinadas condições, que as partes escolham, por


acordo mútuo, qual a lei aplicável a uma obrigação extracontratual.

Alcance da lei aplicável

A lei aplicável às obrigações extracontratuais rege, designadamente:

—o fundamento e o âmbito da responsabilidade, incluindo a determinação das pessoas às


quais pode ser imputada responsabilidade;

—as causas de exclusão da responsabilidade, bem como qualquer limitação e repartição da


responsabilidade;

— a existência, a natureza e a avaliação dos danos ou da reparação exigida;

—as medidas que um tribunal pode tomar para prevenir ou fazer cessar o dano ou assegurar a
sua reparação;

—as formas de extinção das obrigações, bem como as regras de prescrição e caducidade;

—a transmissibilidade do direito de exigir indemnização ou reparação, incluindo por via


sucessória;

— as pessoas com direito à reparação do dano pessoalmente sofrido;

— a responsabilidade por atos de outrem.

Existem regras específicas para obrigações extracontratuais especiais, por exemplo


responsabilidade por produtos defeituosos e propriedade intelectual. Determinadas
obrigações extracontratuais são excluídas do âmbito de aplicação do regulamento,
nomeadamente:

— matérias fiscais, aduaneiras e administrativas;

— responsabilidade do Estado;

—obrigações extracontratuais específicas que decorram, por exemplo, de regimes de bens no


casamento e de relações de família, de um dano nuclear ou da violação da vida privada e dos
direitos de personalidade, incluindo a difamação.

A PARTIR DE QUANDO É APLICÁVEL O REGULAMENTO?

A partir de 11 de janeiro de 2009, com exceção do artigo 29. o (11 de julho de 2008).

CONTEXTO

A par deste regulamento («Roma II»):

—o Regulamento Roma I (Regulamento (CE) n.o 593/2008) define as regras para determinar a
lei aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial; e

—o Regulamento Roma III (Regulamento (UE) n.o 1259/2010) define as regras para determinar
a lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.

Ver também:

— Obrigações contratuais e extracontratuais.

ATO

Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007,


relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO L 199 de 31.7.2007, p. 40-
49)

ATOS RELACIONADOS

Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de


2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177 de 4.7.2008, p. 6-16).

17 - Competência Jurisdicional Internacional

Os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação


transnacional quando forem internacionalmente competentes. A violação das regras de
competência internacional legal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso
(incompetência absoluta) (arts. 101.°, 102.°/1 e 494.°/a CPC) e a decisão proferida por um
tribunal em violação de regras de competência internacional é recorrível (art. 678.°/2 CPC).

A competência dos tribunais portugueses é exclusiva quando a ordem jurídica portuguesa não
admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas
por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes. A competência exclusiva
contrapõe-se à competência concorrente, que é aquela que pode ser afastada por um pacto de
jurisdição e que não obsta ao reconhecimento de decisões proferidas por tribunais
estrangeiros.

Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva: o
regime comunitário e o regime interno. O regime interno só é aplicável quando a ação não for
abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente
superior.
O regime comunitário é definido pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22/12/2000, Relativo à
Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e
Comercial (doravante designado Regulamento em matéria civil e comercial).

Os critérios de competência legal exclusiva contidos no Regulamento em matéria civil e


comercial são diretamente aplicáveis sempre que o respetivo elemento de conexão aponte
para um Estado-Membro vinculado pelo Regulamento e que o litígio emirja de uma relação
transnacional (proémio do art. 22.°). Não se verificando um dos casos de competência (legal ou
convencional) exclusiva previstos no Regulamento, a competência internacional dos tribunais
dos Estados-Membros é regulada pelas regras de competência legal não exclusiva contidas no
Regulamento se o réu tiver domicílio num Estado-Membro (art. 3.°).

Por conseguinte, o regime interno de competência internacional exclusiva só é aplicável


quando não se verifique um dos casos de competência (legal ou convencional) exclusiva
previstos no Regulamento e o réu não tenha domicílio num Estado-Membro (art. 4.°/1 do
Regulamento).

Os casos de competência exclusiva encontram-se regulados na Secção VI do Capítulo II do


Regulamento, que compreende um só artigo (22.°).

Este preceito faz sempre referência aos “tribunais do Estado--Membro”, formulação que torna
claro que apenas é regulada a competência internacional.

A competência territorial é regulada pelo Direito interno dos Estados-Membros. Se do Direito


interno da jurisdição exclusivamente competente não resultar a competência territorial de um
tribunal local, verifica-se uma lacuna do regime da competência, que deve ser integrada com
base nos critérios vigentes na respetiva ordem jurídica. Geralmente estes critérios apontarão
para a aplicação analógica das regras sobre competência internacional contidas no art. 22.° do
Regulamento à determinação da competência territorial.

A competência exclusiva dos tribunais de um Estado-Membro afasta o critério geral do


domicílio do réu e os critérios especiais de competência legal. A competência exclusiva
também não pode ser derrogada nem por um pacto atributivo de competência nem por uma
extensão tácita de competência (arts. 23.°/5 e 24.°). O tribunal de um Estado-Membro, perante
o qual tiver sido proposta, a título principal, uma ação relativamente à qual tenha competência
exclusiva um tribunal de outro Estado-Membro deve declarar-se oficiosamente incompetente
(art. 25.°).

Se não o fizer, verifica-se um fundamento de recusa de reconhecimento, nos outros Estados-


Membros, da decisão que proferir (arts. 35.°/1 e 45.°/1).

No caso, pouco frequente, de uma ação ser da competência exclusiva de vários tribunais, o
tribunal a que a ação tenha sido submetida posteriormente deve declarar-se incompetente em
favor daquele a que a ação tenha sido submetida em primeiro lugar (art. 29.°).

Como já se observou, os critérios de competência internacional exclusiva contidos no art. 22.°


são diretamente aplicáveis sempre que o respetivo elemento de conexão aponte para um
Estado-Membro vinculado pelo Regulamento e que o litígio emirja de uma relação
transnacional. A competência exclusiva dos tribunais de um Estado-Membro não depende de o
réu estar domiciliado no território de um Estado-Membro (cf. proémio do art. 22.°). Tão-pouco
é necessária uma conexão com outro Estado-Membro.

Isto liga-se à justificação genérica das competências legais exclusivas retida pelo TCE: “a
existência de um nexo de ligação particularmente estreito entre o litígio e um Estado
contratante, independentemente do domicílio tanto do requerente como do requerido”.

Em rigor, porém, parece que estas competências exclusivas não são justificadas apenas pela
intensidade da ligação, mas também pela circunstância de se tratar de matérias em que
vigoram, na generalidade dos sistemas nacionais, regimes imperativos cuja aplicação deve ser
assegurada sempre que se verifique uma determinada ligação com o Estado que os editou. Na
verdade, os critérios de competência exclusiva coincidem tendencialmente com os elementos
de conexão relevantes para a aplicação destes regimes imperativos.

O art. 22.° do Regulamento tem como precedente normativo o art. 16.° da Convenção de
Bruxelas em que se baseia quase inteiramente. As diferenças de conteúdo, de reduzido
alcance, verificam-se apenas em dois casos:

— no 2.° § do n.° 1 (acrescentado à Convenção de Bruxelas pela Convenção de Adesão de


Portugal e da Espanha), em matéria de contratos de arrendamento de imóveis, quanto aos
pressupostos de competência dos tribunais do Estado--Membro onde o requerido tiver
domicílio;
— no n.° 4, em matéria de inscrição ou de validade de direitos de propriedade industrial, com
respeito aos direitos regulados por um instrumento comunitário ou pela Convenção relativa à
patente europeia.

Estas diferenças serão examinadas quando procedermos ao estudo na especialidade.

Se o elemento de conexão utilizado pela regra de competência legal exclusiva aponta para um
terceiro Estado, a competência é regulada pelo Direito interno, se o réu não tiver domicílio
num Estado-Membro (art. 4.°/1). Se o réu tiver domicílio num Estado-Membro, as opiniões
dividem-se: os Relatores, seguidos por uma parte da doutrina, entendem que são aplicáveis as
outras disposições do Regulamento (ou das Convenções de Bruxelas e de Lugano),
designadamente o art. 2.°; alguns autores defendem que corresponde ao sentido do
Regulamento (ou das Convenções) que nestas matérias só são adequados os elementos de
conexão constantes do art. 22.°, razão por que os tribunais dos Estados-Membros se podem
considerar incompetentes.

Este segundo entendimento é de preferir quando os tribunais do terceiro Estado se


considerarem exclusivamente competentes, por várias razões.

Primeiro, é um entendimento coerente com a valoração subjacente ao art. 22.° do


Regulamento. Se os Estados-Membros reclamam uma determinada esfera de competência
exclusiva também devem reconhecer igual esfera de competência exclusiva a terceiros Estados.

Segundo, este entendimento contribui para uma distribuição harmoniosa de competências. A


posição contrária leva a que os tribunais de um Estado-Membro se considerem competentes,
ao mesmo tempo que os tribunais de terceiro Estado reclamam competência exclusiva com
base em critérios razoáveis.
Terceiro, este entendimento conforma-se com o princípio da relevância da competência
exclusiva de tribunais estrangeiros, adiante examinado e justificado (infra II).

O Regulamento impõe que o tribunal de um Estado-Membro se declare incompetente quando


o tribunal de outro Estado-Membro tenha competência exclusiva (art. 25.°), mas não proíbe o
tribunal de um Estado-Membro de se declarar incompetente noutros casos, quando tal seja
conforme ao sentido do Regulamento.

Claro é que o Regulamento também não impõe ao tribunal de um Estado-Membro que se


declare incompetente quando o elemento de conexão utilizado por uma das regras do art. 22.°
aponta para terceiro Estado cujos tribunais reclamem competência exclusiva. Por isso, se,
nestas circunstâncias, o tribunal de um Estado-Membro se considerar competente, tal não
constitui fundamento de recusa de reconhecimento da decisão noutros Estados-Membros.

Do texto do art. 22.° e da sua ratio resulta inequivocamente que a enumeração de casos de
competência internacional exclusiva aí contida tem natureza taxativa. O Regulamento não
admite o alargamento dos casos de competência exclusiva por via da analogia ou com base em
qualquer outra técnica.

Os conceitos empregues para delimitar a previsão das regras de competência do art. 22.°
devem ser objecto de uma interpretação autónoma. O TCE tem sublinhado que as disposições
do art. 16.° da Convenção de Bruxelas – que, conforme já assinalado, constitui o precedente
normativo do art. 22.° do Regulamento – não devem ser interpretadas em termos mais amplos
do que os requeridos pelo seu objectivo, desde logo porque têm como consequência a
privação da liberdade de escolha do foro, bem como, em determinados casos, a submissão das
partes a uma jurisdição em que nenhuma delas está domiciliada.

Em princípio, as matérias enumeradas no art. 22.° só fundamentam a competência exclusiva


quando o tribunal as conhece a título principal (cf. art. 25.°).

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